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BIOFÍSICA E FISIOLOGIA Juliano Vieira da Silva Funções e processos digestórios Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever as estruturas que compõem o sistema digestório. � Explicar as funções básicas do sistema gastrintestinal e suas caracte- rísticas essenciais. � Listar as principais secreções gastrintestinais. Introdução O sistema digestório tem por função promover a absorção dos nutrien- tes provenientes da alimentação, sendo, portanto, fundamental para a regulação de todos os processos metabólicos do nosso corpo. Seu funcionamento adequado está associado à capacidade de todas as células manterem a sua funcionalidade, o que é essencial para a manutenção do funcionamento de todos os sistemas orgânicos. Neste capítulo, você vai aprender quais são as principais estruturas que compõem o sistema digestório. Além disso, irá conhecer as funções básicas de cada uma, como forma de compreender a sua importância na totalidade do sistema. Por fim, você verá quais são as substâncias químicas secretadas por cada uma dessas estruturas, bem como o papel que desempenham. Estruturas que compõem o sistema digestório O sistema digestório ou sistema gastrintestinal é constituído pelo tubo gastrintestinal e vários órgãos e glândulas assessórias (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). O tubo gastrintestinal (GI) inicia na boca e termina no ânus, e mede, aproximadamente, 9 m. Os alimentos, ao percorrerem seu trajeto pelo tubo, são processados e transportados para o ambiente interno do corpo. As estru- turas que compõem o tubo GI são as seguintes (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017): � boca; � esôfago; � estômago; � intestino delgado; � intestino grosso; � ânus. Outros órgãos e glândulas que complementam esse sistema são as glândulas salivares, o fígado, a vesícula biliar e o pâncreas exócrino. Acompanhe na Figura 1 uma ilustração do sistema digestório. Figura 1. Anatomia do sistema digestório. Fonte: Adaptada de Hall (2011). Boca Esôfago Fígado Vesícula biliar Duodeno Cólon transverso Cólon ascendente Ânus Íleo Cólon descendente Jejuno Pâncreas Estômago Glândulas salivares Glândula parótida Funções e processos digestórios2 Estruturas que compõem a parede do tubo GI A partir da porção média do esôfago até o ânus, a parede do tubo GI apresenta a mesma estrutura básica. A parede voltada para o seu lúmen, denominada superfície apical (luminal), é formada por tecido epitelial. Ela possui algumas invaginações do epitélio que dão origem a glândulas exócrinas, responsáveis por secretar ácidos, enzimas, muco, entre outras substâncias. Outras células do epitélio secretam hormônios para o sangue, característica importante para a regulação da digestão (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Abaixo do tecido epitelial se encontra a lâmina própria, uma camada de tecido conjuntivo frouxo rica em vasos sanguíneos, fibras nervosas e vasos linfáticos. Logo abaixo dela se localiza a muscular da mucosa, que corres- ponde a uma fina camada de músculo liso. O conjunto composto por epitélio, lâmina própria e muscular da mucosa corresponde à mucosa (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Abaixo da mucosa se encontra a submucosa, também formada por tecido conjuntivo. Nela se localizam um conjunto de neurônios, chamado de plexo submucoso, e vasos sanguíneos e linfáticos que se espalham tanto para a mucosa quanto para a muscular externa. A muscular externa, como diz seu nome, corresponde a uma camada mais externa, que geralmente é composta por uma camada mais interna de músculo circular e uma mais externa de músculo longitudinal. Entre essas duas camadas, existe outra rede de neu- rônios, chamada de plexo mioentérico (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Na porção mais externa, existe outra camada de tecido conjuntivo conhecida como serosa. Ela está ligada à parede abdominal e fornece sustentação ao tubo GI (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). 