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Oxidação dos ácidos graxos e cetogênese Apresentação Os ácidos graxos são a principal fonte energética quando o organismo está em estado de jejum ou exercendo atividade física baixa ou moderada. Nessas situações, os triacilgliceróis (gorduras de armazenamento estocadas nos adipócitos) são digeridos a ácidos graxos, liberados na corrente sanguínea e transportados para os tecidos em que servirão de substrato energético para produção de ATP. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai compreender como ocorre a digestão, a mobilização e o transporte de gorduras a partir dos adipócitos. Além disso, você vai identificar que a principal rota metabólica que oxida ácidos graxos a acetil-CoA é a β-oxidação, a qual produz NADH e FADH2. Por fim, você vai reconhecer que no fígado, o excesso de acetil-CoA, produzido a partir de β-oxidação, é utilizado para a produção de corpos cetônicos. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar como é realizada a mobilização de triacilgliceróis a partir do tecido adiposo.• Relacionar a via da β-oxidação e seus produtos finais.• Reconhecer as condições quando os corpos cetônicos e seus destinos metabólicos são sintetizados. • Infográfico A oxidação dos estoques endógenos de ácidos graxos ocorre durante períodos de jejum ou quando a demanda energética está aumentada, como durante o exercício físico. Os produtos da oxidação dos ácidos graxos por β-oxidação podem ser completamente oxidados com CO2 e água, ou alternativamente, no fígado, podem ser destinados à produção de corpos cetônicos. No Infográfico a seguir, você poderá visualizar as etapas do metabolismo de lipídeos, desde a mobilização dos estoques de triacilglicerol nos adipócitos, passando pela oxidação nos tecidos, até a conversão alternativa desses ácidos graxos em corpos cetônicos no fígado. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/832e8b27-400b-4276-9d71-80a5e05cd273/0c75a9a6-793f-40a6-af5b-0986b81cc5bc.jpg Conteúdo do livro Os ácidos graxos são o principal substrato energético do organismo durante o jejum e durante a atividade física, períodos em que a demanda energética está elevada. Essas moléculas são oxidadas principalmente no músculo e no fígado, sendo que nas células hepáticas elas podem ser apenas parcialmente oxidadas e terem os seus produtos desviados para a produção de corpos cetônicos. Acompanhe a leitura do capítulo Oxidação dos ácidos graxos e cetogênese, da obra Bioquímica sistêmica, que serve de base teórica para esta Unidade de Aprendizagem. Boa leitura. BIOQUÍMICA SISTÊMICA Cássio Morais Loss Oxidação de ácidos graxos e cetogênese Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar como é realizada a mobilização de triacilgliceróis a partir do tecido adiposo; � Relacionar a via da beta-oxidação e seus produtos finais; � Reconhecer as condições quando os corpos cetônicos são sintetizados e seus destinos metabólicos. Introdução Os ácidos graxos são a principal fonte energética quando o organismo se encontra em estado de jejum ou atividade física baixa ou moderada. Nestas situações, os triacilgliceróis (gorduras de armazenamento estoca- das nos adipócitos) são digeridos a ácidos graxos, liberados na corrente sanguínea e transportados para os tecidos, onde servirão de substrato energético para produção de ATP. Neste capítulo, você vai compreender como ocorre a digestão, a mobilização e o transporte de gorduras a partir dos adipócitos. Além disso, você vai identificar que a principal rota metabólica que oxida ácidos graxos a acetil-CoA é a β-oxidação, a qual produz NADH e FADH2. Por fim, você vai reconhecer que no fígado, o excesso de acetil-CoA produzido a partir de β-oxidação é utilizado para produção de corpos cetônicos. Mobilização de gorduras do tecido adiposo e transporte para os tecidos Após as refeições, o excesso de ácidos graxos (provenientes tanto da própria dieta quanto da síntese de ácidos graxos a partir de carboidratos que excederam as capacidades de armazenamento de açúcares como glicogênio) é armazenado como triacilgliceróis (lipídeos neutros de armazenamento) no tecido adiposo. A digestão e mobilização destas reservas de triacilgliceróis irão ocorrer quando o glucagon ou a adrenalina sinalizarem a necessidade de energia metabólica (durante os períodos de jejum ou durante a atividade física). A ativação dos receptores hormonais de membrana no adipócito estimula a enzima adenilato-ciclase, a qual produz o segundo mensageiro AMP-cíclico (AMPc), que ativa a proteína-cinase dependente de AMPc (PKA). A PKA esti- mula a digestão dos lipídios através da fosforilação da enzima lipase hormônio- -sensível e de proteínas da família das perilipinas (proteínas que restringem o acesso às gotículas lipídicas, evitando a mobilização prematura dos lipídeos). As perilipinas fosforiladas se dissociam da proteína CGI e se associam à lipase hormônio-sensível fosforilada (permitindo, assim, o acesso da lipase hormônio- -sensível fosforilada à superfície da gotícula lipídica), ao mesmo tempo em que adissociação da CGI permite que esta se associe à enzima lipase de triacilglicerol do adipócito (ATGL). A formação do complexo ATGL-CGI ativa a ATGL, que cliva moléculas de triacilglicerol produzindo diacilglicerol e ácido graxo livre. A lipase hormônio-sensível fosforilada localizada na superfície da gotícula lipídica hidrolisa as moléculas de diacilglicerol (produzidas