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CÓ PIA C ON TR OL AD A ■ INTRODUÇÃO O transtorno bipolar (TB) é um diagnóstico psiquiátrico, cuja descrição fenomenológica tem raízes milenares. No século 4 a.C., Hipócrates descreveu um quadro clínico caracterizado por tristeza profunda, ideação suicida, lentificação psicomotora, desânimo e anedonia. Tal quadro foi nomeado como melancolia por ser atribuído ao desequilíbrio dos humores corpóreos que culminavam no acúmulo da bile negra no organismo. Historicamente, seu caráter universal tornou-se evidente devido aos inúmeros relatos de quadros melancólicos por meio de crônicas literárias, relatos biográficos e textos religiosos em diversas culturas. Com o desenvolvimento da metodologia científica e a sua crescente aplicação na medicina, a “teoria dos humores” foi sendo progressivamente abandonada como modelo etiológico das doenças. Entretanto, o termo humor permaneceu com uma conotação descritiva, em vez de etiológica. O humor é um dos componentes do estado mental e se refere à energia vital do indivíduo. Segundo os manuais diagnósticos e classificatórios (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5 – e Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10) usados na atualidade, nos chamados transtornos de humor ocorre uma oscilação dessa energia vital que se manifesta basicamente como mania e/ou depressão. 107 FERNANDO SILVA NEVES IZABELA GUIMARÃES BARBOSA DEPRESSÃO BIPOLAR | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 107 18/06/2015 16:05:36 CÓ PIA C ON TR OL AD A O DSM-5 possui um capítulo dedicado somente aos TBs, que se subdividem em: ■ transtorno bipolar do tipo I (TB I); ■ transtorno bipolar do tipo II (TB II); ■ ciclotimia; ■ TB e desordens relacionadas induzidos por substâncias/medicamentos; ■ TB e desordens relacionadas secundárias a condições médicas gerais; ■ TB não especificado. Embora o termo bipolar sugira um equilíbrio paritário entre episódios de depressão e mania (ou hipomania), o que ocorre, na realidade, é uma predominância de episódios de depressão e de seus correlatos subsindrômicos: no TB I, os episódios ocorrem na proporção de três episódios de depressão para um episódio de mania/hipomania, enquanto que, no TB II, os sintomas depressivos superam em 37 vezes as elevações do humor. Enquanto morbidade, em comparação com a mania/hipomania, a depressão acarreta em maiores prejuízos interpessoais e sociais. Ademais, a depressão bipolar apresenta maiores taxas de resistência ao tratamento. Apesar disso, ainda há poucos ensaios randomizados controlados para consubstanciar o tratamento da depressão bipolar em comparação com a mania. 108 DE PR ES SÃ O B IPO LA R Depressão bipolar.indd 108 18/06/2015 16:05:36 CÓ PIA C ON TR OL AD A ■ OBJETIVOS Ao final do artigo, o leitor poderá: ■ discorrer, com base na literatura atual, acerca da epidemiologia, do diagnóstico, das bases fisiopatológicas e do tratamento da depressão bipolar. ■ ESQUEMA CONCEITUAL Conclusão Caso clínico Tratamento Epidemiologia Fisiopatologia Diagnóstico 109 | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 109 18/06/2015 16:05:36 CÓ PIA C ON TR OL AD A ■ EPIDEMIOLOGIA O TB (tipo I, tipo II e não especificado) afeta 2,4% da população mundial, com taxas de prevalência mundial homogêneas entre regiões ou países de diferentes etnias.1 A idade média de início dos sintomas situa-se entre 15 e 19 anos de idade, e a maioria dos pacientes apresenta o episódio depressivo como primeira manifestação do TB.2 Um estudo prospectivo com duração de 12 anos mostrou que em 47% do tempo os pacientes com TB I e em 66% do tempo os pacientes com TB II apresentavam alterações de humor, sendo que a depressão ou os sintomas depressivos subsindrômicos eram os mais prevalentes.3 LEMBRAR Os quadros subsindrômicos (sintomas de humor clinicamente significativos, mas em quantidade e/ou qualidade insuficientes para a caracterização de um episódio completo) devem receber atenção no tratamento porque eles estão associados à incapacidade funcional e ao aumento do risco de novo episódio depressivo.4 Além dos sintomas de humor, entre 50 e 70% dos bipolares apresentam algum tipo de comorbidade psiquiátrica, sendo que as mais prevalentes são os transtornos de ansiedade e os transtornos associados ao uso de substâncias. O episódio depressivo no TB é associado à elevada morbidade e mortalidade. Kessler e colaboradores5 mostraram que os dias de trabalho perdidos por pacientes com TB decorrem principalmente da gravidade e persistência dos sintomas depressivos em comparação com os episódios de elevação do humor. Cerca de 30% de pacientes com o diagnóstico de TB apresentam tentativas de suicídio ao longo da vida, que ocorrem, comumente, durante as fases depressivas.6,7 A mortalidade por suicídio em paciente com o diagnóstico de TB é cerca de 30 vezes maior que na população em geral. LEMBRAR Ainda assim, a principal causa de redução da expectativa de vida no TB são as comorbidades não psiquiátricas. As mais prevalentes são as doenças endócrinas (particularmente obesidade e diabetes melito [DM]), as cardiopatias, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) e as demências. 