3Funções e processos digestórios A Figura 2 ilustra as estruturas que compõem a parede do tubo GI. Figura 2. Estruturas que compõem a parede do tubo GI. Fonte: Adaptada de Widmaier, Raff e Strang (2017). Células endócrinas Células exócrinas Células mucosas Lúmen do tubo gastrintestinal Cavidade abdominal Ductos das glândulas exócrinas externas (fígado, vesícula bilar e pâncreas; também as glândulas salivares na boca) Músculo longitudinal Plexo mioentérico Músculo circular Plexo submucoso Principais vasos sanguíneos e linfáticos Muscular da mucosa Lâmina própria Epitélio Mucosa Submucosa Muscular externa Serosa Estruturas que compõem a cavidade oral A boca é formada pelas bochechas, palatos duro e mole, e a língua, além dos dentes e glândulas salivares (BOER, 2017). Os dentes se adaptaram para realizar a maceração e trituração dos alimentos, o que permite ampliar a área de atuação de todas as secreções digestivas, facilitando o processo de absorção dos nutrientes. As glândulas salivares são formadas por três pares — glândulas parótidas, glândulas submandibulares e glândulas sublinguais — e têm a função de secretar os componentes salivares (VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016). Veja uma ilustração da anatomia dessas estruturas na Figura 3. Funções e processos digestórios4 Figura 3. Distribuição das glândulas salivares. Fonte: Vanputte, Regan e Russo (2016, p. 869). Durante o processo de deglutição, a língua realiza um movimento para cima e para trás, direcionando o alimento contra os palatos duro e mole, que irão direcioná-lo para a orofaringe. Quando o alimento entra nessa região, o palato mole se eleva, bloqueando a nasofaringe. O bolo alimentar é então direcionado para o esôfago, que irá enviá-lo até o estômago. Durante essa fase, contrações peristálticas facilitam a transferência dos alimentos, como demonstra a Figura 4 (VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016). Figura 4. Movimentos da língua e do palato mole na deglutição. Fonte: Vanputte, Regan e Russo (2016, p. 872). 5Funções e processos digestórios Estruturas que compõem o estômago O estômago se localiza abaixo do diafragma, à esquerda do abdômen, nas regiões epigástricas, umbilical e hipocôndrica. Sua parte superior fica ligada ao esôfago (junção gastroesofágica), enquanto a parte inferior se liga à primeira porção do intestino delgado (duodeno) (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Ele pode ser dividido anatomicamente nas seguintes partes (BOER, 2017; HALL, 2011): � cárdia, que fica ao redor da abertura superior do estômago, próximo ao esfincter esofágico inferior; � fundo, que corresponde à parte superior do estômago; � corpo, que se localiza abaixo do fundo, correspondendo à maior porção do estômago; � região antropilórica (antro pilórico), localizada na porção inferior, que faz a ligação com o duodeno, onde se localiza o músculo esfincter do piloro. A Figura 5 ilustra as estruturas que compõem o estômago. Figura 5. Estruturas que compõem o estômago. Fonte: Adaptada de Hall (2011). Funções e processos digestórios6 O epitélio gástrico sofre invaginações, formando as glândulas gástricas, que são compostas por variados tipos de células que secretam mais ou menos 2 a 3 litros de substâncias químicas ao dia no seu lúmen. O revestimento das pareces dessas glândulas é composto por células parietais, células principais, células mucosas do cólon, células semelhantes às enterocromafins (ECL), células G e células D. Cada uma dessas células, ilustradas na Figura 6, se- creta um conjunto de substâncias específicas, que contribuem para a função digestória e a homeostase gastrintestinal (BOER, 2017; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Figura 6. Células que compõem as glândulas gástricas. Fonte: Adaptada de Boer (2017). Estruturas que compõem o intestino delgado Anatomicamente, o intestino delgado (ID) é dividido em três partes sequen- ciais: duodeno; jejuno e íleo (reveja a Figura 1 para uma ilustração dessas partes) (BOER, 2017;HALL, 2011; SHERWOOD, 2010; SILVERTHORN, 2017; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). 