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0 1 Disciplina: Pesquisa e prática na educação infantil Autora: D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos: M.e Leandra Felícia Martins / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Designer Instrucional: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica: Esp. Lucimara Ota Eshima Ano: 2021 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade UNINA. O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Yara Rodrigues de La Iglesia Pesquisa e prática na educação infantil 1ª Edição 2021 Curitiba, PR Faculdade UNINA 3 Faculdade UNINA Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Conselho Editorial D.r Eduardo Soncini Miranda / D.ra Marli Pereira de Barros Dias / D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos Leandra Felícia Martins / Yara Rodrigues de La Iglesia Designer Instrucional Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica Lucimara Ota Eshima Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério Desenvolvimento da Capa Carolyne Eliz de Lima FICHA CATALOGRÁFICA LA IGLESIA, Yara Rodrigues de. Pesquisa e prática na educação infantil / Yara Rodrigues de La Iglesia. – Curitiba: Faculdade UNINA, 2021. 69 p. ISBN: 978-65-5944-101-3 1. Aprendizagem. 2. Brincar. 3. Educação. Material didático da disciplina de Pesquisa e prática na educação infantil – Faculdade UNINA, 2021. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade UNINA! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade UNINA 5 Sumário Prefácio ..................................................................................................... 06 Aula 1 – Reflexão e análise sobre o Currículo na Educação Infantil ........... 07 Apresentação da aula 1 ............................................................................. 07 1.1 Currículo na Educação Infantil ...................................................... 07 1.2 Planejamento ................................................................................ 12 1.3 Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil ......... 19 Conclusão da aula 1 .................................................................................. 21 Aula 2 – Brincar na Educação Infantil ........................................................ 21 Apresentação da aula 2 ............................................................................. 21 2.1 O brincar na Educação Infantil ....................................................... 22 2.2 Brincar e a cultura ......................................................................... 25 2.3 O brincar e suas diferentes manifestações ................................... 27 2.3.1 Brincadeira livre ......................................................................... 27 2.4 Contação de histórias .................................................................... 29 2.4.1 O medo do dragão ...................................................................... 31 2.5 Jogos de tabuleiro ......................................................................... 32 Conclusão da aula 2 ................................................................................... 33 Aula 3 – Organização do tempo, espaço, materiais e agrupamentos ......... 34 Apresentação da aula 3 ............................................................................. 34 3.1 A organização do espaço, dos tempos, dos materiais e dos agrupamentos ............................................................................................ 35 3.2 Uma breve história do tempo ......................................................... 40 3.3 Os agrupamentos .......................................................................... 44 Conclusão da aula 3 .................................................................................. 51 Aula 4 – Avaliação ...................................................................................... 52 Apresentação da aula 4 ............................................................................. 52 4.1 Avaliação ...................................................................................... 52 Conclusão da aula 4 .................................................................................. 65 Índice Remissivo ........................................................................................ 67 Referências ............................................................................................... 68 6 Prefácio Olá, estudante! Seja bem-vindo! Estamos dando início à disciplina de Pesquisa e prática na Educação Infantil. Nosso objetivo é refletir e analisar o currículo e o planejamento na Educação Infantil. Nossas análises têm como ponto de partida as Diretrizes Curriculares da Educação Infantil (DCNEI) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ministério da Educação (MEC), que têm como objetivo orientar as políticas públicas e a elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares de Educação Infantil tanto das escolas públicas quanto das particulares. Outro tema a ser abordado é a organização do tempo, espaço e materiais na Educação Infantil, analisaremos desde a perspectiva de Miguel Zabalza (1988), que compreende o espaço como uma estrutura de oportunidades, contexto de aprendizagem e de significados para as crianças. Estudaremos o brincar a partir da compreensão que todas as ações da Educação Infantil devem ter como eixo estruturante, as brincadeiras e as suas interações. Por último, estudaremos a avaliação e a documentação pedagógica. Estamos seguros de que essa disciplina auxiliará no seu percurso formativo. É com essa certeza que desejamos uma excelente leitura. Lembre-se de que em educação a distância o educando é o sujeito de sua própria aprendizagem. Para facilitar a ampliação dos seus conhecimentos, não deixe de explorar as outras ferramentas do curso, como as videoaulas e o ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Bom estudo! 7 Aula 1 – Reflexão e análise sobre o Currículo na Educação Infantil Apresentação da aula 1 Olá! Seja bem-vindo à nossa primeira aula de Pesquisa e Prática na EducaçãoInfantil. Vamos começar nosso estudo partindo da reflexão e análise do Currículo nas escolas de Educação Infantil. Para subsidiar nossas análises, faremos referência aos documentos oficiais e exemplos vivenciados na prática. Também nos pautaremos no estudo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que, após sua aprovação em dezembro de 2017, tornou-se referência nacional obrigatória para a elaboração ou adequação dos currículos e propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas. 1.1 Currículo na Educação Infantil Uma sociedade pode ser julgada pela sua atitude em relação às suas crianças pequenas, não somente no que se diz sobre elas, mas também em como essa atitude é expressa no que lhes é oferecido ao longo de seu crescimento (GOLDSCHCMIED; JACKSON, 2016, p. 13). A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, se configura como um direito constitucional a todas as crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos de idade. Foi por meio da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 9.394/96 (LDBEN) que a Educação Infantil foi incorporada à Educação Básica, passando a ser regulamentada pelos órgãos educacionais. A educação de crianças pequenas passa a ser um direito da criança e um dever do Estado. A concepção de criança na Educação Infantil é caracterizada por um sujeito social e cultural e a proposta pedagógica necessita estar centrada no desenvolvimento de suas potencialidades. 8 Direito da criança e um dever do Estado Fonte: Deposit Photos (2018). Enquanto as constituições anteriores viam o atendimento à infância somente na condição assistencialista, a Constituição Federal de 1988 dá o primeiro passo em direção à superação do caráter assistencialista que, até então, predominava. É por intermédio da Constituição Federal de 1988 que o atendimento em creches e pré-escolas ficou subordinado à Secretaria de Educação e não mais a Secretaria de Assistência Social. Nesse sentido, é correto afirmar que esse novo modelo rompe com uma visão assistencialista e de guarda e propõe a indissociabilidade entre o educar e o cuidar. Saiba mais A criança tem cem mãos, cem pensamentos e cem modos de pensar, de jogar e de falar. Cem, sempre cem modos de escutar, de maravilhar e de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens (e depois cem, cem, cem), mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos, de fazer sem a cabeça, de escutar e de não falar, de compreender sem alegrias, de amar e de maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: de descobrir um mundo que já existe e de cem roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe enfim: que as cem não existem. A criança diz: Ao contrário, as cem existem (LORIS MALAGUZZI). Essa mudança tenta romper com a visão assistencialista e de “guarda”, dando início a uma proposta mais integrada, em que o educar e o cuidar assumem um caráter de indissociabilidade. Esta ação ressalta o caráter público 9 educativo em detrimento do caráter assistencialista característico desses espaços. Sabe-se que as mudanças não acontecem de forma isolada, tampouco iniciam de um dia para o outro e que as mudanças sociais, econômicas, políticas e educacionais ocorrem como resultado da luta, resistência e mobilização popular. A Educação Infantil foi e continua sendo palco de grandes e profundas lutas e resistências tanto da população em geral quanto de pesquisadores e profissionais da primeira infância. Saiba mais Com o processo de redemocratização do país, a sociedade civil encontrou espaço para a luta por direitos e os movimentos relacionados à Educação Infantil floresceram e se fortaleceram. A história da Educação Infantil no Brasil, em especial após o final da década de 1970, foi marcada por intensas mobilizações sociais em torno do acesso e da qualidade do atendimento nessa Etapa da educação. No que diz respeito ao currículo da Educação Infantil, as discussões e os estudos sistemáticos sobre a elaboração, planejamento, execução e avaliação iniciaram antes da promulgação da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN). De acordo com Kramer (1995), esses estudos sobre o currículo da Educação Infantil em âmbito nacional iniciaram ao final da década de 1970, os quais foram incentivados e desenvolvidos por pesquisadores e profissionais da Educação Infantil. Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN), essas concepções teóricas discutidas e sistematizadas por pesquisadores e profissionais da primeira infância tornam-se referência para a construção das Diretrizes Curriculares da Educação Infantil (DCNEI). 10 Importante As DCNEI têm origem na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, que assinala ser incumbência da União: “estabelecer, em colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e os seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum” (BRASIL, 1996). Afinal, o que são as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil? As escolas públicas e particulares são obrigadas a seguir? Sim. Diretrizes são normas obrigatórias para a Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), as quais têm como objetivo orientar o planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino, são elas que têm a responsabilidade por “orientar as políticas públicas e a elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares de Educação Infantil” (BRASIL, 2009). Por outro lado, as Diretrizes Curriculares visam preservar a questão da autonomia da escola e da proposta pedagógica, incentivando as instituições a criarem seu currículo. As DCNEI são indicadores governamentais que reúnem princípios, fundamentos e procedimentos na área educacional, no entanto, toda escola pública ou particular tem autonomia para elaborar o seu Projeto Político Pedagógico (PPP). Essa autonomia possibilita que cada escola defina sua própria identidade, ou seja, todos os Centros de Educação Infantil a partir de seu PPP podem definir o seu Currículo. Os professores precisam conhecer os documentos oficiais (leis e resoluções) para organizarem seus planejamentos. É impossível fazer um planejamento das ações que serão realizadas com as crianças se o professor/a não conhece os documentos que norteiam e que indicam o caminho a ser seguido. Se você quiser aprofundar essas questões, pode ler o documento na íntegra, pois um professor que conhece a legislação é um profissional que sabe o que faz, que sabe argumentar e fundamentar a sua prática. É um profissional autônomo e autor de sua própria prática. 11 Saiba mais A definição proposta nas Diretrizes Curriculares da Educação Infantil DCNEI (2009) sobre o currículo refere-se a: um currículo que favoreça a expressão das competências e o desenvolvimento delas; um currículo que garanta que as crianças de zero a cinco anos aprendam e desenvolvam-se como crianças; um currículo que compreenda a criança como um sujeito que tem saberes e experiências e um currículo que cria oportunidades, que propõe atividades e relações interessantes para a crianças. Para saber mais sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) clique em: http://portal. mec.gov.br/dmdocuments/diretrizescurriculares_2012.pdf Veja a seguir qual a definição proposta nas Diretrizes Curricularesda Educação Infantil DCNEI (2009) sobre o Currículo: Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade (BRASIL 2009). Quando no currículo se admite que a escola de Educação Infantil deve articular as experiências e os saberes das crianças com os saberes que foram acumulados pela humanidade, assume-se que a criança já chega à escola com saberes, que ela não é uma folha em branco a ser preenchida pelos saberes do professor. Nesse sentido, a criança é entendida como um sujeito histórico e de direitos que, nas interações, constrói sentidos sobre si mesma e sobre a natureza e a sociedade (BRASIL, 2009). Portanto, as práticas organizadas no dia a dia devem ter como ponto de partida esse sujeito potente, capaz, imaginativo e criativo. Importante Compreender a criança como sujeito detentor de saberes e experiências, não significa negar que a Educação Infantil é um espaço de grandes oportunidades. 12 O que se pretende é romper com os paradigmas assistencialistas e/ou escolarizantes, em uma perspectiva de currículo que crie oportunidades, que proponha atividades e relações interessantes para as crianças, favorecendo a expressão e o desenvolvimento das competências. O currículo da Educação Infantil deve garantir que as crianças de zero a cinco anos aprendam e desenvolvam-se como crianças. Aprendam e desenvolvam-se como crianças Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/%C3%A1gua-jogar-crian%C3%A7as-juventude- 863053/. 1.2 Planejamento “Para mim, elaborar um planejamento bem planejado no espaço da educação infantil significa entrar na relação com as crianças (e não com os alunos!), mergulhar na aventura da busca do desconhecido, construir uma identidade de grupo junto com as crianças. Mais do que conteúdos da Matemática, da Língua Portuguesa e das Ciências, o planejamento na educação infantil é essencialmente linguagem, formas de expressão e leitura de mundo que nos rodeia e que nos causa espanto e paixão por desvendá-lo, formulando perguntas e convivendo com a dúvida”. Luciana Esmeralda Ostetto. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000012794.pdf>. Acesso em: 09/10/2018, às 15h21min (fins pedagógicos). Diferentes autores sugerem que a jornada estabelecida na Educação Infantil seja constituída por momentos dirigidos e outros momentos em que as 13 crianças possam fazer suas próprias escolhas. Existem conteúdos iniciados pelo professor e que precisam fazer parte de uma rotina permanente, por exemplo, o horário das refeições e do sono, mesmo que defendamos que uma criança tem o direito de dormir quando tiver sono, é importante estabelecer alguns ritmos de forma que auxilie a criança a se organizar. Dessa forma, no início do ano, a professora receberá as crianças com uma parte do planejamento organizado e preestabelecido por ela, fundamentando-se no currículo da escola. Saiba mais Planejar é essa atitude de traçar, projetar, programar, elaborar um roteiro para empreender uma viagem de conhecimento, de interação, de experiências múltiplas e significativas para/com o grupo de crianças (OSTETTO, 2000, p. 177). Diante disso, questões pedagógicas dizem respeito a trabalhos específicos, como: pintar, colar, aprender os números, entre outros. Essas ações devem ser planejadas pelo professor, assim como as brincadeiras apropriadas para cada faixa etária são atividades educativas fundamentais. Por outro lado, as crianças precisam ter liberdade de fazer suas escolhas, de construir sua jornada em parceria com os professores/as. Para o professor Junqueira Filho (2005), esta seria a segunda parte do planejamento, chamada por ele, da parte vazia, a parte que fica em aberto, em branco. Uma lacuna a ser preenchida conjuntamente pelas crianças. Importante Por que ela precisa esperar as crianças para preencher? Esta parte do planejamento não foi preenchida pela professora, por quê? Por que essa parte do planejamento deve estar vazia? “[...] Vazia de singularidades, de realidades [...] vazia porque a professora também precisa dos olhos e ouvidos livres, atentos, sensíveis para conhecer aquelas crianças para além do que ela já conhece sobre crianças daquela faixa etária [...]”. (JUNQUEIRA FILHO, 2005, p. 24). 14 A professora da Educação Infantil precisa ter olhos e ouvidos livres, atentos, sensíveis para conhecer aquelas crianças para além do que ela já conhece sobre crianças daquela faixa etária. Ela precisa esperar a chegada daquela criança única e singular que vai dar pistas do que ela precisa, de quais são suas experiências anteriores, que respostas ela busca para compreender, adaptar-se e transformar a sua cultura. O ritmo frenético que estabelecemos com as crianças, por meio de rotinas engessadas, em que as crianças têm pouco ou nenhum momento livre para decidir o que fazer, muitas vezes, está fundamentado na lógica de produção. Esse ritmo imposto às crianças, em muitos momentos, tem como objetivo demonstrar aos pais, gestores ou mesmo aos próprios colegas, que na Educação Infantil se produz algo. No imaginário das profissionais da Educação Infantil e mesmo em nível de senso comum, há a ideia de que deve haver a produção de algo para estar caracterizado um processo educativo (TRISTÃO, 2004). Tomo como exemplo a alimentação. Ainda em instituições de Educação Infantil, a alimentação não é compreendida como um conteúdo a ser trabalhado, dentro dessa lógica, não precisa de planejamento e de avaliação. Os momentos de alimentação, muitas vezes, acontecem de forma improvisada, dentro de uma lógica administrativa. Almoça-se às dez e meia e janta-se às três e meia da tarde, em quinze minutos. Alimentação Fonte: Deposit Photos (2018). 