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TEORIA E CRÍTICA LITERÁRIA AULA 6 Profª Angela Maria Fernandes Pimenta 2 CONVERSA INICIAL Nesta etapa, falaremos sobre os Estudos Culturais que desenvolveram- se na Europa e nos Estados Unidos, nas décadas de 1960 e 1970. Os Estudos Culturais propõem que a teoria afaste-se da pura abstração e configure-se como uma prática política, além de que pretendem transpor os limites entre a arte e a sociedade, em uma perspectiva interdisciplinar. Os Estudos Culturais ampliam ainda o corpus dos pesquisadores de Literatura, englobando também as telenovelas, o cordel, as histórias em quadrinhos e as obras feministas. A fim de compreendermos o processo de desenvolvimento dos Estudos Culturais, exploraremos a chamada virada linguística, também chamada de giro linguístico, importante movimento filosófico do século XX cujo principal objetivo é estabelecer uma discussão sobre a relação entre filosofia e linguagem. A linguagem passa a ser vista como algo autônomo e que permitiria a compreensão da realidade. Falar na virada linguística nos levará a tratarmos sobre os estudos de Richard Rorty, a partir de cuja obra o termo ganhou maior notoriedade. Além da questão da “virada linguística”, discutiremos sobre a crítica pós- colonial, ou seja, os estudos da diversidade de práticas culturais que se desenvolvem nas sociedades colonizadas pelos europeus. Exploraremos também sobre a crítica feminista, um amplo e heterogêneo campo de estudos na literatura. Sobre a questão da crítica feminista, abordaremos ainda os 3 grandes momentos do movimento feminista, ou seja, as grandes “ondas” do movimento. Após o advento dos Estudos Culturais, ocorre uma grande crítica ao processo de formação do cânone literário e um caminho no sentido da valorização das obras ditas “marginais”, ou seja, aquelas escritas por não- brancos, não-europeus, pelas mulheres e pelos negros. A fim de melhor organizarmos seu estudo e suas consultas futuras ao material, ele estará dividido em cinco seções, a saber: 1. Estudos culturais e estudos literários. 2. Cânone e anti-cânone. 3. Crítica feminista. 4. A critica pós-colonial. 3 5. Balanço final: os estudos culturais hoje. Após as temáticas, você será convidado a refletir sobre questões abordadas e aplicá-las em situações atuais, na seção “Na prática”. Bom estudo. TEMA 1 – ESTUDOS CULTURAIS E ESTUDOS LITERÁRIOS Compreendermos o surgimento dos Estudos Culturais implica tratarmos da chamada virada linguística, movimento que pretende recaracterizar a estrutura e a natureza da linguagem, interpretando as práticas concretas de linguagem. Sobre essa nova configuração para o fenômeno da linguagem, White (1994) define: [...] a linguagem nunca é um conjunto de ‘formas’ vazias esperando para serem preenchidas com um “conteúdo” factual e conceitual ou para serem conectadas a referentes pré-existenciais no mundo, mas está ela própria no mundo como uma ‘coisa’ entre outras [...]. (White, 1994, p. 27) O termo virada linguística é uma importante metáfora para compreender o fenômeno da linguagem. Com ele, recusa-se a inclinação científica da Filosofia e aponta que os problemas filosóficos são problemas de linguagem. A partir do século XX, a linguagem passa a ocupar um lugar central em diferentes disciplinas. A expressão é definida por Gracia (2004, p. 19) como a mudança que ocorreu na Filosofia e em outras ciências humanas, dando maior atenção ao papel da linguagem no projeto das disciplinas e nos fenômenos que elas estudam. O termo foi criado por Gustav Bergman, mas popularizou-se a partir da obra The Linguistic Turn, de Richard Rorty, em 1967. A linguagem passa a ser vista como uma espécie de interação capaz de construir o mundo e as realidades. Sendo assim, a linguagem não é algo transparente e sim, polissêmica, podendo inclusive ser uma fonte de equívocos e ilusões. A linguagem, portanto, é mais do que um”meio”: é um modo de relação com o outro, uma atividade mental que vai muito além de um mero instrumento de comunicação. 