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aula 04 introdução ao direito penal

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INTENSIVO I 
Direito Penal 
Cleber Masson 
Aula 4 
 
 
ROTEIRO DE AULA 
 
 
TEMA: A EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DO DIREITO PENAL 
 
1. Funcionalismo Penal 
1.1. Introdução 
O funcionalismo penal é um movimento doutrinário que surgiu na Alemanha, na década de 1970, por 
meio dos estudos de Claus Roxin. Esse movimento analisa e discute a função do Direito Penal na 
sociedade moderna. 
 
Obs.: O professor destaca que não existe um único funcionalismo penal porque ele varia conforme as 
diferentes concepções que existem - embora seja comum a cobrança de forma genérica se referindo 
a concepção de Roxin. 
 
1.2. Características fundamentais 
a) Proteção do bem jurídico: 
O Direito Penal só é legítimo quando protege o bem jurídico, e na medida exata da proteção do bem 
jurídico; 
 
 
 
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b) Flexibilidade na aplicação do Direito Penal: 
O aplicador do direito não pode ser engessado pela lei penal - é possível uma flexibilidade no caso 
concreto para proteção do bem jurídico. 
 
c) Prevalência do jurista sobre o legislador: 
A lei é apenas o ponto de partida do Direito Penal e não seu objetivo final e, por esse motivo, o jurista 
possui um papel muito mais importante que o legislador. 
 
Obs.: O princípio da insignificância é um exemplo das características do funcionalismo penal e ambos 
são criados na mesma época. 
 
1.3. Espécies 
a) Funcionalismo moderado, dualista ou de política criminal: Claus Roxin (Escola de Munique) 
 
● Moderado: o Direito Penal possui limites impostos pelo próprio Direito Penal, pelos demais ramos 
do direito e pela sociedade; 
 
● Dualista: o Direito Penal é um sistema próprio de regras e valores; ele dialoga com os demais ramos 
do direito. 
 
● Política criminal: a política criminal é o filtro entre a letra da lei e os anseios da sociedade; o Direito 
Penal é um dos instrumentos que a sociedade possui para auxiliar o enfrentamento de seus 
problemas. 
 
→ Para Roxin, a função do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos. 
 
Obs.: O funcionalismo pode ser chamado de racional-teleológico (racional - movido pela razão e pelo 
bom senso; teleológico - finalidade prática de proteger bens jurídicos) - ao proteger adequadamente 
os bens jurídicos, o Direito Penal auxilia a sociedade. 
 
 
b) Funcionalismo radical, monista ou sistêmico: Günther Jakobs (Escola de Bonn) 
● Radical: o Direito Penal deve respeito apenas ao limites impostos pelo próprio Direito Penal. 
 
 
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● Monista: o Direito Penal é um sistema próprio de regras e princípios que independe dos demais 
ramos do Direito. 
 
● Sistêmico: enquanto sistema, o Direito Penal se baseia na teoria dos sistemas, criada por Nikas 
Lihmann. 
 
O Direito Penal enquanto sistema é: 
i) Autônomo: o Direito Penal independe dos demais ramos do Direito; 
 
ii) Autorreferente: todas as definições, conceitos e referências que o Direito Penal necessita estão no 
próprio Direito Penal; e 
 
iii) Autopoiético (autopoiesis): o Direito Penal se renova por si só. 
 
Para Jakobs, a finalidade do Direito Penal é a proteção da norma penal, ou seja, punir - o Direito Penal 
só é respeitado e eficaz quando suas normas são respeitadas e temidas pela sociedade (a sociedade 
deve se adequar ao Direito Penal e não o contrário). 
 
2. Direito de Intervenção ou Intervencionista 
De acordo com Winfried Hassemer, o direito de intervenção busca diminuir a intervenção do Direito 
Penal na sociedade - o autor defende que o Direito Penal está sobrecarregado e, por esse motivo, 
muitas das condutas por ele abrangidas devem ser transportadas para um novo ramo chamado 
“Direito de Intervenção”. 
 