pela ATGL) em monoacilglicerol, liberando mais uma molécula de ácido graxo. Finalmente, a monoacilglicerol lipase (MGL) hidrolisa os monoacilgliceróis, liberando glicerol e a última molécula de ácido graxo. Os ácidos graxos liberados passam para o sangue e, devido a sua hidrofobicidade e insolubilidade, são transportados para os demais tecidos ligados à albumina sérica, sendo captados principalmente pelo fígado, músculo esquelético e músculo cardíaco.A captação de ácidos graxos pelos tecidos ocorre através de um processo de transporte saturável e por difusão através da membrana plasmática. Proteínas de ligação de ácidos graxos presentes na membrana plasmática facilitam o transporte e os fixam no citosol, de modo que nunca estão realmente “livres”. Constituintes dos triacilgliceróis do tecido adiposo Em geral, os ácidos graxos são classificados de acordo com o número de carbonos (C) presente em sua cadeia, ou seja, de acordo com o comprimento da cadeia. Eles são classificados em quatro categorias: 1. ácidos graxos de cadeia muito longa (maior do que C20); 2. ácidos graxos de cadeia longa (C12 a C20); 3. ácidos graxos de cadeia média (C6 a C12); e 4. ácidos graxos de cadeia curta (C4). Oxidação de ácidos graxos e cetogênese2 Uma vez que os ácidos graxos armazenados na forma de triacilgliceróis são provenientes tanto da dieta quanto da síntese endógena de ácidos graxos, a composição dos ácidos graxos do tecido adiposo irá variar de acordo com o tipo de alimento ingerido. Os triacilgliceróis raramente contêm o mesmo ácido graxo em todas as três posições do glicerol e são, portanto, chamados triacilgliceróis mistos. Os ácidos graxos mais comuns são os ácidos graxos de cadeia longa palmitato (C16) e estearato (C18), o ácido graxo monoinsaturado oleato (C18:1) e o ácido graxo poli-insaturado essencial linoleato (C18:2). Con- tudo, os triacilgliceróis podem conter também outros tipos de ácidos graxos, tais como ácidos graxos de cadeia ímpar e de cadeia muito longa. Ácidos graxos de cadeias curta e média obtidos na dieta são rapidamente consumidos e, portanto, não são armazenados em triacilgliceróis. Conheça mais sobre a estrutura e nomenclatura dos ácidos graxos no livro Princípios de Bioquímica de Lehninger, nas páginas 357 a 359 (NELSON; COX, 2014). Ativação e transporte de ácidos graxos decadeia longa para dentro da mitocôndria Antes de os ácidos graxos serem oxidados, eles precisam primeiro ser “ati- vados” a acil-CoA através de uma reação de acilação dependente de ATP. O processo de ativação é catalisado pela acil-CoA-sintetase (também chamada de tiocinase) presente na face externa da membrana externa da mitocôndria. A reação ocorre em duas etapas, sendo a primeira a clivagem da β-ligação do ATP (e, consequentemente, a liberação de pirofosfato inorgânico), formando um intermediário acil-AMP, seguido da hidrólise altamente exergônica do pirofosfato, catalisada pela pirofosfatase inorgânica, a qual favorece a for- mação de acil-CoA. Desta forma, como é comum em rotas metabólicas, esta é uma reação que forma uma ligação de “alta energia” pela hidrólise de uma das ligações fosfoanidrido do ATP e é completada pela hidrólise da segunda destas ligações. 3Oxidação de ácidos graxos e cetogênese Você sabia que a ativação de ácidos graxos é realizada por uma família de iso- enzimas das tiocinases que se diferenciam pela especificidade do comprimento da cadeia e localização celular? Assim como a fosforilação da glicose, a formação de acil-CoA é um pré-requisito para o metabolismo de ácidos graxos na célula. As tiocinases (ou acil-CoA-sintetases) são as enzimas responsáveis pela ativação destes ácidos graxos. Apesar de a digestão de triacilgliceróis no tecido adiposo produzir principalmente ácidos graxos de cadeia longa, outros tipos de ácidos graxos são obtidos a partir da alimentação, e, portanto, diferentes isoenzimas da tiocinase são necessárias para a ativação dos diferentes tipos de ácidos graxos. A isoenzima que ativa ácidos graxos de cadeia muito longa é encontrada apenas em peroxissomas, organela responsável pelo encurtamento dos acil-CoA de cadeia muito longa e acil-CoA de cadeia ramificada. A isoenzima que ativa ácidos graxos de cadeia longa está presente tanto no retículo endoplasmático quanto nos peroxissomas e na membrana externa da mitocôndria. Já a isoenzima que ativa ácidos graxos de cadeia média está presente apenas na matriz mitocondrial dos rins e do fígado, enquanto a isoenzima que ativa ácidos graxos de cadeia curta pode ser encontrada tanto no citosol quanto na matriz mitocondrial. Embora a ativação dos ácidos graxos de cadeia longa ocorra no citosol, a rota metabólica que oxida acil-CoA para produção de ATP (β-oxidação) ocorre na matriz mitocondrial. Moléculas de acil-CoA de cadeia longa não são capazes de atravessar diretamente a membrana mitocondrial interna e, por isso, são transportadas para a matriz mitocondrial (ver Figura 1) associados a uma molécula carreadora, a carnitina, através de um processo que envolve quatro etapas. Primeiramente, a porção acila do acil-CoAcitosólica é transferida à carnitina por uma enzima presente na membrana externa da mitocôndria, a carnitina:palmitoil-transferase I (CPTI). Nesta reação, uma molécula de acilcar- nitina é produzida e a CoA citosólica é liberada. A acilcarnitina atravessa, então, a membrana interna da mitocôndria através de difusão facilitada auxiliada pelo transportador