4 A grande mudança trazida pela “virada linguística” diz respeito à compreensão do fenômeno da literariedade, o qual não estaria mais nas relações entre o texto e a sociedade, mas na própria organização da linguagem. A forma, portanto, passa a ser uma entidade autônoma, pois como tudo é linguagem, não haveria nada além dela. A partir da “virada linguística”, a linguagem passa a ser encarada como uma questão central para a Filosofia, o que representa uma verdadeira revolução filosófica que traz em seu íntimo uma nova visão de mundo. TEMA 2 – CÂNONE E ANTI-CÂNONE A palavra “cânone” deriva do grego kanon e refere-se a um sistema de valores, regras ou modelos a partir dos quais uma obra é julgada ou avaliada, “uma norma pela qual todas as coisas são julgadas e avaliadas” (McDonald, 1996, p. 13) Em suas primeiras utilizações, a palavra “cânone” referia-se à lista de livros sagrados que a igreja considerava como verdadeiros transmissores da palavra de Deus e que, portanto, deveriam ser lidos pelos fiéis a fim de que nele espelhassem seus comportamentos. Quando pensamos no cânone literário, podemos defini-lo como o conjunto de obras e autores considerados “grandes”, “geniais” ou “clássicos”. Tais obras e autores, por transmitirem valores humanos essenciais, seriam dignas de serem lidas, estudadas e transmitidas de geração em geração. Para Bloom (1994, p. 35), o cânone representaria “um exercício de memória, sem a qual o conhecimento não é possível”. Para o crítico, o cânone é a “verdadeira arte da memória, a autêntica fundação do pensamento cultural”. (Bloom, 1994, p. 35) O cânone também contribui para a definição de uma identidade nacional, uma vez que as obras consideradas canônicas tornam a identidade nacional algo quase palpável e homogêneo. É importante destacarmos que, qualquer que seja o significado com que o vocábulo é usado, ele sempre se refere a um discurso normativo e dominante em um determinado contexto, o que caracteriza um processo de exclusão. Portanto, não se pode pensar que o cânone seja construido meramente a partir de critérios estéticos. Seria uma grande ingenuidade, uma vez que a percepção do valor de uma obra é condicionada por diferentes fatores. 5 Para os Estudos Culturais, a noção de cânone deve ser relativizada a fim de que sejam valorizadas obras de segmentoa marginalizados da sociedade. Souza (2005) assim nos apresenta a relação entre os Estudos Culturais e o cânone: A agenda culturalista denuncia a arbitrariedade e o caráter contingente dos critérios que presidiram à constituição dos cânones, assinalando sua feição elitista e homogeneizante, e a partir daí reivindicar posições de relevo para a produção de segmentos tidos como marginalizados ou subalternos, como aqueles constituídos por mulheres e por representantes de etnias política e socialmente minoritárias. (Souza, 2005, p. 65) Kermode (1993, p. 26) nos traz uma nova visão sobre o cânone literário. Tal visão é adotada como base para os Estudos Culturais. Para ele: “o cânone é feito de obras escritas por machos brancos, e deveria portanto ser odioso a todos que se preocupam com as privações até agora impostas às mulheres e às minorias étnicas”. Para Kermode e para os defensores dos Estudos Culturais, o cânone está em constante movimento e não é único, portanto não haveria um único cânone, mas “cânones” plurais, sendo “diálogo” e “movimento” as palavras-chave para entendê-lo. Os Estudos Culturais procuram dessacralizar a Literatura, ampliando as possibilidades de leitura do fenômeno literário, uma vez que, conforme afirma Coutinho (1996, p. 72), é urgente que sejam resgatadas as produções culturais que, por muito tempo, foram colocadas em segundo plano pela tradição. TEMA 3 – CRÍTICA FEMINISTAAcostumamo-nos a ler, em obras canônicas, uma história de submissão da mulher na sociedade. O modelo patriarcal manteve a inferioridade feminina em suas representações artísticas e isso, por muito tempo, não foi motivo de preocupação. Com o advento dos Estudos Culturais, a crítica feminista consolida-se nos anos 1980 como um movimento cultural