110 DE PR ES SÃ O B IPO LA R Depressão bipolar.indd 110 18/06/2015 16:05:36 CÓ PIA C ON TR OL AD A ■ DIAGNÓSTICO O diagnóstico do TB no DSM-5 não sofreu modificação em relação a sua versão anterior no que concerne à caracterização da depressão bipolar. Do ponto de vista da caracterização sindrômica, o episódio depressivo da depressão bipolar não difere dos episódios depressivos da depressão unipolar. São apontados como possíveis indícios de depressão bipolar:8 ■ história familiar de TB; ■ quadro depressivo iniciado antes dos 25 anos de idade; ■ presença de episódios depressivos frequentes com uma curta duração; ■ presença de episódios depressivos graves; ■ presença de sintomas atípicos (por exemplo, paralisia “de chumbo”, isto é, sensação subjetiva de ausência de força em membros superiores e inferiores, como se o paciente estivesse carregando chumbo; hipersonia ou hiperfagia); ■ presença de sintomas psicóticos. As características clínicas e epidemiológicas mais comuns na depressão bipolar em comparação com a depressão unipolar estão descritas no Quadro 1. Quadro 1 DIFERENÇAS CLÍNICAS E EPIDEMIOLÓGICAS ENTRE DEPRESSÃO BIPOLAR E DEPRESSÃO UNIPOLAR Parâmetros Depressão unipolar Depressão bipolar Idade de início > 25 anos 13 a 18 anos Gênero Feminino > Masculino Feminino = Masculino Modo de início Insidioso Súbito Episódios mistos Ausentes Presentes Distraibilidade durante a depressão + ++++ Taquipsiquismo durante a depressão + ++++ Desesperança +++ ++++ Impulsividade + ++++ Agressividade + ++++ Transtorno de pânico 10% 10,6 a 62,5% Estresse pós-traumático 15,2% 16 a 39% Transtorno do uso de substâncias 27,2% 50 a 60% Transtorno de personalidade 31,6% 30 a 50% Resistência ao tratamento ++ ++++ Fonte: Adaptado de Goodwin e Jamison (2007).9 Entre todas as características apresentadas, provavelmente a mais importante é a maior prevalência de TB entre os familiares biológicos. 111 | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 111 18/06/2015 16:05:36 CÓ PIA C ON TR OL AD A Faz-se necessária a investigação detalhada de cada um dos parentes de primeiro e segundo graus dos pacientes com quadros depressivos, buscando-se identificar pessoas bipolares ou outras condições mais comuns no TB, como suicídio, dependência química e transtornos de personalidade. A investigação de condições associadas ao TB é fundamental, porque um percentual significativo de pacientes não se recorda da ocorrência de episódios de elevação de humor, mesmo quando questionados. LEMBRAR Nos pacientes deprimidos sem histórico de elevações de humor, mas com alta prevalência familiar de TB, pode estar indicada aintrodução de estabilizadores de humor em combinação com os antidepressivos. A dificuldade de identificação de episódios hipomaníacos/maníacos prévios pode ser minimizada pelo rastreamento ativo do TB em todos os pacientes com depressão e pela entrevista psiquiátrica/ exame do estado mental. O Questionário de Transtornos de Humor (MDQ), traduzido e validado para a língua portuguesa, consiste de 13 questões de autopreenchimento que contêm 13 itens que devem ser respondidos como “sim” ou “não”. A presença de pelo menos sete itens marcados como “sim” no MDQ, associados a um comprometimento psicossocial moderado, caracteriza o indivíduo como positivo para o rastreamento de diagnóstico de TB. Na população brasileira, o MDQ possui sensibilidade e especificidade de 68,1 e 63%, respectivamente.10 LEMBRAR ■ FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia do TB e da depressão bipolar é desconhecida. Sugere-se que as manifestações fenomenológicas do TB possam ser o resultado, ou a via final, de padrões distintos de atividade cerebral que remetem a padrões distintos de funcionamento neuronal, mecanismos heterogêneos de vias intracelulares, que, por sua vez, correspondem a alterações genéticas e epigenéticas distintas.11 As evidências mais recentes indicam que o TB é uma condição heterogênea do ponto de vista etiológico, pelo menos no que concerne à genética. Apesar da forte influência de fatores genéticos, ainda não foi encontrado nenhum gene (ou grupo de genes) associado ao TB que possua estudos consistentemente replicados. 112 DE PR ES SÃ O B IPO LA R Depressão bipolar.indd 112 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A Os estudos de genética epidemiológica são muito consistentes, mostrando que cerca de 50% dos pacientes têm em sua família algum membro acometido com a doença.12 Estudos envolvendo gêmeos monozigóticos e dizigóticos apontam uma concordância entre 40 e 80% e entre 10 e 20%, respectivamente. Reconhece-se, assim, a relevância da contribuição genética, com hereditariedade descrita de até 84%.12 LEMBRAR As técnicas de neuroimagem estruturais e funcionais vêm sendo amplamente utilizadas para investigar a neurobiologia do TB. As revisões sistemáticas da literatura apontam como achados mais consistentes no TB a redução volumétrica do córtex pré-frontal (CPF), principalmente em região dorsolateral, a região do córtex orbitofrontal (COF), a região subgenual e as regiões ventrais e dorsais do córtex anterior do cíngulo (CAC).13,14 Curiosamente, em relação ao volume da amígdala, estudos apontam que há uma variação de tamanho, aparentemente relacionada com a idade. Os pacientes com o diagnóstico na infância e adolescência apresentam diminuição do volume da amígdala, enquanto os pacientes em idade adulta evidenciam aumento e hiperatividade dessa estrutura.13,14 As alterações neurofisiológicas ainda não são completamente reconhecidas. Estudos sugerem, ainda, que há uma relação entre estresse, alterações do cortisol, inflamação e níveis de fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), contribuindo para a fisiopatologia