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DESCRIÇÃO Apresentação dos conceitos de Biofarmácia, da importância da etapa biofarmacêutica para o efeito de um medicamento e uma explanação dos diversos fatores relacionados à biodisponibilidade de um fármaco. PROPÓSITO Conhecer os diferentes fatores que influenciam na biodisponibilidade de um fármaco é de fundamental importância para o desenvolvimento e a manipulação de produtos farmacêuticos com características adequadas. OBJETIVOS MÓDULO 1 Compreender os principais conceitos em Biofarmácia e os fatores fisiológicos que interferem na absorção de fármacos MÓDULO 2 Reconhecer os diversos fatores que interferem na biodisponibilidade dos fármacos MÓDULO 3 Identificar a relação entre fatores tecnológicos na fabricação de medicamentos e a biodisponibilidade de fármacos INTRODUÇÃO Os fármacos, ou insumos farmacêuticos ativos (IFA), são as moléculas responsáveis por efeitos terapêuticos. Apesar disso, um conjunto de fatores é necessário para que este efeito seja alcançado. De acordo com a forma farmacêutica, com os componentes escolhidos, com a tecnologia utilizada para a fabricação e com as características do paciente, um maior ou menor grau de absorção desse fármaco pode acontecer. Neste conteúdo, conheceremos um pouco mais sobre os fatores que interferem na biodisponibilidade dos fármacos. Falaremos sobre os aspectos relacionados à formulação, aos processos tecnológicos envolvidos no seu preparo e aos fatores fisiológicos e patológicos do paciente. Veremos, ainda, a importância da etapa biofarmacêutica para o desenvolvimento de formulações capazes de exercer o efeito desejado e os recursos tecnológicos que podemos utilizar para solucionar possíveis problemas. Vamos começar? MÓDULO 1 Compreender os principais conceitos em Biofarmácia e os fatores fisiológicos que interferem na absorção de fármacos BIOFARMÁCIA Biofarmácia é o estudo de como as propriedades físico-químicas dos fármacos, das formas farmacêuticas e as vias de administração afetam a velocidade e o grau de absorção do fármaco. Ao ser administrado pelo paciente, independentemente da via de administração escolhida, o fármaco precisa ser liberado da forma farmacêutica de modo previsível e reprodutível. Em seguida, para algumas formas farmacêuticas, ele precisará se dissolver nos fluidos biológicos para, então, permear as membranas. Dependendo da via de administração, uma parte ficará no local de aplicação e a outra será absorvida, podendo sofrer metabolização e ser distribuída, atingindo o local de ação. Quando a quantidade de fármaco que atinge essa região é maior que a concentração mínima eficaz, o efeito terapêutico é obtido. Narramos, neste parágrafo, uma sequência de eventos que constituem as etapas biofarmacêutica, farmacocinética e farmacodinâmica, conforme o esquema mostrado na Figura 1. As propriedades biofarmacêuticas mais importantes a serem avaliadas e que vão fornecer informações sobre a extensão de absorção do fármaco são a solubilidade e a permeabilidade. Figura 1: Etapas biofarmacêuticas, farmacocinéticas e farmacodinâmicas. SOLUBILIDADE DO FÁRMACO Após ser ingerido pela via oral, um comprimido precisará passar por um processo de desintegração, seguido por um processo de desagregação e dissolução do fármaco nos fluidos gastrointestinais. Essa etapa é essencial para que o fármaco possa ser absorvido e, portanto, seu estudo constitui uma parte importante da Biofarmácia. A dissolução de um fármaco nos fluidos biológicos pode ser estudada in vitro, ou seja, utilizando-se equipamentos em um laboratório (Figura 2). Figura 2: Dissolutor utilizado para a realização do teste de dissolução in vitro. Para isso, o teste de dissolução do fármaco em meios de diferentes pHs (por exemplo, pH ácido estomacal, pH plasmático e pH intestinal) fornece uma ideia do comportamento e da capacidade do fármaco de se dissolver ao longo do trato gastrointestinal (TGI), em um período definido. Esse teste precisa ser discriminativo, ou seja, mostrar as diferenças no comportamento de dissolução do fármaco para diferentes meios e formulações. Além disso, buscamos que ele reflita, o máximo possível, a realidade, de modo a permitir que estabeleçamos o que chamamos de correlação in vitro/in vivo, ou seja, associar com confiança o que é mostrado nos testes laboratoriais com a absorção do fármaco no organismo. Isso só é possível para os fármacos cuja dissolução é a etapa limitante do processo de absorção. Quando isso acontece, em alguns casos, é possível que o teste de dissolução possa substituir alguns dos estudos in vivo exigidos durante o desenvolvimento de novos produtos. PERMEABILIDADE Para que sejam absorvidas, as moléculas do fármaco devem atravessar o epitélio intestinal, passando através das células epiteliais ou entre elas para, então, atingir a circulação sistêmica. A permeabilidade pode ser avaliada por meio de métodos: IN SILICO (computacionais, considerando parâmetros físico-químicos). IN VITRO (utilizando equipamentos em laboratórios). IN SITU (utilizando células). IN VIVO (utilizando animais). A permeabilidade será afetada pela estrutura molecular e pelas propriedades do fármaco e das membranas celulares. BIODISPONIBILIDADE A biodisponibilidade de um fármaco é definida como a fração da dose administrada que é absorvida inalterada para a circulação sistêmica. Sua determinação nos fornece o resultado do efeito dos parâmetros de solubilidade e permeabilidade. O método mais usado para avaliar a biodisponibilidade de um fármaco é a construção de uma curva de concentração plasmática x tempo. Para isso, administramos uma dose do fármaco por via oral em um paciente e coletamos amostras de sangue em intervalos regulares de tempo para a análise da concentração do fármaco. Com esses dados, é possível construir a curva que nos mostrará como a concentração do fármaco na corrente sanguínea varia ao longo do tempo. A biodisponibilidade será definida pela medida da Área Sob a Curva (ASC), que nos diz a quantidade total de fármaco absorvida para a circulação sistêmica após a administração de uma dose única, conforme mostrado na Figura 3. Figura 3: Curva de concentração plasmática x tempo após a administração de uma dose por via oral. VAMOS ENTENDER O QUE ESSE GRÁFICO NOS DIZ? 1 Quando o fármaco é administrado, ainda não temos fármaco no sangue, de modo que a concentração plasmática será zero. Com o passar do tempo, o fármaco passará pelo TGI, momento em que passará pelos processos de desintegração, dissolução e permeação sendo, assim, absorvido. 