que visa à igualdade de gênero. Segundo Lisboa e Santos (2015): Os Estudos Culturais a partir da vertente feminista introduzem novas variáveis referentes ao debate acerca da formação das identidades. Questionam-se os aspectos da cotidianidade dos sujeitos, até então, 6 aparentemente, ancoradas com bases sólidas e padronizadas. (Lisboa; Santos, 2015, p. 237) Considera-se que existam duas modalidades de desenvolvimento da crítica feminista: a primeira atuaria no sentido de resgatar as obras escritas por mulheres e que, ao longo de tempo, passaram a ser desvalorizadas; a segunda, teria como meta fazer releituras de obras literárias (femininas ou não) sob a perspectiva da mulher, a fim de elencar as diferentes vozes presentes no texto, a importância da voz feminina e os traços de patriarcalismo presentes na obra. O movimento feminista atuou no mundo em três grandes momentos ou “ondas” nos quais a militância se deu em termos literários, culturais e políticos. A primeira “onda” corresponde aos anos finais do século XIX e aos anos iniciais do século XX, quando eram expressivas as lutas pelos direitos humanos. Nessa época, destaca-se a produção literária e ensaística de Virgínia Woolf, destacando-se a obra “Um teto todo seu” (1929), na qual Woolf discute a necessidade de as escritoras mulheres conquistarem seu espaço em um mundo dominado por homens. Resumidamente, pode-se dizer que, neste primeiro momento o movimento se organizou contra as diferenças salariais entre homens e mulheres, a questão da propriedade e os direitos de escolha, como o voto. A segunda onda teve início com a publicação da obra “O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir, em 1949. Nessa obra, a autora discute a condição da mulher sob diferentes pontos de vista: biológico, psicanalítico, histórico, a fim de demonstrar que o estatuto feminino é sempre uma conquista. Nessa obra, está a célebre frase: “ninguém nasce mulher: torna-se mulher” (Beauvoir, 1980, p. 9). Para Beauvoir, a existência feminina é construída e determinada pela sociedade: “Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. (Beauvoir, 1980, p. 99). A terceira onda feminista surgiu nos Estados Unidos nos anos 1990 e representa uma pauta mais ampla de reivindicações, englobando a teoria queer, o movimento negro, o pós-colonialismo, o transnacionalismo, dentre outros. Um aspecto que se pode destacar nessa terceira onda é que a sexualidade é vista como uma modalidade de poder. 7 Os estudos queer surgiram a partir do encontro entre os Estudos Culturais e o pós-estruturalismo francês, problematizando questões como sujeito, identidade e identificação. Os estudos de Jacques Derrida (2004) foram essenciais para o desenvolvimento da teoria queer. Segundo ele, nossa linguagem opera sempre por relações binárias, de modo que o hegemônico se impõe sobre o subordinado. Uma das principais pensadoras acerca das questões de gênero e da teoria queer é Judith Butler (1999), com suas discussões acerca das relações de poder entre homens e mulheres e entre homossexualidade e heterossexualidade. Para Butler, a heterossexualidade compulsória ou heteronormatividade é uma conceito construído culturalmente e é urgente rompermos com tais paradigmas a fim de caminharmos para uma aceitação de diferentes identidades de gênero e sexuais. TEMA 4 – A CRÍTICA PÓS-COLONIAL Os estudos pós-coloniais ganham força nos anos de 1990 e 2000 e trazem outras palavras para a cena dos discursos acadêmicos: transculturalismo, multiculturalismo , hibridismo e diáspora. Tais vocábulos pretendem substituir o discurso anterior que falava sobre colonialismo, dominação, imperialismo e dependência. Essa mudança de vocabulário reflete a nova posição do sujeito: descentrado e com uma identidade em constante transformação. Segundo Hall (2003): O termo não se restringe a descrever uma determinada sociedade ou época. Ele relê a colonização como parte de um processo global essencialmente transnacional e transcultural e produz uma reescrita descentrada, diaspórica ou global das grandes narrativas imperiais do passado, centradas na nação. (Hall, 2003, p. 109) A crítica pós-colonial contesta as narrativas hegemônicas e legitimadoras da modernidade, relendo os discursos históricos e culturais. Influenciados pela leitura de Derrida, os teóricos pós-colonialistas distinguem o período colonial dos período pós-colonial. Enquanto o período colonial era marcado pelas diferenças e binarismo, o pós-colonialismo seria marcado pelas distintas temporalidades e pela questão da diferença. 