do TB, apesar de inúmeras evidências sugerirem a associação do TB com uma hiperatividade persistente do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA).15 Outro possível mecanismo associado ao TB, particularmente a alterações de humor, tais como a depressão bipolar e a mania, são as alterações no sistema imune demonstradas em pacientes com TB.16 Na década de 1990, Smith17 propôs a “teoria macrofágica da depressão”, que sugeria que os estados inflamatórios seriam a causa de depressão. Atualmente, sabe-se que os pacientes com o diagnóstico de TB tendem a exibir um perfil pró- inflamatório, independentemente da fase da doença, com aumento de citocinas e/ ou moléculas anti-inflamatórias.18 Ademais, os episódios de alteração do humor, tais como episódios de mania e depressão, são marcados por uma exacerbação do perfil pró-inflamatório.18 LEMBRAR 113 | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 113 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A O BDNF é o mais abundante fator neurotrófico no sistema nervoso central (SNC), sendo particularmente abundante na amígdala, no hipocampo e no córtex pré-frontal, áreas do cérebro que estão envolvidas com a regulação de emoção e com diversos aspectos cognitivos, como atenção, memória e função executiva.19 As metanálises recentes demonstraram que os pacientes em episódios de mania e depressão apresentam redução dos níveis circulantes de BDNF em comparação com os controles;20,21 entretanto, aqueles pacientes com diagnóstico de TB em eutimia não apresentam alterações dos níveis de BDNF em relação aos controles.20,21 LEMBRAR A dificuldade em se identificar os biomarcadores no TB e nos transtornos psiquiátricos em geral pode ser explicada pela heterogeneidade etiológica. Espera-se que, em um futuro próximo, com o desenvolvimento das neurociências, seja possível identificar os fatores etiológicos em cada paciente, o que possibilitaria o tratamento individualizado. ATIVIDADE 1. A prevalência estimada do TB (tipo 1, tipo 2 e não especificado) na população em geral é de A) 1%. B) 2,4%. C) 5%. D) 10%. Resposta no final do artigo 2. A idade média de início dos sintomas do TB encontra-se entre ........ de idade e a maioria dos pacientes apresenta o episódio depressivo como primeira manifestação do TB. A) 10 e 12 anos B) 13 e 15 anos C) 15 e 19 anos D) 17 e 20 anos Resposta no final do artigo 114 DE PR ES SÃ O B IPO LA R Depressão bipolar.indd 114 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A 3. Sobre a epidemiologia da depressão bipolar, marque V (verdadeiro) ou F (falso). ( ) Os quadros subsindrômicos devem receber atenção no tratamento porque eles estão associados à incapacidade funcional e ao aumento do risco de novo episódio depressivo. ( ) Menos da metade dos bipolares apresenta algum tipo de comorbidade psiquiátrica. ( ) O episódio depressivo no TB é associado à elevada morbidade e mortalidade. Assinale a sequência correta. A) V – F – V B) F – V – F C) V – V – F D) F – F – V Resposta no final do artigo 4. Do ponto de vista da caracterização sindrômica, o episódio depressivo da depressão bipolar não difere dos episódios depressivos da depressão unipolar. É apontado como possível indício de depressão bipolar A) história familiar de TB. B) presença de episódios depressivos frequentes com longa duração. C) presença de episódios depressivos leves. D) quadro depressivo iniciado antes dos 15 anos de idade. Resposta no final do artigo 5. Correlacione as colunas com algumas das diferenças entre a depressão bipolar e a unipolar. (1) Depressão unipolar (2) Depressão bipolar ( ) Idade de início > 25 anos. ( ) Gênero feminino > masculino. ( ) Modo de início súbito. ( ) Episódios mistos presentes. Assinale a alternativa com a sequência correta. A) 1 – 1 – 2 – 2 B) 1 – 2 – 1 – 2 C) 2 – 1 – 2 – 1 D) 2 – 2 – 1 – 1 Resposta no final do artigo 115 | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 115 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A 6. Paciente com transtorno depressivo maior (TDM) recorrente durante tratamento com antidepressivo tricíclico (ADT) apresenta, por um período de aproximadamente 15 dias, sem que seja retirada abruptamente a medicação, uma rápida alternância do humor (irritabilidade e euforia), acompanhada de grave agitação, insônia e sintomas de autoestima elevada. Nesse caso, o diagnóstico mais provável é de A) transtorno do humor induzido por substância com características mistas. B) TB I. C) TB II. D) quadro reacional à depressão prévia. Resposta no final do artigo ■ TRATAMENTO A abordagem da depressão bipolar pode envolver diversas estratégias farmacológicas (estabilizadores de humor, antipsicóticos, antidepressivos e outros fármacos), assim como os tratamentos biológicos não farmacológicos (eletroconvulsoterapia [ECT] e estimulação magnética transcraniana) e a psicoterapia específica.De acordo com a experiência clínica dos autores deste artigo, alguns princípios gerais devem ser adotados no tratamento da depressão bipolar (Quadros 2 e 3). Deve-se lembrar que são recomendações gerais, ou seja, cada paciente deve ser submetido à avaliação clínica criteriosa para se decidir pela melhor conduta. Quadro 2 PRINCÍPIOS GERAIS PARA O TRATAMENTO DA DEPRESSÃO BIPOLAR ■■ Avaliar a função tireodiana no baseline e a cada seis meses, assim como em crises depressivas ■■ Buscar a remissão completa dos sintomas de humor e cognitivos ■■ Interromper os antidepressivos durante as fases de mania/hipomania/episódio misto ■■ Evitar o uso de antidepressivos como primeira escolha nos episódios depressivos que ocorrem após a mania/hipomania ■■ Interromper o uso de antidepressivos após oito semanas de remissão completa da depressão ■■ Evitar o uso de antidepressivos nos pacientes com ciclagem rápida (mais do que quatro episódios ao longo do ano) ■■ Evitar o uso de antidepressivos como primeira escolha em pacientes com depressão ou sintomas depressivos ocorrendo dentro dos primeiros duas meses após o episódio maníaco ■■ Evitar o uso de antidepressivos em monoterapia ■■ Ensinar o paciente a identificar os sintomas prodrômicos da mania/hipomania, em especial aqueles que estão em uso de antidepressivos. 