Assim, deve ser mantido no Direito Penal apenas seu núcleo fundamental, que são os crimes de dano 
e de perigo concreto contra bens jurídicos individuais (exemplo: homicídio, furto, roubo, estupro etc.). 
Todo o restante deve ser transportado ao Direito de Intervenção - crimes de perigo abstrato e crimes 
contra bens difusos e coletivos. 
Exemplo: crimes ambientais de poluição seriam de competência da Administração Pública porque ela 
pode embargar o funcionamento de empresas, interditar as atividades, aplicar multas etc. 
 
No Brasil, o Direito de Intervenção se aproxima ao Direito Administrativo Sancionador por não possuir 
natureza penal: são sanções contundentes aplicadas diretamente pela Administração Pública. 
 
 
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→ Por não possuir natureza penal, o Direito de Intervenção não é aplicado pela Justiça Penal e sim 
pela Administração Pública. 
 
O português Jorge de Figueiredo Dias afirma que o Direito de Intervenção coloca o princípio da 
subsidiariedade "de penas para o ar” sob porque o Direito Penal moderno também deve se preocupar 
com os bens jurídicos difusos e coletivos. 
 
3. Velocidades do Direito Penal 
A teoria das velocidades do Direito Penal foi desenvolvida por Jesus Maria Silva Sanchéz, professor da 
Universidade Pompeo Fabra (Barcelona) - o autor analisa o Direito Penal pós-modernidade, afirmando 
que ele sempre se desenvolveu em duas velocidades. 
 
→ O professor indica a leitura da obra de Silva Sanchéz “Aproximação ao Direito Penal 
Contemporâneo”. 
 
- 1ª Velocidade: (Direito Penal da prisão) 
São os crimes que inevitavelmente levam o agente à privação da liberdade (exemplo.: homicídio 
qualificado, estupro, latrocínio, extorsão mediante sequestro). 
 
● Características: é um Direito Penal lento por ter absoluto respeito aos direitos e garantias 
fundamentais. - é extremamente garantista diante da necessidade de cautela por se referir à liberdade 
do ser humano. 
 
Exemplo: diversas oportunidades e prazos dilatados de defesa, diversas possibilidades de recurso etc.) 
 
- 2ª Velocidade: (Direito Penal sem prisão) 
Se refere às penas alternativas: pena de multa; regime aberto; benefícios despenalizadores como a 
transação penal, suspensão condicional do processo, acordo de não persecução penal - a maioria dos 
crimes pertencem a esse grupo. 
 
Exemplo: lesão corporal leve e a possibilidade de ser aplicada a pena restritiva de direitos em 
audiência preliminar. 
 
Características: 
 
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O Direito Penal sem prisão é rápido e célere por admitir a flexibilização de direitos e garantias. 
 
Atenção: 
Não se trata de supressão ou eliminação de direitos e garantias, mas apenas flexibilização. 
 
 → Ambas as velocidades do Direito Penal são aplicadas pela Justiça Penal (Poder Judiciário). 
 
4. Direito Penal do Inimigo (3ª velocidade do Direito Penal) 
4.1. Origem histórica 
- O Direito Penal do Inimigo sempre existiu. Günther Jakobs começa tratar sobre o Direito Penal do 
Inimigo na segunda metade da década de 1980, no contexto da queda do muro de Berlim (Alemanha 
Ocidental e Alemanha Oriental). 
 
- Com a queda do muro de Berlim e o fim da divisão entre as “Alemanhas”, o Direito Penal do Inimigo 
surge em um contexto de medo do novo, do desconhecido, daquilo que não se pode controlar. 
 
-Os alemães ocidentais, incluindo Günther, tinham medo das pessoas e dos hábitos dos alemães 
orientais. O Direito Penal do Inimigo surge, portanto, em um contexto de medo do novo. 
 
- Na década de 1980, enquanto escrevia sobre essa teoria, o mundo caminhava em uma direção 
democrática e Jakobs não recebeu a devida atenção porque sua proposta era autoritária. Na década 
de 1990, ele retomou o estudo do instituto e ainda assim não recebeu muita atenção. 
 
- A teoria do Direito Penal do Inimigo começa a ganhar destaque com os ataques terroristas às torres 
gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001. 
 
4.2. Quem é o inimigo no Direito Penal? 
Para entender essa teoria, é necessário perceber que existem dois grupos de pessoas: o cidadão e o 
inimigo. 
 