15 O professor não consegue administrar o tempo para que a criança sirva o seu próprio prato, mesmo que saiba que ela é capaz e, por falta de tempo, a criança é servida pela professora. Rápido para quem? Onde queremos chegar? Temos pressa de quê? Muitas crianças passam em torno de dez horas nas Instituições Educativas, no entanto, é estranho justificar que isso ocorre por falta de tempo. Reflita Se entendermos que servir o prato é uma experiência educativa a ser vivenciada na Educação Infantil, como podemos argumentar que não temos tempo de esperar que a criança se sirva sozinha? Sabemos que essas ações estão marcadas pelo caráter pedagógico que envolve todo o cotidiano, “ao atender a criança, o adulto não apenas lhe dá cuidado físico, mas a insere no mundo simbólico de sua cultua ao interpretar suas expressões, gestos e posturas” (OLIVEIRA, 1992). Servir o prato, utilizar os utensílios, desfrutar desse momento com seus colegas e criar hábitos saudáveis requerem planejamento do tempo, do espaço, dos materiais e das relações que vamos possibilitar. O pedagógico não está na atividade em si, mas na postura do professor, uma vez que não é a atividade em si que ensina, mas a possibilidade de interagir, de trocar experiências e partilhar significados é que possibilita às crianças o acesso a novos conhecimentos (MACHADO, 1996, p. 8). A alimentação serviu de exemplo, mas podemos citar inúmeras outras experiências extremamente significativas, as quais não permitimos a criança vivenciar, utilizando como argumento a falta de tempo, porque temos que acabar os conteúdos pedagógicos. Quando o adulto exerce um papel muito ativo, falante ou apressado, as crianças não têm espaço para participar ativamente. Os professores devem diminuir o ritmo, falar menos, fazer menos e pensar mais. Devem olhar mais paraas crianças, escutar mais e interpretar o que elas estão fazendo, respeitando o 16 ritmo delas. Se quisermos criar um espaço educativo, o professor/a deve deixar de ser tão invasivo e apressado, trabalhando mais com a ideia de processo e menos de resultado. A criança precisa de tempo para expressar sua própria curiosidade, revelar suas teorias, imaginar outras possibilidades e sonhar com outras realidades. Não devemos empurrar as crianças para o mundo dos adultos. Os professores devem permitir que a criança expresse sua própria curiosidade, revele suas teorias, imagine outras possibilidades e sonhe com outras realidades, ou seja, que ela viva o tempo de sua infância. Respeitar o ritmo da criança não significa deixá-la fazer o que quiser, tampouco agir com uma prática improvisada e esvaziada. O professor é uma autoridade competente, a ele cabe organizar, planejar e criar condições necessárias para que as crianças se desenvolvam e se apropriem do conhecimento. O respeito ao ritmo e aos interesses da criança não pode ser entendido como um esvaziamento da importância de planejarmos nossas ações na Educação Infantil. Ações na Educação Infantil Fonte: © Wikimedia Commons (2018). Após o diagnóstico da experiência que se quer ampliar em conjunto com as crianças, se requer um plano, uma programação que detalhe a organização do espaço, do tempo, dos materiais e das interações para 17 seu desenvolvimento. Esse é um ponto frágil nas práticas do professor de Educação Infantil no país, que pela deficiência em sua formação, ou não conseguem ou não acham importante produzir planos ou programações para atender interesses de seus agrupamentos (KISHIMOTO, 2007). Qualquer ação dentro do espaço educativo deve considerar que a criança é um sujeito histórico e de direitos. As crianças vêm de um contexto familiar, no qual foram construídas experiências primárias, que devem ser entendidas, respeitadas e ampliadas. A criança não é um copo vazio que deve ser preenchido. Durante a organização da rotina, o professor deve propor momentos dirigidos por ele, com propostas mais diretivas, mais estruturadas e outras ações mais livres. Por outro lado, as crianças devem ter garantido durante as rotinas na Educação Infantil, tempo de explorar livremente, em contextos cuidadosamente planejados pelo professor. Essa intencionalidade se expressa na organização dos espaços educativos das escolas de Educação Infantil, que deve essencialmente fundamentar-se naquelas formas e soluções que favoreçam o maior desenvolvimento do educando. Com isso a aprendizagem deve transcender o espaço da sala de aula e ocupar os diferentes espaços da instituição e fora dela, e as marcas das crianças devem compor esses espaços na escolha dos materiais e na organização dos grupos de crianças. O mais importante é variar situações e deixar que as crianças escolham, dentre as opções oferecidas pelo professor, com o que vão querer brincar, de quais colegas querem estar próximas, quanto tempo vão permanecer em determinada atividade ou brincadeira e se irão passar por todas as opções ou não. Saiba mais “Se confiarmos nas capacidades da criança, se animarmos sua atividade autônoma, veremos que é capaz de muito mais coisas daquelas que se crê normalmente” (TARDOS, 2008, p. 48). A seguir, você vai poder conhecer o exemplo de um planejamento que leva em consideração o espaço, o tempo, os materiais e os agrupamentos das 18 crianças. Esse exemplo rompe com a ideia do professor que quer fazer tal coisa, para a ideia do professor que planeja construir uma rede de possibilidades e oportunidades para as crianças. Antes da chegada das crianças, o professor prepara o ambiente com elementos que despertem a curiosidade e que possibilitem a livre escolha e o senso estético, um ambiente em que as crianças possam experimentar, explorar e investigar. Nesse exemplo, vamos supor que o professor reúna materiais incomuns nas rotinas das crianças, como tocos de madeira, palitos de picolé, potes plásticos de iogurte, caixas de ovos, funis, pedras de diferentes tamanhos, pedaços de pano de diferentes texturas, garrafas, animais e bonecas de pano. O professor tem como objetivo observar as interações das crianças com os materiais disponibilizados e estrategicamente distribuídos no tapete no canto da sala de referência. Para que ele possa observar e fazer anotações a respeito dos percursos das crianças, ele pode dividir a turma em dois grupos, o primeiro grupo permanece com ele; o outro, acompanha outro professor para vivenciar uma experiência de culinária, que também foi panejada com antecedência. O professor na Educação Infantil tem como função principal organizar o espaço, tempo e os materiais, a fim de promover a aprendizagem das crianças, ele tem como objetivo, por meio de uma observação atenta, compreender como as crianças irão explorar o ambiente e quais serão as descobertas que realizarão. Ele busca investigar como serão as interações, as escolhas que farão ao explorar os espaços e os materiais. O papel do professor não é o de conduzir a atividade dando explicações de como as crianças devem se organizar ou como farão a exploração dos materiais e do ambiente, mas o de compreender os percursos de cada criança e as suas narrativas durante todo o processo. Um professor que fala menos e pensa mais. Ele não deve desaparecer de cena, mas de forma complexa e desafiante, propor oportunidades para que a criança possa expressar a própria potencialidade, ele precisa organizar o espaço, tempo e os materiais. O professor, nessa ação educativa, tem papel de permanecer atento e focado nas relações que observa. No entanto, interferir somente quando compreender que pode fazer novas provocações às crianças, alimentando o processo investigativo. É importante levar em consideração que o processo de 19 experimentação das crianças é único e cada criança faz a exploração de acordo com seus interesses, de forma individual ou em grupo. Nessa perspectiva, o espaço pode ser considerado um terceiro educador e a atividade proposta poderá transformar-se em momentos de pesquisa e experimentação por parte das crianças. O espaço deixa de ser um lugar onde acontece a experiência educativa e passa a ser um elemento que entra em relação com as crianças e os professores. O espaço passa a ser um lugar de grandes oportunidades e o papel do professor passa a ser o de planejar oportunidades educativas às crianças. Essa experiência foi elaborada para tentar exemplificar uma prática em que o professor deixa de controlar todo o processo, mas não abandona o seu papel de mediador do conhecimento. Ele, de forma competente, organizou um contexto educativo em que as crianças puderam, com certa autonomia, explorar e construir suas aprendizagens. Saiba mais Lendo o livreto do Ministério da Educação a respeito de como fazer uma planejamento para a Educação Infantil, disponível em: http://portaldoprofessor.m ec.gov.br/storage/materiais/0000012794.pdf. Antes de encerrarmos nossa primeira