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Laísa Dinelli Schiaveto Sífilis Gestacional DEFINIÇÃO A sífilis é uma infecção sistêmica crônica causada por uma bactéria do tipo espiroqueta, denominada Treponema pallidum. EPIDEMIOLOGIA • Na década de 1940, após a descoberta da penicilina, observou-se uma queda importante na incidência da doença. • Entretanto, entre 1980-1990, houve aumento significativo da incidência, a qual está relacionada à coinfecção pelo HIV. • Mais de 80% das mulheres com sífilis estão em idade reprodutiva e, assim, sob risco de transmissão vertical da doença. • Há uma tendência de crescimento de incidência de sífilis em gestantes em todo o Brasil, bem como das taxas de sífilis congênita e da mortalidade infantil por sífilis. • Sífilis Gestacional: 7,4/1.000 nascidos vivos. APRESENTAÇÃO CLÍNICA TRANSMISSÃO: contato sexual. RISCO DE CONTRAIR: varia de 40-60%. INOCULAÇÃO: pode ocorrer através de mucosa íntegra ou de pele com solução de continuidade. REPLICAÇÃO: os espiroquetas multiplicam-se localmente e invadem as circulações sanguínea e linfática. PERÍODO DE INCUBAÇÃO: varia de 10-90 dias, com média de 20 dias. MANIFESTAÇÕES: diferentes formas, de acordo com o estágio da doença. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À DURAÇÃO • SÍFILIS RECENTE: evolução com duração < 1 ano. • SÍFILIS TARDIA: evolução com duração > 1 ano. Reflete o fato de que a transmissão, tanto interpessoal como vertical da infecção, é maior no primeiro ano de evolução, período no qual a carga bacteriana na pessoa infectada é máxima. SÍFILIS PRIMÁRIA Caracteriza-se pelo desenvolvimento do cancro duro no local de inoculação, que, na mulher, pode surgir em qualquer região do trato genital inferior (vulva, vagina e colo uterino). CARACTERÍSTICAS DA LESÃO: úlcera, geralmente única, indolor, com bordas duras e fundo limpo, sendo altamente infectante. - Por ser indolor, a sífilis passa despercebida e desaparece espontaneamente em um período que varia de 2-6 semanas, independentemente do tratamento. SINAIS E SINTOMAS ASSOCIADOS: linfadenomegalia generalizada (50%). SÍFILIS SECUNDÁRIA/ ROSÉOLA SIFILÍTICA Compreende uma infecção sistêmica disseminada, que surge em um período que varia de 1-2 meses após o aparecimento do cancro duro. Laísa Dinelli Schiaveto CARACTERÍSTICAS DA LESÃO: exantema maculopapular róseo, de limites imprecisos, que acomete tronco e raízes de membros, estendendo-se por todo o tegumento, incluindo as regiões palmar e plantar; desaparece espontaneamente entre 2-6 semanas. OUTRAS LESÕES: condiloma plano (lesões hipertróficas em genitálias ou em regiões de dobra e atrito) e alopecia de couro cabeludo e sobrancelhas. SINAIS E SINTOMAS ASSOCIADOS: febre, cefaleia, fadiga, faringite, adenopatia, perda de peso e artralgia. SÍFILIS LATENTE Compreende o período entre o quadro de sífilis secundária e sífilis terciária, no qual não há manifestações clínicas. SÍFILIS LATENTE RECENTE: período dentro do primeiro ano de infecção após a cessação do secundarismo clínico. SÍFILIS LATENTE TARDIA: sífilis latente em indivíduo com mais de um ano de evolução da infecção e que perdura por muitos anos, encerrando-se quando do início da sífilis terciária. OBS.: Pacientes assintomáticas e que ignoram a duração da sua infecção, ou seja, que não se sabe o período de latência, são consideradas como tendo sífilis de duração intermediária, devendo ser conduzidas como sífilis latente tardia. SÍFILIS TERCIÁRIA Compreende uma ocorrência rara, que inclui o uso rotineiro de penicilinas, no qual afeta até 1/3 dos pacientes não tratados. CARACTERÍSTICAS DA LESÃO: nódulos cutâneos ou gomas sifilíticas, acometimento, cardiovascular, articular e neurológico. - Acometimento Cardiovascular: é principalmente aórtico (aortite sifilítica), que se manifesta por aneurisma da aorta, insuficiência