116 DE PR ES SÃ O B IPO LA R Depressão bipolar.indd 116 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A Quadro 3 PRINCÍPIOS GERAIS PARA O TRATAMENTO DA DEPRESSÃO BIPOLAR Alguns autores defendem o tratamento preconizado para o TB em todos os pacientes com transtornos de humor que se enquadram no chamado “espectro bipolar”. Essa abordagem é fortemente fundamentada no conceito clássico de Kraepelin – psicose maníaco depressiva. Nesse grupo, seriam incluídos os bipolares da classificação atual, além de pacientes com depressões recorrentes e com episódios graves (sintomas melancólicos e/ou psicóticos) e os estados mistos (sintomas de mania em combinação com sintomas depressivos). Os autores alegam que a introdução de estabilizadores de humor e/ou antipsicóticos em detrimento dos antidepressivos em monoterapia durante o contexto dos primeiros episódios de depressão do humor (portanto, antes da eclosão da mania) seria benéfico a curto, médio e longo prazos. De fato, a maioria dos pacientes tem como primeira manifestação de humor um episódio depressivo. Um percentual significativo de pacientes só procura tratamento quando em depressão, seja por não identificarem a mania ou mais comumente a hipomania como alterações do humor ou por simplesmente não se lembrarem quando questionados a respeito. No entanto há carência de evidências que substanciem tal argumentação. Ademais, haveria um aumento expressivo do suposto diagnóstico de TB, comprometendo o adequado tratamento de pacientes unipolares e provocando um retrocesso na pesquisa psiquiátrica atual que visa a encontrar biomarcadores específicos de cada condição. Segundo o DSM-5, a identificação de episódios maníacos ou hipomaníacos é condição necessária para o diagnóstico do TB. Por essa lógica, os fármacos com ação na estabilização do humor somente deveriam ser introduzidos após a ocorrência de episódio maníaco ou hipomaníaco. No entanto, alguns estudos sugerem que os fármacos com ação na estabilização do humor seriam mais eficazes do que os antidepressivos em monoterapia no tratamento de pacientes com histórico familiar importante de TB e/ou em episódio depressivo com sintomas maniformes. As principais diretrizes internacionais para o tratamento de depressão aguda em pacientes com o diagnóstico de TB I (Quadro 4) e TB II (Quadro 5), publicadas nos últimos anos, foram consideradas no presente artigo. 117 | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 117 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A Quadro 4 GUIDELINES SOBRE O TRATAMENTO AGUDO DEPRESSIVO DE PACIENTES COM DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO BIPOLAR I World Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP22) British Association of Psycho- pharmacology (BAP23) Canadian Network for Mood and Anxiety Treatment e International Society of Bipolar Disorder (CANMAT-ISBD24) Consenso do Grupo Internacional Farmacológi- co com base em evidên- cias para tratamento de depressão em TB I e TB II25 Primeira linha Monoterapia QTP, FLU, OLZ, LMT, VPA LMT, Li, VPT, ECT*, QTP Li, LMT, QTP Li, LMT, QTP Terapia combinada OLZ + FLU, LMT + Li; MDF + TTO atual; N-Acis + Li ou VPT ISRS + (Li ou VPA ou APA) ISRS + (Li ou VPA); OLZ + ISRS; Li + VPT; BUP + (Li ou VPT) Psicoterapia Terapia interpessoal, terapia cognitivo-com- portamental, terapia familiar Terapia interpessoal e de ritmo social, terapia cognitivo- -comportamental, terapia familiar Segunda linha Monoterapia CBZ; Li VPT; CBZ; OLZ; ECT; lurasidona VPT; CBZ; OLZ; FLX Terapia combinada Li ou VPT + (SER ou VEN ou TOP ou INO ou Om-3 ou PAR ou BUP) ou TTO atual + (IMAO ou levotiroxina ou GBP) ou IMP + Li ATC ou VEN + (Li ou VAP ou APA) ISRS + QTP; LMT + (Li ou VPT); MDF + TTO atual; Li + CBZ; Li + PRX; VEN + (Li ou VPT); IMAO + Li; (APA ou Li ou VPT) + ATC; (Li ou VPT ou CBZ) + ISRS + LMT; QTP + LMT; lurasidona + (Li ou VPT) Li ou VPT + (SER ou VEN ou BUP); LMT + TTO atual; QTP + TTO atual; MDF + TTO atual; AEC + TTO atual; AD + (Li ou VPT ou APA) Não recomen- dado Tratamentos não farmaco- lógicos TTO atual + (ECT ou privação do sono) GBP, ARP ou ZPD como monoterapia; ZPD ou leviceratan como adjuntivo AEC: ácido etil-eicosapentaenoico; AD = antidepressivo; APA = antipsicótico atípico; ARP = aripiprazol; ATC = antidepressivo tricíclico; BUP = bupropiona; CLZ = clozapina; CBZ = carbamazepina; ECT = eletroconvulsoterapia; FLX = fluoxetina; GBP = gabapentina; INO = inositol; IMAO = inibidor de monoamina oxidase; IMP: imipramina; ISRS = inibidor seletivo de recaptação de serotonina; Li = lítio; LMT = lamotrigina; N-Acis = n-acetilcisteína, MDF: modafinil; OLZ = olanzapina; Om-3 = ômega 3; PAR = paroxetina; PRX: pramipexol; QTP = quetiapina; SER = sertralina; TOP: topiramato; TTO = tratamento; VEN = venlafaxina; VPT = valproato; ZPD = ziprasidona. * Considerar se há sintomas elevado risco de suicídio, depressão grave durante a gravidez ou psicose associada. 