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UNIDADE 2. Sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário Sistema de abastecimento de água Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS (2019), o índice de atendimento da população brasileira com rede de abastecimento de água foi de 83,6% para o ano base de 2018, tendo a região norte os piores níveis de atendimento – 57,1%. Esse cenário está longe de atender a premissa da universalização do saneamento no país e ainda promove a veiculação de doenças relacionadas à falta de acesso à água potável nas regiões mais vulneráveis. A correta implantação de um sistema de abastecimento que forneça água a toda população em quantidade e qualidade adequadas se mostra essencial para reverter esse cenário. O sistema de abastecimento de água (SAA) pode ser definido como o conjunto de obras, equipamentos e serviços destinados ao abastecimento de água potável de uma comunidade para fins de consumo doméstico, serviços públicos, consumo industrial e outros usos, sendo a água fornecida em quantidade suficiente e da melhor qualidade do ponto de vista físico, químico e bacteriológico (AZEVEDO NETTO, 1998). Também pode ser caracterizado como um sistema de retirada da água da natureza, adequação de sua qualidade, transporte até os aglomerados humanos e fornecimento à população em quantidade compatível com suas necessidades (BARROS et al., 1995). O sistema ainda poderia ser caracterizado como um processo industrial em que a água bruta seria a matéria-prima, a energia e os produtos químicos utilizados para o tratamento seriam os insumos e a água tratada seria o produto. O sistema é composto pelas seguintes unidades principais: manancial de captação, que pode ser subterrâneo ou superficial; obras de captação; adução de água bruta; unidade de tratamento – estação de tratamento de água (ETA); adução de água tratada; reservatório de distribuição; rede de distribuição e estações elevatórias, quando necessário. Na Figura 1 pode ser visualizada uma representação esquemática dessas unidades (AZEVEDO NETTO, 1998). Figura 1. Unidades que compõem o sistema de abastecimento de água. Fonte: TSUTIYA, 2006, p. 16. (Adaptado). PREVISÃO POPULACIONAL E CÁLCULO DE DEMANDA Para a concepção do projeto do sistema de abastecimento de água, um dos passos iniciais consiste no estudo da demanda de água, que, por sua vez, é dependente da população a ser abastecida. Dessa forma, faz-se necessário estimar a população a ser abastecida, considerando o início e o final do plano do projeto, também chamado de horizonte de projeto. Este período costuma estar compreendido entre 20 e 30 anos, sendo comum adotar o período de 20 anos para o horizonte de projeto. Portanto, deve-se fazer um estudo de previsão populacional para a área do projeto considerando as taxas de crescimento populacional da região (TSUTIYA, 2006). Para o estudo da projeção populacional ao longo das etapas do projeto até o final do plano, podem ser adotados métodos matemáticos baseando-se em dados populacionais do município ou dos distritos de interesse, considerando os últimos censos demográficos. Dentre esses métodos, pode-se destacar o aritmético, geométrico e o da curva logística. O método aritmético pressupõe uma taxa de crescimento constante (ka), admitindo-se que a população varia linearmente com o tempo. No método geométrico, considera-se que para iguais períodos, ocorre a mesma porcentagem de aumento da população, que cresce a uma taxa de crescimento geométrico (kg). Já no crescimento logístico, a população cresce assintoticamente em função do tempo para um valor limite de saturação, chamado de população de saturação (Ps) (VON SPERLING e CHERNICHARO, 2005). No Gráfico 1 estão representados os três métodos matemáticos aplicados, considerando três dados populacionais censitários iniciais (P0, P1 e P2), conforme as equações apresentadas. Gráfico 1. Diferentes métodos empregados no estudo da projeção populacional. Fonte: VON SPERLING, CHERNICHARO, 2005, p. 98. Além da população a ser abastecida, a previsão de demanda de água para o dimensionamento das unidades do projeto do SAA é dependente da taxa de consumo de água pela população, expresso como consumo efetivo per capita de água (q). O consumo de água é função de vários fatores inerentes à própria localidade a ser abastecida, variando de cidade para cidade, ou de um setor para outro na mesma cidade. Dentre esses fatores, podem ser citados o clima, o padrão de vida e hábitos da população, a qualidade da água fornecida, a tarifa de água, o sistema de fornecimento e cobrança, a pressão da rede distribuidora, a existência de rede de esgotos, as perdas no sistema, os consumos comercial, industrial e público (AZEVEDO NETTO, 1998). Os tipos de consumo de água referentes ao abastecimento de uma localidade podem ser discriminados em diversas categorias, tais como: uso doméstico (descargas de bacias sanitárias, asseio corporal, cozinha, bebida, lavanderia, limpeza, rega de jardim), uso comercial (lojas, bares e restaurantes), uso industrial (água como matéria prima, insumo, usada no resfriamento ou uso humano em geral), uso público (limpeza de logradouros, rega de jardins, fontes e bebedouros, limpeza de rede de esgotos e galerias de águas pluviais, edifícios públicos, escolas e hospitais) e usos especiais (combate a incêndios, instalações desportivas, ferrovias e metrôs, portos e aeroportos, estações rodoviárias). Além das categorias de consumo de água, a demanda também deve prever uma parcela de perdas, provenientes de perdas na adução, no tratamento, na rede de distribuição e domiciliares, bem como desperdícios em geral (BARROS et al., 1995). No sistema de abastecimento de água, as perdas podem ser definidas como sendo a diferença entre o volume de água produzido na ETA e o total de volume medido nos hidrômetros. Assim, pode-se definir o índice de perdas como sendo a porcentagem do volume produzido que não é faturada pela concessionária dos serviços. As perdas podem ainda ser divididas em físicas, que não chegam ao consumo devido a vazamentos ou utilização na operação do sistema (lavagem de filtros na ETA e reservatórios ou manutenção e reparos de tubulações); ou administrativas, referentes à água consumida que não é medida, não faturada (AZEVEDO NETTO, 1998). A determinação do consumo efetivo per capita pode ser realizada por meio da leitura dos hidrômetros ou pela leitura do macromedidor instalado na saída do reservatório de distribuição. Quando não existirem medições, para se estimar o consumo doméstico, podem ser adotados valores de consumo médio per capita de água em medições de setores ou sistemas com características semelhantes. Além disso, pode ser definido o consumo per capita baseado na