aórtica e estenose do óstio coronariano. - Acometimento Esquelético: artrite, periostite e osteocondrite (artropatia de Charcot). - Acometimento Neurológico: quadro insidioso e grave, no qual há invasão do espiroqueta no LCR. - Sequelas: tabes dorsalis (dor intensa em um dermátomo e ataxia locomotora), pupilas de Argyll Robertson (abolição do reflexo pupilar à luz, sem prejuízo do reflexo de acomodação), paresias, convulsões e demência. Laísa Dinelli Schiaveto TRANSMISSÃO VERTICAL Em todas as fases clínicas de manifestação da sífilis, pode haver transmissão vertical da infecção por passagem transplacentária. Dos fetos de gestantes com sífilis não tratada, de 70-100% serão infectados, sendo que, os de gestantes tratadas, apenas 1-2% serão infectados. Dessa forma, a sífilis congênita está presente em 60% das gestantes não tratadas, de modo que 2/3 dos RN com sífilis congênita são assintomáticos. Além disso, a associação com o HIV parece contribuir para a transmissão vertical tanto da sífilis como do próprio HIV. REPERCUSSÕES FETAIS Em relação aos conceptos de gestantes não tratadas: 30% óbito fetal; 10% óbito neonatal; 40% retardo mental. As pacientes com sífilis primária, secundária ou latente recente apresentam em até 66% de fetos com algum acometimento. Dessa forma, os achados mais frequentes são: • Alteração da função hepática; • Hepatomegalia; • Trombocitopenia; • Anemia; • Ascite; • IgM antitreponema fetal presente; • Placenta aumentada e edematosa, com sinais evidentes de processo inflamatório. Já, o acometimento neonatal pode causar lesões em órgãos internos, como pulmão (pneumonia alba de Virchow), fígado (cirrose hipertrófica), baço, pâncreas e osteocondrite em ossos longos, como fêmur, tíbia e rádio. SÍFILIS CONGÊNITA RECENTE Quando o diagnóstico é feito até os 2 anos de idade, sendo que os casos costumam cursar de forma semelhante à sífilis secundária. • Exantema bolhoso; • Hepatoesplenomegalia; • Anemia hemolítica; • Icterícia; • Osteocondrite dolorosa (pseudoparalisia). SÍFILIS CONGÊNITA TARDIA Quando o diagnóstico é feito após os 2 anos de idade. • Surdez (lesão VIIIº par de nervos cranianos); • Ceratite intersticial; • Periostite dos ossos frontais do crânio; • Tíbia em sabre; • Dentes de Hutchinson. CURSO DA SÍFILIS NÃO TRATADA TRIAGEM NEONATAL QUANDO RASTREAR EM GESTANTES: • Na primeira consulta do pré-natal (idealmente no primeiro trimestre da gestação); • No início do terceiro trimestre (28ª semana); • No momento do parto, ou em caso de aborto/natimorto, independentemente de exames anteriores; • Em caso de aborto/natimorto, testar para sífilis, independentemente de exames anteriores. Laísa Dinelli Schiaveto DIAGNÓSTICO EXAMES DIRETOS 1) EXAME EM CAMPO ESCURO: MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: lesões primárias e secundárias. MATERIAL: exsudato seroso das lesões ativas para observação dos treponemas viáveis em amostras frescas. SENSIBILIDADE/ESPECIFICIDADE: alta. - Depende da experiência do técnico. - Teste eficiente e de baixo custo para diagnóstico direto de sífilis. TESTE POSITIVO: infecção ativa; considerar diagnóstico diferencial com treponemas não patogênicos e outros organismos espiralados. TESTE NEGATIVO: considerar que: (1) o número de T. pallidum na amostra não foi suficiente para sua detecção; (2) a lesão está próxima à cura natural; (3) a pessoa recebeu tratamento sistêmico ou tópico. 