aula, abordaremos outro documento que tem que ser compreendido e adotado por todas as escolas. A Base Nacional Comum Curricular tem valor de lei para todos os estabelecimentos de ensino que funcionam no país, independentemente de sua origem ou projeto pedagógico. A seguir aprofundaremos um pouco mais sobre a BNCC. 1.3 Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ministério da Educação (MEC, 2017) especifica os direitos de aprendizagens e de desenvolvimento dos bebês e das crianças dentro das instituições de Educação Infantil. A Base 20 Nacional Comum Curricular (BNCC) foi elaborada à luz do que dizem as Diretrizes Nacionais Curriculares paraa Educação Infantil (DCNEI) e, portanto, um documento não exclui o outro. Ambos os documentos são obrigatórios e devem ser respeitados por todas as escolas tanto da rede pública quanto da particular. Reflita Mas o que significa Base? A primeira coisa que tem que ficar bem clara é que a Base não é sinônimo de currículo. Toda escola, pública ou privada, tem autonomia para elaborar o seu próprio currículo. Ao definir o currículo, as redes municipais e as escolas particulares vão decidir os objetos de conhecimento do patrimônio social, científico e cultural que serão apresentados às crianças. A Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil (BRASIL, 2017) não apenas reitera as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009), mas as amplia e as detalha apresentando objetivos de aprendizagem, desenvolvimento e direitos de aprendizagem que todas as crianças que estiverem na Educação Infantil precisam ter assegurados, a partir de uma organização curricular ancorada nos campos de experiências. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil: Os Campos de Experiências constituem um arranjo curricular adequado à educação da criança de 0 a 5 anos e 11 meses, quando certas experiências, por ela vivenciadas, promovem a apropriação de conhecimentos relevantes. [...] os campos de experiências acolhem as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte de nosso patrimônio cultural” (BRASIL, 2016, p. 64). A escolha por campos de experiência busca romper com uma organização disciplinar de conteúdos e propor uma articulação que considera que a produção de saberes em um espaço de vida coletivo para bebês e crianças pequenas deve estar vinculado às práticas cotidianas e à aprendizagem plural da cultura, por meio de múltiplas linguagens (BRASIL, 2009, p. 14). 21 Saiba mais Para saber mais sobre a Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil (BNCC) clique em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ Conclusão da aula 1 Apresentamos de forma sucinta a BNCC, no entanto, é fundamental que você acesse o link disponível anteriormente e estude esse documento para orientar suas práticas educativas. Atividade de Aprendizagem Ser professor exige muito mais do que gostar da profissão ou saber cuidar de crianças. Não deixe de acessar o site do MEC e conhecer a Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil, visto que ela tem valor de lei para todos os estabelecimentos de ensino que funcionam no país, independentemente de sua origem ou projeto pedagógico. Não perca a oportunidade de participar de debates, cursos e seminários que tratem desse tema, visto que a BNCC acabou de ser aprovada e precisa ser analisada e compreendida por todos os estudantes de Pedagogia. Aula 2 – Brincar na Educação Infantil Apresentação da aula 2 Aprender brincando Fontes: Pixabay (2018). 22 Olá, estudante! Seja bem-vindo à segunda aula da disciplina de Pesquisa e prática na educação infantil. A partir de agora, refletiremos a respeito do brincar como direito de desenvolvimento e de aprendizagem da criança. Partiremos da reflexão e análise das questões legais para, em seguida, abordarmos o brincar enquanto uma construção da criança, desde a perspectiva da reprodução até a produção social. Nossa proposta é levar você a refletir sobre qual lugar a brincadeira tem ocupado no trabalho que você realiza com as crianças e como você, enquanto profissional da Educação Infantil, está contribuindo para ampliar o repertório lúdico das crianças. 2.1 O brincar na Educação Infantil Na atualidade, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 9.394/96 (LDBEN), a Educação Infantil foi incorporada à Educação Básica, passando a ser regulamentada pelos órgãos educacionais. A educação de crianças pequenas passa a ser um direito da criança e um dever do Estado. Em 2009 foram criadas as Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação Infantil, com o objetivo de “orientar as políticas públicas e a elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares de Educação Infantil” (BRASIL, 2009). De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, para organizar o currículo da Educação Infantil, é preciso considerar como eixo estruturante as interações e as brincadeiras (BRASIL, 2009). Segundo a professor Tizuko Morchida Kishimoto, em um artigo publicado nos Anais do I Seminário Nacional – Currículo em Movimento, não se pode pensar no brincar sem as interações. Para Kishimoto (2010), devemos compreender que o brincar se dá nas relações que a criança estabelece com o professor, com os seus pares, com os brinquedos, com os materiais e com o ambiente. O brincar interativo com a professora é essencial para o conhecimento do mundo social e para dar maior riqueza, complexidade e qualidade às brincadeiras. O brincar com outras crianças garante a produção, 23 conservação e recriação do repertório lúdico infantil. Essa modalidade de cultura é conhecida como cultura infantil ou cultura lúdica. A interação com os brinquedos e materiais é essencial para o conhecimento do mundo dos objetos. A diversidade de formas, texturas, cores, tamanhos, espessuras, cheiros e outras especificidades do objeto são importantes para a criança compreender esse mundo. A organização do ambiente pode facilitar ou dificultar a realização das brincadeiras e das interações entre as crianças e adultos. O ambiente físico reflete as concepções que a instituição assume para educar a criança (KISHIMOTO, 2010, p. 3). A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) assegura que o papel das Instituições de Educação Infantil é o de criar espaços e relações de aprendizagem em que a criança possa conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se. Esses seis grandes direitos de aprendizagem devem ser garantidos a todas as crianças da Educação Infantil. Direitos de aprendizagem a todas as crianças Fonte: Deposit Photos (2018). Nosso foco nesta aula será “o brincar”, que, de certa forma, engloba todos os demais direitos elencados na Base e que na escola deve ter intencionalidade educativa. A Base Nacional Comum Curricular reafirma o brincar como um direito e sinaliza que deve acontecer de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), de forma a ampliar e diversificar as possibilidades de acesso a produções culturais de todas as crianças (BRASIL, 2017). O brincar entendido como um direito já estava previsto desde a Declaração de 1959 da Organização das Nações Unidas (ONU), a qual já previa que a 24 criança deve ter plena oportunidade para brincar e de recreação e que é de reponsabilidade da sociedade e das autoridades públicas esforçar-se para promover esse brincar (p. 6-7). No Brasil, esse direito é preconizado pela Constituição Federal, no Artigo 227 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), que assegura o brincar enquanto um direito de todas as crianças. Embora o brincar esteja presente desde o início da trajetória de vida da criança, em nossa sociedade, a ideia do brincar ainda está associada àquilo que carece de seriedade e utilidade, assumindo frequentemente o significado de oposição ao trabalho tanto no contexto da escola quanto no cotidiano familiar. Se buscarmos na definição sobre o que é brincar, talvez possamos compreender um pouco melhor sobre essa crença popular de que o brincar é uma oposição ao trabalho sério, uma perda de tempo. De acordo com o dicionário da Língua Portuguesa Aurélio: jogar, do latim “jocare” tem o sentido de entregar-se ao; tomar parte do jogode; perder no jogo; dizer ou fazer brincadeira. Brincar, de “brinco+ar, tem sentido de divertir-se infantilmente; entreter-se em jogos de criança (1999, p. 286). Nesse sentido, a atividade do brincar geralmente é vista como uma situação livre de conflitos e tensões, havendo sempre um elemento de prazer (BOMTEMPO, 1987, p.13). Em nossa sociedade, o trabalho e o prazer tomaram formas antagônicas, em outras palavras, o trabalho é algo sério, duro, sofrido, enquanto o prazer e o deleite devem ser encontrados no lazer, na brincadeira e no ócio. Fonte: elaborado pelo autor (2021). Dentro dessa perspectiva, as instituições de Educação Infantil cada vez mais têm se preocupado com a antecipação de oferta de conteúdos formais do ensino e dado ênfase à alfabetização precoce das crianças. A lf a b e ti z a ç ã o 25 Todos os documentos oficiais que orientam as Propostas Pedagógicas na Educação Infantil assinalam o brincar como uma das principais linguagens da criança em interagir e compreender a sociedade em que vive. No entanto, percebe-se um despreparo relativo aos conhecimentos das necessidades básicas das crianças por parte de gestores e professores. Ao definir suas Propostas Pedagógicas, as instituições de Educação Infantil deverão explicitar o reconhecimento da importância do brincar, garantindo esse direito na organização dos tempos, espaços e materiais. É de fundamental importância que os professores compreendam a seriedade do brincar no desenvolvimento da criança, para que dessa forma possam efetivar esse direito. É preciso planejamento do espaço físico e de ações intencionais, entendendo a brincadeira como uma linguagem que se aprende em interação, para, assim, construir um ambiente educativo planejado que ofereça oportunidades de qualidade para as brincadeiras e interações. 