faixa populacional, conforme pode ser observado na Tabela 1. Vale ressaltar que, em regiões de escassez hídrica, esses valores podem ser muito menores (TSUTIYA, 2006). Tabela 1. Demandas médias de água para cidades brasileiras. Fonte: BARROS et al., 1995, p. 72. A demanda de água utilizada no projeto de sistema de abastecimento é dependente ainda das variações de consumo. Essas variações podem ser sazonais, mensais, diárias, horárias e instantâneas. As variações anuais podem acontecer devido ao aumento populacional, à melhoria dos hábitos higiênicos da população e ao desenvolvimento industrial. Já as variações mensais geralmente ocorrem pelas condições climáticas, sendo que nos meses de verão se consome mais água, e no inverno o consumo é menor. As variações de horário ocorrem por conta dos hábitos da população, sendo que o maior consumo costuma ocorrer entre dez da manhã e meio-dia. Devido a essas variações, são definidos alguns parâmetros de variação do consumo, são eles: o coeficiente do dia de maior consumo (k1) e o coeficiente da hora de maior consumo (k2), definidos conforme a Gráfico 2. Na falta de medições desses coeficientes, os valores comumente adotados no Brasil são de 1,2 e 1,5, respectivamente, para k1 e k2 (BARROS et al., 1995). Gráfico 2. Variações mensais e horárias de consumoefetivo de água per capita. Fonte: TSUTIYA, 2006, p. 42. (Adaptado). As vazões de dimensionamento do SAA podem então ser calculadas para cada componente do sistema. Para a captação, adução de água bruta, estação elevatória e ETA, utiliza-se a Equação (1); para a adução de água tratada até o reservatório utiliza-se a Equação (2), e para a vazão de água do reservatório até a rede de distribuição, utiliza-se a Equação (3), conforme detalhado a seguir. Em que: ● Q1 é a vazão de dimensionamento da captação até a ETA em L/s; ● Q2 é a vazão de dimensionamento da adução de água tratada até o reservatório em L/s; ● Q3 é a vazão de dimensionamento do reservatório até a rede de distribuição em L/s; ● K1 é o coeficiente do dia de maior consumo; ● K2 é o coeficiente da hora de maior consumo; ● P é a população (habitantes); ● q é o consumo efetivo per capita em L/hab·d; ● Qesp é referente a contribuições específicas, por exemplo, de indústrias ou comércios em L/d; ● CETA é o consumo da ETA que varia de 1 a 5%. MANANCIAIS E CAPTAÇÃO DE ÁGUA A captação de água para abastecimento público consiste em um conjunto de equipamentos e instalações utilizado para a tomada de água do manancial (BARROS et al., 1995). Os mananciais naturais de água, passíveis de aproveitamento para fins de abastecimento público, podem ser classificados em dois grandes grupos: mananciais superficiais – cursos d'água como córregos, ribeirões, rios, lagos e represas e, como o nome indica, tem o espelho d'água na superfície do terreno e mananciais subterrâneos – cuja água é proveniente do subsolo, podendo aflorar à superfície (nascentes, minas etc.), ou ser elevada à superfície por meio de obras de captação (poços rasos, poços profundos, galerias de infiltração) (AZEVEDO NETTO, 1998). As águas dos mananciais devem preencher requisitos mínimos de quantidade e qualidade físico-química e bacteriológica. A seleção do manancial é feita baseada em vários fatores, tais como a garantia de fornecimento de água em quantidade e qualidade adequadas, a proximidade dos pontos de consumo, os locais favoráveis à construção das obras de captação, o transporte de sedimentos pelo curso d’água e as condições futuras que os mananciais possam apresentar em decorrência do crescimento populacional e da poluição hídrica (TSUTIYA, 2006). A captação corresponde à primeira unidade do SAA e do seu constante e bom funcionamento dependem todas as unidades subsequentes, sendo que no seu projeto deve-se considerar o funcionamento ininterrupto (24 horas por dia). A concepção e a escolha do local de captação devem assegurar a fácil entrada da água em qualquer época e na melhor qualidade possível, garantir o funcionamento e proteção contra danos e obstruções, facilitar a manutenção e operação de longo prazo, prever proteção contra inundações e favorecer a economia das instalações (BARROS et al., 1995). Para a captação em mananciais superficiais, o levantamento de dados hidrológicos da bacia hidrográfica e fluviométricos do curso d’água para obter informações sobre as oscilações de nível nos períodos de estiagem e cheias é fundamental no projeto. Quando a vazão de demanda a ser retirada é menor do que a vazão mínima do manancial, a captação é feita a fio d’água, diretamente, sem a necessidade de barragem de elevação de nível. Entretanto, quando a vazão de demanda é maior que a mínima e menor do que a média, há necessidade de construção de um reservatório de acumulação. No caso em que a vazão requerida é maior que a vazão média, o ideal é escolher outro manancial para captação da água (TSUTIYA, 2006). A captação superficial geralmente é composta de barragens, vertedores ou enrocamentos para manutenção do nível ou regularização de vazão, órgãos de tomada d'água com dispositivos para impedir a entrada de materiais em suspensão ou flutuantes na água (tais como grades, crivos, telas e caixas de areia), dispositivos para controlar a entrada de água, canais ou tubulações de interligação e órgãos acessórios, poços de sucção e casa de bombas para alojar os conjuntos elevatórios, quando necessário. (BARROS et al., 1995; TSUTIYA, 2006). Na Figura 2 pode-se observar uma representação esquemática do sistema de captação em manancial superficial. Na captação subterrânea, podem ser utilizadas caixas de tomada protegidas para o caso de fontes aflorantes (ou de encosta), recolhendo diretamente a água do lençol freático, ou indiretamente, com uma tubulação perfurada ou ramificações que penetram o lençol para captar a água. No caso de fontes emergentes, geralmente é utilizado um sistema de drenagem subsuperficial, como as galerias de infiltração, nas quais a água é coletada por meio de drenos e encaminhada a um poço. Também podem ser utilizados poços freáticos (para aquíferos freáticos) ou artesianos (para aquíferos confinados), instalados no solo para a coleta de água e que devem ficar afastados de fontes potencialmente poluidoras (BARROS et al., 1995). Figura 2. Representação esquemática das unidades que compõem uma captação previamente a um conjunto elevatório. Fonte: BARROS et al., 1995, p. 55. (Adaptado). As estações elevatórias são instalações de bombeamento de água de cotas mais baixas para cotas mais altas quando se faz necessário. No SAA, podem estar localizadas na captação, conforme apresentado na Figura 2, mas também na adução, no tratamento ou na rede de distribuição de água. Elas são formadas por: casa de bombas, destinada a