7Funções e processos digestórios A composição da sua parede é um pouco diferente das demais paredes do tubo GI, sendo mais elaborada. A mucosa e a submucosa formam as pre- gas circulares, que são cobertas por projeções digitiformes denominadas de vilosidades, que aumentam a área de superfície disponível para absorção (células absortivas). A superfície de cada vilosidade é composta por células que possuem projeções das membranas em borda de escova, formando micro- vilosidades e potencializando a função absortiva do ID. Além disso, na sua parede se encontram células caliciformes, que secretam muco lubrificante e protetor da parede intestinal. Na base das vilosidades se encontram células secretoras de hormônios, denominadas enteroendócrinas, e células bacteri- cidas e fagocíticas, denominadas células de Paneth (SILVERTHORN, 2017; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Acompanhe na Figura 7 a estrutura da parede do intestino delgado. As pregas, vilosidades e microvilosidades da membrana do ID conferem a ele uma área de superfície cerca de 600 vezes maior quando comparado a um tubo de superfície plana de mesmo comprimento e diâmetro. De fato, a área superficial total do ID chega a 300 m2, tamanho aproximado ao de uma quadra de tênis (SHERWOOD, 2010). Figura 7. Estrutura microscópica da parede do intestino delgado. Fonte: Silverthorn (2017, p. 657). Funções e processos digestórios8 Estruturas que compõem o intestino grosso O intestino grosso (IG) é um tubo oco, com cerca de 1,5 m de compri- mento, que apresenta um diâmetro maior do que o ID; no entanto, sua área superficial é bem menor, pois é mais curto e não possui as vilosidades encontradas no ID. Ele é constituído pelas seguintes porções sequenciais: ceco (bolsa cega), que finaliza no apêndice vermiforme; cólon ascendente; cólon transverso; cólon descendente; cólon sigmoide; reto; e ânus (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Reveja a Figura 1 para uma ilustração dessas porções. Existe um esfincter localizado entre o íleo e o ceco, conhecido como vál- vula ileocecal. Ele é formado por músculo liso circular, que se contrai com a distensão do cólon, o que restringe o movimento do conteúdo do IG de volta ao íleo (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Estruturas que compõem os órgãos e glândulas acessórias O fígado é considerado o maior e mais importante órgão metabólico do corpo. É visto como um laboratório natural, que metaboliza e transforma várias subs- tâncias químicas que são ingeridas, como carboidratos, proteínas e lipídios, além de produzir e armazenar várias outras (BOER, 2017; SHERWOOD, 2010; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Ele está organizado em unidades funcionais, chamadas de lobos, formando um conjunto de tecidos envolta de uma veia central. Dentro do lobo hepático se encontram as tríades porta, formadas por ramos do ducto biliar, das veias hepática e porta, e da artéria hepática (que transporta sague oxigenado ao fígado). O sangue que se encontra na artéria hepática e na veia porta flui através de capilares expandidos, chamados sinusoides hepáticos, passando por entre as células hepáticas até a veia central (HALL, 2011; SILVERTHORN, 2017; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Acompanhe essas estruturas na Figura 8. 9Funções e processos digestórios Figura 8. Aspectos microscópios do fígado. Fonte: Silverthorn (2017, p. 677). O fígado está, constantemente, sintetizando e secretando bile, que é enviada através dos ductos biliares para o ducto biliar comum (ducto colédoco). Esse ducto se conecta ao ID no duodeno e, nessa junção, existe o músculo esfincter da ampola hepatopancreática (esfincter de Oddi). Quando esse esfincter está fechado, a bile é desviada e armazenada na vesícula biliar (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). O pâncreas é uma glândula composta de tecido exócrino e endócrino. Ela se encontra atrás e abaixo do estômago e acima da primeira alça do duodeno. A sua porção exócrina é responsável por secretar enzimas digestivas e um fluido alcalino aquoso, capaz de neutralizar a acidez proveniente do estômago. Essas enzimas são liberadas para o ducto pancreático principal, que se conecta ao ducto colédoco do fígado imediatamente antes de sua entrada no duodeno (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Funções básicas do sistema gastrintestinal e suas características essenciais O sistema GI tem como função básica processar os alimentos ingeridos, transformando-os em moléculas capazes de serem absorvidas pelas células parietais, que formam a parede do tubo GI, para que sejam distribuídas