Exemplo: “A” é considerado como cidadão e se pratica crime grave e continua sendo um cidadão; 
posteriormente,ainda que “A” repita o crime grave, ele continua sendo considerado cidadão. A partir 
de então, se continuar praticando crime, “A” se tornará criminoso habitual (aquele que faz da prática 
de crimes o seu meio de vida) e ainda assim será considerado cidadão. 
 
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Segundo Jakobs, para ser considerado inimigo, o agente precisa participar de organização criminosa 
(estrutura ilícita de poder). Por outro lado, aquele que pratica terrismo é considerado inimigo por 
excelência. 
 
Exemplo: julgamento realizado pelos líderes do PCC em São Paulo, diante de um crime de estupro 
cometido contra uma mulher local, na frente de seu próprio filho. Neste caso, o agente foi condenado 
e morto por ordem dos líderes do PCC que não aprovaram a conduta dele na frente de uma criança; 
a cabeça do estuprador foi encontrada na praça da cidade. 
 
- As organizações criminosas e os terroristas não respeitam a autoridade estatal e querem destruir o 
Estado. 
 
- O professor destaca que no ataque das torres gêmeas a intenção dos terroristas não era matar 
centenas e/ou milhares de pessoas, mas sim demostrar o poder que eles tinham. 
 
Observações: 
- Zaffaroni defende que Jakobs é inimigo do Direito Penal por tratar todos como inimigos. Entretanto, 
o professor destaca que nem todo o criminoso é inimigo para a teoria de Jakobs. 
 
- O sujeito não precisa passar por todas as etapas de evolução da conduta criminosa para se tornar 
inimigo. Basta que ele ingresse em uma organização criminosa ou pratique um ato terrorista. 
 
Exemplo: estudante de medicina que adquire metralhadora e mata todas as pessoas que estavam no 
cinema; americano, tido como exemplar, que explode um carro bomba na Quinta Avenida em Nova 
Iorque diante de seu fanatismo religioso. 
 
→ Base filosófica: 
Para criar a teoria, Jakobs utilizou algumas bases filosóficas: 
 
• Rousseau: 
Na obra “O contrato Social”, ele afirma que, quando as pessoas decidem conviver em sociedade elas 
renunciaram parte da liberdade individual em troca do bem comum. 
 
 
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• Kant: 
Dentro dos imperativos categóricos de justiça, Kant afirmava que o inimigo (aquele que não respeita 
o Estado) deve ser eliminado pelo Estado; 
 
• Hobbes: 
Defende que o bem sempre vence o mal e que o Estado sempre vence o inimigo. 
 
• Fichte: 
Cita a teoria “contrato cidadão” - como o inimigo é a antítese do cidadão, ele não deve ser tratado 
como se cidadão fosse. 
 
Obs.: Toda pessoa, segundo Jakobs, nasce com o status de cidadão. A questão primordial, contudo, é 
saber quando a pessoa deixa de ser “cidadã” e se torna “inimiga”. 
 
Atenção: 
Para Jakobs existem dois direitos penais: 
i) Direito Penal do Cidadão (representado por um grande círculo porque a grande maioria das pessoas 
pertencem a este grupo); e 
 
ii) Direito Penal do Inimigo (representado por um pequeno círculo porque poucos criminosos são 
considerados inimigos - apenas integrantes de organização criminosa e terroristas). 
 
- Direito Penal do Cidadão: 
• É garantista porque respeita os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e nas leis. Ele 
pune o cidadão, mas faz isso com respeito aos direitos e às garantias fundamentais. 
 
• É retrospectivo porque fundamenta na culpabilidade do ser humano; observa o passado: o agente é 
punido pelo que fez ou deixou de fazer. 
 
- Direito Penal do Inimigo 
• É autoritário porque suprime direitos e garantias do ser humano. 
 
• É prospectivo porque utiliza como fundamento a periculosidade do agente; observa o futuro: o 
agente é punido por aquilo que pode vir a fazer. 
 