8 A crítica pós-colonial dá voz e vez para os países, comunidades e minorias periféricas, dialogando assim com uma abordagem mais ampla dos Estudos Culturais e permitindo uma reflexão mais significativa sobre a situação global contemporânea. Sob essa perspectiva, o ponto de partida dos estudos pós-coloniais é a representação dos sujeitos em países periféricos e excluídos dos grupos hegemônicos. A crítica pós-colonial permite que sejam problematizadas questões relacionadas às identidades, fronteiras, alteridades, relações de poder entre colonizadores e colonizados. Isso porque, mesmo que o colonialismo formal não seja mais uma realidade na maior parte do mundo, ainda podem ser percebidos grandes diferenças de poder econômico e ideológico, afetando a forma como as sociedades e os indivíduos constroem suas relações. Grande parte dos estudos pós-coloniais voltam-se para o campo literário, para a análise de narrativas que constroem uma visão subalterna do outro na perspectiva pós-colonial e também para a análise de obras de autores pertencentes aos grupos colonizados, como um grito de resistência. Preciado (2007) estabelece uma relação entre os estudos pós-coloniais e outras abordagens dos Estudos Culturais, ao afirmar que : A crítica pós-colonial e queer responde, em certo sentido, à impossibilidade do sujeito subalterno articular sua própria posição dentro da análise da história do marxismo clássico. O lócus da construção da subjetividade política parece ter se deslocado das categorias tradicionais de classe, trabalho e da divisão sexual do trabalho para outras constelações transversais como podem ser o corpo, a sexualidade, a raça, mas também a nacionalidade, a língua, o estilo ou, inclusive, a linguagem. (Preciado, 2007, p. 343) Por muitos anos, essa ponte entre teóricos queer e pós-coloniais, apontada por preciado (2007) pareceu impossível, mas há tentativas recentes de conectá-los a partir da percepção de que a diferença além de plural é conceituável de diversas formas, as quais se relacionam, por sua vez, a fontes teórico-metodológicas particulares. TEMA 5 – BALANÇO FINAL: OS ESTUDOS CULTURAIS HOJE A existência de múltiplas culturas determina uma alteração radical no campo dos estudos literários. Surgem, assim, os Estudos Culturais, para os 9 quais o objeto deve ser estudado juntamente com a sua interface social, a fim de compreender como as identidades culturais são construídas e organizadas. Os Estudos Culturais permitem que um objeto artístico seja analisado por diferentes perspectivas multidisciplinares e possibilitam que se investiguem as manifestações literárias ditas “marginais”, tais como as obras de autoria feminina, as das chamadas minorias étnicas ou sexuaise as obras de caráter popular. O sociólogo Renato Ortiz (2004, p. 23) afirma que os “Estudos Culturais caracterizam-se por sua dimensão multidisciplinar, a quebra das fronteiras tradicionalmente estabelecidas nos departamentos e nas universidades”. A ampliação da noção de obra de arte promovida pelos Estudos Culturais garante uma maior visibilidade para as manifestações populares e não canônicas, que passam a ser objetos de pesquisas e de atuação da crítica literária. Os Estudos Culturais criam e expõem diferentes individualidades e identidades, uma vez que que nem o sujeito e nem a comunidade são instâncias neutras. Dos Estudos Culturais surge o conceito de “multiculturalismo” que significa reconhecer que nenhuma cultura é um todo único, mas um conjunto autônomo de manifestações culturais. Enquanto os estudos literários clássicos