118 DE PR ES SÃ O B IPO LA R Depressão bipolar.indd 118 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A Quadro 5 GUIDELINES SOBRE O TRATAMENTO AGUDO DEPRESSIVO DE PACIENTES COM DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO BIPOLAR II WFSBP22 BAP23 CANMAT-ISBD24 Consenso do Grupo Internacional Farmacológico com base em evidências para tratamento de depressão em TB I e TB II25 Primeira linha Monoterapia QTP QTP Terapia combinada PRA + (Li ou VPT) Segunda linha Monoterapia VAP AD† Li, LMT, VPT, AD, ZPD QTP; ISRS; PRX Terapia combinada Li + VPT; AD + (Li ou VPT ou APA) AD = antidepressivo; APA = antipsicótico atípico; ISRS = inibidor seletivo de recaptação de serotonina; Li = lítio; LMT = lamotrigina; PRX: pramipexol; QTP = quetiapina; VPT = valproato. † O uso de antidepressivos sozinho deve ser considerado com cuidado somente em pacientes sem histórico de episódios de mania. Segundo o modelo proposto por Nivoli e colaboradores,26 as diretrizes de tratamento foram classificadas nas seguintes categorias: ■ primeira linha de tratamento; ■ segunda linha de tratamento; ■ tratamentos não farmacológicos; ■ tratamento não recomendado. Foram definidos como tratamentos de primeira linha22 todos os medicamentos ou intervenções com provas positivas obtidas em metanálise ou ensaios clínicos randomizados que tenham mostrado superioridade de eficácia a placebo ou superioridade ou equivalência de eficácia a um tratamento estabelecido equivalente com bom perfil de segurança. Foram incluídos neste tópico as categorias A e B da WFSBP,22 o nível I da BAP,23 a primeira linha pela CANMAT-ISBD24 e a categoria 1pelo Consenso do Grupo Internacional Farmacológico com base em evidências para o tratamento de depressão em TB I e TB II.25 Definiram-se como tratamentos de segunda linha22 aqueles cuja evidência disponível veio de estudos pequenos não reproduzidos, estudos controlados ou abertos, estudos naturalísticos não controlados, grandes estudos retrospectivos (caso-controle), relatos de casos e opiniões de especialistas. Foram incluídos neste tópico as categorias C e D das diretrizes da WFSBP,22 a segunda e terceira linhas das diretrizes do CANMAT-ISBD,24 os níveis II-IV das recomendações de BAP23 e as categorias 2 e 3 Consenso do Grupo Internacional Farmacológico com base em evidências para o tratamento de depressão em TB I e TB II.25 119 | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 119 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A Segundo a análise das diretrizes, pode-se concluir que o tratamento de episódios depressivos em pacientes com TB I apresenta como primeira escolha as seguintes opções: Li, LMT ou QTP em monoterapia.22-25 Ainda como farmacoterapia associada, pode ser considerado o uso de antidepressivos, tais como os da classe dos ISRS ou a BUP, sempre associados a um agente estabilizador de humor (Li, VPT ou APA).23-26 O uso de antidepressivos na depressão bipolar segue sendo um dos maiores dilemas da psiquiatria. Além do questionamento quanto à eficácia, suspeita-se que eles possam piorar a evolução da doença, além de induzirem a viragem para a mania ou a ciclagem rápida. O principal estudo que avaliou a eficácia dos antidepressivos (BUP e PAR) como adjuvante ao estabilizador de humor (Li ou VPT) não mostrou benefícios, mas também não foi documentada uma maior incidência de viragem para a mania nos pacientes com uso de antidepressivos em relação ao grupo controle.27 No entanto, os resultados obtidos devem ser interpretados com cautela, pois a maioria dos pacientes apresentava episódio leve ou moderado e foram avaliados apenas dois antidepressivos, ainda que de classes diferentes. Portanto, não é possível generalizar esses achados para outros antidepressivos. Considerando-se que um percentual importante dos pacientes com depressão bipolar não responde ao Li, à QTP, à LMT, bem como às outras combinações, considera- se que o uso de ISRS e de BUP é uma opção quando usados em combinação com estabilizadores de humor e/ou APAs. Os tricíclicos e os antidepressivos inibidores da recaptação da noradrenalina e serotonina (ISRSN) devem ser evitados por estar associados a maior risco de viragem para a mania.28,29 Ao se optar pelos antidepressivos, é necessário verificar antes se os estabilizadores de humor encontram-se em dose terapêutica (nível sérico máximo de Li de 1,2mmol/L e dos demais na dose máxima tolerada). Entre os ISRSs, alguns protocolos sugerem evitar a PAR, pois ela não apresentou resultados positivos em três recentes ensaios randomizados controlados.30 Os pacientes em uso de antidepressivos devem ser alertados a comunicar imediatamente qualquer anormalidade, sobretudo ocorrência de “melhora” brusca e mudanças no padrão de sono. Caso ocorra um episódio maníaco ou hipomaníaco, o antidepressivo deve ser imediatamente suspenso. Quando o paciente atingir a remissão, o antidepressivo não deve ser mantido por mais do que oito semanas. A permanência do uso de antidepressivos não apresenta benefícios e está associada à ciclagem rápida.31 Considera-se, ainda, o uso de antipsicóticos em caso de sintomas psicóticos associados,22 assim como o emprego de ECT em caso de psicose associada, depressão grave durante a gravidez ou elevado risco de suicídio.23 