acil-carnitina:carnitina (também chamado carntina: acilcarnitina- -transferase)localizado na membrana mitocondrial interna. Na terceira etapa, o grupo acila da acilcarnitina é transferido de volta à CoA, liberando carnitina, numa reação catalisada pela carnitina: palmitoil-transferase II (CPTII), a qual está localizada na face interna da membrana interna da mitocôndria. A quarta etapa é o retorno da carnitina liberada na matriz mitocondrial de volta para Oxidação de ácidos graxos e cetogênese4 o lado citosólico da membrana mitocondrial, processo que ocorre através do mesmo transportador acil-carnitina: carnitina, que transfere acilcarnitina para a matriz mitocondrial. A acil-CoA de cadeia longa, agora localizada na matriz mitocondrial, é um substrato para a β-oxidação. A ativação citosólica do ácido graxo não garante que ele será destinado à oxidação para síntese de ATP. A acil-CoA no reservatório citosólico pode ser utilizada para síntese de lipídeos de membrana ou ser reesterificada em triacilgliceróis, por exemplo. Já a conversão em éster de carnitina compromete a porção acil-graxo com o destino oxidativo. O processo de entrada mediado pela carnitina é o passo limitante para a oxidação dos ácidos graxos na mitocôndria e, como discutido mais adiante, é um ponto de regulação. Figura 1. Transporte de ácidos graxos de cadeia longa para a mitocôndria. Fonte: Smith, Marks e Lieberman (2007, p. 423). 5Oxidação de ácidos graxos e cetogênese Oxidação de ácidos graxos Uma vez dentro da matriz mitocondrial, a acil-CoA sofre os efeitos de um con- junto de enzimas da matriz. Primeiramente, ela entrará na rota da β-oxidação, onde sofrerá remoção oxidativa de sucessivas unidades de dois carbonos na forma de acetil-CoA, começando pela extremidade carboxila da cadeia acil- -graxo. Posteriormente, os grupos acetil da acetil-CoA são oxidados a CO2 e H2O no ciclo do ácido cítrico (também na matriz mitocondrial), que produz GTP, NADH e FADH2. Por último, as moléculas de NADH e FADH2 doam elétrons para a cadeia de transporte de elétrons, para que ATP seja produzido a partir de fosforilação oxidativa. Desta forma, a energia liberada pela oxidação dos ácidos graxos é, portanto, conservada como ATP. A oxidação de ácidos graxos saturados na β-oxidação é composta por quatro reações em sequência, as quais geram uma molécula de FADH2, uma de NADH, uma de acetil-CoA e uma molécula de acil-CoA contendo dois carbonos a menos do que ela tinha quando a primeira reação ocorreu. Esta sequência de quatro reações se repete sucessivamente até que todos os carbonos da molécula de acil-CoA sejam convertidos em moléculas de acetil-CoA, de forma que a β-oxidação é mais uma espiral do que um ciclo.Na primeira reação da β-oxidação, a enzima acil-CoA-desidrogenase (uma flavoproteína com FAD como grupo prostético)transfere elétrons dos carbonos α e β da molécula de acil-CoA para uma molécula de FAD, produzindo uma molécula de FADH2 e uma ligação dupla entre os carbonos α e β da molécula, agora denominada trans-Δ2-enoil-CoA (devido à ligação dupla presente entre C2 e C3 estar na conformação trans). Especificidade de comprimento de cadeia na β-oxidação As quatro reações da rota da β-oxidação são catalisadas por grupos de isoenzimas que são, cada uma, específicas para acil-CoA de comprimentos de cadeia diferentes. Embora essas enzimas sejam estruturalmente distintas, suas especificidades se sobrepõem em alguma extensão. As acil-CoA-desidrogenases, por exemplo, são uma família de proteínas com pelo menos três diferentes faixas de especificidade. Acil-CoA-desidrogenase de cadeia muito longa (atuando em acil-CoA de 12 a 18 carbonos); Acil-CoA-desidrogenase de cadeia média (atuando em acil-CoA de 4 a 14 carbonos); e Acil-CoA-desidrogenase de cadeia curta (atuando em acil-CoA de 4 a 8 carbonos). À medida que as cadeias acil são encurtadas na espiral da β-oxidação, elas são transferidas das enzimas que agem em cadeias mais longas para aquelas que agem em cadeias mais curtas. Oxidação de ácidos graxos e cetogênese6 Na segunda reação da rota, a enzima enoil-CoA-hidratase desfaz a ligação dupla formada na primeira reação através da incorporação de uma molécula de água na molécula de acil-CoA (uma hidroxila proveniente da água é adicionada ao carbono β enquanto um hidrogênio é adicionado ao carbono α). A molécula de L-β-hidroxiacil-CoA formada nesta reação sofre, então, uma oxidação no grupo hidroxila do carbono β (pela β-hidroxiacil-CoA-desidrogenase), reação que produz uma molécula de NADH e converte a β-hidroxiacil-CoA em β-ceto- acil-CoA (um acil-CoA contendo um grupo cetona no carbono β). Nestas três etapas da rota (ver Figura 2), o carbono β da molécula de acil-CoA foi oxidado a uma cetona através de reações que produziram FADH2 e NADH e, por isso, a rota é chamada de β-oxidação. Por fim,a quarta e última reação de cada volta da espiral da β-oxidação é catalisada pela acil-CoA-acetiltransferase, mais comumente chamada de tiolase. Nesta etapa, a β-ceto-acil-CoA é clivada entre o carbono β e α numa reação que liga CoASH (Coenzima A reduzida) ao carbono β da acil-CoA, liberando, assim, uma molécula de acetil-CoA e uma molécula de acil-CoA que é dois carbonos mais curta que a original, a qual sofrerá as quatro reações em sequência novamente até que seja completamente clivada a moléculas de acetil-CoA. Na última volta da espiral de acil-CoA, a quebra da acil-CoA de quatro carbonos (butiril-CoA) produz