abrigar o conjunto motor-bomba, poço de sucção, que é o reservatório de onde a água é recalcada, bombas que retiram a água do reservatório de sucção até o ponto de recalque, motores para acionamento das bombas, linha de sucção, que compreende as tubulações que vão desde o poço de sucção até a entrada da bomba e linha de recalque, que compreende as tubulações que vão desde a saída da bomba até o ponto de recalque (BARROS et al., 1995; TSUTIYA, 2006). ADUÇÃO DE ÁGUA BRUTA E TRATADA As adutoras compreendem as tubulações que conduzem a água para as unidades que precedem a rede de distribuição. As adutoras de água bruta vão desde a captação e tomada d’água à estação de tratamento de água, enquanto as adutoras de água tratada conduzem a água resultante da ETA até o reservatório de distribuição. Existem também as chamadas subadutoras, que podem ser derivações das adutoras destinadas a conduzir água até outros pontos do sistema, ou que conduzem água de um reservatório a outro (AZEVEDO NETTO, 1998). As adutoras podem operar sob ação da gravidade, por recalque ou uma combinação de ambos, o que implicará em diferenças no dimensionamento das tubulações. Com relação ao modo de escoamento, elas podem funcionar como conduto livre, sendo que a superfície da água em seu interior está sob a ação da pressão atmosférica, ou como conduto forçado, em que a pressão interna é maior do que a pressão atmosférica (TSUTIYA, 2006). As adutoras apresentam diversos órgãos acessórios que permitem o bom funcionamento das tubulações, tais como válvulas de parada, válvulas de descarga, ventosas para expelir o ar do interior dos tubos, conexões diversas (curvas, tês, juntas, peças de transição, reduções) e blocos de ancoragem nos pontos onde ocorrem esforços que podem causar o deslocamento de peças. Deve-se realizar uma criteriosa análise do traçado das adutoras em planta e perfil, afim de verificar a correta implantação dos órgãos acessórios (AZEVEDO NETTO, 1998). Para o dimensionamento das adutoras de água bruta, deve-se considerar a vazão Q1 apresentada na Equação (1), já para as adutoras de água tratada, consideramos a vazão Q2 (Equação (2)), que não leva em conta o consumo de água na ETA. As equações apresentadas para o cálculo de Q1 e Q2, correspondem a um período de operação de 24 horas do SAA, que é típico em sistemas por gravidade. Entretanto, para a adução por recalque, é usual considerar um período de funcionamento de 16 a 20 horas, decorrente da necessidade de manutenção dos equipamentos eletromecânicos, falta de energia elétrica, entre outros fatores. Dessa forma,a vazão de adução por recalque deverá ser maior do que a vazão de adução por gravidade (TSUTIYA, 2006). No dimensionamento de adutoras por gravidade, a determinação do diâmetro da tubulação leva em conta o aproveitamento máximo da seção transversal da canalização e na altura geométrica disponível. Na adutora por gravidade em conduto forçado, a diferença de cotas topográficas entre o nível de montante e jusante da adutora corresponde a energia disponível para o escoamento, que pode ser representado neste caso pela perda de carga distribuída ao longo da tubulação (TSUTIYA, 2006). No escoamento de fluidos em tubulações devem ser consideradas as perdas de carga provocadas pela própria natureza da tubulação, ou por peças e singularidades que também elevam a turbulência, provocam atrito e choque de partículas. Essas perdas de cargas são usualmente divididas em perda de carga distribuída, causada pela resistência ao longo dos condutos durante o movimento do fluido, e perda de carga localizada, provocada pela presença de acessórios e singularidades nas tubulações. As perdas distribuídas são consideradas constantes e uniformes ao longo da tubulação, e as perdas localizadas são mais importantes no caso de tubulações curtas com peças especiais, sendo que nas canalizações longas seu valor frequentemente é desprezível comparado às perdas pela resistência ao escoamento (PORTO, 2006; AZEVEDO NETTO, 1998). A perda de carga distribuída, pode ser calculada pela fórmula universal ou também chamada de equação de Darcy-Weisbach – Equação (4). Em que: ● ΔH é a perda de carga distribuída em m; ● f é o coeficiente de atrito que é função da rugosidade do tubo, viscosidade e densidade do líquido, velocidade e diâmetro, sendo usualmente obtido por meio de tabelas e gráficos; ● L é o comprimento da tubulação em m; ● D é o diâmetro da tubulação em m; ● V é a velocidade do líquido em m/s; ● g é a aceleração da gravidade em m/s². Algumas fórmulas empíricas facilitam o cálculo da perda de carga distribuída, como é o caso da equação de Hazen-Williams dada pela Equação (5), que é muito aplicada na engenharia sanitária para o dimensionamento de canalizações de água e esgoto para diâmetros maiores de 50 mm. Já a perda de carga localizada pode ser calculada pela expressão geral dada pela Equação (6) (PORTO, 2006). Na Tabela 2 podem ser encontrados alguns valores do coeficiente de rugosidade C da fórmula de Hazen-Williams e do coeficiente K de perda localizada para alguns acessórios e singularidades mais comuns. Em que: ● J (∆H/L) é a perda de carga unitária em m/m; ● C é o coeficiente de rugosidade dependente da natureza e condições internas das paredes dos tubos. Pode ser obtido por meio de valores tabelaos – Tabela 2; ● Q é a vazão do fluido em m³/s; ● ∆H é a perda de carga localizada em m; ● K é a coeficiente de perda de carga localizada obtido por meio de valores tabelados – Tabela 2. Tabela 2. Valores de C e K para alguns tipos de materiais e acessórios das tubulações, respectivamente. Fonte: AZEVEDO NETTO, 1998, p. 310. (Adaptado). Conhecendo-se a vazão de demanda a ser transportada pela tubulação, a perda de carga distribuída dada pela diferença de cotas topográficas a montante e jusante da tubulação, o material da tubulação e o comprimento do trecho considerado, pode-se determinar, portanto, o diâmetro requerido para a tubulação pela fórmula de Hazen-Williams – Equação (5). Uma vez que as tubulações estão operando como condutos forçados a seção plena (tubulação totalmente cheia), pode-se aplicar a equação da continuidade, conforme explicitada a seguir, para o cálculo da velocidade na tubulação que não deve ser superior a 5 m/s (PORTO, 2006; AZEVEDO NETTO, 1998). RESERVATÓRIO E REDE DE DISTRIBUIÇÃO O sistema de distribuição de água é composto por reservatório e rede de distribuição. Os reservatórios permitem armazenar água para atender as variações de consumo, suprindo as máximas vazões horárias, as demandas de emergência e reservas de incêndio, bem como manter a pressão mínima ou constante na rede de distribuição. Além disso, os reservatórios são de suma importância no SAA, pois permitem a continuidade do abastecimento