para as células através do sistema circulatório. Esse processo de degradação (ou de “quebra”) dos alimentos é denominado de digestão, que ocorre por meio de ação mecânica e pela secreção de substâncias químicas por glândulas exócrinas. Enquanto os processos de digestão, secreção e absorção estão Funções e processos digestórios10 ocorrendo, a parede do tubo GI sofre contrações que promovem a mistura do conteúdo dentro do tubo e o movimento do conteúdo através do tudo, indo da boca em direção ao ânus. Essas contrações são denominadas mobilidade do tubo GI (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). A boca é responsável pela mastigação, trituração e umidificação do ali- mento, que será deglutido e enviado ao estômago através do esôfago. É na boca que se inicia o processo de digestão, principalmente de carboidratos e alguns tipos de gorduras. A digestão mecânica, associada à mastigação, ocorre pela ação integrada dos lábios, da língua, dos músculos orofaciais e, principalmente, dos dentes. O processo de mastigação permite a formação do bolo alimentar, que será umidificado pela saliva (BOER, 2017; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Os músculos masseter, temporal, pterigoide, medial e lateral conseguem exercer força na mastigação de até 70 kg de cada lado da face, o que significa que o indivíduo pode apresentar uma força de mastigação de, aproximadamente, 140 kg (BOER, 2017). Após a mastigação ocorre uma ação motora reflexa denominada degluti- ção, que movimenta alimentos e bebidas da boca em direção ao esôfago e ao estômago, respectivamente. No entanto, mesmo sendo uma resposta reflexa, ela possui um componente voluntário. Durante a deglutição ocorre um reflexo inibitório que fecha a glote, obliterando a entrada de ar na traqueia. Além disso, ocorre relaxamento do esfíncter esofágico, localizado na comunicação do esôfago com o estômago (HALL, 2011; SHERWOOD, 2010; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Além das funções de continuação da digestão, contração (motilidade) e secreção de algumas substâncias, o estômago também tem a capacidade de armazenar o alimento, principalmente quando os processos de mastigação e deglutição ocorrem muito rápido, e tem papel protetor, pois é capaz de esterilizar alguns microrganismos e poeira que estão em alguns alimentos (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Quando o alimento chega ao estômago, ocorre um relaxamento de sua musculatura, o que permite a acomodação do bolo alimentar; então, vagarosamente, ele começa a transferir pequenas 11Funções e processos digestórios porções do bolo alimentar para o ID. Os movimentos de contração peristáltica do estômago conseguem realizar esse movimento do bolo alimentar, que agora misturado a ácidos e enzimas gástricas, passa a ser chamado de quimo. Algu- mas substâncias lipossolúveis conseguem ser absorvidas no estômago, como é o caso do álcool etílico e do ácido acetilsalicílico (BOER, 2017; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Os açúcares simples geralmente ficam menos tempo dentro do estômago em com- paração com proteínas e gorduras. Isso ocorre porque os ácidos graxos contidos nas gorduras e carnes estimulam a secreção de colecistocinina (CCK), que tem uma função de retardar o esvaziamento gástrico (BOER, 2017). À medida que o quimo entra na primeira porção do ID, chamada de duo- deno, ocorre a distensão de sua parede, o que contribuipara a ativação do reflexo enterogástrico, que promove a inibição dos processos fisiológicos do estômago. A maior parte da digestão e da absorção ocorre no duodeno e no jejuno, graças à ação conjunta de várias substâncias químicas provenientes do fígado, pâncreas e de células do epitélio intestinal. De fato, cerca de 90% de toda a absorção ocorre no ID, enquanto os outros 10% ocorrem no estômago e no IG (BOER, 2017). Durante o movimento do quimo pelo ID, ocorrem padrões de contração e relaxamento estacionários de vários segmentos intestinais, denominados segmentação, gerando pouco movimento efetivo. Cada um desses segmentos tem poucos centímetros de comprimento e a sua contração dura alguns segundos. A função principal da segmentação é promover a divisão e a subdivisão do quimo, contribuindo para a sua mistura e