excluem as manifestações diversas do cânone, os Estudos Culturais incluem e permitem que sejam construídas relações entre textos de naturezas distintas, canônicos ou não, pois todos são produtores de significação, pois “o valor de um objeto cultural depende também do sentido que se lhe dá a partir de uma nova leitura, sobretudo se esta desconstrói leituras alicerçadas no solo do preconceito” (Santiago, 2004, p. 133). É fundamental para os Estudos Culturais a obra de Stuart Hall, um dos mais conhecidos analistas contemporâneos de cultura. Para Hall, os textos culturais são locais onde o significado é negociado e fixado, sendo que as lutas pelo poder são cada vez mais simbólicas e mediadas pela linguagem. Na perspectiva de Hall (1997), a cultura é um dos elementos mais dinâmicos e imprevisíveis da mudança histórica. A cultura é vista por Hall como um conjunto de significados partilhados. Stuart Hall (2006) explora a questão da identidade cultural. Para ele, o sujeito na pós-modernidade não possui mais uma identidade fixa ou permanente, 10 mas uma identidade moldada e transformada continuamente, sendo definida do ponto de vista histórico e não biológico: [...]o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas [...]. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (Hall, 2006, p. 13) A questão da identidade é urgente também na obra de Zygmunt Bauman. Segundo o sociólogo, a identidade não é um conceito definitivo, mas é mutável na sociedade líquida que Bauman nos apresenta. Para Bauman (2005), mesmo as identidades aparentemente sólidas (raça, classe social) são questionáveis e passíveis de serem revistas. Para Bauman, as identidades fixas são, aos poucos, substituídas por identidades em movimento, de modo que estamos constantemente “lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um momento, mas não por muito tempo” (Bauman, 2005, p. 32). Diferentes tradições dos Estudos Culturais se desenvolveram a fim de compreender a construção política, social e cultural que caracterizam cada sociedade, tais como: a industrialização, a comunicação de massa, o pós- colonialismo, a globalização, os nacionalismo e as hostilidades raciais e religiosas. Na América Latina, os Estudos Culturais, com autores como Nestor Garcia Canclini, tratam a cultura latino-americana como um fenômeno em constante transformação. Destaca-se, em Canclini, ainda, a ideia de que todas as culturas possuem uma organização própria e, portanto, devem ser respeitadas. Hall (2010) esclarece que os Estudos Culturais não devem ser entendidos com uma disciplina separada, mas sim como uma área do conhecimento que agrega diversas disciplinas que tem por finalidade estudar os aspectos culturais da sociedade. 11 NA PRÁTICA Agora, convidamos você a realizar uma atividade na qual você deverá pensar um pouco sobre a questão da identidade cultural do nosso país e do nosso povo. Vamos lá? A. Aponte 3 adjetivos que caracterizem o que é “ser brasileiro” para você: B. O que nos faz ser reconhecidos como brasileiros, especialmente quando somos vistos pelo olhar de fora, pelo olhar estrangeiro? C. Agora, pense na região geográfica onde você mora. Que adjetivos caracterizariam sua região ou seu estado? D. Ampliemos a discussão: esses valores que você apontou nas duas questões anteriores, estão em você? Fazem parte de sua identidade? Procure lembrar de seu período como estudante na Educação Básica: A. Quais os produtos culturais sobre os quais as aulas eram construídas (filmes, livros, obras de arte)? B. Em que medida eles constroem uma narrativa sobre quem você é e a cultura na qual está inserido? Pensar nessas questões implica reconhecermos que o Brasil é um país rico em pluralidade cultural e a mesma colabora para a construção da identidade existente em cada um de nós. Saber lidar com essa diversidade é imprescindível na construção do respeito, da aceitação social e da dignidade humana, pois consideramos que nenhuma cultura é superior ou inferior às demais e sim “diferente”. FINALIZANDO Os Estudos Culturais investigam a produção, a