2 A concentração plasmática começa, então, a aumentar porque nesse início a velocidade de absorção ainda é maior que a velocidade de retirada do fármaco do sangue (que acontece pelos mecanismos de distribuição e eliminação). 3 A concentração continua subindo até atingir o que chamamos de pico de concentração plasmática (Cmax), a partir do qual os mecanismos de retirada do fármaco do sangue começam a predominar. O tempo até o pico de concentração ser atingido é chamado de Tmax. 4 Depois de um tempo, todo o fármaco que estava biodisponível já foi absorvido, e a retirada do fármaco que sobrou na corrente sanguínea é feita somente pelos mecanismos de metabolização e/ou eliminação, e não mais pela distribuição. Como dito, a biodisponibilidade será obtida através da ASC. A biodisponibilidade absoluta pode ser calculada comparando-se a ASC de um fármaco administrado por determinada via (extravenosa) com a ASC de um fármaco administrado por injeção intravenosa, como mostrado na Figura 4. Figura 4: Comparação de curvas de concentração plasmática por via extravenosa e intravenosa. BIODISPONIBILIDADE RELATIVA A biodisponibilidade relativa pode ser calculada comparando-se a ASC de um fármaco administrado em determinada forma farmacêutica com a ASC de um fármaco administrado em uma outra forma farmacêutica com eficácia clinicamente comprovada do mesmo fármaco. Geralmente,ela é utilizada quando o fármaco não pode ser administrado pela via intravenosa. Quando as formas farmacêuticas teste e padrão que contêm a mesma dose, do mesmo fármaco e administradas sob as mesmas condições, não apresentam diferenças significativas na ASC, Cmax e Tmax, elas são consideradas bioequivalentes. javascript:void(0) VEM QUE EU TE EXPLICO! COMPARAÇÃO DE CURVAS DE BIODISPONIBILIDADE A especialista Patrícia Dias explica a comparação de formulações por meio das curvas de concentração plasmática e o conceito de bioequivalência. Vamos lá! SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO BIOFARMACÊUTICA O sistema de classificação biofarmacêutica (BCS) classifica os fármacos em quatro categorias, baseadas nas suas características de solubilidade aquosa e permeabilidade à mucosa gastrointestinal. Veja, no quadro a seguir, essas categorias. Quadro 1. Sistema de classificação biofarmacêutica. Esse sistema nos ajuda a identificar, de forma rápida, qual é a etapa limitante da absorção de determinado fármaco e quais são os desafios tecnológicos envolvidos no desenvolvimento de uma formulação para ele. Um fármaco é considerado altamente solúvel quando sua maior dose é solúvel no volume estimado de um copo de água (~250 mL) na faixa de pH do TGI (1-8). Por outro lado, se ele precisa de um volume maior que esse para se dissolver, então ele é considerado de baixa solubilidade. Quanto à permeabilidade, considera-se altamente permeável um fármaco do qual mais de 90% da dose é absorvida. VEJAMOS, AGORA, AS CARACTERÍSTICAS DOS FÁRMACOS DE CADA CLASSE. FÁRMACOS DE CLASSE I Geralmente, são rapidamente absorvidos porque se dissolvem facilmente e têm facilidade de permear a parede intestinal. FÁRMACOS DE CLASSE II Têm baixa solubilidade e, portanto, esta etapa é considerada a etapa limitante para a absorção. Assim, os testes de dissolução in vitro podem ser bons preditivos do comportamento in vivo dos fármacos pertencentes a essa classe. Recursos tecnológicos podem ser utilizados para melhorar a solubilidade e, consequentemente, a absorção desse tipo de fármaco, como, por exemplo, o uso de surfactantes na formulação. FÁRMACOS DE CLASSE III De alta solubilidade, têm, porém, dificuldade de permear a parede intestinal. Neste caso, alterações na formulação que auxiliem nesse processo podem ser uma alternativa. A veiculação em adjuvantes lipídicos é uma estratégia. FÁRMACOS CLASSE IV Por ter baixa solubilidade e baixa permeabilidade, costumam ter baixa biodisponibilidade oral. A formulação de pró-fármacos ou o uso de sistemas nanotecnológicos de distribuição de fármacos podem ser alternativas nesse caso. PRÓ-FÁRMACOS javascript:void(0) Pró-fármacos são moléculas sem atividade farmacológica que dão origem ao fármaco após serem metabolizadas no organismo. FATORES FISIOLÓGICOS QUE AFETAM A ABSORÇÃO DE FÁRMACOS Após a liberação da forma farmacêutica e da dissolução nos fluidos gastrointestinais, o fármaco precisa permanecer em solução, manter-se estável em toda a faixa de pH do TGI, ser resistente à degradação enzimática no lúmen intestinal e atravessar a membrana gastrointestinal. Após essas etapas, ele chegará ao fígado, onde poderá sofrer metabolização antes de alcançar a circulação sistêmica. Todas essas etapas podem se constituir como barreiras à absorção, podendo afetar a biodisponibilidade do fármaco. Vamos ver, agora, os fatores fisiológicos que podem afetar essa absorção. TRÂNSITO NO TGI O tempo que o fármaco leva para chegar até o intestino, onde a maioria dos fármacos é absorvida, dependerá de fatores como a posição do paciente (a posição em pé favorece uma passagem mais rápida), a forma farmacêutica (líquidos se deslocam mais rápido que sólidos) e o conteúdo no interior do estômago. ESVAZIAMENTO GÁSTRICO TEMPO DE ESVAZIAMENTO GÁSTRICO O tempo de esvaziamento gástrico será afetado pela condição de alimentação do paciente e pela forma farmacêutica. O tempo médio de residência gástrica varia de cinco minutos a duas horas. Quando o indivíduo está alimentado, a motilidade estomacal está maior, acelerando o trânsito do medicamento. Por outro lado, determinados alimentos retardam o esvaziamento gástrico, como alimentos gordurosos. Neste caso, a velocidade com que o fármaco deixará o estômago será menor. ESFÍNCTER PILÓRICO O esfíncter pilórico permite a passagem de líquidos e pequenas partículas, incluindo formas farmacêuticas líquidas e sólidas desintegradas. As formas farmacêuticas que não se desintegraram, porém, serão retidas no estômago por maiores períodos. Essa estratégia pode ser desejável no caso de formulações de liberação prolongada, por exemplo. TRÂNSITO NO INTESTINO DELGADO O tempo médio de residência no intestino delgado é de três a quatro horas. Esse tempo será particularmente