em momentos de manutenção ou falhas nas unidades que o antecedem, como captação, adução e ETA (BARROS et al., 1995). Os reservatórios de distribuição podem ser classificados de acordo com sua posição em relação a rede de distribuição em reservatório de montante ou de jusante, também conhecidos como reservatório de sobras. Os de montante são utilizados para o suprimento normal, causando uma variação relativamente grande de pressão nas extremidades de jusante da rede. Já os de sobras são alimentados pelas sobras do suprimento das horas de menor demanda, abastecendo a rede nas horas de maior consumo, permitindo uma menor variação de pressão nas zonas de jusante da rede. Com relação à posição no terreno, os reservatórios podem estar enterrados, semienterrados, apoiados ou elevados (BARROS et al., 1995; AZEVEDO NETTO, 1998). Quanto à forma, deve-se levar em consideração a máxima economia global em fundação, estrutura, utilização de área disponível, equipamentos de operação e interligação das unidades. Usualmente, os reservatórios enterrados, semienterrados e apoiados são circulares ou retangulares. Já os elevados podem possuir formas variadas, sendo o tipo cálice bastante empregado neste caso (TSUTIYA, 2006). Os materiais dos reservatórios são também diversos – alvenaria, concreto, aço, fibra de vidro, madeira, sendo o mais frequente no Brasil o de concreto armado (BARROS et al., 1995). Para o cálculo de volume do reservatório, devem ser levadas em conta as reservas de consumo, de incêndio e de emergência. Para o consumo, consideram-se as variações de consumo diárias da população a ser abastecida, referentes às vazões de saída do reservatório, e a vazão aduzida de entrada ao reservatório. O balanço diário entre as diferenças das vazões de entrada e saída do reservatório irá compor o volume de reserva de consumo. O volume para reserva de incêndio geralmente é considerado apenas para pequenas cidades, podendo variar de 250 a 500 m³. Para reservatórios de grande porte, a demanda de incêndio é uma fração muito pequena da demanda máxima diária, não sendo normalmente necessário se prever um volume adicional para combate a incêndio. O volume de emergência pode ser considerado como um terço da soma do volume de consumo e de incêndio (TSUTIYA, 2006; AZEVEDO NETTO, 1998). A rede de distribuição de água é a unidade do SAA que conduz a água para os pontos de consumo (casas, prédios, indústrias etc.). É formada de tubulações e órgãos acessórios a fim de garantir o abastecimento dos consumidores com água potável de forma contínua, em quantidade, qualidade e pressões adequadas. É a estrutura mais integrada à realidade urbana e a mais onerosa, correspondendo de 50 a 75% do custo total do SAA (BARROS et al., 1995; AZEVEDO NETTO, 1998). A rede é composta por dois tipos de canalizações, condutos principais (ou tronco) de maior diâmetro, e os condutos secundários, abastecidos pelos condutos tronco e que abastecem diretamente os pontos de consumo. Com relação à disposição das tubulações e ao sentido do escoamento, a rede pode ser classificada como ramificada, malhada ou mista. Na rede ramificada, o abastecimento se dá por uma tubulação principal a partir de um reservatório de distribuição, sendo conhecido o sentido do escoamento em qualquer trecho. Já nas redes malhadas, os condutos principais formam anéis, permitindo o abastecimento de qualquer ponto do sistema por mais de um caminho, o que garante mais flexibilidade no atendimento da demanda e manutenção da rede. Na rede mista, há uma associação das redes ramificadas e malhadas (TSUTIYA, 2006). Na Figura 3, pode ser observado um esquema da disposição das redes ramificada e malhada no SAA. Figura 3. Representação esquemática da disposição das redes ramificada e malhada no sistema de abastecimento de água. Fonte: TSUTIYA, 2006, p. 390. (Adaptado). Alguns cuidadose recomendações devem ser seguidos na execução da rede de distribuição, tais como: manutenção da pressão dinâmica mínima de 10 m.c.a. (metros de coluna d’água) em qualquer ponto da rede; distância mínima de 3 m da rede de esgoto e proteção contra qualquer tipo de poluição externa; estanqueidade das canalizações; registros e dispositivos de descarga devem ser projetados e posicionados para permitir manutenção e descarga sem prejudicar o abastecimento; diâmetro mínimo de 50 mm nos conduto secundários, e para os condutos principais 75 mm para população menor que 5000 hab., 100 mm para população maior que 5000 hab., e 150 mm para zona com densidade maior que 150 hab/ha; velocidades mínimas e máximas de 0,6 e 3 m/s; implantação de sistemas de hidrantes em comunidades com demanda total superior a 50 L/s, e ponto de tomada junto ao reservatório para alimentar carros-pipa no caso de demanda inferior a 50 L/s. Os hidrantes são utilizados não somente para combate a incêndios, mas também lavagem e limpeza de tubulações, lavagem de ruas, irrigação de gramados e árvores em áreas públicas, e fornecimento de água para obras civis (BARROS et al., 1995; TSUTIYA, 2006). Sistema de esgotamento sanitário Se há deficiências no sistema de abastecimento de água, as deficiências são ainda maiores quando tratamos do sistema de esgotamento sanitário. Grande parte do esgoto gerado no nosso país não é coletado, muito menos tratado. Para o ano de 2018, apenas 53% da população brasileira contou com rede de coleta de esgotos, e do total de esgotos gerados no país, apenas 46% foi tratado (BRASIL, 2019). Por trás dessas deficiências existem diversos fatores, como a má gestão dos recursos técnico-financeiros, falta de plano diretor adequados ao desenvolvimento urbano e rural, existência de muitas áreas de vulnerabilidade socioeconômica, entre outros. A demanda urgente pela universalização do saneamento deve compatibilizar a implantação/expansão dos sistemas de esgotamento sanitários, tanto a nível local quanto a nível regional. O sistema de esgotamento sanitário (SES) consiste em um conjunto de canalizações, instalações e equipamentos destinados à coleta, ao transporte, ao condicionamento e ao destino adequado dos esgotos sanitários. O esgoto sanitário compreende as águas residuárias domésticas, os despejos industriais, uma parcela de água do subsolo referida como água de infiltração e uma parcela de água de chuva referida como contribuição pluvial parasitária. Quando falamos em esgoto doméstico, estamos nos referindo apenas às águas residuárias resultantes do uso na higiene e necessidades fisiológicas humanas (AZEVEDO NETTO, 1998). Os sistemas de esgotamento sanitário podem ser de três tipos: sistema unitário (ou combinado), em que as águas residuárias domésticas e industriais, as águas de infiltração e águas pluviais são conduzidas por uma única tubulação; sistema