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4.3. Efeitos da aplicação do Direito Penal do Inimigo 
i) Eliminação de direitos e garantias do ser humano: 
O inimigo não respeita as regras do Estado e, por esse motivo, não possui direitos - o Estado não 
precisa observar suas regras para punir, ou seja, não precisa observar o direito penal do cidadão. 
 
ii) Antecipação da tutela penal 
- No Brasil, em regra, é possível punição do agente a partir da prática de atos de execução do crime. 
Os atos preparatórios e a cogitação não são punidos. 
 
- O direito penal brasileiro pune o crime consumado e o crime tentado (em regra). 
 
- O Direito Penal do Inimigo pune atos preparatórios com a mesma pena do crime consumado. 
 
Exemplo: se o serviço de inteligência americano descobrisse, em 10/09/2001, o grupo terrorista com 
propósitos criminosos, não haveria por que esperar que milhares de pessoas fossem mortas para punir 
os integrantes do grupo posteriormente. 
 
- No Brasil, a Lei 13.260/2016, no art. 5º, pune a realização de atos preparatórios de terrorismo. 
 
iii) Produção de provas 
- No Brasil, adota-se o sistema do livre convencimento motivado ou da liberdade de prova ou 
persuasão racional - o juiz pode absolver ou condenar acolhendo ou rejeitando qualquer prova, desde 
que o faça motivadamente. 
 
- No Brasil, não existe uma prova principal. 
 
- No Direito Penal do Inimigo a principal prova é a confissão e o “interrogatório severo” (tortura) é 
admitido como meio de prova. 
 
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- Jakobs fundamenta a admissibilidade da tortura como meio de prova no princípio da 
proporcionalidade: de um lado está a integridade física e moral do acusado e de outro a ameaça 
concreta à vida pessoas inocentes. 
 
Exemplo: ex-motorista de uma família que, por não aceitar sua demissão, sequestra o filho dos antigos 
empregadores e solicita dez milhões de resgate. A família não possui o dinheiro do resgate e a polícia 
consegue rastrear o local aproximado do cativeiro, encontrando o criminoso quando ele se dirige até 
a cidade para comprar mantimentos. Ao ser interrogado, ele menospreza a situação da criança e o 
delegado do caso não se segura por também possuir um filho da mesma idade, utilizando a tortura 
para tirar a informação do criminoso e salvar a criança. Quando a equipe de resgate chega ao local, 
encontram a criança quase morta. 
 
Nesse caso, existe discussão sobre a possibilidade do sequestrador ser denunciado por extorsão 
mediante sequestro por existir a tortura (a prova seria lícita?); bem como sobre a possibilidade de 
denúncia do delegado por tortura e abuso de autoridade - nessa situação, a proibição da tortura seria 
absoluta ou relativa? 
 
iv) Ampliação dos poderes da polícia: 
Para Jakobs, a fiscalização policial com a intervenção do MP deve ser posterior, ou seja, 
independentemente de autorização judicial prévia. Assim, o Poder Judiciário deve intervir 
posteriormente em caso de abuso de poder ou erro na condução da investigação. 
 
Exemplo: a polícia descobre um ataque em que as bombas vão explodir em uma hora. Segundo Jakobs, 
a polícia deveria ter autonomia de realizar todas as diligências sozinha e o controle judicial para apurar 
se existiu algum abuso deveria ocorrer apenas depois. Lembre-se: existem dois Direitos Penais e o 
inimigo não pode ser tratado como se fosse cidadão. 
 
4.4. A terceira velocidade do Direito Penal 
 O Direito Penal do inimigo é chamado de terceira velocidade do Direito Penal. 
 
- A primeira velocidade do Direito Penal, que é o direito penal da prisão; ele é lento por ser garantista. 
 
- Na segunda velocidade o Direito Penal é rápido por flexibilizar os direitos e garantias; não há prisão. 
 
 
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- O Direito Penal do Inimigo é uma fusão entre as velocidades, motivo pelo qual é chamado de terceira 
velocidade do Direito Penal. Nele a pena de prisão é aplicada e se admite a prisão por tempo 
indeterminado. 
 
- Jakobs afirma que a pena subsiste enquanto durar a periculosidade do inimigo. 
 
- Embora admita a pena por tempo indeterminado, o Direito Penal do Inimigo é extremamente rápido 
por eliminar direitos e garantias do ser humano.

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