2.2 Brincar e a cultura Reflita Você já parou para pensar que as brincadeiras das crianças revelam algo sobre sua cultura? Você sabia que a brincadeira tem dimensão cultural? Brincadeiras das crianças Fonte: Deposit Photos (2018). 26 Para o sociólogo e pesquisador norte-americano Willian Corsaro (2011), as crianças são, ao mesmo tempo, produto e produtora de cultura, pois elas não apenas reproduzem ou imitam o mundo dos adultos, mas dele se apropriam criativamente, dando-lhe sentido. O brincar faz parte dessa intensa forma de produção infantil, que o autor denomina como culturas da infância. As culturas infantis são, portanto, um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças produzem e partilham em interação com seus pares (CORSARO, 2009). Diante do exposto, “é preciso efetivamente romper com o mito da brincadeira natural, a criança não nasce sabendo brincar, ela aprende a entrar no universo da brincadeira a partir das relações que estabelece com o seu meio” (BROUGÈRE. p. 27, 2001). Para esse autor, a brincadeira é o modo com que a criança traduz e recria as imagens daquilo que ela vive a partir das suas interações com o mundo. A criança não nasce sabendo brincar, ela precisa aprender, por meio das interações com outras crianças e com os adultos. Observando outras crianças e com as intervenções do professor, ela aprende novas brincadeiras e suas regras. Dentro dessa perspectiva, as instituições de Educação Infantil e os professores têm um papel muito importante. Interagir com a criança nas brincadeiras, sempre garantindo o protagonismo infantil, faz com que o brincar relacione-se com a aprendizagem. Brincar é aprender. O lúdico é uma proposta educacional. Mídias Saiba mais sobre “o brincar”, assista ao documentário Tarja Branca, um manifesto da importância de continuar sustentando um espírito lúdico, que surge em nossa infância e que o sistema nos impele a abandonar em nossa vida adulta. Segundo o documentário, as brincadeiras infantis fazem parte das nossas formações social, intelectual e afetiva. Por elas, nos socializamos e internalizamos muitos dos hábitos culturais da vida adulta; brincamos na infância e no brincar somos livres e felizes. Mas será que ainda carregamos essa subjetividade dentro de nós? Será que a criança que fomos se orgulharia do adulto em que nos transformamos? O presente documentário está disponível no link a seguir: https://www.videocamp.com/pt/movies/tarja-branca 27 2.3 O brincar e suas diferentes manifestações É fundamental que o profissional da Educação Infantil garanta uma prática que leve em conta a criança e seu jeito particular de ver o mundo. Diferentes teorias sugerem que o brincar é uma forma da criança conhecer, compreender e se expressar no mundo. A seguir, vamos abordar as diferentes formas de brincar da criança em diferentes tempos e espaços: a brincadeira livre e o jogo simbólico, jogos de tabuleiro e a contação de histórias. Diferentes formas de brincar da criança em diferentes tempos e espaços Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/meninas-crian%C3%A7as-amigos-jovem-462072/ 2.3.1 Brincadeira livre A brincadeira livre pode ser um contexto riquíssimo de aprendizagens, no entanto, o professor precisa planejar os materiais, o espaço e o tempo. A rotina não é um momento de improviso, com isso, não estamos afirmando que o professor precisa controlar de forma autoritária a criança ou que ela aprende somente com a intervenção do professor. 28 Importante O brincar livre exige tempo, espaço e materiais adequados e, acima de tudo, adultos que compreendam esse momento com seriedade e sensibilidade. Não podemos dar à criança uma falsa autonomia, em que o professor impõe um modo de se fazer todas as atividades, inclusive do brincar livre, que, muitas vezes, fica sujeito a tempos e espaços predeterminados. Devemos permitir e acreditar que as crianças são capazes de resolver um problema, de propor soluções e de pensar formas diferentes de se organizarem e brincar. De acordo com a BNCC, a participação e as transformações introduzidas pelas crianças nas brincadeiras devem ser valorizadas, tendo em vista o estímulo ao desenvolvimento de seus conhecimentos, sua imaginação, criatividade, experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais (BRASIL, 2017). Uma das formas que pode ocorrer o brincar livre é por meio dos jogos simbólicos, que, de acordo com Cunha (2007, p. 23), “significa que neste tipo de brincadeira a criança traduz o mundo dos adultos para a dimensão de suas possibilidades e necessidades, elas precisam vivenciar suas ideias em nível simbólico, para poderem compreender seu significado na realidade”. Reflita Você sabe o que significa a função simbólica? De acordo com Piaget (1975), a função simbólica consiste na capacidade que a criança, a partir de dois anos, aproximadamente, tem de representar as ações, as situações e os fatos da vida real, por meio da construção da imagem mental, imitação, jogo simbólico, linguagem e desenho. 29 Como o professor pode potenciar o jogo simbólico na Educação Infantil? Uma das estratégias é disponibilizar materiais que possam ser utilizados pelas crianças para criar diferentes cenários para brincar, por exemplo: panos, pedras, madeiras, garrafas, prendedor de roupa, barbantes, bacias, peneiras, funis, entre outros. O professor também pode criar cenários variados que permitam à criança realizar diferentes brincadeiras, escolhendo uma ou mais temáticas a serem desenvolvidas, tais como: fazendinha, salão de beleza, bombeiro e lava-rápido. Outra possibilidade é fazer oficinas que possibilitem a construção junto às famílias das crianças para a montagem desses ambientes. Esses cenários devem ser sempre modificados de acordo com o interesse das crianças. Fonte: elaborado pelo autor (2021), adaptado pelo DI. (2021).Para Moyles (2002), o brincar livre e o brincar dirigido precisam ser amplamente vivenciados na escola. Enquanto o brincar livre tem um caráter mais exploratório, cujas experiências possibilitam às crianças aprender sobre situações, pessoas e objetos; o brincar dirigido oferece outras possibilidades, sendo capaz de levar a criança “a um relativo domínio dentro daquela área ou atividade” (p. 33). Ambas as formas de brincar precisam ser potencializadas dentro dos espaços de Educação Infantil, não podem ser substituídas uma pela outra. 2.4 Contação de histórias A contação e a leitura de histórias podem ser dois grandes aliados do professor na criação de espaços lúdicos, criativos e prazerosos. A escolha de bons livros é fundamental, o fato de as crianças não saberem ler não significa que não devemos ler e contar histórias bonitas e significativas. Uma boa estratégia poderia ser o baú de histórias ou a mala de histórias, você pode encapá-la com tecidos, fitas e rendas, o tecido de chita é uma ótima opção. No baú ou na mala não poderão faltar bonecos ou fantoches, pedaços de tecidos, lenços, chocalhos, chapéus, espanador, apitos, máscaras e muita imaginação. 30 Fonte: Palavra Cantada (2018). Outra estratégia poderia ser o teatro de sombras que consiste na manipulação de um boneco de varas, entre uma luz e uma tela, o que faz com que a criança, sentada diante da tela, veja apenas a sombra do boneco. Você pode fazer bonecos com vara ou utilizar a sombra do seu próprio corpo ou de suas mãos. O avental seria outra forma de contar histórias. Esse avental pode ser utilizado para contar diferentes histórias, se ele for confeccionado com velcro, você precisará somente criar os personagens para cada história. Muitas outras estratégias poderão ser utilizadas na contação de histórias. O importante é o professor sentir-se confortável com a história escolhida, organizar o cenário antecipadamente, desfrutar e soltar a imaginação. Saiba mais Você já conhece o canal do youtube Marcia Stein Contadora de histórias? É um canal de contação de história, disponível no link a seguir: https://www.youtube.com/ channel/UCorM7ZPT9NchE8LBhn-SNlA Aqui transcrevemos a história de autoria da professora Silmara Crozeta que você assistiu na videoaula, nossa intenção é inspirá-lo a criar suas próprias histórias. Segundo a professora, uma das maneiras de iniciar a história poderia ser bem assim. 31 Uma, Duna, Tena, Catena, Rabo de pena! E a magia vai começar!! 