separador absoluto, em que as águas pluviais são conduzidas por um sistema independente do sistema de esgotos, as chamadas galerias de águas pluviais; e o sistema separador parcial, em que uma parcela das águas de chuvas provenientes de telhados e pátios são encaminhados para as canalizações de esgoto (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). No Brasil, adota-se basicamente o sistema separador absoluto, sobretudo devido às condições de alta pluviosidade que poderiam onerar consideravelmente a rede de esgotamento e o tratamento de esgotos. Além disso, no sistema separador, o afastamento das águas pluviais é facilitado, podendo-se haver diversos pontos de lançamento ao longo dos cursos d’água; há um menor risco de poluição hídrica devido à extravasão de esgotos sem tratamento nos períodos de chuva intensa; e os custos e prazos de construção são menores comparados ao sistema combinado (BARROS et al., 1995; TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). As partes constituintes de um SES podem ser assim divididas: rede coletora, interceptor, emissário, sifão invertido, órgãos acessórios, estação elevatória de esgotos (EEE), estação de tratamento de esgotos (ETE) e corpo receptor (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). No caso de indústrias, deve-se fazer uma avaliação do potencial de toxicidade e contaminação dos efluentes gerados, que podem prejudicar o tratamento biológico de esgotos. Sendo assim, esses efluentes devem ser tratados localmente na indústria na chamada estação de tratamento de efluentes industriais (ETEI) antes de serem lançados na rede pública de esgotos, atendendo às normas vigentes (BARROS et al., 1995). Na Figura 4 pode ser visualizada uma representação esquemática das partes constituintes de um SES. Figura 4. Unidades que compõem o sistema de esgotamento sanitário. CITANDO “Por ser uma obra de custo relativamente elevado e apresentar dificuldade de limpeza e de desobstrução, o sifão invertido somente deve ser utilizado após um estudo comparativo com outras alternativas. Entretanto, em determinadas situações, o sifão invertido é uma solução adequada, tanto no aspecto técnico como econômico, embora signifique um ponto singular no sistema de coleta e transporte de esgotos que exige cuidados especiais por parte da operação” (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 1993). A rede coletora consiste no conjunto de canalizações que recebem o esgoto das residências e edifícios pelo sistema predial de esgotos. Os coletores prediais conduzem os esgotos até os chamados coletores secundários da rede pública, que, por sua vez, conduzem até os coletores primários (ou tronco). Este consiste no coletor principal do SES, que conduz os esgotos até os interceptores, que somente recebem coletores ao longo de seu comprimento, não recebendo ligações prediais diretas (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). Já o emissário é o conduto final do sistema, recebendo contribuições apenas na extremidade de montante, conduzindo os efluentes para o ponto de lançamento (descarga) ou tratamento (ETE) (AZEVEDO NETTO, 1998). Os órgãos acessórios da rede de esgoto são dispositivos fixos desprovidos de equipamentos mecânicos, implantados em pontos singulares. São eles: o poço de visita (PV), o poço de inspeção (PI), o terminal de limpeza (TL), e a caixa de passagem (CP) (AZEVEDO NETTO, 1998). O PV é uma câmara visitável pela abertura na parte superior destinada à execução de trabalhos de manutenção da rede. Quando o coletor afluente ao PV chega a uma cota superior a 50 cm do fundo do PV, deve-se colocar um tubo de queda. Faz-se obrigatório o uso de PV sempre que reunir mais de três trechos de coletor, quando há necessidade de tubo de queda, nas extremidades de sifões invertidos, quando a profundidade é superior a 3 m, e quando o diâmetro do coletor é superior a 400 mm. O PI é um dispositivo não visitável, destinado à inspeção visual e introdução de equipamentos de limpeza, podendo substituir o PV na reunião de até três trechos de coletor, nos pontos com degrau de altura inferior a 50 cm, a jusante de ligações prediais, em profundidades de até 3 m, no início da rede, onde se prevê futuro prolongamento. O TL permite somente a introdução de equipamentos de limpeza, podendo ser construído no início dos coletores. A CP também não permite visitação, podendo ser construída nas mudanças de declividade, direção, diâmetro ou material das tubulações (AZEVEDO NETTO, 1998). O sifão invertido é uma canalização especial, utilizada nos casos em que se faz necessário a transposição de algum obstáculo pela tubulação de esgotos devido as singularidades do terreno. A estação elevatória de esgotos se faz necessária sempre que o transporte de esgotos não pode ser feito por gravidade, devendo-se elevar o esgoto de uma cota mais baixa para uma cota mais alta por meio de conjuntos eletromecânicos de bombeamento. A ETE consiste em um sistema destinado a depuração dos esgotos previamente ao seu lançamento no corpo receptor, seguindo os requisitos da legislação ambiental vigente, de modo a promover a manutenção da qualidade da água e do ecossistema aquático (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). REDE COLETORA: DIMENSIONAMENTO E PARÂMETROS DE PROJETO O primeiro passo quedeve ser dado para o dimensionamento das canalizações do SES é a concepção do traçado. Partindo das características prévias da planta topográfica – arruamento, curvas de nível, talvegues, cursos d’água, caminhamento de condutos interferentes como galerias de águas pluviais e adutoras e rede de esgotos preexistente, devem ser indicados a área a ser esgotada, os trechos de coletores e seu sentido de escoamento, os órgãos acessórios, as áreas de expansão futura, as contribuições singulares significativas ou concentradas (indústrias, hospitais, escolas, quartéis etc.), as tubulações interceptoras e emissários e a localização da ETE e do ponto de lançamento final do efluente tratado (AZEVEDO NETTO, 1998). O traçado deve seguir a declividade natural do terreno, e quando não é possível o escoamento por gravidade, deve-se prever a implantação de estações elevatórias de esgoto. Em cada órgão acessório da rede (PV ou PI) representado deve ser indicado o sentido de escoamento, sendo admitidas várias entradas, porém uma única saída, o que definirá o traçado do SES. Identificado os trechos dos coletores, deve-se definir as numerações deles, a partir do coletor tronco, de maior extensão na bacia sanitária que recebe o número um, e os coletores secundários recebem numerações sucessivas à medida que chegam ao coletor tronco. As numerações também crescem de montante para a jusante da rede (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). Conhecendo-se