colocando-o em contato com a parede do intestino (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Devido a essas contrações, o quimo é movimentado de um lado para o outro aproximadamente 8 a 12 vezes por minuto, e ele permanece no ID por volta de 3 a 5 horas, sendo transportado lentamente ao IG, conforme mostra a Figura 9 (BOER, 2017). Funções e processos digestórios12 Figura 9. Contrações de segmentação no intestino delgado. Fonte: Widmaier, Raff e Strang (2017, p. 579). Tempo Após serem absorvidos, os nutrientes são enviados a pequenos vasos sanguíneos, os capilares intestinais, de onde serão conduzidos até a veia porta hepática. Daí, eles chegam ao fígado, onde serão metabolizados. Esses metabólitos são enviados para a veia cava inferior e ao coração, de onde serão bombeados para o resto do corpo (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Além disso, o fígado possui outras funções, como a de manter a glicemia constante, fornecendo glicose, em casos de hipoglicemia, tanto pela quebra de glicogênio (glicogenólise) quanto pela conversão de ácido lático e amino- ácidos em glicose (gliconeogênese). No caso de hiperglicemia, ele é capaz de armazenar a glicose na forma de glicogênio (glicogênese) e, ainda, parece ser capaz de converter o excesso de glicose em triglicerídeo. Por fim, ele também é responsável por armazenar algumas vitaminas, como A, B12, D, E e K, além de alguns minerais como o ferro e o cobre (BOER, 2017). A parte do alimento que não foi absorvida no ID é encaminhada ao IG, onde há grande absorção de água e de alguns íons, como o Na+, e grande atividade de bactérias intestinais que contribuem mais ainda para digerir os alimentos e produzir algumas substâncias químicas necessárias ao orga- nismo, como a vitamina K, importante na coagulação sanguínea (HALL, 2011). Essas bactérias também são capazes de fermentar alguns tipos de carboidratos, e essas reações liberam alguns gases na forma de flatos, em 13Funções e processos digestórios um processo conhecido como flatulência (BOER, 2017; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). As contrações do IG geram um movimento de segmentação mais lento, portanto, o material recebido pelo ID permanece em torno de 18 a 24 horas no IG. Cerca de 3 a 4 vezes ao dia, sendo mais comum após uma refeição, ocorre uma onda de contração intensa, denominada de peristaltismo em massa, que se inicia no cólon transverso e vai em direção ao reto. Durante esse trajeto, o que não for digerido e absorvido é enviado ao ânus para ser defecado em forma de fezes (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Indícios atuais demonstram que as bactérias colônicas (encontradas no IG) têm uma função metabólica extremamente importante para a vida. Alguns polissacarídeos que não são digeridos, como é o caso das fibras, são transformados em ácidos graxos de cadeia curta por essas bactérias, que desempenham funções importantes para o sistema imunológico e o sistema cardiovascular (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Principais secreções gastrintestinais O processo de digestão envolve mecanismos mecânicos, descritos ante- riormente, bem como respostas químicas derivadas de diferentes substân- cias secretadas por diversas estruturas ao longo do tubo GI (BOER, 2017; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Na boca, existem três glândulas responsáveis pela produção de saliva: glândulas sublinguais (abaixo da língua); glândulas submandibulares (na base da mandíbula); e glândula parótida (no ramo da mandíbula). Elas secretam aproximadamente 1 a 1,5 litros de saliva ao dia, e essa secreção pode aumentar acentuadamente em resposta à alimentação. A saliva é formada por 99% de água e 0,5 a 1% de outras substâncias, como alguns íons (Na+, K+, Cl–, HCO3 –); ácido úrico; ureia; um tipo de muco (mucina); imunoglobulinas; e algumas enzimas, como a lisozima, que é bacteriolí- tica, a amilase salivar e a lipase salivar, ambas digestivas. Sendo assim, a saliva, além de ser essencial para a umidificação e a lubrificação da boca, tem função protetiva, bactericida, excretora e digestiva (BOER, 2017; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Funções e processos digestórios14 Na boca, além da digestão mecânica, ocorre a