duas acetil-CoA. Desta forma, um acil-CoA saturado de cadeia par como o palmitoil-CoA, que tem 16 carbonos, é clivado sete vezes, produzindo 7 FADH2, 7 NADH e 8 acetil-CoA. 7Oxidação de ácidos graxos e cetogênese Figura 2. Etapas da β-oxidação. Fonte: Smith, Marks e Lieberman (2007, p. 424). Oxidação de ácidos graxos insaturados e de cadeia ímpar Aproximadamente metade dos ácidos graxos da dieta humana são insaturados, contendo uma ou mais ligações duplas. Praticamente todos os ácidos graxos insaturados de origem biológica contêm apenas ligações duplas em cis, que Oxidação de ácidos graxos e cetogênese8 quase sempre começam entre C9 e C10 (referido como Δ9), sendo que ligações duplas adicionais, quando existem, ocorrem em intervalos de três carbonos e, portanto, nunca são conjugadas. Os dois ácidos graxos mais comuns na dieta, o oleato (C18:1 Δ9) e o linoleato (C18:2 Δ9,12), representam bem as propriedades acima descritas. As ligações duplas destes ácidos graxos, as quais estão na configuração cis, não podem sofrer a ação da enoil-CoA-hidratase, a enzima que catalisa a adição de H2O às ligações duplas trans da trans-Δ 2-enoil-CoA gerada durante a β-oxidação. Desta forma, a oxidação de ácidos graxos in- saturados requer duas reações adicionais para contornar esse problema, uma envolvendo uma enzima isomerase e outra envolvendo uma redutase. O linoleoil-CoA (o ácido graxo ativado proveniente do linoleato, um ácido graxo poli-insaturado com 18 átomos de carbono e com duas ligações duplas cis, uma entre C9 e C10 e outra entre C12 e C13), após passar por três espirais de β-oxidação e produzir três moléculas de acetil-CoA, é liberado como um acil-CoA poli-insaturado de 12 carbonos com uma ligação dupla cis entre C3 e C4 e outra entre C6 e C7. Na próxima reação, a enoil-CoA-isomerase (uma das enzimas adicionais a espiral original da β-oxidação) move a ligação dupla da posição 3,4, de tal forma que ela seja trans e esteja na posição 2,3. Este novo intermediário formado pode agora ser oxidado pelas três enzimas restantes da rota original da β-oxidação, produzindo mais uma molécula de acetil-CoA e um acil-CoA monoinsaturado de 10 carbonos com uma ligação dupla cis entre C4 e C5. Após esta molécula sofrer a primeira reação da espiral, produzindo uma molécula de FADH2 e uma ligação dupla entre os carbonos α e β da molécula (C2 e C3, respectivamente), um par de ligações duplas conjugadas é formado (duas ligações duplas separadas por uma ligação simples). A próxima reação é catalisada pela segunda enzima adicional a espiral original da β-oxidação (a 2,4-dienoil-CoA-redutase), a qual consome uma molécula de NADPH para reduzir o par de ligações duplas conjugadas a uma ligação dupla entre C3 e C4. A enoil-CoA-isomerase atua novamente transferindo essa ligação dupla para a posição C2, C3, produzindo novamente um substrato da β-oxidação. A oxidação do oleato é similar à oxidação do linoleato, contudo, a etapa de remoção da segunda ligação não ocorre, uma vez que o oleato só possui uma ligação dupla entre C9 e C10 (Figura 3). 9Oxidação de ácidos graxos e cetogênese Figura 3. Oxidação de ácidos graxos insaturados. Fonte: Nelson e Cox (2014, p. 678). Oxidação de ácidos graxos e cetogênese10 Como ocorre a oxidação de ácidos graxos insaturados? O linoleoil-CoA (C18:2 Δ9,12) passa por três espirais de β-oxidação, liberando três acetil- -CoA; posteriormente, sofre uma isomeração (catalisada pela enoil-CoA-isomerase). Após essa isomeração, a molécula passa por mais uma espiral da β-oxidação (liberando mais uma molécula de acetil-CoA) e pela primeira reação de uma nova espiral (a reação da acil-CoA-desidrogenase). A 2,4-dienoil-CoA (a molécula de acil-CoA resultante da cli- vagem de quatro acetil-CoA do linoleoil-CoA mais a reação da acil-CoA-desidrogenase) sofre uma redução dependente de NADPH (catalisada pela 2,4-dienoil-CoA-redutase) seguida de uma nova isomerização catalisada pela enoil-CoA-isomerase e de mais quatro espirais da β-oxidação, liberando mais cinco moléculas de acetil-CoA. Desta forma, o resultado da oxidação de 1 mol de linoleato é a produção de 9 mols de acetil-CoA, 8 mols de NADH, 6 mols de FADH2, além do consumo de 1 mol de NADPH e 2 mols de ligações de fosfato rica em energia proveniente da ativação da molécula de linoleato a linoleoil-CoA. Como a oxidação do oleato (C18:1 Δ9) não necessita da reação catalisada pela 2,4-dienoil-CoA-redutase, o resultado da oxidação de 1 mol de oleato é a produção de 9 mols de acetil-CoA, 8 mols de NADH, 7 mols de FADH2 e o consumo de 2 mols de ligações de fosfato ricas em energia proveniente da ativação da molécula a oleoil-CoA, e, portanto, no que se refere à produção de ATP, o oleato é um melhor substrato energético que o linoleato. Os ácidos graxos de cadeia ímpar também podem ser oxidados via β-oxidação. As etapas são similares às descritas anteriormente, contudo, na última espiral, a reação da tiolase libera acetil-CoA e um acil-CoA de três carbonos (o propionil- -CoA). A acetil-CoA pode ser oxidada no ciclo do ácido cítrico, é claro, mas a propionil-CoA entra em uma via diferente, contendo três enzimas.A propionil- -CoA é primeiro carboxilada ao estereoisômero D dametilmalonil-CoA, através de uma reação enzimática muito similar à da piruvato-carboxilase, a qual é catalisada pela propionil-CoA-carboxilase (em uma reação dependente de biotina e de ATP).A metilmalonil-CoA-epimerase epimeriza a D-metilmalonil-CoA ao seu estereoisômero L, o qual é finalmente convertido em succinil-CoA em uma reação dependente de vitamina B12. Desta forma, no fígado, essa pequena porção de ácido graxo de cadeia ímpar pode ser completamente oxidada no ciclo do ácido cítrico ou convertida em glicose através de gliconeogênese. 