importante no caso de formulações de liberação prolongada, em que o fármaco é solto lentamente, ou para as de revestimento entérico, que só libertarão o fármaco no intestino. PH GASTROINTESTINAL Já sabemos que o pH estomacal é ácido, variando de 1 a 3,5 em estado de jejum e de 3 a 7, dependendo do alimento ingerido, podendo retornar aos valores mais baixos após cerca de duas a três horas. Conhecer essa fisiologia é importante, pois, dependendo da estabilidade do fármaco nos pHs citados, sua administração poderá ser recomendada acompanhando a refeição, por exemplo. Além da estabilidade, o pH do TGI também influenciará em sua dissolução e absorção, uma vez que afetará a solubilidade e o quanto a molécula estará ionizada. De um jeito ou de outro, a biodisponibilidade poderá ser afetada: Se for degradado, menos fármaco atingirá a corrente sanguínea em sua forma inalterada. Se não dissolver corretamente, não estará disponível para ser absorvido; Se estiver na sua forma ionizada, enfrentará dificuldades para permear através da parede intestinal e ser absorvido. METABOLIZAÇÃO NO TGI Uma vez que o TGI é a região onde ocorre a digestão dos alimentos, muitas enzimas digestivas podem ser encontradas no local. A pepsina é a principal enzima encontrada no suco gástrico, enquanto lipases, amilases e proteases são secretadas pelo pâncreas no intestino delgado após a ingestão de alimentos. Dessa forma, fármacos com características semelhantes aos nutrientes alvos dessas enzimas poderão ser degradados, como fármacos proteicos, pelas pepsinas e proteases; e fármacos veiculados em formulações oleosas pelas lipases. VOCÊ SABIA Determinados alimentos são capazes de influenciar na metabolização pré-sistêmica (que ocorre no TGI). Alguns sucos ácidos inibem o citocromo P450 intestinal, por exemplo, diminuindo o metabolismo de fármacos suscetíveis a esse metabolismo e aumentando sua biodisponibilidade. METABOLIZAÇÃO HEPÁTICA O fígado é o principal órgão responsável pela metabolização de fármacos, agindo como uma barreira à absorção de fármacos pela via oral. De acordo com a intensidade desse metabolismo, também conhecido como metabolismo de primeira passagem, uma maior ou menor quantidade de fármaco chegará inalterada à corrente sanguínea, o que influenciará na sua biodisponibilidade. EXEMPLO A atorvastatina é um exemplo de fármaco que é administrado por via oral, mas apresenta biodisponibilidade diminuída, pois sofre extenso metabolismo de primeira passagem. Em alguns casos, esse metabolismo é tão intenso que o fármaco não pode ser administrado pela via oral, como nos casos da insulina e da enoxaparina. DOENÇAS Qualquer doença capaz de alterar o pH ao longo do TGI, o fluxo sanguíneo intestinal, a motilidade gastrointestinal; o esvaziamento estomacal; a permeabilidade da parede intestinal; e a secreção de bile e enzimas digestivas poderá afetar a dissolução e/ou absorção de um fármaco. Pacientes HIV positivo, em geral, têm um pH estomacal mais baixo, assim como portadores da Doença de Crohn e a colite ulcerativa. Pacientes com insuficiência cardíaca congestiva (ICC), em geral, têm o fluxo sanguíneo diminuído e a motilidade intestinalretardada, resultando na redução da absorção de fármacos. Já pacientes com doença celíaca costumam ter uma maior velocidade de esvaziamento gástrico e uma maior permeabilidade intestinal. DOENÇA DE CROHN Doença inflamatória crônica que pode atingir todo o sistema digestório, especialmente o íleo e o cólon. Os principais sintomas são dor abdominal associada a episódios diarreicos, febre e deficiência na absorção de nutriente, ocasionando perda de peso e enfraquecimento. TRANSPORTE ATRAVÉS DA MEMBRANA A parede gastrointestinal é a principal barreira à absorção de fármacos a partir do TGI. Ela separa o lúmen do estômago e dos intestinos da corrente sanguínea, de modo que o fármaco precisará atravessá-la para ser absorvido e distribuído. As membranas das células que formam o epitélio no TGI são constituídas por uma bicamada fosfolipídica, contendo, em sua composição, lipídeos, lipoproteínas e polissacarídeos, ou seja, características majoritariamente lipofílicas. Assim, pode ser considerada uma membrana semipermeável, como uma peneira lipídica, que permite a passagem de moléculas lipossolúveis por ela, e a passagem de água e de pequenas moléculas hidrofílicas através de seus poros aquosos. Por outro lado, moléculas altamente carregadas ou muito grandes não conseguirão ultrapassá-la. javascript:void(0) Ilustração para membrana celular e biologia. O transporte de fármacos através da membrana pode acontecer de duas formas: Por dentro de uma célula (transporte transcelular). Por entre as células (transporte paracelular). Para a via transcelular, há alguns tipos de transporte, como será mostrado a seguir: DIFUSÃO PASSIVA SIMPLES Tipo de transporte utilizado por moléculas lipofílicas pequenas. Segundo a Lei de Difusão de Fick, o transporte acontece de acordo com um gradiente de concentração, ou seja, da região mais concentrada (no lúmen do TGI) para a menos concentrada (na corrente sanguínea) e, por isso, ocorre de forma espontânea e sem gasto de energia externa. Esse gradiente de concentração é mantido pois, ao alcançar a corrente sanguínea, o fármaco será rapidamente distribuído para outras regiões do organismo. A Figura 5 ilustra esse tipo de transporte. Figura 5: Esquema representativo da difusão passiva simples. Para um medicamento absorvido por difusão passiva, a velocidade de permeação aumenta em uma relação linear com a concentração do fármaco, ou seja, quanto maior a concentração do fármaco, maior será a velocidade de permeação. Esse transporte dependerá das características físico-químicas do fármaco, da área de membrana disponível para absorção e do gradiente de concentração. Devido às microvilosidades que aumentam muito a área superficial, o intestino delgado será a principal região de absorção de fármacos. Em resumo, fármacos lipofílicos terão maior capacidade de atravessar a membrana por difusão passiva simples. Para medicamentos que atuam como eletrólitos fracos, o grau de ionização influenciará sua permeabilidade, uma vez que uma espécie ionizada contém uma carga e, portanto, é mais solúvel em água do que as espécies não ionizadas, que são mais lipossolúveis. GRAU DE IONIZAÇÃO O grau de ionização do fármaco vai depender do seu pKa