o traçado da rede e a extensão de cada trecho, precisamos dimensionar o diâmetro dos condutos, seguindo as recomendações necessárias. Para isso, o primeiro passo consiste no cálculo das vazões de dimensionamento. Essas vazões devem ser calculadas para início e final de plano, dentro do horizonte de projeto, da mesma forma que foi definido no projeto de sistema de abastecimento de água, considerado as populações atuais e futuras, estimadas pelo estudo de projeção populacional aplicado (AZEVEDO NETTO, 1998). O cálculo das vazões de esgoto doméstico leva em consideração o consumo de água da população, ou consumo efetivo per capita (q) de início e fim de plano, conforme Tabela 1, os coeficientes de variação (k1 e k2 – Gráfico 2), e também o coeficiente de retorno esgoto-água (C), ou seja, a relação entre o volume de esgoto produzido e recebido na rede coletora pelo volume de água efetivamente fornecido à população. Assim, podemos calcular as vazões médias e máximas de esgoto de início e final de plano – Equações (8) a (11). Do total de água consumido, uma parcela não retorna ao esgoto – lavagem de calçadas, ruas, quintais, terraços e carros, rega de jardins e hortas, irrigação de parques públicos etc. Assim, o coeficiente de retorno varia de acordo com as condições locais, situando-se na faixa de 0,5 a 0,9. Na falta de valores medidos, a NBR 9649 (ABNT, 1986) recomenda adotar o valor de 0,8 para projeto (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). Em que: Qd,i e Qd,f são as vazões domésticas inicial e final de plano em L/s; Pi e Pf são as populações inicial e final de plano em hab.; qi e qf são os consumos de água efetivos per capita inicial e final de plano em L/hab.d; k1 e k2 são os coeficientes de variação no consumo; C é o coeficiente de retorno esgoto-água. No projeto do SES, costuma-se adotar as taxas de contribuição linear, referindo-se à vazão de esgotos à unidade de comprimento da rede – L/s.km ou L/s.m. Para o cálculo das taxas de contribuição linear de esgoto doméstico de início e fim de plano, utilizam-se as Equações (12) e (13), respectivamente (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). Em que: Td,i e Td,f são as taxas de contribuição linear de esgotos domésticos inicial e final de plano em L/s·m ou L/s·km; Li e Lf são as extensões da rede de esgotos inicial e final de plano em m ou km. As parcelas de infiltração também devem ser contabilizadas no dimensionamento da rede. Elas são provenientes do subsolo, penetrando nos sistemas através das juntas e paredes das tubulações ou pelas estruturas dos órgãos acessórios. As taxas de contribuição de infiltração dependem de condições locais tais como: nível do lençol freático, natureza do subsolo, qualidade da execução da rede, material da tubulação e tipo de junta utilizado. Segundo a NBR 9649 (ABNT, 1986), o valor situa-se geralmente entre 0,05 e 1,0 L/s·km e o valor adotado dever ser justificado. As contribuições de vazões concentradas não entram no cálculo das taxas de contribuição, devendo ser acrescentadas às vazões já calculadas ao início do trecho correspondente. As contribuições pluviais parasitárias (CPP) são águas pluviais provenientes de ligação de tubulações pluviais prediais à rede de esgotos, interligação da rede de drenagem urbana à rede de esgotos, tampões de PV e outros órgãos acessórios, ligações abandonadas e clandestinas. Na prática, a CPP não é considerada no dimensionamento da rede coletora, sendo utilizada apenas na análise de funcionamento dos interceptores e dimensionamento de extravasores. Assim, as taxas de contribuição linear adotadas para o dimensionamento da rede coletora podem ser calculadas pelas Equações (14) e (15) (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). Em que: Ti e Tf são as taxas de contribuição linear de esgotos sanitários inicial e final de plano em L/s·m ou L/s·km; Tinf,i e Tinf,f são as taxas de contribuição linear de infiltração inicial e final de plano em L/s·m ou L/s·km. Conhecendo-se as taxas de contribuição linear da rede de início e fim de plano, podemos calcular a vazão de esgoto sanitário de cada trecho, também chamada de contribuição em marcha, e, então, calcular as vazões de montante e jusante dos trechos em cada ponto da rede. Na Figura 5, há uma representação esquemática do procedimento de cálculo das vazões de montante, jusante e em marcha de cada trecho da rede. Nos pontos de início dos trechos da rede, ou pontas secas, em que não há trechos antecessores, a vazão de montante é nula (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). O próximo passo no roteiro de dimensionamento das tubulações da rede coletora consiste na determinação da declividade do trecho. A declividade das tubulações deve garantir o transporte do esgoto por gravidade até onde seja possível. Deve-se garantir uma declividade mínima de forma a evitar acúmulo de água e materiais na rede coletora, e evitar declividades muito elevadas que aumentam a necessidade de escavações e resultem em velocidades muito altas que podem prejudicar o regime de escoamento e as tubulações de esgoto (AZEVEDO NETTO, 1998). Figura 5. Exemplo de cálculo das vazões de montante e jusante dos trechos da rede coletora de esgotos. A declividade adotada não deve ser menor que 0,0005 m/m (0,05%), pois abaixo deste valor não existe precisão de execução. A declividade mínima de um trecho pode ser calculada pela Equação 16. Ao impor profundidade mínima a jusante do trecho, pode-se determinar a declividade econômica para escavação mínima do terreno, resultado da relação entre a diferença de cotas topográficas do terreno a montante e jusante do trecho e a extensão do trecho, conforme mostrado na Equação 17. Comparando-se as duas declividades, deve-se adotar a maior delas (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). Em que: Imin. é a declividade mínima do trecho considerado em m/m; Qj,i é a vazão de jusante de início de plano do trecho considerado em L/s, sendo o mínimo considerado para o cálculo de valor de 1,5 L/s; Iecn. é a declividade econômica do trecho considerado em m/m; Zm - Zj é a diferença de cotas topográficas entre montante e jusante do trecho considerado, em m; Ltrecho é a extensão do trecho em m. O próximo passo consiste na determinação do diâmetro da tubulação. Para isso, faz-se necessário o uso da fórmula de Manning – Equação (18), que é função do raio hidráulico da seção molhada (Equação (19)). O raio hidráulico varia de acordo com a altura da lâmina líquida (y/D) na tubulação (PORTO, 2006). Recomenda-se que a lâmina líquida máxima na tubulação seja de 75%. Este critério é adotado de modo a garantir que haja ventilação naparte superior da tubulação, além de garantir uma segurança em caso de