11Oxidação de ácidos graxos e cetogênese Regulação da β-oxidação A oxidação dos ácidos graxos consome um combustível precioso e é regulada de forma que ocorra apenas quando houver a necessidade de energia. O processo de β-oxidação é regulado pelas necessidades energéticas da célula (ou seja, pelos níveis de ATP, NADH, CoASH e AMP). Os ácidos graxos não podem ser oxidados mais rápido do que NADH e FADH2 são reoxidados na cadeia de transporte de elétrons. O acúmulo de ATP (e, por conseguinte, a redução nos níveis de AMP), NADH e FADH2 causam um acúmulo de acetil-CoA e, consequentemente, levam a depleção dos estoques de NAD+, FAD e CoASH mitocondriais, reduzindo, portanto, a formação de novas moléculas de acil-CoA mitocondriais (a partir de acilcarnitina) e a velocidade das reações enzimáticas da β-oxidação e do ciclo do ácido cítrico. Conforme citado anteriormente, otransporte de acil-CoA citosólico para a matriz mitocondrial mediado pela carnitina é o passo limitante para a oxidação dos ácidos graxos na mitocôndria. A enzima que catalisa a formação de acilcar- nitina a partir de acil-CoA citosólico e carnitina (a CPTI) é inibida na presença de malonil-CoA, o qual é sintetizado pela acetil-CoA-carboxilase. Essa enzima é regulada por mecanismos diferentes, alguns dos quais são tecido-dependentes. No músculo esquelético e no fígado, ela é inibida quando fosforilada pela proteína- -cinase dependente de AMP (PKB) e, portanto, é inativada quando os níveis de AMP se elevam (como durante o exercício físico, por exemplo). Com a acetil- -CoA-carboxilaseinibida, os níveis de malonil-CoA diminuem, o que ativa a CPTI e aumenta o transporte de ácidos graxos para a matriz mitocondrial. Desta forma, a β-oxidação de ácidos graxos é capaz de reestabelecer a homeostase de ATP e diminuir os níveis de AMP. No fígado, a acetil-CoA-carboxilase é também regulada pela razão insulina/glucagon no sangue. Elevados níveis de glicose sanguínea estimulam uma proteína-fosfatase dependente de insulina, a qual desfosforila a acetil-CoA-carboxilase e promove a produção de malonil-CoA (que é o primeiro intermediário da síntese de ácidos graxos). Já durante o jejum, o glucagon ativa a PKA, que inativa a acetil-CoA-carboxilase por fosforilação, promovendo, assim, o transporte de acil-CoA para a matriz mitocondrial. Esta regulação da acetil-CoA-carboxilase no fígado promovida pela razão insulina/ glucagon é um importante mecanismo que impede a ocorrência do ciclo fútil de oxidação de ácidos graxos recém-sintetizados pelo fígado (como o palmitato) durante o estado alimentado. Além disso, a expressão das enzimas da oxidação dos ácidos graxos é regulada por transcrição. Um dos mecanismos que promovem a transcrição de proteínas envolvidas no metabolismo de ácidos graxos é a ativação do PPARα Oxidação de ácidos graxos e cetogênese12 (um membro da subfamília de receptores nucleares ativados por proliferadores de peroxissomas), o qual é ativado na presença de ácidos graxos. No músculo, no tecido adiposo e no fígado, a ativação de PPARα estimula a transcrição de um grupo de genes essenciais para a oxidação de ácidos graxos, incluindo os transportadores de ácidos graxos, CPTI e CPTII, e as acil-CoA-desidrogenases de cadeias curta, média, longa e muito longa, o que estimula a capacidade de oxidação de ácidos graxos através de β-oxidação. No músculo esquelético, o treino para exercícios de resistência aumenta a expressão de PPARα, levando a níveis elevados das enzimas de oxidação dos ácidos graxos e aumento da capacidade oxidativado miócito. Outro mecanismo é ativado em resposta à demanda aumentada por energia do catabolismo das gorduras, como durante períodos de jejum. O glucagon, liberado em resposta à baixa concentração de glicose no sangue, pode agir por meio do cAMP e do fator de transcrição CREB para ativar certos genes para o catabolismo de lipídeos. Uma vez que a β-oxidação ocorre na mitocôndria, ela é uma rota estritamente aeróbia. Desta forma, só ocorre quando há um bom suprimento de oxigênio e níveis adequados de mitocôndrias. Rotas alternativas da oxidação de ácidos graxos Os ácidos graxos que não são prontamente oxidados na β-oxidação entram nas rotas alternativas de oxidação, incluindo a α-oxidação e a β-oxidação peroxissomal e a ω-oxidação no retículo endoplasmático. Em mamíferos, aβ-oxidação peroxissomal encurta cadeias de ácidos graxos de cadeia muito longa para facilitar sua degradação pelo sistema de β-oxidação mitocondrial. A α-oxidação atua em cadeias de ácidos graxos de cadeia ramificada, auxiliando a β-oxidação peroxissomal através da remoção do grupo carboxil ligado à coenzima A, processo que move o grupo metil (a ramificação) do carbono β para o carbono α, permitindo que a molécula seja oxidada por β-oxidação. Desta forma, tanto a α-oxidação quanto a β-oxidação peroxissomal são essen- cialmente rotas de encurtamento de cadeia, as quais atuam (com a ω-oxidação do retículo endoplasmático) para diminuir níveis de ácidos graxos insolúveis 13Oxidação de ácidos graxos e cetogênese em água ou de compostos xenobióticos com estrutura semelhante à dos ácidos graxos, que