e do pH do meio em que ele está dissolvido. Falaremos sobre isso com mais detalhes no próximo módulo, quando veremos as características físico-químicas do fármaco que afetam sua absorção. A difusão passiva é o transporte realizado pela maioria dos fármacos. DIFUSÃO FACILITADA A difusão facilitada é um tipo de transporte mediado por carreador, ou seja, o fármaco atravessará a membrana com o auxílio de transportadores que existem nos enterócitos para facilitar a absorção de íons e nutrientes necessários para o corpo. É um transporte passivo e, portanto, não requer energia externa, de modo que os fármacos serão absorvidos a favor de um gradiente de concentração. Por utilizar um carreador, existe a possibilidade de saturação, ou seja, se a concentração de fármaco for muito alta, não haverá carreador suficiente, e a velocidade de permeação será diminuída. Esse tipo de transporte não é muito utilizado para a absorção de fármacos. A Figura 6 ilustra esse tipo de transporte, comparando-o à difusão passiva simples. Figura 6: Representação esquemática da difusão passiva simples e difusão facilitada. - TRANSPORTE ATIVO O transporte ativo demanda gasto energético externo, proveniente da hidrólise de ATP ou do gradiente de sódio transmembrana, uma vez que permite o transporte contra o gradiente de concentração (Figura 7). Para isso, a molécula de fármaco formará um complexo com um transportador, que se moverá através da membrana apical, atingindo o outro lado, onde o fármaco será liberado. Após esse processo, o carreador retorna, sozinho, para transportar outra molécula de fármaco. Figura 7: Representação esquemática do transporte ativo. Os transportadores existem ao longo do TGI para facilitar a absorção de determinados nutrientes. De acordo com a localização do transportador e a afinidade do fármaco por ele, a região preferencial de absorção de determinado fármaco irá variar. Os transportadores podem ser classificados em: TRANSPORTADORES DE INFLUXO Levam o fármaco do lúmen intestinal para o sangue, aumentando sua absorção. TRANSPORTADORES DE EFLUXO Devolvem o fármaco do sangue para o lúmen, diminuindo sua absorção. O principal exemplo de transportador de efluxo é a glicoproteína P, que é bastante importante para a biodisponibilidade de diversos fármacos. RESUMINDO Nós vimos que, para o transporte passivo, quanto maior a concentração do fármaco no lúmen, maior será a velocidade de permeação. Para o transporte ativo, por outro lado, isso nem será sempre verdade. Ou seja, quando a concentração de fármaco disponível para ser transportada for menor que a quantidade de transportador disponível para fazer o transporte, essa relação será verdadeira (a velocidade de permeação aumentará com o aumento da concentração de fármaco). Por outro lado, quando a concentração de fármaco é muito alta, os carreadores podem ficar saturados, ou seja, não adiantará aumentar a concentração de fármacos porque não haverá carreador disponível para realizar o transporte. Fármacos com baixa solubilidade lipídica, e que se assemelham a substratos naturais transportados por esses carreadores, serão absorvidos por esse tipo de transporte. É importante saber que moléculas análogas podem competir pelo carreador, o que pode prejudicar a permeação do fármaco. ENDOCITOSE Na endocitose, a membrana plasmática da célula sofre uma invaginação, fechando-se ao redor do fármaco, formando pequenas vesículas no interior da célula. Esse processo fisiológico pode levar à digestão do fármaco dentro de lisossomos, por exemplo. Os fármacos que conseguem escapar da digestão podem migrar para a superfície basolateral da célula, onde sofrerá exocitose, ou seja, será jogado para fora. Esse transporte pode ser considerado ativo, pois depende de energia para acontecer. VIA PARACELULAR A via paracelular é aquela em que os fármacos passam por entre as células e não por dentro delas. Geralmente, é utilizada para o transporte de íons e açúcares. É uma via útil para a absorção de pequenos fármacos hidrofílicos carregados, que não conseguem atravessar a membrana celular. As células são unidas pelo que chamamos de junções oclusivas, e o espaço entre elas irá variar de acordo com a região do TGI, de modo que o epitélio do intestino delgado será um pouco mais permeável que os outros. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Reconhecer os diversos fatores que interferem na biodisponibilidade dos fármacos INTRODUÇÃO Já vimos que, antes de ser absorvido, o fármaco precisa passar pelo processo de dissolução nos fluidos do TGI. Além disso, é importante que ele tenha afinidade pela membrana do intestino, ou seja, características lipofílicas. Por outro lado, após ultrapassar a membrana, ele deve apresentar solubilidadesuficiente no sangue para que seja capaz de alcançá-lo, em vez de ficar retido na membrana. Diversas características do fármaco irão influenciar na sua dissolução e, consequentemente, na sua biodisponibilidade. Veremos nesse módulo um pouco de cada um desses fatores. TAMANHO DE PARTÍCULA O tamanho de partícula irá influenciar tanto na dissolução quanto na permeabilidade do fármaco. Em relação à dissolução, quanto maior a área superficial do fármaco em contato com os fluidos gastrointestinais, maior será a velocidade de dissolução. De um modo geral, com a redução do tamanho de partícula, teremos um aumento na área superficial e, portanto, quanto menor o tamanho de partícula, maior será a velocidade de dissolução. Assim, podemos dizer que, para fármacos cuja absorção é limitada pela etapa de dissolução, a diminuição no tamanho de partícula, provavelmente, aumentará sua biodisponibilidade. Por conta dessa relação, uma estratégia tecnológica para melhorar a biodisponibilidade de diversos fármacos fracamente solúveis (classe II e IV do BCS) é a micronização, ou seja, a diminuição do tamanho de partícula até a escala micrométrica. A redução até a escala nanométrica também é uma alternativa. Para isso, podem ser utilizados moinhos, como o coloidal (micronização) e o de pérolas (nanonização), nos quais a amostra é inserida juntamente com estabilizantes para evitar a agregação dessas micro e nanopartículas. Outra estratégia que pode ser utilizada é a inserção de agentes molhantes ou tensoativos na formulação, como o polissorbato 80, que facilita a penetração do solvente nas partículas, minimizando a