Também se deve destacar que as medicações diversas têm sido propostas como adjuvantes ao tratamento da depressão bipolar,22,24,25 como MDF, PRX, ácido Om- 3, N-Acis, INO, celecoxib e quetamina. Apesar da elevada frequência de episódios depressivos associados ao TB II, ainda há poucas evidências na literatura para o tratamento farmacoterápico destes pacientes (ver Quadro 4). A medicação associada com maior nível de evidência na literatura é a QTP em monoterapia.22,24 LEMBRAR 120 DE PR ES SÃ O B IPO LA R Depressão bipolar.indd 120 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A Até o presente momento, existem poucos estudos que tenham avaliado de forma controlada e sistemática a eficácia da abordagem psicoterápica no TB. Como regra geral, é reconhecido o papel de intervenções psicoterápicas diretamente com o curso e prognóstico do TB. A educação sobre a doença, a identificação e o manejo de comorbidades, a identificação e o manejo de fatores desencadeantes (por exemplo, privação do sono) e de sintomas subsindrômicos de episódios de humor, bem como o estímulo para as mudanças positivas no estilo de vida do paciente e de sua família, são importantes papéis exercidos pela psicoterapia. O adequado suporte social para o paciente com TB relaciona-se com a diversidade de opções e a facilidade de acesso aos serviços de saúde para o tratamento da doença. As formas de psicoterapia sugeridas como adjuvante ao tratamento farmacológico incluem terapia interpessoal e de ritmos biológicos, terapia cognitivo-comportamental (TCC) e terapia familiar.23,24 Há uma elevada prevalência de comorbidades clínicas associadas ao TB; contudo, os métodos de rastreamento e tratamento de comorbidades clínicas ainda são pouco recomendados, segundo as diretrizes internacionais. Apenas o CANMAT-ISBD24 sugere uma avaliação inicial e um seguimento periódico do paciente. De nota, são sugeridos uma avaliação inicial e o acompanhamento dos seguintes parâmetros laboratoriais e clínicos: ■ hemograma completo e contagem de plaquetas; ■ glicemia de jejum; ■ perfil lipídico (incluindo triglicerídeos, lipoproteína de muito baixa densidade [VLDL], lipoproteína de baixa densidade [LDL], lipoproteína de alta densidade [HDL] e colesterol total); ■ eletrólitos; ■ enzimas hepáticas (incluindo alanino aminotransferase [ALT], aspartato aminotransferase [AST] e gama-glutamiltransferase [GGT]); ■ níveis séricos de bilirrubinas; ■ tempo de protrombina e tempo parcial de tromboplastina; ■ ritmo de filtração glomerular; ■ urinálise; ■ exame toxicológico de urina; ■ nível sérico de creatinina; ■ clearence de creatinina de 24 horas (se histórico de doença renal); ■ hormônio estimulante da tireoide; ■ eletrocardiograma (se mais de 40 anos de idade ou outra indicação); ■ prolactina sérica; ■ teste de gravidez (se relevante); ■ índice de massa corporal (mensurar); ■ reações adversas medicamentosas. O tratamento de comorbidades psiquiátricas não é contemplado nas diretrizes internacionais, a despeito de mais da metade dos pacientes com o diagnóstico de TB apresentar comorbidades psiquiátricas. 121 | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 121 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A ATIVIDADE 7. Com relação ao tratamento da depressão bipolar, marque V (verdadeiro) ou F (falso). ( ) A abordagem da depressão bipolar envolve poucas estratégias farmacológicas. ( ) No tratamento da depressão bipolar não existem princípios gerais que devam ser adotados, pois cada caso precisa ser estudado de forma particular. ( ) A ECT faz parte das opções de tratamento biológico não farmacológico. Assinale a sequência correta. A) V – F – V B) F – V – F C) V – V – F D) F – F – V Resposta no final do artigo 8. Segundo a classificação do DSM-5, marque a alternativa correta. A) A remissão do episódio depressivo é atingida após 30 dias sem sintomas. B) A presença de irritabilidade durante um episódio depressivo sugere TB. C) Os episódios hipomaníacos provocados por tratamentos biológicos não devem ser considerados em relação ao diagnóstico de TB II. D) Os episódios hipomaníacos devem durar pelo menos quatro dias e geralmente não necessitam de tratamento hospitalar. Resposta no final do artigo 9. Em relação ao tratamento farmacoterápico do TB, assinalea alternativa correta. A) O tratamento satisfatório do episódio agudo deve incluir a remissão dos sintomas de humor e a interrupção do declínio no funcionamento global do paciente. B) Em paciente bipolar, em uso de antidepressivos, a ocorrência de melhora brusca e alteração do padrão de sono deve ser considerada resposta ao quadro depressivo. C) Os APAs devem ser usados apenas em pacientes que apresentam sintomas psicóticos, pois não apresentam boa eficácia como estabilizadores de humor. D) Os APAs podem ser prescritos para todos os pacientes bipolares, independentemente de considerar as comorbidades clínicas. Resposta no final do artigo 122 DE PR ES SÃ O B IPO LA R Depressão bipolar.indd 122 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A 10. Por que o uso de antidepressivos na depressão bipolar segue sendo um dos maiores dilemas da psiquiatria? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... 