2.4.1 O medo do dragão Dragão Fonte: https://br.freepik.com/vetores-gratis/dragao-chines-tradicional-na-mao-desenha da-estilo_2415835.htm Era uma vez, em um mundo muito distante, em um tempo em que os dragões eram os guardiões da terra, algo de estranho aconteceu! Uma mamãe dragão fez seu ninho no topo de uma montanha. Você sabia que os dragões nascem sempre em cavernas? Dizem os antigos sábios que algumas cavernas ainda guardam as histórias do nascimento de muitos dragões e que muitas dessas cavernas estão escondidas em diferentes cantos do mundo, para que ninguém esqueça a história dos Dragões na Terra. Voltando à história desse Dragão, que nasceria como todos os outros dragões. No dia, no grande dia que ele sairia do ovo, um fato arrepiante aconteceu! Lá no topo da montanha, seus irmãos já estavam fora do ovo e buscavam bater suas asas para voar, eis que ao romper a casca e tirar as pernas para fora, forçar a cabeça para sair e uma das asas rasgar com força um dos lados do ovo, o ninho balança de um lado para outro e, com tudo, derrubou o dragãozinho morro abaixo. 32 Foi um silêncio absurdo entre os seus irmãos. O som mais intenso neste tempo foi o coração do dragão rolando, subindo e descendo sem parar. Todos do alto olhavam a velocidade que ele seguia, quando chegou próximo ao lago, caiu dentro feito um embrulho. E foi um alvoroço: oh, que os elementos da natureza protejam este pobre dragãozinho!! Como a mamãe Dragão não estava por perto, os irmãos que sabiam voar desceram o mais rápido possível para o lago. Eis que um sentimento de tristeza apertava o peito de seus irmãos voadores, mas quando chegaram perto, como um grande guerreiro, o dragão girava feito peão na água para sair da casca e com muito esforço subiu à margem do lago. Ufa, ele conseguiu, e muitos dragões, que de longe viram tudo acontecer, acharam que era milagre ele se salvar! E se você acha que foi só isso, vou te contar o resto desta história! Este dragão se tornou o mais hábil de todos os dragões da região. Na queda, ele feriu uma de suas asas, então não conseguia voar muito alto. Mas com suas pernas fortes e uma das asas potentes, corria e voava como ninguém. Ele ficou muito famoso, pois desenvolveu uma esperteza sobre água, terra e ar, mas do fogo ele tinha muito medo, mas muito medo mesmo. Sabe por quê? Ah, é bem simples. Quando ele rolou a montanha, seu bumbum queimou muito de tanto raspar de lá para cá, daqui para lá. E com isso ele aprendeu que a terra, o ar, a água e o fogo precisam de cuidados e são elementos muito importantes na vida de qualquer Dragão. Mas o fogo, especificamente para este dragão, é algo para se cuidar mais ainda. O seu bumbum que o diga!!! Vitória, Vitória! Acabou a história! 2.5 Jogos de tabuleiro Os jogos de tabuleiro podem ser um grande aliado no desenvolvimento e nas aprendizagens das crianças. Diferentes estudos sinalizam que os jogos são atividades que facilitam e contribuem para potenciar a crítica, a socialização, a tomada de decisões, a lidar com a frustração, exercitar o pensamento estratégico, desenvolver o raciocínio lógico, entre outras habilidades. “Os diferentes jogos, com suas próprias lógicas e regras, desafiam os jogadores a 33 explorarem o melhor de si na situação interativa proposta” (KLISYS e FONSECA, 2008, p. 23). Jogos de tabuleiro Fonte: Wikimedia Commons (2018) Muito interessante a perspectiva de compreender o jogo que exige a competição, não dentro da perspectiva do binômio ganhador e perdedor, mas como um desafio a si próprio. Nesse sentido, o termo competição está associado à competência, jogos de competição são jogos de competência. Dentro dessa lógica, os jogadores competem consigo mesmo. A competência é o desafio de superar a si mesmo [...]. Porque, se um dos jogadores sempre ganha, o outro não lhe serve mais como referência [...], nessa perspectiva, ganhamos ou perdemos sempre de nós mesmos” (Retirado de: 4 Cores, senha e Dominó, de Lino de Macedo, Ana Lúcia Sicoli Petty e Norimar Christe Passos apund Klisys, 2008). Conclusão da aula 2 Chegamos ao final de mais uma aula. Você viu durante nosso estudo a respeito do brincar enquanto um direito previsto na legislação e que deve ser garantido em todos os currículos da Educação Infantil. Também estudamos a dimensão cultural do brincar, afinal, o brincar se aprende. Sendo assim, apresentamos algumas possíveis sugestões de como criar um ambiente lúdico 34 nas instituições de Educação Infantil, trabalhando na perspectiva de ampliação dos repertórios de brincadeiras das crianças. Atividade de Aprendizagem Será que as crianças têm direito garantido a brincar nas instituições onde você trabalha, faz estágio ou que conhece? Observe se as rotinas reservam longos períodos para a criança brincar; se os brinquedos são de livre acesso à criança e se os professores propõem brincadeiras. Lembre-se de que são essas algumas das ações que garantem o direito ao brincar nas instituições de Educação Infantil. Aula 3 – Organização do tempo, espaço, materiais e agrupamentos Apresentação da aula 3 Um novo olhar Fonte: Deposit Photos (2018). Olá, estudante! Nesta aula vamos refletir sobre tempo, espaço e materiais na instituição de Educação Infantil.Nossa perspectiva parte do pressuposto de que o planejamento e a organização dos espaços requerem um olhar atento aos interesses e às necessidades das crianças. Iniciaremos nossa discussão 35 fazendo uma distinção entre espaço e ambiente, entendendo o espaço da instituição como parte integrante do processo pedagógico. Em seguida, abordaremos o tempo como um elemento importante, dentro de um contexto que acolhe a diferença em que cada criança pode interpretar as inúmeras possibilidades de aprender e de se desenvolver. Por último, não menos importante, veremos a organização dos agrupamentos de crianças para a realização das atividades e a sua autonomia no acesso aos espaços e materiais. 3.1 A organização do espaço, dos tempos, dos materiais e dos agrupamentos Para iniciarmos nosso estudo a respeito da organização dos espaços, tempos e materiais, vamos imaginar um caso hipotético em que você decida visitar uma escola. Imaginemos que você não encontra ninguém para recebê- lo e acompanhá-lo na visita, nesse caso, você terá que conhecer a escola sozinho e, por intermédio das suas observações, tirar suas próprias conclusões. ➢ Como é esse espaço? ➢ Você encontra as marcas dos bebês e das crianças? ➢ A sala de referência dos bebês e das crianças pequenas potencializa as explorações, os desafios e possibilita a descoberta de novas sensações, odores, formas, cores e sons? ➢ É um espaço ocupado por classes enfileiradas, por desenhos estereotipados nas paredes, brinquedos velhos, malcuidados, guardados em caixas alta, às quais a criança não tem acesso? ➢ Você acha que é possível conhecer um espaço sem que alguém o apresente? Nós acreditamos que assim como as características de uma casa revela o que acontece nesse espaço e a identidade de seus donos, a escola também 36 conta sobre o que essas pessoas valorizam e em que acreditam. Com frequência os espaços são organizados pelos adultos, considerando a praticidade ou a lógica adulta, esquecendo-se das crianças. Tal fato fica evidente na disposição e altura de mobiliários, brinquedos e cartazes, que em muitas ocasiões estão guardados ou afixados bem longe do acesso das crianças. Segundo Horn (2004), o espaço não é algo dado, natural, mas sim uma construção social, que na instituição educativa tem estreita relação com as atividades desempenhadas pelas pessoas que lá convivem. O espaço revela a identidade das pessoas que ali passam grande parte de suas vidas. Sendo assim, esses espaços poderão contribuir ou não, para atender adequadamente às necessidades dos seus alunos, potenciando os laços afetivos, sentimento de identidade e de pertencimento. A organização do tempo, dos espaços e dos materiais e a forma que as crianças são agrupadas (por idade, sexo e interesses) reflete as concepções dos profissionais da instituição sobre educação e criança. Para Horn (2004, p. 25), “é fundamental compreendermos que o espaço é parte integrante da ação pedagógica e não pode ser visto como pano de fundo”. A autora sugere que planejar o espaço implica prever o acontecimento de atividades fundamentais para o grupo de referência, adequando a distribuição dos móveis e dos objetos de forma a contribuir para o pleno desenvolvimento das crianças. Saiba mais Para conhecer por meio da equipe da UnivespTV duas escolas, em São Caetano do Sul (SP) e Brasília (DF), em que este conceito é bem aplicado. A visão de especialistas no assunto reforça sua importância para o desenvolvimento infantil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gdg2j_Y-BsQ Para compreendermos melhor esse conceito, vamos ampliar nosso olhar, superando a ideia do espaço como físico, composto de objetos mobiliários e decoração. Vamos pensar em um espaço que agrega tanto as características físicas quanto as relacionais, as sensações, as lembranças dos que lá vivem e convivem, que, de acordo com Forneiro (1998), é chamado de ambiente. 