se tornariam tóxicos para as células em altas concentrações. As enzimas acil-CoA-sintetase de cadeia longa (C12-C20) e de cadeia muito longa (C14-C26) estão presentes na membrana peroxissomal, e os acil-CoA entram no peroxissoma através de transporte independente de carnitina, de forma que a velocidade de oxidação de acil-CoA no peroxissoma é regulada pela disponibilidade de substratos. As reações da β-oxidação peroxissomal são muito semelhantes às da β-oxidação mitocondrial (embora sejam cata- lisadas por enzimas diferentes). Contudo, duas características diferenciam estas duas rotas oxidativas. A primeira é que a oxidação de ácidos graxos de cadeia linear nos peroxissomas para após a cadeia atingir o comprimento de 4C a 6C. A segunda é que a primeira enzima da β-oxidação peroxissomal é uma oxidase (em contraste com a desidrogenase da β-oxidação mitocondrial). Essa enzima doa elétrons diretamente para o oxigênio molecular (O2), que é reduzido a peróxido de hidrogênio (H2O2), enquanto que a desidrogenase mitocondrial doa seus elétrons para a cadeia mitocondrial de transporte de elétrons. Assim, a primeira etapa da β-oxidação peroxissomal não está ligada à produção de ATP, e, portanto, a oxidação peroxissomal é menos eficiente que a mitocondrial no que se refere à produção de ATP. Quando os ácidos graxos possuem ramificações em sua cadeia (como é o caso do ácido fitânico, um ácido graxo C20 multimetilado), a presença de um grupamento metil no Cβ torna a β-oxidação impossível, e esses ácidos graxos ramificados são catabolizados nos peroxissomas através de α-oxidação. Nesse processo, a acil-CoA tem seu Cα hidroxilado pela fitanoil-CoA-hidroxilase (em uma reação que envolve oxigênio molecular), e esse Cα é então oxidado a um grupo carboxila (por isso a rota é denominada α-oxidação) através de uma reação que libera o grupo carboxila original como CO2, e encurta a cadeia acil-CoA original em um carbono. A remoção do primeiro carbono da cadeia faz com que os grupos metila (originalmente encontrados no Cβ) apareçam no Cα durante a espiral da β-oxidação. Desta forma, a acil-CoA resultante é oxidada através da β-oxidação peroxissomal, a qual libera propionil-CoA e acetil-CoA em voltas alternadas da espiral.Os produtos da oxidação de ácidos graxos peroxissomal (acil-CoA de cadeia média e curta e acetil-CoA) são transferidos da CoA para a carnitina e transportados para a mitocôndria, onde serão transferidos novamente para CoASH (produzindo acil-CoA e/ou acetil-CoA) e oxidados pela β-oxidação (no caso das acil-CoA) ou pelo ciclo do ácido cítrico (no caso de acetil-CoA). Oxidação de ácidos graxos e cetogênese14 Você sabia que os ácidos graxos de cadeias média e longa são convertidos em ácidos dicarboxílicos pela ω-oxidação? Uma terceira rota alternativa para a oxidação de ácidos graxos é a ω-oxidação, através de um processo catalisado por enzimas exclusivas do retículo endoplasmático do fígado e dos rins. A primeira reação é a oxidação do grupo metila presente no Cω (o carbono mais distante do grupo carboxila) a um álcool, em uma reação catalisada por uma oxidase de função mista que utiliza citocromo P450, NADPH e O2. A molécula resultante é, então,oxidada por mais duas enzimas que atuam sobre o carbono ω aálcool-desidrogenase (que oxida o grupamento hidroxil a umaldeído em uma reação que produz NADH) e a aldeído-desidrogenase (que oxida o grupamentoaldeído a um ácido carboxílico em uma reação que também produz NADH). A combinação destas três reações resulta na produção de um ácido graxocom um grupo carbo- xil em cada extremidade,o qualpode ter uma CoA acoplada em cada extremidade e ser transportado para a mitocôndria para ser oxidado por β-oxidação. Em cada passagem pela β-oxidação, esses ácidos graxos de “terminação dupla” geram ácidos dicarboxílicos,tal como o ácido succínico, que pode entrar no ciclodo ácido cítrico, e o ácido adípico, que pode passar para o sangue como, ou ser excretado, na urina como ácido dicarboxílico de cadeia média. Cetogênese A produção de corpos cetônicos (através de um processo denominado ceto- gênese) ocorre quando há uma elevada taxa de oxidação de ácidos graxos no fígado. Quando a atividade da β-oxidação destas células excede a capacidade da mitocôndria de reciclar NADH e FADH2 na cadeia de transporte de elétrons (causando uma depleção dos estoques de NAD+, FAD e CoASH mitocondriais,além de um acúmulo de acetil-CoA), o excesso de acetil-CoA é utilizado para produção dos corpos cetônicos acetoacetato e β-hidroxibutirato. Os corpos cetônicos (os quais são equivalentes hidrossolúveis dos ácidos graxos) pro- duzidos no fígado são liberados na corrente sanguínea, onde servirão como combustíveis para vários tecidos periféricos, em particular para o coração e para o músculo esquelético, além do encéfalo durante jejum prolongado. 