digestão química, proporcionada pela ação da amilase e da lipase salivar, que agem sobre moléculas de carboidratos e lipídios, respectivamente. Por exemplo, já na boca, o amido é quebrado e transformado em moléculas menores de maltose (um dissacarídeo), e ainda tem início a quebra de trigli- cerídeos, convertidos em monoglicerídeos e ácidos graxos livres (SILVERTHORN, 2017). No estômago, como apresentado na Figura 4, existe um conjunto de célu- las especializadas, localizadas no seu epitélio, que dão origem às glândulas gástricas. Cada tipo de célula é responsável pela secreção de determinadas substâncias. As células parietais produzem e liberam cerca de 2 litros de ácido clorídrico (HCl) por dia, o que confere ao estômago um pH em torno de 1 a 2,5. Além disso, essas células secretam fator intrínseco, fundamental para a absorção de vitamina B12 (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Nas células principais ocorre a secreção de pepsinogênio, uma enzima inativa que, quando exposta a um pH baixo, é convertida em pepsina. A pepsina é responsável por acelerar a digestão das proteínas, em especial, do colágeno, o que permite fragmentar a carne em pequenos pedaços. Outra substância secretada por essa célula é a lipase gástrica, que tem ação na degradação de triglicerídeos (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Na base das glândulas gástricas existe um grupo de células denominadas mucosa do cólon, que produzem dois tipos de substâncias, o muco e o bicar- bonato (HCO3−). O primeiro é responsável por proteger a parede gástrica da ação do HCl, e o segundo contribui como um “tampão”, para neutralizar o ácido em excesso (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). As células semelhantes às enterocromafins produzem histamina (H2) e são responsáveis por estimular as células parietais a produzirem HCl (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Nas glândulas gástricas, localizadas no antropilórico, são encontradas células enteroendócrinas denominadas células G, que produzem e secretam um hormônio chamado gastrina. Essa substância age nas células semelhantes às enterocromafins, estimulando-as a sintetizar H2 (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). 15Funções e processos digestórios Por fim, outro grupo de células, conhecidas como células D, produzem um hormônio denominado somatostatina, que age de forma inibitória sobre as células G, parietais e principais. Dessa forma, a somatostatina diminui a secreção gástrica, principalmente do HCl (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). A produção exagerada de HCl pode alterar a integridade da barreira de muco, le- sionando as células epiteliais gástricas. Isso pode gerar uma condição inflamatória conhecida como gastrite, que, se não tratada, pode evoluir para uma lesão mais grave, denominada úlcera péptica (BOER, 2017). Como já foi abordado, a maior parte do processo digestório ocorre no ID, por meio da ação de substâncias originadas do próprio órgão, assim como do fígado e do pâncreas. Quandoo quimo chega ao duodeno, ocorre a secreção de três hormônios intestinais na corrente sanguínea pelas células enteroendó- crinas: a secretina, a colecistoquinina (CCK) e o peptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP). De maneira resumida, esses três hormônios “desligam” o estômago e “ligam” algumas glândulas acessórias, como o fígado e o pâncreas (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). Além desses hormônios, as células epiteliais do ID secretam algumas subs- tâncias. Normalmente, cerca de 1,5 litros de líquido originado do sangue são secretados diariamente no lúmen intestinal, associada à secreção de diversos íons, como Na+, Cl− e HCO3−. A secreção dessas substâncias, juntamente com o muco secretado pelas células caliciformes, permite a lubrificação do trato intestinal, protegendo as suas células de lesão devido às enzimas digestivas presentes no lúmen (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). As células absortivas, por meio de sua membrana apical, produzem algumas enzimas que contribuem para a digestão, como alfadextrinase, maltase, sacarase e lactase, que degradam carboidratos; aminopeptidases e dipep- tidases, que digerem proteínas; e nucleotidases