agregação e mantendo uma maior área superficial. ATENÇÃO A redução do tamanho de partícula não é efetiva em todos os casos. A eritromicina, por exemplo, é instável nos fluidos gástricos e uma redução no seu tamanho de partículas resultaria em um aumento na área superficial e em maior degradação, prejudicando a biodisponibilidade. PKA DO FÁRMACO A solubilidade aquosa de um fármaco irá depender das interações das moléculas de fármaco com elas mesmas; e das moléculas de fármaco com o solvente. No caso de fármacos que sejam eletrólitos fracos, essa solubilidade irá depender do seu grau de ionização, de modo que fármacos não ionizados têm menor solubilidade aquosa que fármacos ionizados. Esse parâmetro, por sua vez, irá depender da constante de dissociação do fármaco (pKa) e do pH da região onde ele se encontra, de modo que diferentes regiões do TGI apresentarão diferentes velocidades de dissolução do fármaco. A predominância das espécies ionizadas ou não ionizadas irá influenciar, também, na permeação. Uma vez que espécies não ionizadas têm maior capacidade de permear a membrana gastrointestinal lipofílica do que espécies ionizadas, a velocidade de absorção de um eletrólito fraco dependerá, também, da fração de fármaco existente na forma não ionizada em solução nos fluidos gastrointestinais. MÃO NA MASSA O comportamento de um ácido ou base fraca ao longo do TGI pode ser explicado pelas equações de Henderson-Hasselbalch para ácidos e bases fracas. Comecemos pelo ácido fraco: considerando-se que ele tem um único grupamento ionizável, teremos a equação abaixo: log = pH − pKa [sal] [ácido] Onde [ácido] e [sal] são as concentrações das formas não ionizada e ionizada do fármaco fracamente ácido, respectivamente. De forma análoga, para bases fracas, teremos a seguinte equação: Onde [sal] e [base] são as concentrações das formas ionizada e não ionizada do fármaco fracamente básico, respectivamente. Assim, considerando as equações acima, a fração de fármaco existente na forma ionizada e não ionizada pode ser calculada para qualquer pH, desde que saibamos o pKa do fármaco. O ácido salicílico, por exemplo, possui pKa = 3. Considerando o pH do plasma como 7,4 e a equação fornecida acima, teremos que: Uma vez que a relação entre a forma ionizada e a não ionizada foi maior que 1 (2,51 x 104), podemos afirmar que a quantidade da forma ionizada será maior que a forma não ionizada em pH 7,4. Já no estômago, cujo pH é 1,2, temos que: log = pKa − pH [sal] [base] log = 7, 4 − 3 = 4, 4 [ sal ] [ ácido ] = 104,4 [ sal ] [ ácido ] = 2,5 × 104 [ sal ] [ ácido ] Uma vez que a relação entre a forma ionizada e a não ionizada foi menor que 1 (1,58 x 10-2), podemos afirmar que a quantidade na forma não ionizada será maior do que na forma ionizada em pH 1,2. Esse cenário pode ser bastante interessante, uma vez que a predominância da espécie ácida não ionizada (RCOOH) no estômago permitirá a permeação pela membrana lipofílica e a chegada do fármaco ao sangue. No sangue, ele estará predominantemente na forma ionizada de sal (RCOO−), solúvel, e não tenderá a voltar para o lúmen do TGI (Figura 8). Essa lógica pode ser adotada para qualquer outro fármaco. Vale ressaltar, no entanto, que, na prática, poucos fármacos são, de fato, absorvidos no estômago devido à alta área superficial disponível para absorção no intestino, que pode compensar a ionização de fármacos nessa região. log = 1, 2 − 3 = −1, 8 [ sal ] [ ácido ] = 10−1,8 [ sal ] [ ácido ] = 1,58 × 10−2 [ sal ] [ ácido ] Figura 8. Permeação de formas ionizada e não ionizada através da mucosa do estômago. A solubilidade de fármacos fracamente ácidos aumenta com a elevação do pH e, portanto, à medida que o fármaco se move pelo TGI na direção do intestino, sua solubilidade aumenta. Por outro lado, a solubilidade de bases fracas diminui com o aumento do pH, de modo que à medida que o fármaco se move pelo TGI em direção ao intestino, sua solubilidade diminui. SAIS DE ÁCIDOS OU BASES FRACAS A formulação de sais de ácidos ou bases fracas, em geral, aumenta consideravelmente sua solubilidade aquosa, favorecendo a absorção nos casos em que a solubilidade é a etapa limitante. Essa estratégia é empregada, por exemplo, na administração de barbitúricos, frequentemente administrados na forma de sais sódicos, que aumentam sua dissolução e, consequentemente, fornecem mais rapidamente o efeito sedativo. Assim, a administração oral de um fármaco fracamente básico na forma de sal ajuda a garantir que a dissolução aconteça no estômago, onde a espécie ionizada predominará, de modo que ele chegará ao intestino já dissolvido e, uma vez que a forma não ionizada predomina nessa região, a absorção ocorrerá mais facilmente. No entanto, esse processo de absorção precisa ser rápido o suficiente para que não ocorra a precipitação do fármaco. VEM QUE EU TE EXPLICO! PKA E A ABSORÇÃO EM DIFERENTES REGIÕES DO TGI A especialista Patrícia Dias explica a como o pKa e o estado ionizado/não ionizado podem influenciar na região de absorção de um fármaco. Vamos lá! COEFICIENTE DE PARTIÇÃO Já sabemos que quanto maior a característica de lipossolubilidade de um fármaco, maior será sua afinidade pela membrana gastrointestinal, e melhor absorvido ele será. Um parâmetro físico-químico importante para a avaliação da permeabilidade é o coeficiente de partição do fármaco entre o óleo e a água (log P), que avalia a distribuição de equilíbrio de um fármaco entre um óleo (geralmente octanol) e uma fase aquosa. Ele nos fornecerá uma medida da lipofilicidade da molécula que, por sua vez, nos ajuda a prever sua capacidade de atravessar membranas biológicas (que têm características lipofílicas). SAIBA MAIS Quando essa medida é realizada, considerando o pH da fase aquosa e, consequentemente, o grau de ionização do fármaco, chamamos o coeficiente obtido de Log D (coeficiente de distribuição). Esse parâmetro nos fornece uma ideia da ionização da molécula em um pH específico e uma melhor previsão da habilidade do fármaco de atravessar as membranas do trato gastrointestinal. Em geral, fármacos com valores de log D na faixa de 1 a 3 e os valores de log P entre 0 e 3 são melhores absorvidos. FORMA CRISTALINA Um fármaco no estado sólido poderá ser classificado como cristalino ou amorfo. Os fármacos cristalinossão aqueles que têm seus átomos, íons e moléculas organizados de maneira