possíveis imprevisões e flutuações excepcionais de nível de esgotos. Considerando esse critério, pode-se determinar o diâmetro da tubulação de esgoto pela Equação (20), considerando a vazão do trecho de final de plano. Na prática, o diâmetro nominal (DN) corresponde ao valor comercial imediatamente superior ao calculado, sendo o DN mínimo recomendado de 100 mm (AZEVEDO NETTO, 1998). Em que: V é a velocidade do escoamento em m/s; n é o coeficiente de rugosidade de Manning, que varia conforme do tipo de revestimento da canalização e pode ser obtido por meio de valores tabelados, sendo usualmente empregado o valor de 0,013 para tubos de concreto; Rh é o raio hidráulico da seção molhada em m; Am é a área molhada da seção em m², que varia de acordo com a lâmina líquida (y/D); Pm é o perímetro molhado da seção em m, que varia de acordo com a lâmina líquida (y/D); D é o diâmetro da tubulação em m; Qj,i é a vazão de jusante de final de plano do trecho considerado em m³/s; I é a declividade adotada (mínima ou econômica) em m/m. Seguindo o roteiro de dimensionamento da rede, deve-se determinar as cotas e as profundidades dos coletores a montante e jusante dos trechos. Para isso, pode-se considerar profundidades ou recobrimentos mínimos recomendados em normas técnicas de acordo com cada especificidade. Por exemplo, a NBR 9649 (ABNT, 1986) recomenda recobrimento mínimo de 0,65 m em relação à geratriz superior do tubo no caso do assentamento no passeio e 0,9 m no caso do assentamento no leito da via. (AZEVEDO NETTO, 1998). Em trechos de início da rede (ponta seca sem trechos antecessores), a cota do coletor a montante pode ser dada pela diferença entre a cota do terreno a montante e a soma do recobrimento mínimo (Rmín.) com o diâmetro do tubo. Já na seção de jusante desse trecho, a cota do coletor será dada pela cota do coletor a montante menos o valor de I . Ltrecho. Já nos trechos subsequentes, as cotas a montante decorrem das cotas a jusante dos trechos afluentes, conforme pode ser observado na Figura 6. Então, o recobrimento (R) do tubo deve ser verificado em todos os pontos da rede para atender ao mínimo recomendado. A seguir, determina-se a profundidade de jusante do órgão acessório (PV ou PI) de cada trecho (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). Para o exemplo da Figura 8, a profundidade do PV/PI a jusante dos trechos 1-1 e 1-2 será a maior profundidade atingida pelos coletores desses trechos. A profundidade seria então dada pela diferença entre a cota do terreno (Zt) a jusante desses trechos e a cota do coletor (Zc) mais profundo a jusante, neste caso, o coletor 1-2. Figura 6. Exemplo de cálculo cotas dos coletores a montante e jusante de cada trecho da rede coletora. Algumas verificações importantes devem ser realizadas de forma a seguir recomendações técnicas. Conforme comentado anteriormente, a lâmina líquida máxima em qualquer trecho da rede deve ser de 75%. A determinação dessa lâmina líquida pode ser realizada por meio de valores tabelados partindo-se da razão entre a vazão de jusante de início / fim de plano (Qj) e a vazão a seção plena (Qp, y/D = 1) da tubulação, que pode ser estimada pela Equação (21). Caso a relação y/D seja superior a 0,75, o diâmetro do trecho deve ser aumentado até atingir a máxima relação y/D (AZEVEDO NETTO, 1998). Em que: Qp é a vazão a seção plena m³/s, considerando Rh = DN/4; DN é o diâmetro nominal do trecho em m; I é a declividade adotada (mínima ou econômica) em m/m. As velocidades nos trechos de início e fim de plano também devem ser calculadas pela fórmula de Manning (Equação (18)) não podendo ultrapassar o valor de 5 m/s. Além disso, deve-se calcular a velocidade crítica pela Equação (22), que deve ser maior que a velocidade do escoamento do trecho. Velocidades elevadas nas redes coletores promovem turbulência no escoamento, aumentando a quantidade de ar na fase líquida, o que pode acarretar aumento da altura da lâmina líquida, e, em alguns casos transformando o escoamento livre em forçado e gerando pressões na tubulação com potencial de dano. De modo a evitar este fenômeno, a NBR 9649 (ABNT, 1986) determina que caso a velocidade de final de plano seja superior a velocidade crítica, a maior lâmina de água deve ser de 50% do diâmetro do coletor para assegurar a ventilação do trecho. Caso essa relação ainda não seja atendida, deve-se aumentar o diâmetro do coletor. (AZEVEDO NETTO, 1998; TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). Em que: Vc é a velocidade crítica em m/s; g é a aceleração da gravidade em m/s²; Rh,f é o raio hidráulico da seção molhada de fim de plano em m. Uma última verificação que deve ser feita no dimensionamento da rede coletora é o cálculo da tensão trativa ou de arraste. É a componente tangencial do peso do líquido sobre a unidade de área da parede do coletor e que atua, portanto, sobre o material aí sedimentado promovendo o seu arraste e, portanto, inibindo a formação de limo (fonte de geração de sulfeto em condições de anaerobiose). O gás sulfídrico produzido pelas bactérias redutoras de sulfato ao entrar em contato com o oxigênio do ar presente na tubulação, gera ácido sulfúrico, que é extremamente agressivo a vários tipos de materiais das canalizações de esgoto, como é o caso do concreto, podendo provocar desgaste e fraturas nos tubos. A NBR 9649 (ABNT, 1986) estabelece para coletores tensão trativa mínima de 1 Pa (N/m2). Em que: ● σmín. é a tensão trativa mínima em Pa; ● γ é a o peso específico no líquido, que pode ser adotado igual ao da água = 104 N/m³; ● Rh,i é o raio hidráulico da seção molhada de início de plano em m; ● I é a declividade adotada (mínima ou econômica) em m/m. DIMENSIONAMENTO DE INTERCEPTORES E EMISSÁRIOS O interceptor, segundo a NBR 12207 (ABNT, 1992), é uma canalização do SES que recebe coletores ao longo de seu comprimento, não recebendo ligações prediais diretas e geralmente localizado próximo de cursos d’água ou lagos. Já o emissário, pela NBR 9649 (ABNT, 1986), é uma canalização que recebe esgotos exclusivamente na extremidade de montante. O caso mais comum de emissário é o último trecho de um interceptor. Também pode ser definido como uma canalização destinada a conduzir esgotos a um destino conveniente (ETE e/ou lançamento) sem receber contribuições em marcha, podendo ou não ser visível, como, por exemplo, no caso de emissários submarinos. CONTEXTUALIZANDO Emissários submarinos são apresenta dos como uma eficiente alternativa para o desti no final de efluentes sanitários em regiões costei ras densamente povoadas em virtude da elevada capacidade de dispersão e depuração da matéria orgânica no ambiente marinho, e por demandar pequenas áreas para sua implementação. O interceptor controla o fluxo que recebe das