11. No tratamento do TB, considera-se que o Li é um dos fármacos de escolha na depressão. Devem ser realizados exames laboratoriais periódicos para evitar danos potenciais decorrentes do uso do Li. Com base nas informações apresentadas, é correto afirmar que esses danos NÃO incluem A) comprometimento renal. B) intoxicação por Li. C) elevação dos níveis de prolactina. D) alterações de condução do nó sinoatrial. Resposta no final do artigo 12. Em relação ao tratamento farmacoterápico da depressão bipolar, assinale a alternativa correta. A) O uso de antidepressivos em monoterapia é preconizado como tratamento de “primeira linha de evidência” na depressão bipolar. B) O uso de antidepressivos é contraindicado em pacientes com diagnóstico de depressão bipolar. C) O TOP é útil na depressão bipolar. D) O carbonato de Li pode ser utilizado em monoterapia. Resposta no final do artigo 123 | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 123 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A ■ CASO CLÍNICO Paciente do sexo masculino, 50 anos, solteiro, sem filhos, diretor de escola aposentado por invalidez (“problema psiquiátrico”), mora sozinho e relata bom convívio com os irmãos. O paciente procura, por vontade própria, atendimento de urgência e relata que há cerca de um mês vem cursando com perda de interesse nas atividades do dia a dia, anedonia, sonolência excessiva (relata que tem dormindo cerca de 10 horas por dia), inapetência (perdeu 6kg no último mês), fadigabilidade, falta de motivação, ruminações negativas e existência de alucinações verbais. “Escuto vozes que me mandam cometer suicídio”, relata. A história pregressa é marcada por episódios recorrentes semelhantes ao atual. O primeiro teria ocorrido por volta dos 20 anos de idade e a primeira internação aos 36 anos de idade, no contexto de um episódio depressivo associado à tentativa de autoextermínio por enforcamento. O paciente nega existência de comorbidades clínicas ou uso de quaisquer medicamentos. É tabagista (20 cigarros/dia) e relatou o uso esporádico de cannabis até os 32 anos de idade, quando interrompeu o uso por vontade própria. Em seu histórico familiar, o paciente aponta que não conhece os antecedentes psiquiátricos de seus familiares, apesar de relatar que o avô materno “ficava muito agitado, falava muito, achava que era o dono do mundo”, sendo internado em diversas ocasiões em virtude de tal quadro. Relata que este avô faleceu por suicídio durante a sua última internação psiquiátrica. Ao exame: o paciente deambula lentamente ao consultório com a postura recurvada. As roupas são extravagantes (vem ao consultório com um casaco amarelo, uma blusa roxa, uma calça jeans surrada e sapatos verdes), os cabelos em desalinho, as unhas comprimidas e sujas. Orientado globalmente, consciência clara, hipovigil, hipertenaz e hipotímico. Apresenta discurso com as ideias de ruína, o pensamento acelerado e a presença de alucinações auditivas congruentes com o humor. O plantonista entra em contato com a irmã do paciente, que se prontifica a comparecer à unidade de pronto atendimento. ATIVIDADE 13. Qual a possível hipótese diagnóstica do paciente do caso clínico? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... Resposta no final do artigo 124 DE PR ES SÃ O B IPO LA R Depressão bipolar.indd 124 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A Entrevista com o familiar (irmã do paciente): a irmã do paciente confirma o relato de que ele apresenta quadro psiquiátrico desde os seus 20 anos de idade, com diversos casos de depressão, e que teria sido internado por três vezes em hospital psiquiátrico. Uma vez, aos 22 anos, a irmã descreve que o paciente, ainda na faculdade, iniciou com diminuição da necessidade de sono (dormia 4 horas por noite e se sentia descansado), aumentos na energia, na libido, “falava e ria demais”, “ele achava que era o filho do dono da faculdade em que estudava”, sendo internado nesse período. A segunda internação do paciente foi aos 36 anos de idade, em virtude de episódio depressivo e tentativa de autoextermínio, conforme descrito pelo paciente. A terceira internação foi aos 42 anos, quando era diretor de escola, em virtude de quadro semelhante ao da primeira internação. A irmã relata o desejo de acompanhar o paciente em sua casa sob vigilância constante. O paciente concordou em permanecer com a irmã e tomar as medicações conforme a prescrição médica. ATIVIDADE 14. Qual a hipótese diagnóstica após a entrevista com o familiar? ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... ........................................................................................................................................... Resposta no final do artigo ■ CONCLUSÃO A depressão é a manifestação mais frequente do TB, associada à elevada incapacidade dos pacientes e de grande desafio terapêutico. Paradoxalmente, a abordagem da depressão bipolar ainda é pobremente estudada, necessitando da definição de protocolos que atendam a realidade clínica. ■ RESPOSTAS ÀS ATIVIDADES E COMENTÁRIOS Atividade 1 Resposta: B Comentário: O TB tem a prevalência mundial estimada em 2,4% da população. Atividade 2 Resposta: C 125 | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 125 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A Atividade 3 Resposta: A Comentário: Além dos sintomas de humor, entre 50 e 70% dos bipolares apresentam algum tipo de comorbidade psiquiátrica, sendo que as mais prevalentes são os transtornos de ansiedade e os transtornos associados ao uso de substâncias. Atividade 4 Resposta: A Comentário: A presença de episódiosdepressivos frequentes com uma curta duração, a presença de episódios depressivos graves e