e fosfatases, que agem em nucleotídeos (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). As células de Paneth produzem e secretam uma enzima bactericida chamada de lisozima, além de realizarem fagocitose (BOER, 2017). Funções e processos digestórios16 Além dessas substâncias, o pâncreas exócrino contribui com a digestão no ID por meio da secreção do suco pancreático. Ele é composto, basicamente, de água, HCO3 −, sais e algumas enzimas, como a amilase pancreática, que degrada carboidratos; tripsina, quimotripsina, carboxipeptidase e elastase, que dissolvem proteínas; lipase pancreática, principal enzima para degradar triglicerídeo; e ribonuclease e desoxirribonuclease, que quebram os ácidos nucleicos (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). As enzimas pancreáticas que degradam proteínas são sintetizadas na forma inativa, o que protege as células pancreáticas da autodigestão. Na parede celular das células epiteliais intestinais existe uma enteroquinase, responsável por clivar o tripsinogênio, convertendo-o em uma forma ativa, denominada tripsina. Essa, por sua vez, age sobre as enzimas inativas quimiotripsinogênio, procarboxiptidase e proelastase, clivando- -os em formas ativas (quimotripsina, carboxipeptidase e elastase, respectivamente) (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). As células hepáticas sintetizam entre 800 a 1.000 ml de uma substância composta de água, sais biliares, colesterol, fosfolipídio, íons e pigmentos bilíferos, denominado de bile. Essa substância tem como função básica emul- sificar as gorduras, degradando grandes aglomerados lipídicos em gotículas minúsculas, o que contribui para a sua degradação e absorção. Dessa forma, a bile contribui aumentando a área de superfície para a atuação da lipase pancreática, acelerando o processo de degradação dos triglicerídeos. Outra função atribuída à bile é excretar bilirrubina conjugada, um produto origi- nado da clivagem de hemácias velhas (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). No IG, as células caliciformes encontradas em sua parede produzem e secretam um muco líquido contendo basicamente HCO3 – e K+, que tem por função lubrificar as fezes, facilitando o seu movimento em direção ao ânus (HALL, 2011; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). 17Funções e processos digestórios Muitos indivíduos experimentam, ao longo da sua vida, episódios de alteração da função intestinal, manifestando diarreia ou constipação intestinal. A primeira está associada a um aumento na frequência e no volume, bem como por alteração na consistência das fezes, tornando-se mais aquosa. Ela pode ocorrer devido ao aumento nos movimentos intestinais, bem como por diminuição da absorção dos nutrientes, ocasionado por diversos fatores, como infecções bacterianas e intolerância à lactose. Em condições graves, pode levar ao óbito. Já a constipação intestinal está associado a uma redução do ritmo do intestino, gerando defecção difícil ou redução do volume fecal. Quanto mais tempo as fezes permanecerem dentro do IG, maior o volume de água que elas perdem, o que as torna endurecidas e ressecadas (BOER, 2017; WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2017). BOER, N. C. P. Fisiologia: curso prático. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. HALL, J. E. Guyton & Hall: tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. SHERWOOD, L. Fisiologia humana: das células aos sistemas. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2010. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. WIDMAIER; E. P.; RAFF, H.; STRANG, K. T. Vander: fisiologia humana: os mecanismos das funções corporais. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. VANPUTTE, C.; REGAN, J.; RUSSO, A. Anatomia e fisiologia de Seeley. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. Leituras recomendadas BARRETT, K. E. Fisiologia gastrointestinal. 2. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. (Lange). KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne & Levy: fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. PRESTON, R. R.; WILSON, T. E. Fisiologia ilustrada. Porto Alegre: Artmed, 2014. Funções e processos digestórios18
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