15Oxidação de ácidos graxos e cetogênese As moléculas de acetil-CoA produzidas por β-oxidação não entram no ciclodo ácido cítrico para serem completamente oxidadas a CO2 e H2O devido ao fato de que, durante o estado de jejum (condição em que a cetogênese ocorre), os intermediários do ciclo foram drenados para uso como substrato na gliconeogênese. Como resultado, o acúmulo de acetil-CoA acelera a formação de corpos cetônicos além da capacidade de oxidação destes substratos pelos tecidos extra-hepáticos. A síntese de corpos cetônicos ocorre na matriz mitocondrial, sendo que pri- meira etapa na formação de acetoacetato é a condensação enzimática de duas moléculas de acetil-CoA. Essa reação é simplesmente o inverso da última etapa da β-oxidação, catalisada pela tiolase, resultando na produção de uma molécula de acetoacetil-CoA, a qual é condensada com uma terceira molécula de acetil-CoA, resultando na produção de β-hidroxi-β-metilglutaril-CoA (HMG-CoA), catalisada pela HMG-CoA-sintase. A HMG-CoA é degradada a acetoacetato e a acetil-CoA em uma clivagem catalisada pela HMG-CoA-liase. O acetoacetato produzido pode passar diretamente para o sangue ou pode ser reduzido pela β-hidroxibutirato- desidrogenase (através de uma reação que consome um NADH) a β-hidroxibutirato, o qual é liberado no sangue. Essa reação é prontamente reversível e interconverte esses corpos cetônicos, os quais existem em uma razão de equilíbrio determinada pela razão NADH/NAD+ da matriz mitocondrial, de forma que, em situações normais, a proporção destes dois corpos cetônicos no sangue é de 1:1. Você sabia que o diagnóstico de diabetes melito é facilitado pelo hálito com odor acetonado? Um destino alternativo do acetoacetato é a descarboxilação a acetona. Em pessoas saudáveis, a acetona é formada em quantidade muito pequena a partir de acetoacetato, que é facilmente descarboxilado espontaneamente ou pela ação da acetoacetato- -descarboxilase. Apesar de uma pequena quantidade de acetona poder ser meta- bolizada pelo corpo, esta molécula é volátil e, portanto, é expirada pelos pulmões. Como pessoas com diabetes não tratado produzem grandes quantidades de ace- toacetato (devido ao fato de se encontrarem constantemente em um estado que se assemelha ao jejum), seu sangue contém quantidades significativas de acetona, que é tóxica. A alta expiração de acetona causa um odor característico no hálito destas pessoas, o qual muitas vezes facilita o diagnóstico desta doença. Oxidação de ácidos graxos e cetogênese16 Oxidação de corpos cetônicos como substratos energéticos Os corpos cetônicos podem ser utilizados como substratos energéticos na maioria dos tecidos, incluindo músculo esquelético, encéfalo, certas células dos rins, adipócitos e células da mucosa intestinal. Após serem captados pelos tecidos, o β-hidroxibutirato e o acetoacetato são transportados para a matriz mitocondrial, compartimento onde a oxidação de corpos cetônicos ocorre. O β-hidroxibutirato é oxidado a acetoacetato através da reação reversível daβ-hidroxibutirato-desidrogenase, a qual produz uma molécula de NADH. O acetoacetato é, então, ativado ao seu éster de coenzima A pela transferência da CoA do succinil-CoA em uma reação catalisada pela β-cetoacil-CoA- transferase (tambémchamada succinil-CoA: acetoacetato-CoA-transferase ou tioforase).Nesta reação, a energia liberada na conversão de succinil-CoA a succinato, a qual seria usada para síntese de GTP, é utilizada na transferência da CoA para o acetoacetato (produzindo acetoacetil-CoA), e, portanto, a ati- vação de acetoacetato custa uma ligação de fosfato rica em energia. Embora o fígado produza corpos cetônicos (ver Figura 4), ele não os usa, uma vez que a enzima tioforase não está presente em quantidade suficiente neste tecido. A próxima reação é a clivagem de acetoacetil-CoA pela tiolase, a mesma enzima envolvida na β-oxidação. Uma vez que a oxidação de corpos cetônicos ocorre na mitocôndria, ela é uma rota estritamente aeróbia. Desta forma, os eritrócitos não são capazes de utilizá-los como substrato energético. 17Oxidação de ácidos graxos e cetogênese Figura 4. Formação de corpos cetônicos e exportação a partir do fígado. Fonte: Smith, Marks e Lieberman (2007, p. 431). Uma vez que a ativação de acetoacetato consome uma ligação de fosfato rica em energia, a liberação de energia a partir desta molécula é equivalente à liberação de energia pela oxidação de duas moléculas de acetil-CoA (20 ATP) menos a energia de ativação, resultando em uma produção líquida de 19 ATP. Como a oxidação de β-hidroxibutirato a acetoacetato libera um NADH, a ener- gia total liberada por molécula de β-hidroxibutirato é equivalente a 21,5 ATP. A regulação da síntese de corpos cetônicos ocorre através dos mesmos mecanismos que estimulam a oxidação de ácidos graxos no fígado, uma vez que a principal fonte de precursores para a cetogênese é o acetil-CoA proveniente da β-oxidação (embora corpos cetônicos também possam ser produzidos a partir do catabolismo dos aminoácidos leucina, isoleucina, lisina, triptofano, fenilalanina e tirosina, os quais são chamados aminoácidos cetogênicos). Um mecanismo de regulação adicional da cetogênese é a transcrição aumentada da enzima HMG-CoA-sintase mitocondrial, a qual é estimulada à medida que o tempo de jejum aumenta. A elevada expressão desta enzima causa um aumento da velocidade de produção de corpos cetônicos no fígado. Oxidação de ácidos graxos e cetogênese18 Você sabe quais são as rotas alternativas do metabolismo de corpos cetônicos? O acetoacetato pode ter outros destinos que não a oxidação mitocondrial para produção de ATP. Ele pode ser ativado a acetoacetil-CoA ainda no citosol, por uma enzima similar a acil-CoA-sintetase (ou tiocinase). O destino deste acetoacetil-CoA citosólico pode ser a clivagem desta molécula a duas moléculas de acetil-CoA por uma isoenzima citosólica da tiolase. A acetil-CoA citosólica é utilizada em processos como a síntese de acetilcolina nas células neuronais. Outro destino possível para o acetoacetil-CoA citosólico pode ser a síntese citosólica de colesterol, que também envolve a produção de HMG-CoA; contudo, esta reação é catalisada por uma isoenzima citosólica da HMG-CoA-sintetase mitocondrial. NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. SMITH, C.; MARKS, A. D.; LIEBERMAN, M. Bioquímica Médica Básica de Marks: uma abordagem clínica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. Leituras recomendadas RODWELL, V. W. et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017. VOET, D.; VOET, J. G. Bioquímica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. 