circulação e o consumo de artes das mais diversas áreas, em seus respectivos contextos. Ao verem a realidade como uma construção social e heterogênea, ampliam a visão de “cultura”, não mais diferenciando as culturas elitistas e eruditas das culturas ditas “menores” ou populares. A questão do termo cultura é ampliada dentro da perspectiva dos estudos culturais. Com a extensão do significado de cultura de textos e representações para práticas vividas, considera-se em foco toda produção de sentido. O ponto de partida é a atenção sobre as estruturas sociais (poder) e o contexto histórico 12 como fatores essenciais para a compreensão da ação dos meios massivos, assim como, o desprendimento do sentido de cultura da sua tradição elitista para as práticas cotidianas (Ecosteguy, 1998, p. 90). Os Estudos Culturais indicam que comportamentos sociais são moldados por variáveis como gênero, classe social e raça. Sua análise não prioriza as instituições, mas os comportamentos subjetivos, ou seja, a cultura como uma prática de produzir significado e sentido. Essa abertura crítica proposta pelos Estudos Culturais possibilita um diálogo transcultural que se sustenta pelo reconhecimento das diferenças e das pluralidades da sociedade. Para Hall (2010), os Estudos Culturais constituíram um projeto político de oposição e suas discussões e estudos partindo sempre de alguma inquietude diante de aspectos culturais da sociedade, promovendo bastante discussão e instabilidade. As principais tendências dos Estudos Culturais são o estudo das culturas populares e a relativização do cânone, as questões de gênero e etnias, a crítica feminista e a literatura pós-colonial. No que se refere, especialmente à crítica feminista, vale lembrarmos que ela não se configura como um corpo homogêneo de conceitos, mas sim como um amplo conjunto de temáticas e ideologias, sempre destacando-se a impossibilidade de se pensar no texto literário como algo desvinculado de seu contexto de produção e de leitura. Para a critica feminista, a perspectiva de análise é interdisciplinar e todo texto deve ser lido vinculado à sociedade e à historicidade. Os Estudos Culturais têm proposto uma crítica à questão da representatividade do cânone, como fator de exclusão, uma vez que qualquerque seja a obra canônica em questão, ela deriva de um padrão eurocêntrico (homens brancos e mortos). Esse padrão, ao ser valorizado e endossado, discrimina todas as demais produções artísticas. A rediscussão e o questionamento do “cânone” e das verdades absolutas exige que sejam consideradas as relações de poder, sem classificações binárias e reducionistas do que seria “alta” ou “baixa” literatura. Redimensionar o cânone, no entanto, não é tarefa simples: enquanto determinadas obras e autores possuem aceitação quase unânime entre os leitores, outras podem dividir opiniões e mesmo estando no rol das obras 13 canônicas, podem ter seu pertencimento questionado. Afinal, vivemos uma época de permanente desintegração e mudança. Os Estudos Culturais não mais aceitam que se fale em discursos e verdades universais, bem como em sujeitos únicos, pois o mundo em que vivemos, repleto de discursos e práticas culturais plurais, tende a formar sujeitos cada vez mais plurais. 14 REFERÊNCIAS BAUMAN, Z. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. BLOOM, H. O Cânone Ocidental: Os livros e a Escola do Tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1994 BEAUVOIR, S. O segundo sexo. 4 ed. Trad. Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. BUTLER, J. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do "sexo". In: LOURO, G. L. (Org.). O corpo educado. Pedagogias da Sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999 COUTINHO, E. Literatura comparada, literaturas nacionais e o questionamento do cânone. Revista Brasileira de Literatura Comparada. Rio de Janeiro: Abralic. n.3, 1996. DERRIDA, J. Gramatologia. São Paulo, Perspectiva, 2004 ESCOSTEGUY, A. C. D. Uma introdução aos Estudos Culturais. 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