linhas principais (coletores tronco) e, às vezes, do escoamento das águas pluviais. Possui a função de receber e transportar o esgoto sanitário coletado, caracterizada pela defasagem das contribuições, da qual resulta o amortecimento das vazões máximas. Assim, para o dimensionamento de interceptores e emissários deve-se levar em consideração esse amortecimento das vazões de pico, decorrente da defasagem em marcha, produzida não só pelo balanço de volumes no interior de grandes coletores, como pelas variações do regime de escoamento. Essa defasagem pode ser calculada pela avaliação da diminuição do coeficiente de pico (K = k1 · k2) (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). As pesquisas têm mostrado que à medida que as áreas de contribuição crescem, os picos de vazão diminuem. Assim, cidades maiores tendem a ter menores picos de vazão comparado a cidade pequenas. Diversos estudos constataram que o coeficiente de pico é função da vazão média de esgotos. Uma das equações que pode ser usada para determinação do valor de K é a Equação (24) (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). Segundo a norma NBR 12207 (ABNT, 1992), a contribuição pluvial parasitária (CPP) deve ser adicionada à vazão final para a análisede funcionamento do interceptor e para o dimensionamento dos extravasores. Porém, para o dimensionamento do interceptor em si, a CPP não é levada em consideração. Ela deve ser determinada com base em medições locais, mas no caso inexistente de tais medições, pode-se adotar uma taxa que não deve superar 6 L/s·km de coletor contribuinte ao trecho em estudo. O regime de escoamento no interceptor é gradualmente variado e não uniforme. Entretanto, para o seu dimensionamento hidráulico, geralmente se considera regime permanente e uniforme. Para a vazão de início de plano, deve-se garantir uma tensão trativa média, não inferior a 1,5 Pa, para se ter autolimpeza do interceptor e impedir a formação de limo com a consequente geração de sulfetos que geram ácido sulfúrico e corroem as tubulações. A declividade que satisfaz esta condição para o coeficiente de Manning n = 0,013 é dada pela Equação 25. A lâmina d’água nas tubulações dos interceptores tem sido limitada a 85% do diâmetro da tubulação (y/D = 0,85), para a vazão máxima final, o que resulta no cálculo do diâmetro do conduto conforme a Equação 26 (AZEVEDO NETTO, 1998). Em que: ● Imín. é a declividade mínima do interceptor em m/m; ● Qi é a vazão de início de plano em m³/s; ● D é o diâmetro da tubulação em m; ● Qf é a vazão de final de plano do trecho considerado em m³/s; ● I é a declividade adotada (mínima ou econômica) em m/m. Após o dimensionamento dos trechos de interceptores, deve-se proceder a verificação do comportamento hidráulico e dos órgãos complementares para as condições de vazão final acrescida da CPP, bem como do remanso, pois dificilmente ocorrem situações em que o regime é permanente e uniforme, com a superfície d'água paralela ao fundo da tubulação. Sempre que a cota do nível de água na saída de qualquer PV estiver acima de qualquer das cotas dos níveis d’água de entrada, ocorrerá remanso no trecho de montante. Esse efeito pode ser corrigido rebaixando-se a tubulação efluente. Quando a vazão de CPP acrescida à vazão do trecho resulta em lâmina líquida (y/D) maior que 0,85, devem ser dispostos extravasores com capacidade conjunta que permita o escoamento da vazão final relativa ao último trecho. Nos extravasores, devem ser previstos dispositivos para evitar o refluxo de água do corpo receptor para o interceptor. De qualquer forma, devem ser estudados meios capazes de minimizar e mesmo eliminar a contribuição pluvial parasitária (TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). As ligações ao interceptor devem ser sempre por meio de dispositivos especialmente projetados para evitar conflito de linhas de fluxo e diferença de cotas que resulte agitação excessiva. Os efeitos de agitação excessiva nos interceptores e emissários devem ser sempre evitados, e quando necessário, devem ser projetados dispositivos especiais de dissipação de energia de forma a impedir que a velocidade de escoamento fique acima dos valores máximos recomendados (5 m/s). Algumas alternativas para dissipação de energia podem ser empregadas: projetar vários poços de visita com tubos de queda, projetar degraus ao longo do conduto ou no poço de visita, implantar anteparos no PV para diminuir o jato inicial de esgoto na câmara, implantar um colchão de água para amortecer a queda d'água do coletor afluente no PV etc. (AZEVEDO NETTO, 1998; TSUTIYA, ALEM SOBRINHO, 2000). SINTETIZANDO O sistema de abastecimento de água (SAA) e o sistema de esgotamento sanitário (SES) são partes fundamentais dentro das ações de saneamento de forma a promover a universalização deste serviço, visando a manutenção da saúde pública e da qualidade das águas. O SAA compreende obras de captação, adução de água bruta, estação de tratamento de água (ETA), adução de água tratada, reservatório de distribuição e rede de distribuição de água. Já o SES consiste nas canalizações que compõem a rede coletora de esgotos – coletores secundários e coletores primários ou tronco, interceptores, estação de tratamento de esgotos (ETE), emissários, além de órgãos acessórios da rede –, poço de visita, poço de inspeção, caixa de passagem e terminal de inspeção e limpeza. Tanto no SAA quanto no SES podem existir estações elevatórias para recalcar a água/esgoto de uma cota mais baixa para uma cota mais alta, sempre que necessário. O escoamento na rede de água ou esgoto pode ocorrer por gravidade ou recalque, sob regime de escoamento livre ou forçado, sendo que as perdas de carga distribuídas e localizadas devem ser consideradas no dimensionamento das unidades, quando conveniente. O SAA é dimensionado baseando-se no consumo efetivo per capita de água, na projeção populacional para o fim de horizonte de projeto e nas variações de consumo diárias e horárias. Já no SES, o dimensionamento também leva em consideração o coeficiente de retorno esgoto-água. O esgoto sanitário é composto pelas parcelas de esgoto doméstico, águas de infiltração, contribuição pluvial parasitária e contribuições concentradas (indústrias, comércio, escolas etc.). Várias considerações de projeto devem ser adotadas no SAA e no SES para o bom funcionamento, como, por exemplo, as velocidades limites para não causar interferências no escoamento e danos às tubulações. No SES, é importante também calcular a tensão de arraste (ou trativa) mínima para não haver deposição de esgoto nas tubulações, evitando a geração de gás sulfídrico e, consequentemente, ácido sulfúrico, que pode danificar as tubulações.
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