o quadro depressivo iniciado antes dos 25 anos de idade são indícios de depressão bipolar. Atividade 5 Resposta: A Atividade 6 Resposta: B Comentário: O paciente apresentou características de mania (irritabilidade e euforia, grave agitação, insônia e autoestima elevada), compatível com o diagnóstico de TB I, por um período persistente de mais de uma semana. Atividade 7 Resposta: D Comentário: A abordagem da depressão bipolar pode envolver diversas estratégias farmacoló- gicas (estabilizadores de humor, antipsicóticos, antidepressivos e outros fármacos), assim como os tratamentos biológicos não farmacológicos (ECT e estimulação magnética transcraniana) e a psicoterapia específica. No tratamento da depressão bipolar, existem alguns princípios gerais que devem ser adotados. Vale lembrar que são recomendações gerais, ou seja, cada paciente deve ser submetido à avaliação clínica criteriosa para se decidir pela melhor conduta. Atividade 8 Resposta: D Comentário: A remissão é atingida após oito semanas sem a presença de sintomas depressivos ou maníacos/hipomaníacos. A irritabilidade pode ocorrer em depressões unipolares, mas não é característica de TB. O tratamento biológico (por exemplo, o uso de corticoides) deve ser conside- rado para o diagnóstico diferencial de TB. Atividade 9 Resposta: A Comentário: O tratamento satisfatório de qualquer episódio de humor em pacientes bipolares visa não somente a remissão dos sintomas de humor, mas também a interrupção do declínio no funcio- namento global do paciente. Em um paciente bipolar, em uso de antidepressivos, a ocorrência de melhora brusca e a alteração do padrão de sono devem ser consideradas uma viragem maníaca. Os APAs podem ser usados na depressão bipolar, independentemente da presença de sintomas psicóticos; entretanto, deve-se considerar a presença de comorbidades clínicas (como diabetes melito, hipercolesterolemia, entre outros). 126 DE PR ES SÃ O B IPO LA R Depressão bipolar.indd 126 18/06/2015 16:05:37 CÓ PIA C ON TR OL AD A Atividade 11 Resposta: B Comentário: O lítio não tem efeito de alterações dos níveis de prolactina. Atividade 12 Resposta: D Comentário: O lítio pode ser utilizado como monoterapia na depressão bipolar. O uso de antide- pressivos, apesar de ser considerado um assunto controverso, pode ser utilizado, em geral, associado a estabilizadores de humor ou APAs. Atividade 13 Resposta: O paciente descrito no caso clínico apresenta um quadro atual de depressão recor- rente com sintomas psicóticos. Entretanto, devem ser considerados alguns pontos importantes no histórico do paciente em relação ao possível TB. São apontados como possíveis indícios de depressão bipolar: ■ uma história familiar positiva de TB – o paciente em questão relata que o avô materno “ficava muito agitado, falava muito, achava que era o dono do mundo”, sendo internado diversas vezes em hospital psiquiátrico em virtude de tal quadro; ■ quadro depressivo iniciado antes dos 25 anos de idade – o paciente relata início dos sintomas por volta dos 20 anos de idade e recorrência de episódios com características semelhantes ao quadro atual; ■ ocorrência de episódios depressivos graves – o paciente aponta uma internação psiquiátrica prévia em virtude do quadro depressivo aos 36 anos de idade e tentativa de autoextermínio com enforcamento; ■ ocorrência de sintomas atípicos como hipersonia – o paciente relata que tem apresentado sonolência excessiva e tem dormindo cerca de 10 horas por dia; ■ ocorrência de distraibilidade e pensamento acelerado; ■ presença de sintomas psicóticos – o paciente refere a presença de “vozes” em sua cabeça que falam para o mesmo se matar. Atividade 14 Resposta: A irmã trouxe à entrevista importantes características que contribuíram ao diagnóstico do paciente. Segundo seus relatos, o paciente apresentou dois episódios distintos de: ■ elevação anormal do humor – a irmã relata que o paciente “ria demais”; ■ autoestima inflada e grandiosidade – “Ele achava que era o filho do dono da faculdade em que estudava”; ■ necessidade de sono diminuída – o paciente dormia 4 horas por noite e não se queixava de sonolência no dia seguinte; ■ mais loquaz que o habitual ou pressão por falar – a irmã relata que o paciente “falava demais”; ■ aumento da Atividade dirigida a objetivos, socialmente, no trabalho, na escola ou sexualmente – a irmã relata que o paciente apresentou aumento na energia e libido. Portanto, a principal hipótese diagnóstica, após a entrevista com o familiar do paciente, é o TB I, episódio atual depressivo maior atual grave com sintomas psicóticos. 127 | P RO PS IQ | C icl o 4 | V olu me 4 | Depressão bipolar.indd 127 18/06/2015 16:05:38 CÓ PIA C ON TR OL AD A ■ REFERÊNCIAS 1. Merikangas KR, Jin R, He JP, Kessler RC, Lee S, Sampson NA, et al. Prevalence and correlates of bipolar spectrum disorder in the world mental health survey initiative. Arch Gen Psychiatry. 2011 Mar;68(3):241- 51. 2. Kupfer DJ, Frank E, Grochocinski VJ, Cluss PA, Houck PR, Stapf DA. Demographic and clinical charac- teristics of individuals in a bipolar disorder case registry. J Clin Psychiatry. 2002 Feb;63(2):120-5. 3. Judd LL, Schettler PJ, Akiskal HS, Maser J, Coryell W, Solomon D, et al. Long-term symptomatic status of bipolar I vs. bipolar II disorders. Int J Neuropsychopharmacol 2003 Jun;6(2):127-37. 4. Tohen M, Bowden CL, Calabrese JR, Lin D, Forrester TD, Sachs GS, et al. 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