regular. Já os sólidos amorfos não têm regularidade ou ordenação. De um modo geral, fármacos amorfos têm maior solubilidade e taxa de dissolução que os fármacos cristalinos, uma vez que sua desorganização favorece o acesso do solvente. Dessa forma, a amorfização pode ser uma estratégia interessante para aumentar a biodisponibilidade de fármacos cuja dissolução é a etapa limitante para a absorção. Um incoveniente, no entanto, é que fármacos amorfos costumam ser menos estáveis e, frequentemente, retornam ao estado cristalino, dependendo das condições a que são submetidos, tendo sua solubilidade reduzida. A fim de evitar ou retardar a conversão de fármacos amorfos em suas formas cristalinas, alguns estabilizantes podem ser utilizados. Um exemplo de formulação contendo fármacos amorfos é o Kaletra, que é um comprimido de lopinavir e ritinovir, estabilizados pela copovidona. Um fármaco poderá cristalizar em diferentes estruturas, ou seja, de acordo com seu arranjo estrutural interno, nós poderemos ter diferentes formas cristalinas para um mesmo fármaco. Este fenômeno é chamado de polimorfismo. Diferentes polimorfos poderão ter diferentes características de estabilidade e solubilidade. Além dos polimorfos, há também solvatos, que é um fenômeno que ocorre quando um fármaco cristaliza juntamente com uma ou mais moléculas de solvente. A presença do solvente na estrutura pode influenciar nas interações intermoleculares e conferir propriedades físico- químicas diferenciadas, inclusive de solubilidade. A Figura 9 ilustra os diversos tipos de formas sólidas que um fármaco pode apresentar. Figura 9: Representação esquemática dos diversos tipos de formas sólidas de um insumo farmacêutico ativo (IFA). COMPLEXAÇÃO A formação de complexos entre o fármaco e determinados excipientes na formulação pode ser benéfica ou prejudicial para a absorção. A anfetamina, por exemplo, é complexada com a carboximetilcelulose sódica quando esta está presente na formulação, originando um complexo pouco solúvel. Por outro lado, a complexação pode ser utilizada como estratégia para aumentar a solubilidade de determinados fármacos. As ciclodextrinas (Figura 10) são complexos de inclusão, nos quais o fármaco pouco solúvel fica encaixado em seu interior. Elas formam uma espécie de anel, com as porções hidrofílicas voltadas para fora e as lipofílicas voltadas para o interior. Um exemplo de fármaco veiculado em ciclodextrina é o antifúngico miconazol. Figura 10. Ciclodextrinas ou complexos de inclusão. ESTABILIDADE DO FÁRMACO NOS FLUIDOS GASTROINTESTINAIS Um dos fatores responsáveis pela baixa biodisponibilidade de determinados fármacos é sua instabilidade nos fluidos do TGI, principalmente no suco gástrico, que possui um pH extremamente ácido, o que pode levar a uma hidrólise ácida. Nesses casos, quanto menor a área superficial do fármaco no meio em que ele é instável, menor será a extensão de sua degradação. Portanto, para fármacos instáveis no pH estomacal, o ideal é que permaneçam na forma sólida enquanto estiverem nessa região, com uma baixa área superficial para contato com os fluidos. Nesse caso, a dissolução do fármaco deve ocorrer apenas na região do intestino. VOCÊ SABIA Uma forma de retardar essa dissolução e evitar que ela aconteça no estômago é por meio do uso de revestimentos gastrorresistentes, ou seja, revestimentos capazes de resistir ao pH ácido, desfazendo-se apenas no intestino para permitir a dissolução do fármaco nessa região (Figura 11). Figura 11. Comprimidos com revestimento gastrorresistente. Uma outra possibilidade é a utilização de pró-fármacos, ou seja, moléculas inativas que originarão a molécula de fármaco após a administração. No caso de fármacos instáveis na região estomacal, o ideal é que o pró-fármaco apresente baixa solubilidade, permanecendo como um sólido no estômago e liberando o fármaco, agora ativo, somente no intestino. MASSA MOLAR A massa molar do fármaco será importante para determinar a via pela qual ele irá permear a membrana gastrointestinal. Para a via paracelular, ou seja, aquela que acontece por entre as células, a massa precisa ser menor que 200 Da. Já para a via transcelular passiva, esse valor pode chegar até 500 Da. Fármacos muito maiores, geralmente, não são absorvidos de forma eficiente. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 3 Identificar a relação entre fatores tecnológicos na fabricação de medicamentos e a biodisponibilidade de fármacos BIODISPONIBILIDADE DE FORMAS FARMACÊUTICAS A forma farmacêutica e seu método de preparo podem influenciar diretamente na biodisponibilidade do fármaco, uma vez que, dependendo da forma farmacêutica, o número de etapas necessárias entre a administração e a absorção irá variar. Já vimos que os fármacos precisam estar dissolvidos nos fluidos gastrointestinais para que possam ser absorvidos. Quanto maior o número de etapas necessárias para que a dissolução ocorra, mais lento será o processo de absorção e maior será a chance de uma biodisponibilidade reduzida. Assim, podemos dizer que, de um modo geral, mantendo todos os outros parâmetros constantes, a biodisponibilidade de um fármaco seguirá a seguinte ordem: Solução Suspensão Cápsulas Comprimidos Dessa forma, para fármacos cuja absorção rápida é necessária, as soluções e suspensões devem ser o método preferido. É válido ressaltar, no entanto, que para alguns casos específicos essa ordem pode não se aplicar como, por exemplo, para fármacos instáveis ao pH estomacal. Nesse caso, se o fármaco já chega ao estômago na forma de solução, maior será sua exposição ao suco gástrico, maior será sua degradação e, consequentemente, menor será sua biodisponibilidade. SOLUÇÕES AQUOSAS Em geral, as soluções aquosas oferecem maiores taxas de absorção, pois não precisam passar pelas etapas de desintegração, desagregação e dissolução. Dessa forma, o fármaco já chega no estômago dissolvido e pronto para ser absorvido. Uma estratégia tecnológica que pode ser utilizada para viabilizar a veiculação de um fármaco com uma solubilidade aquosa não tão alta em forma de solução é a utilização de co-solventes. Esses são compostos capazes de auxiliar na dissolução de um fármaco, geralmente álcoois de cadeia curta como etanol ou propilenoglicol. No entanto, nesses casos, existe o risco de o fármaco precipitar quando atingir a região estomacal, sendo necessário que