1512 p. 19Oxidação de ácidos graxos e cetogênese Dica do professor Na Dica do Professor, você verá como ocorre a mobilização das reservas lipídicas no organismo quando há necessidade de oxidação de ácidos graxos para a produção de ATP, além de identificar as rotas responsáveis pela oxidação dessas moléculas e dos fatores que contribuem para o processo de cetogênese. Acompanhe! Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/bc9c9d0407d338038394a9d0fd66eabf Exercícios 1) Se uma molécula de ácido graxo de cadeia ímpar saturada contendo 17 átomos de carbono fosse completamente oxidada por β-oxidação mitocondrial, seguida de oxidação no ciclo do ácido cítrico, qual seria a quantidade de ATP produzidapor essa molécula em comparação a uma molécula de palmitato (ácido graxo saturado contendo 16 átomos de carbono)? A) Cerca de 6 ATP a mais que o palmitato devido à molécula possuir um carbono a mais que o palmitato. B) Nenhuma das duas moléculas produziria ATP uma vez que nenhuma delas é oxidada por β- oxidação mitocondrial. C) As duas moléculas de ácidos graxos produziriam a mesma quantidade de ATP, uma vez que ambas são oxidadas pelas mesmas reações na β-oxidação. D) 106 ATP a menos que o palmitato, já que ácidos graxos de cadeia ímpar não podem ser oxidados por β-oxidação. E) 6 ATP a menos que a oxidação do palmitato devido à produção de uma molécula de propionil-CoA na última volta da espiral da β-oxidação. 2) Uma pessoa com deficiência na síntese de carnitina e que não está ingerindo quantidades adequadas de carnitina apresentaria quais alterações metabólicas durante os períodos de jejum noturno? A) Hiperglicemia e aumentada excreção de glicose na urina. B) Níveis elevados de ácidos dicarboxílicos no sangue e na urina. C) Níveis de ácidos graxos de cadeia ramificada estariam aumentados no sangue. D) Síntese de corpos cetônicos aumentada. E) Níveis de ácidos graxos de cadeia muito longa estariam aumentados no sangue. Tanto a α-oxidação peroxissomal quanto a β-oxidação peroxissomal são vias do metabolismo de ácidos graxos que ocorrem em uma organela denominada perossixoma. 3) Sabendo que tanto a β-oxidação peroxissomal quanto a β-oxidação mitocondrial oxidam ácidos graxos liberando, principalmente, acetil-CoA, qual a função da α-oxidação? A) Oxidar ácidos graxos de cadeia longa com um número ímpar de átomos de carbono. B) Oxidar ácidos graxos de cadeia média. C) Auxiliar a ω-oxidação peroxissomal na oxidação de ácidos graxos de cadeia ramificada. D) Auxiliar a β-oxidação peroxissomal na oxidação de ácidos graxos de cadeia ramificada. E) Oxidar ácidos graxos de cadeia longa. 4) Em qual das situações listadas abaixo os ácidos graxos seriam a principal fonte de substrato energético para o organismo? A) Imediatamente após uma refeição rica em carboidratos. B) Durante uma competição de corrida de 100 metros. C) 60 minutos após a administração de insulina de ação rápida. D) Enquanto estiver correndo os últimos quilômetros de uma maratona. E) 30 minutos após comer batata frita no jantar. 5) A ausência (expressão insuficiente) de qual enzima da rota de oxidação de corpos cetônicos não permite que o fígado utilize corpos cetônicos para a produção de ATP? A) Tioforase. B) HMG-CoA-sintase. C) Tioloase. D) Succinato-tiocinase. E) β-hidroxibutirato-desidrogenase. Na prática A deficiência de enzimas da β-oxidação pode causar diversas doenças, com diversos sintomas e distúrbios metabólicos, como vômitos, esteatose hepática, hipoglicemia hipocetótica, acúmulo de ácidos graxos no sangue e excreção urinária de metabólitos que não são excretados sobre condições normais. A seguir você verá as consequências para a saúde da incapacidade de oxidar ácidos graxos a partir de triagliceróis. Confira. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/f17287d6-a8cf-4f33-b8d4-0d0b83e497dd/e323b994-0569-4404-849d-0c1e28174f22.jpg Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: No vídeo seguinte, você poderá ver os processos de mobilização e digestão de triacilgliceróis no adipócito, o transporte de ácidos graxos para a matriz mitocondrial dos tecidos que oxidam essas moléculas e a rota da β-oxidação Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Síndrome HELLP e defeitos de beta oxidação de ácidos graxos de cadeia longa hidroxi-acil: um estudo de casa-controle Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Disfunções do ciclo de beta-oxidação Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://www.youtube.com/embed/EZ6_7yTR0XE https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/17/17144/tde-29082016-114203/publico/MARIANASETANNIGRECCOOrig.pdf https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/pediatria/disfun%C3%A7%C3%B5es-metab%C3%B3licas-heredit%C3%A1rias/disfun%C3%A7%C3%B5es-do-ciclo-de-beta-oxida%C3%A7%C3%A3o
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