37 No livro A qualidade em Educação Infantil, Forneiro faz uma diferenciação entre espaço e ambiente. Para a autora, o espaço refere-se ao espaço físico, ou seja, o local para a atividade caracterizado pelos objetos, pelos materiais didáticos, pelo mobiliário e pela decoração, enquanto o ambiente refere-se ao conjunto do espaço físico e às relações que se estabelecem neles, os afetos, as relações interpessoais entre as crianças, entre as crianças e os adultos, entre as crianças e a sociedade em seu conjunto (FORNEIRO, 1998, p. 232). Considerando essas ideias, a autora sinaliza quatro dimensões no ambiente, que se relacionam entre si: ➢ Dimensão física: refere-se ao aspecto material do ambiente. É o espaço físico (a sala de atividades, o parque, o gramado, entre outros). Também compreende os objetos do espaço e a sua organização (mobília, brinquedos, entre outros). ➢ Dimensão funcional: refere-se à utilização dos espaços, à sua polivalência (as diferentes funções que o espaço físico pode assumir) e ao tipo de atividades ao qual se destinam. ➢ Dimensão temporal: refere-se à organização do tempo e, portanto, ao momento em que serão utilizados os diferentes espaços. ➢ Dimensão relacional: refere-se às diferentes relações que se estabelecem entre as crianças e entre elas e os adultos. Refere-se também à organização dos agrupamentos de crianças para a realização das atividades e à sua autonomia no acesso aos espaços e materiais (FORNEIRO, 1998, p. 232). Os ambientes de referência dos grupos de crianças devem superar definitivamente o modelo das antigas salas de aula, para transformarem-se em ambientes articulados, para acolher os momentos dos jogos, das brincadeiras, 38 da higiene e das diferentes interações entre as crianças. Veja a seguir um bom exemplo disso a partir de arranjos espaciais semiaberto, aberto e fechado propostos por Carvalho e Rubiano (2007): O arranjo semiaberto é caracterizado pela presença de zonas circunscritas, proporcionando à criança uma visão fácil de todo o campo de ação, incluindo a localização do adulto e demais crianças. As crianças, geralmente em subgrupos, ocupam preferencialmente as zonas circunscritas, mesmo quando afastadas do adulto; em tais zonas geralmente ocorrem interações entre crianças. Suas aproximações do adulto, embora menos frequentes, tendem a evocar mais respostas dele em comparação com outros arranjos. No arranjo aberto, há ausência de zonas circunscritas, geralmente havendo um espaço central vazio. As interações entre as crianças são raras, as quais tendem permanecer em volta do adulto, porém, ocorrendo pouca interação com ele. No arranjo fechado há presença de barreiras físicas, por exemplo, um móvel alto, dividindo o local em duas ou mais áreas, impedindo uma visão total da sala. As crianças tendem a permanecer em volta do adulto, evitando áreas em que a visão dele não seja possível, havendo poucas interações entre as crianças (CARVALHO; RUBIANO, 2007, p. 118). Carvalho e Rubiano (2007) apresentam as diferenças de arranjo espacial com a finalidade de nos auxiliar a reconhecer como a distribuição dos objetos e dos materiais têm relação sobre o desenvolvimento e as aprendizagens das crianças. Segundo os autores, no arranjo semiaberto, caracterizado por zonas circunscritas, ocorrem as maiores possibilidades de interações entre as crianças. Saiba mais Se quiser saber mais sobre esse assunto, você pode consultar o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) produzido pelo MEC. É importante mencionar que o documento, em seus volumes I e II, trata da 39 questão dos espaços, ressaltando a importância da versatilidade deles, além do fato de que sua organização reflete a condição de educação assumida pela instituição. Para maiores informações acesse ao link: http://portal.mec.gov.br/sePara concluir essa primeira reflexão, é fundamental compreendermos que o ambiente que construímos em nossas escolas deve garantir as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças. Ambientes como geradores de experiências potentes, o espaço como rede de possibilidades, espaços de referências dos professores e das crianças. Os ambientes se constituem como principal elemento de estímulo. Sala de aula organizada com base na teoria de Maria Montessori Fonte: © Wikimedia Commons (2018). Quando pensamos na organização dos ambientes, devemos organizar a dimensão temporal, ou seja, a organização do tempo e, portanto, ao momento que serão utilizados os diferentes espaços e as diferentes relações que se estabelecem entre as crianças e entre elas e os adultos. 40 3.2 Uma breve história do tempo Para refletir, com Tonino Guerra Fonte: https://lh3.googleusercontent.com/7-nBARfhcthovcXHZr5fWspIcmvwcEjx2tEMD xS0CIKFJsUPr0i9xIlKurT5Un73JOC9=s85 Em um livro que li, chamado A Pedagogia do Caracol - por uma Escola Lenta e não Violenta, logo no prefácio, conta-se uma metáfora sobre a velocidade, dizendo o seguinte: imaginem um trem de alta velocidade (daqueles que existem em alguns países da Europa e da Ásia, conhecidos como trem-bala) que, apesar de sua modernidade e tecnologia, pode apresentar algum defeito, no entanto, esses trens não têm condutores e nem freios. Fazendo a transposição para a instituição de Educação Infantil, podemos relacionar a metáfora do trem-bala a uma velocidade que não está alinhada ao ritmo da criança pequena. Velocidade enorme, mas que, muitas vezes, não está alinhada ao ritmo biológico da criança, que naturalmente é diferente do ritmo do adulto. São rotinas que atendem à necessidade da instituição, desconsiderando as necessidades das crianças. Para Jean Piaget (1896-1980), um renomado psicólogo suíço, conhecido por seu trabalho pioneiro no campo do desenvolvimento infantil, aos cinco anos, 41 a criança já percebe um “tempo local”, um tempo que ainda não é geral e ainda se confunde com a ordem espacial. É um tempo imediatista, sem velocidades. Para o autor, a noção de tempo surge e se desenvolve por meio de uma interiorização gradativa na criança, das experiências vividas de causa e efeito. Sendo assim, a criança não percebe o tempo social, histórico e cronológico. Prossegue o autor, o desenvolvimento desta noção, está ligado à maturidade e às experiências das crianças, que só se concretiza por volta dos 10 (dez) ou 12 (doze) anos (PIAGET, 1996). Nessa linha de pensamento, apresentamos a história da organização do tempo. Leia a seguir. Em 46 a.C., o general romano Júlio César adaptou o calendário egípcio – de 3000 a.C. O modelo juliano dividiu o ano em 365 dias – equivalente ao ciclo solar conhecido à época – e 12 meses. Em 1582, o papa Gregório XIII corrigiu imprecisões e estabeleceu o modelo atual, o gregoriano. A definição do ciclo de sete dias tem origem dupla. De um lado, os astrólogos de Alexandria, capital do Egito por volta de 300 a.C., organizaram os dias em grupos de sete para seguir a ordem dos sete planetas, até então conhecidos. De outro lado, a tradição hebraica do Shabbath, que estabelece um dia de culto a cada sete, no qual os judeus descansavam. Os sumérios já observavam o ciclo de sete dias – relacionado às fases da Lua – antes de egípcios e hebreus, porém sem formalizar o sistema. Os babilônios precisavam medir o tempo em frações menores que o dia e a noite. Para isso, inventaram o primeiro relógio da humanidade, o relógio de sol. Ainda não dava para marcar as horas com precisão, mas a trajetória da sombra separava o dia em 12 partes. Com o mesmo raciocínio, dividiram a noite também. A definição de horas, minutos e segundos era conhecida desde os babilônios, mas demorou até alguém medir o tempo com precisão. O relógio mecânico só surgiu no século XIV e atrasava 15 minutos por dia – um dia a cada três meses! Em 1656, com o relógio de pêndulo, o atraso diminuiu para um minuto por semana. O segundo equivalia a 1/60 do minuto até 1967, 42 quando o Sistema Internacional de Unidades definiu sua duração baseado na radiação do átomo de césio 133. Disponível em: <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quem-definiu-o-tamanho- das-horas-e-dos-minutos/>. Acesso em: 17/10/2018, às 17h43min (fins pedagógicos) Como pudemos estudar, a forma como o tempo é medido é uma das invenções fundamentais da espécie humana. É com base neste conjunto de conhecimentos que a civilização consegue controlar e organizar suas vidas. No entanto, como é medido o tempo na Educação Infantil? Você conhece a famosa frase de Albert Einstein “o tempo é relativo e não pode ser medido exatamente do mesmo modo e por toda a parte”? Fonte: elaborado pelo autor (2021). Na mitologia grega, Chronos era a personificação do tempo eterno e imortal e governava sobre o destino dos deuses imortais, enquanto Kairós significa o momento oportuno, o momento certo. Chronos e Kairós são termos gregos para designar o tempo: enquanto Chronos é o tempo medido pelo relógio, calendário e pela rotina; Kairós refere-se ao aspecto qualitativo, à qualidade do tempo, do tempo certo e oportuno. Não nos interessa pensar no tempo contado por meses, dias, horas e minutos, porque o tempo Chronos passa muito depressa, perdem-se as oportunidades e deixa-se de viver o presente para projetar um futuro incerto. Esse tempo nos possibilita apenas contar o tempo de forma objetiva e rotineira. O tempo que nos interessa, o tempo de Kairós, o tempo adequado, o tempo do aqui e agora, o tempo das possibilidades, das potências, das conquistas, do desfrute, do brincar, do criar, do sonhar e do fantasiar. O tempo que dá tempo para a criança viver como criança. É o tempo que está focado no presente. “Vamos viajar um pouco na história, vamos até a Grécia”. 