2) PESQUISA DIRETA COM MATERIAL CORADO: MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: lesões primárias e secundárias. MATERIAL: esfregaço em lâmina ou cortes histológicos com diferentes corantes. SENSIBILIDADE/ESPECIFICIDADE: todas as técnicas têm sensibilidade inferior à microscopia de campo escuro. TESTE POSITIVO: infecção ativa; considerar diagnóstico diferencial com treponemas não patogênicos e outros organismos espiralados. TESTE NEGATIVO: considerarque: (1) o número de T. pallidum na amostra não foi suficiente para sua detecção; (2) a lesão está próxima à cura natural; (3) a pessoa recebeu tratamento sistêmico ou tópico. OBS.: Positividade em pessoas com cancro primário pode ser anterior à soroconversão (positividade nos testes imunológicos). OBS.: Não é recomendado para lesões de cavidade oral. EXAMES SOROLÓGICOS 1) TESTES NÃO TREPONÊMICOS: • VDRL, RPR, TRUST e USR. • Quantificáveis (ex.: 1:2, 1:4, 1:8). • São importantes para o diagnóstico e monitoramento da resposta ao tratamento. 2) TESTES TREPONÊMICOS: • FTA-Abs, ELISA/EQL/CMIA, TPHA/TPPA/ MHA-TP e TR (teste rápido). • São os primeiros a se tornarem reagentes. • Na maioria das vezes, permanecem reagentes por toda a vida, mesmo após o tratamento. • São importantes para o diagnóstico, mas não estão indicados para monitoramento da resposta ao tratamento. OBS.: O diagnóstico de sífilis não estará confirmado quando houver presença de CICATRIZ SOROLÓGICA, ou seja, persistência de resultados reagentes nos testes treponêmicos e/ou não treponêmicos com baixa titulação após o tratamento adequado, afastada a possibilidade de reinfecção. POSSÍVEIS RESULTADOS TRATAMENTO O tratamento de escolha é a penicilina, sendo terapêutico tanto para a mãe como para o feto, uma vez que atravessa a placenta e previne a sífilis neonatal em 98% dos casos. Laísa Dinelli Schiaveto A penicilina é considerada a única droga comprovadamente capaz de tratar a mãe e o feto, portanto, preconiza-se que todas as gestantes sejam tratadas com penicilina, de forma que as pacientes alérgicas sejam dessensibilizadas. 1) SÍFILIS RECENTE: sífilis primária, secundária e latente recente (com até um ano de evolução): ESQUEMA: penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM, em dose única (1.200.000UI em cada glúteo). ALTERNATIVA (exceto para gestantes): doxiciclina 100mg, VO, 12/12h, por 15 dias. SEGUIMENTO: teste não treponêmico mensal (gestantes) e trimestral (não gestantes). 2) SÍFILIS TARDIA: sífilis latente tardia (com mais de um ano de evolução) ou latente com duração ignorada e sífilis terciária: ESQUEMA: penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM, uma vez por semana (1.200.000UI em cada glúteo) por 3 semanas. - Dose Total = 7.200.000UI. ALTERNATIVA (exceto para gestantes): doxiciclina 100mg, VO, 12/12h, por 30 dias. SEGUIMENTO: teste não treponêmico mensal (gestantes) e trimestral (não gestantes). 3) NEUROSSÍFILIS: ESQUEMA: penicilina G cristalina 18.000.000- 24.000.000UI, IV, uma vez por dia, administrada em doses de 3.000.000- 4.000.000UI, a cada 4 horas oi por infusão contínua, por 14 dias, seguindo de penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM, semanalmente, por 3 semanas. ALTERNATIVA (exceto para gestantes): ceftriaxona 2g, IV, uma vez por dia, por 10-14 dias. SEGUIMENTO: exame de LCR de 6/6 meses até normalização. OBS.: Nos casos de sífilis recente em gestantes, alguns especialistas recomendam uma dose adicional de 2.400.000UI de penicilina G benzatina, IM, uma semana após a primeira dose. OBS.: Em não gestantes, o intervalo entre as doses não deve ultrapassar 14 dias; caso isso ocorra, o esquema deve ser reiniciado. Já, em gestantes, o intervalo entre as doses não deve ultrapassar 7 dias; caso isso ocorra, o esquema deve ser reiniciado. OBS.: Todos os contatos sexuais atuais da paciente devem ser tratados, pois, caso contrário, considera-se alta a chance de a gestante se reinfectar após o tratamento, tornando-o inefetiva em termos de proteção para transmissão vertical. Dessa forma, os parceiros deverão receber, mesmo com sorologia negativa para sífilis: penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM, em dose única. TRATAMENTO ADEQUADO O tratamento materno e fetal é considerado adequado apenas nos casos em que: - Gestante foi tratada com penicilina; - Parto ocorrer, pelo menos, 30 dias após o término do tratamento; - Todas as doses de penicilina tenham sido administradas com intervalo adequado; caso a gestante deixe de tomar uma das doses, todo o esquema deve recomeçar; - Parceiros sexuais forem tratados. REAÇÃO À PENICILINA (REAÇÃO DE JARISCH-HERXHEIMER) Essa reação se manifesta após o tratamento, geralmente, durante um período que varia de 1- 2 horas após a aplicação de penicilina, com resolução espontânea em 24 horas. Essa reação denota a liberação maciça de lipopolissacarídeos dos espiroquetas, podendo cursar com contrações uterinas, diminuição da movimentação fetal, desacelerações da frequência cardíaca fetal e óbito fetal. Por ser uma reação de origem imunológica em resposta à destruição maciça dos treponemas induzida pela penicilina e à consequente liberação concentrada de antígenos bacterianas, não pode ser considerada uma reação à penicilina propriamente dita. Laísa Dinelli Schiaveto MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: tremores, taquicardia, hipotensão, mialgia e febre. ALERGIA À PENICILIA A prevalência de alergia à penicilina é estimada em 5-10% dos pacientes, sendo o principal mecanismos a reação de hipersensibilidade mediada por IgE. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: urticária, angioedema, broncoespasmo e anafilaxia. Pacientes com antecedentes de reação mediada por IgE à penicilina e teste cutâneo positivo devem ser submetidas à dessensibilização, que compreendo um procedimento simples, rápido e seguro, que pode ser realizado por via oral ou intravenosa. - A dessensibilização de gestantes deve ocorrer em ambiente hospitalar e ser executada por profissionais capacitados, seguindo protocolos preestabelecidos. - Logo após a dessensibilização, deve ser iniciada a terapêutica com penicilina. - Caso a paciente necessite de novos ciclos de penicilina futuramente, ela deverá ser novamente dessensibilizada. PACIENTE HIV-POSITIVO A paciente portadora do HIV pode apresentar testes sorológicos para sífilis negativos (falso- negativo). Assim, quando há sinais clínicos da doença, recomenda-se a realização de outros testes diagnósticos, como a biópsia da lesão. Além disso, na presença de sinais e/ou sintomas neurológicos, é obrigatória a investigação diagnóstica para neurossífilis. ESQUEMA (ausência de neurossífilis): penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM, semanalmente, por 3 semanas. TRATAMENTO INADEQUADO O tratamento inadequado associa-se a risco de transmissão vertical do Treponema e ao desenvolvimento de sífilis congênita. Assim, considera-se tratamento inadequado na gestação nos casos em que: - Tratamento realizado com qualquer medicamento que não seja penicilina; - Tratamento inadequado para a fase clínica da doença; - Tratamento incompleto (se a paciente atrasar ou perder uma dose, é necessário recomeçar todo o tratamento); - Parto antes de 30 dias do término do tratamento; - Parceiros sexuais não tratados. CONTROLE PÓS-TRATAMENTO Para o seguimento do paciente, os testes não treponêmicos (VDRL) devem ser realizados mensalmente nas gestantes e, no restante da população, incluindo HIV, a cada três meses até o 12º mês de acompanhamento do paciente (3, 6, 9 e 12 meses). CRITÉRIOS DE RETRATAMENTO São critérios de retratamento e necessitam de conduta ativa do profissional de saúde: - Ausência de redução da titulação VDRL em duas diluições no intervalo de 6 meses (sífilis recente, primária e secundária) ou 12 meses (sífilis tardia) após o tratamento adequado (ex.: de 1:32 para > 1:8 ou de 1:128 para > 1:32). - Aumento da titulação VDRL em duas diluições ou mais (ex.: de 1:16 para 1:64 ou de 1:4 para 1:16). - Persistência ou recorrência de sinais e sintomas clínicos.
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