esse precipitado passe pelo processo de dissolução antes de ser absorvido. O mesmo pode ocorrer quando um fármaco é veiculado na sua forma de sal com o intuito de aumentar a solubilidade em relação ao ácido fraco, por exemplo. COMENTÁRIO De um modo geral, o precipitado formado é mais fino que o fármaco sólido e, portanto, ainda assim a absorção costuma ocorrer mais rapidamente que para formas farmacêuticas sólidas. Além da precipitação, outros fatores devem ser levados em consideração ao se escolher veicular um fármaco, como sua estabilidade nos fluidos gastrointestinais; a ocorrência de complexação com algum excipiente que influencie na sua solubilidade; e a viscosidade da formulação, uma vez que a alta viscosidade tende a prejudicar a absorção. SUSPENSÕES AQUOSAS As suspensões são dispersões em que o fármaco não se encontra dissolvido. Dessa forma, apesar de não precisar passar pelo processo de desintegração requerido pelos comprimidos, a etapa de dissolução ainda é necessária para que o fármaco seja absorvido. Apesar disso, uma vez que o fármaco se encontra disperso em água, sua área superficial é grande, de modo que a dissolução ocorre mais rapidamente em comparação com as formas farmacêuticas sólidas. Diversas características devem ser levadas em consideração ao se formular uma suspensão. Vejamos, abaixo, cada uma delas: Tamanho de partícula Complexação Forma cristalina Viscosidade Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontalTAMANHO DE PARTÍCULA Quanto menor o tamanho de partícula de uma suspensão, maior será sua área superficial, mais facilidade os fluidos gastrointestinais terão para dissolver o fármaco e, javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) consequentemente, mais rápida será a absorção. FORMA CRISTALINA Se a forma cristalina utilizada para o preparo da suspensão não for a forma mais estável, é possível que ocorra uma transição para outro polimorfo, alterando suas características de solubilidade e, consequentemente, influenciando na absorção. COMPLEXAÇÃO A ocorrência de complexação com algum excipiente da formulação pode influenciar na sua solubilidade e, consequentemente, na absorção. VISCOSIDADE Em geral, as suspensões são preparadas de modo a ganhar uma viscosidade relativamente alta a fim de aumentar a estabilidade da suspensão e diminuir a sedimentação das partículas de fármaco. Por outro lado, uma viscosidade muito alta dificulta a dissolução das partículas e, consequentemente, diminui a taxa de absorção. CÁPSULAS LÍQUIDAS As cápsulas líquidas são constituídas por suspensões ou soluções de fármacos. Portanto, a principal diferença nas características das quais já falamos para essas formas farmacêuticas é a existência da etapa de dissolução do invólucro da cápsula, que pode ser de gelatina ou de hidroxipropilmetilcelulose (HPMC). As cápsulas líquidas são muito utilizadas para a formulação de fármacos lipofílicos em veículos oleosos. Se esses óleos forem digeríveis, o fármaco poderá ser absorvido junto com o óleo pelos processos fisiológicos de absorção de lipídeos. Outra possibilidade é a formação de micro ou nanoemulsões quando o fármaco for liberado da cápsula nos fluidos gastrointestinais, o que pode ser uma estratégia tecnológica interessante para auxiliar na absorção de fármacos. CÁPSULAS SÓLIDAS As cápsulas sólidas são constituídas pelo fármaco e excipientes na forma de pó, recobertos pelo invólucro de gelatina ou HPMC. Quando comparadas aos comprimidos, apenas não precisarão passar pela desintegração, mas os processos de desagregação (dispersão do pó) e dissolução ainda se fazem necessários. Para fármacos com baixa solubilidade em água, a adição de excipientes hidrofílicos na formulação, como a lactose, pode auxiliar na penetração dos fluidos gastrointestinais e, consequentemente, acelerar a dissolução (Figura 12). Representação da influência de um diluente na taxa de dissolução de um fármaco. ATENÇÃO Um fator muito importante para a dissolução de fármacos veiculados em cápsulas é o grau de compactação aplicado ao pó. Formulações muito compactadas terão menor área superficial, dificultando a penetração dos fluidos gastrointestinais e diminuindo a taxa de dissolução. Nesse caso, as cápsulas se comportam praticamente como comprimidos, uma vez que o pó não estará disperso o suficiente para facilitar a penetração do líquido. Para essa forma farmacêutica, os fatores que irão influenciar na absorção são o tamanho de partícula; a forma cristalina; sua utilização na forma de sal ou de ácido ou base livre; a utilização de excipientes que facilitem a penetração dos fluidos gastrointestinais; o grau de compactação da formulação e a composição do invólucro da cápsula; que pode, por exemplo, ser gastrorresistente, postergando a dissolução do fármaco. COMPRIMIDOS Os comprimidos são formas farmacêuticas sólidas que passam por um processo de compressão, ou seja, de compactação. Esse processo reduz de forma considerável a área superficial, dificultando a penetração dos líquidos gastrointestinais e, consequentemente, a dissolução. Assim, para os comprimidos, as seguintes etapas são necessárias: Desintegração (formação de grânulos); Desagregação (dispersão); Dissolução (solubilização do fármaco) (Figura 13). Figura 13. Etapas de um comprimido até estar dissolvido. A velocidade de desintegração do comprimido vai ser influenciada por vários fatores, como a força de compressão aplicada durante a fabricação, a sua dureza, a composição e a presença de excipientes como desintegrantes ou agentes molhantes. Quando essa etapa é superada, o comprimido se torna grânulo, aumentando a área superficial para que a dissolução do fármaco ocorra, dependendo de suas características de solubilidade. Fármacos pouco solúveis terão um processo de dissolução mais lento. Dentre os fatores que influenciam a absorção de fármacos a partir de comprimidos, temos: o tamanho de partícula; a forma cristalina (o processo de compressão pode induzir à transição polimórfica); a utilização do fármaco na forma de sal ou de ácido ou base livre; a utilização de excipientes que facilitem a desintegração e a dissolução, a força de compressão utilizada; e a presença de revestimentos. COMENTÁRIO Os revestimentos podem ser poliméricos ou de açúcar e podem ser usados para fins estéticos, para proteção do fármaco (revestimentos gastrorresistentes) ou