43 Todas as reflexões acima têm como objetivo nos levar a pensar em como organizamos os tempos da Educação Infantil. A docência na Educação Infantil exige sensibilidade, encantamento, lentidão para ouvir, ver e compartilhar com as crianças suas descobertas, hipóteses, medos e risos. A docência, nessa etapa, é de grande complexidade, porque temos que garantir a indissociabilidade entre educar e cuidar, ações que perpassam desde uma troca de fralda à possibilidades de a criança expressar suas hipóteses em relação à linguagem escrita. É verdade que não podemos nos desvencilhar do tempo Chronos, pois é o tempo que organiza e que estabelece as diferentes oportunidades que a criança poderá vivenciar. No entanto, devemos ter cuidado para não transformar nossa prática em um “trem-bala”, sem um condutor e sem freios; a velocidade alucinante pode comprometer o aprendizado mesmo que a opção didática tenha a melhor das intenções. Nesse sentido, a organização do tempo nas creches e pré-escolas deve considerar as necessidades relacionadas ao repouso, alimentação e higiene de cada criança, levando-se em conta sua faixa etária, suas características pessoais, sua cultura e estilo de vida que traz de casa para a escola (BARBOSA; HORN, 2001). O melhor planejamento, mesmo aquele que envolva uma experiência rica e interessante pode acabar ficando sem sentido e significado se não soubermos organizar os tempos que respeitem os ritmos da criança. O tempo é um elemento importante em um contexto que acolhe as diferenças e não está subordinado a metas dos adultos. O tempo da experiência é fundamental para que cada criança possa interpretar as inúmeras possibilidades que possam existir. Não devemos apressar a criança, tirando dela o tempo de criar, inventar, pesquisar e desfrutar. Muitos pais acreditam que a criança deva aprender conceitos abstratos rapidamente como um “trem-bala”, indo o mais rápido possível. Mandamseus filhos para música, dança, inglês, artes marciais, entre outros, as crianças não têm tempo de expressar a própria curiosidade. A infância é um tempo extraordinário e a criança tem diante de si um leque de oportunidades, logo, devemos permitir que ela desfrute intensamente de suas experiências e viva a infância com plenitude. 44 Importante A criança precisa de um tempo para provar, reprovar, voltar atrás, pular para frente, e pegar outra estrada. Esse e o tempo de que necessitamos se queremos construir boas experiências educativas. 3.3 Os agrupamentos De acordo com Forneiro (1998), a dimensão relacional refere-se às diferentes relações que se estabelecem entre as crianças e entre elas e os adultos. Refere-se também à organização dos agrupamentos de crianças para a realização das atividades e à sua autonomia no acesso aos espaços e materiais. Parafraseando a grande educadora Madalena Freire, grupo é esta trama grupal em que se jogam papéis, às vezes estereotipados, outros inabaláveis, não é um amontoado de indivíduos. Fonte: elaborado pelo autor (2021). Mais complexo que isso, grupo é resultado da dialética entre história do grupo (movimento horizontal) e a história dos indivíduos, com seus mundos internos, suas projeções e transparências (movimento vertical), no suceder da história da sociedade em que estão inseridos. Grupo é A cada encontro imprevisível. A cada interrupção da rotina: algo inusitado. A cada elemento novo: surpresas. O que é um grupo? 45 A cada elemento já parecidamente conhecido: aspectos desconhecidos. A cada encontro um desafio, mesmo que supostamente já vivido. A cada tempo: novo porto, novo compromisso fazendo história. A cada conflito: rompimento do estabelecido para a construção da mudança. A cada emoção: faceta insuspeitável. A cada encontro: descobrimentos de terras ainda não desbravadas. Grupo é grupo... (Freire, M. In: A paixão de aprender). A Educação Infantil é feita de encontros, de pequenos grupos, de duplas, de trios, de colegas, de amigos menos experientes e de amigos mais experientes. Os agrupamentos estão presentes em nosso cotidiano e, a partir deles, conseguimos que as crianças interajam em contextos diversos, ora com todo o seu grupo, ora em dupla ou grupos pequenos. Essas configurações as desafiam a ocupar diferentes posições, refletindo um trabalho de grupo em constante movimento. Os profissionais da Educação Infantil precisam estar atentos para oferecer condições que viabilizem as interações entre as crianças. Agora, pense na seguinte história: Crianças brincando Fonte: https://lh3.googleusercontent.com/MQQoJsC-r_65H4V2DMRPa9C9zWS6g86 XDpaL2cccIoqIKZtY1u-kLZwIBjJfKRfr2LNq=s106 46 Duas crianças com idade entre 02 e 03 anos estão brincando na areia, porque a professora criou um contexto em que as crianças podem interagir e brincar juntas. Uma das crianças aproxima-se da outra porque quer a pazinha que lhe pertence. Supostamente, ela poderia simplesmente arrancá-la da mão da colega, ou aproximar-se e conversar com ela para juntas, espalharem a areia; depois, cavariam alternando o uso da pá com as mãos. Nesse momento, a situação se modificaria, pois trabalhariam em parceria, convergindo pontos de vista, negociando significados, dividindo tarefas e compartilhando ideias e objetos (MACHADO, 2007). Essa história é um pequeno exemplo das grandes oportunidades que garantem o pleno desenvolvimento das crianças. São nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhes são mais próximas e com o meio que as circunda que as crianças revelam seus esforços para compreender o mundo em que vivem, as relações contraditórias que presenciam e, por meio de brincadeiras, explicitam as condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e desejos. No processo de construção do conhecimento, as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que têm de terem ideias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. O conhecimento não se constitui em cópia da realidade, ele é fruto de um intenso trabalho de criação, significação e ressignificação (BRASIL, 1998, p. 21-22). Embora os contextos educativos sejam construídos pelo professor e o próprio contexto comunique as suas intenções, é a criança que irá decidir, com seus pares, de que forma irá interagir nesse espaço preparado especialmente para que ela possa fazer escolhas. Suas escolhas consistem com quem vai se relacionar, quais materiais e brinquedos utilizarão e assim por diante. Caberá ao professor atuar como mediador, observar, analisar o desenrolar das ações para poder intervir e respeitando o modo próprio de cada criança de se colocar “em cena”, ao mesmo tempo, instigando-a a avançar em seus percursos lúdicos, de pesquisa e de socialização (KLISYS, 2007). 47 Reflita Como acontece a organização, disponibilização e acesso aos brinquedos e materiais? Se por materiais queremos indicar tudo aquilo com o que se faz algo, que serve para produzir, para inventar e para construir, deveríamos falar de tudo o que nos rodeia, desde a água até a terra, das pedras aos animais, do corpo às palavras. Incluindo as plantas e as nuvens (TONUCCI, 2008). “Em uma sala vazia, uma criança não pode exercer atividade livre; sua liberdade cresce na medida em que lhe são oferecidas possibilidades de ação, isto é, opções. Neste sentido, a liberdade da criança não implica na demissão do adulto: pelo contrário, expandi-la implica no aumento das ofertas adequadas às suas competências em cada momento do desenvolvimento”. DANTAS, H. Disponível em: <https://educacao.estadao.com.br/blogs/colegio-oswald/ cantos-e-cantinhos-a-preparacao-dos-cenarios-para-as-brincadeiras-na-educacao-in fantil/>. Acesso em: 18/10/2018, às 14h03min (fins pedagógicos). A criança não constrói o seu conhecimento em um vazio, ela brinca e aprende por meio das possibilidades de opções que criamos e ofertamos. Devemos, portanto, ofertar os materiais adequados, criar espaços em que ela possa explorar e construir sentidos com autonomia. Importante Você sabe quais são os materiais que devemos privilegiar na Educação Infantil? Já falamos sobre isso em outras aulas, no entanto, nos parece importante frisarmos novamente. 48 Um estudo sobre a organização dos espaços internos, produzido pelo Ministério de Educação, por intermédio da consultoria da professora Maria da Graça Souza Horn, traz algumas alternativas para a organização da Instituição de Educação Infantil. A seguir, você vai ver uma relação de materiais sugeridas pela professora Maria da Graça Souza Horn. Materiais para o desenvolvimento dos sentidos: ➢ Bolas e caixas grandes de madeira; ➢ Sacos de pano pequeno com ervas aromáticas; ➢ Terra com ervas aromáticas em espaços onde as crianças brincam; ➢ Bolas de tecidos diversos. Materiais que produzem som: Criança brincando com som Fontes das imagens: Pixabay (2018). ➢ Latas ou caixas bem fechadas com objetos que produzam som; 49 ➢ Sinos; ➢ Diferentes tipos de papel para amassar; ➢ Instrumentos musicais. Materiais feitos de materiais naturais: ➢ Cestos; ➢ Rolhas; ➢ Materiais naturais da região; ➢ Conchas. Materiais para o jogo simbólico: ➢ Panelas; ➢ Pratos; ➢ Xícaras; ➢ Talheres; ➢ Copos; ➢ Bonecos; ➢ Roupas para vestir bonecos; ➢ Pedaços de tecido; 50 ➢ Objetos para brincar de limpar (panos, rodos, vassouras e baldes). Objetos para entrar: ➢ Caixas; ➢ Cabanas; ➢ Túneis. Materiais para empurrar: ➢ Carrinhos; ➢ Carrinho de mão; ➢ Bichos
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