para mascarar sabores e odores desagradáveis. Independentemente da finalidade, a presença do revestimento constitui uma dificuldade a mais na absorção, pois ele precisa se desintegrar para permitir a formação dos grânulos e a dissolução do fármaco. ATENÇÃO Apesar de gerar um retardo na absorção dos fármacos, os revestimentos gastrorresistentes, em geral, promovem aumento na biodisponibilidade, pois sua ausência resultaria na degradação do fármaco no estômago, diminuindo sua quantidade disponível para a absorção. INFLUÊNCIA DOS EXCIPIENTES NA ABSORÇÃO Além da forma farmacêutica, os excipientes presentes na formulação também vão influenciar na absorção do fármaco. Os excipientes são geralmente adicionados a uma formulação com o objetivo de auxiliar em etapas específicas, que vão desde o preparo do produto até a aceitação pelo paciente, como em sua desintegração, dissolução, estabilização, entre outras fases. Vamos ver, agora, a influência de alguns excipientes. SURFACTANTES Os surfactantes são empregados em formulações farmacêuticas com as mais diversas funções, que vão desde agentes emulsificantes em emulsões, agentes molhantes ou estabilizantes em suspensões, ou para aumentar a solubilidade de determinados fármacos em soluções. Sua influência mais direta na absorção de fármaco dá-se por sua capacidade de reduzir a tensão interfacial sólido/líquido, permitindo que os fluidos gastrointestinais molhem o sólido mais eficientemente, aumentando a velocidade de dissolução e a absorção. Um cuidado importante a ser tomado com a adição de surfactantes nas formulações é que eles podem ter a capacidade de desestabilizar as membranas o que, em menor grau, pode ser favorável para aumentar a permeabilidade, mas também pode ter efeito tóxico. LUBRIFICANTES Os lubrificantes são empregados em formulações farmacêuticas sólidas com o objetivo de auxiliar na sua fabricação, uma vez que reduzem o atrito do pó com a superfície metálica dos equipamentos, impedindo perdas durante o processo e promovendo a homogeneização. De um modo geral, os lubrificantes são lipofílicos, sendo o estearato de magnésio o mais amplamente utilizado. Por ser hidrofóbico, sua presença dificulta a penetração dos fluidos gastrointestinais da formulação, retardando a desintegração, a desagregação e a dissolução. Uma estratégia que pode ser utilizada para minimizar o efeito dos lubrificantes é a adição de agentes molhantes que facilitem o contato entre o líquido e o pó. DESINTEGRANTES Os desintegrantes são empregados em formulações farmacêuticas sólidas com o objetivo de auxiliar nas etapas de desintegração e liberação de grânulos com maior área superficial, facilitando a penetração dos fluidos gastrointestinais e, portanto, a dissolução. Dependendo da força de compressão utilizada na fabricação de um comprimido, uma massa muito compacta pode ser gerada, dificultando a desintegração. Isso retarda a absorção e pode, inclusive, resultar na absorção incompleta do fármaco. AGENTES DE VISCOSIDADE Agentesde viscosidade, como polímeros hidrofílicos, podem ser adicionados em formulações líquidas, principalmente as suspensões, com o objetivo de aumentar sua estabilidade, uma vez que, segundo a Lei de Stokes, quanto maior a viscosidade da fase externa de uma suspensão, menor será a velocidade de sedimentação das partículas. COMENTÁRIO No entanto, se a formulação for muito viscosa, uma alteração na viscosidade dos fluidos gastrointestinais pode ocorrer como consequência da dispersão da formulação. Com isso, a velocidade das moléculas de fármaco poderia ser reduzida, diminuindo a taxa de absorção e retardando o início da ação farmacológica. VEM QUE EU TE EXPLICO! INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NA FABRICAÇÃO DE FORMULAÇÕES ADMINISTRADAS POR VIA ORAL A especialista Patrícia Dias abordará as novas tecnologias na fabricação de formulações por via oral. Vamos lá! VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste conteúdo, aprendemos que a absorção de um fármaco e sua biodisponibilidade dependem de diversos fatores que compreendem as características físico-químicas do fármaco, os componentes da formulação, os métodos utilizados para a fabricação e a forma farmacêutica escolhida. Vimos que, de acordo com o início de ação desejada, uma forma farmacêutica poderá ser preferível a outra. Além disso, aprendemos que os métodos de fabricação e os excipientes escolhidos podem ser nossos aliados no desenvolvimento de formulações em que o fármaco não tem características biofarmacêuticas tão adequadas. A moagem úmida, por exemplo, pode auxiliar na redução do tamanho de partícula que, por sua vez, aumenta a área superficial e a velocidade de dissolução. Agentes desintegrantes também podem ser adicionados à formulação para facilitar a desintegração de um comprimido. Isso tudo compreende a Biofarmácia e o seu entendimento é essencial para que possamos desenvolver, de modo racional, formulações adequadas e com as características necessárias de modo que o fármaco seja absorvido de maneira eficaz, resultando no efeito farmacológico desejado. PODCAST Agora, a especialista Patrícia Dias encerra o tema fazendo um resumo sobre as estratégias tecnológicas para aumentar a absorção de fármacos. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ALLEN Jr., L. V.; POPOVICH, N. G.; ANSEL, H. C. Formas Farmacêuticas e Sistemas de Liberação de Fármacos. 9. ed. São Paulo: Artmed, 2013. AULTON, M. Delineamento de formas farmacêuticas. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. JONES, D. Pharmaceutics – Dosage Form and Design. 1. ed. Londres: Pharmaceutical Press. 2008. PRADO, L., ROCHA, H. Estado sólido na indústria farmacêutica: Uma breve revisão. Revista Virtual de Química. v. 7, n.6, p. 2080-2112. 2015. SHARGEL, L., YU, A.B.C. Applied biopharmaceutics and pharmacokinetics. 7. ed. Nova York: Mc Graw Hill Education, 2016. EXPLORE+ Para ver como é realizada, na prática, a micronização em moinho de pérolas, acesse o vídeo NETZSCH DeltaVita 15 – 300, da Netzsch, uma das fabricantes do equipamento, disponível no YouTube. Para ver como é realizado o teste de dissolução, acesse o vídeo Dissolução Comprimidos Revestidos - 4, disponível no YouTube. CONTEUDISTA Michelle Alvares Sarcinelli CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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