Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Autores: Profa. Tatyane Perna Dias Prof. Mário André Sigoli Colaboradoras: Profa. Vanessa Santhiago Profa. Christiane Mazur Doi Ética e Intervenção Profissional em Educação Física Professores conteudistas: Tatyane Perna Dias / Mário André Sigoli © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D541e Dias, Tatyane Perna. Ética e Intervenção Profissional em Educação Física / Tatyane Perna Dias, Mário André Sigoli. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 92 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Ética. 2. Resolução. 3. Profissional. I. Título. CDU 372.879.6 U515.02 – 22 Tatyane Perna Dias Graduada no curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) em 2010. Mestre em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Entre 2011 e 2015, atuou na educação básica estadual e nos cursos superiores de Educação Física, Ciências Biológicas e Pedagogia. Atualmente, é docente do ensino superior, desde agosto de 2017, e coordenadora do curso de Educação Física, campus Alphaville, na Universidade Paulista (UNIP). Mário André Sigoli Graduado no curso de Bacharelado em Esporte da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP) em 2000. Mestre em Pedagogia do Movimento Humano pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP). Atuou profissionalmente na área esportiva da natação, sendo técnico de atletas federados no São Paulo Futebol Clube (1999 a 2002) e depois como técnico das categorias de base da natação da Fundesport Araraquara, entre 2013 e 2015. Atualmente, é docente do ensino superior, desde fevereiro de 2004, e coordenador do Curso de Educação Física, do campus Araraquara, na Universidade Paulista (UNIP). Desenvolve trabalho e pesquisa com a população idosa e com necessidades especiais, com ênfase em emagrecimento e doenças hipocinéticas, por meio da metodologia do treinamento cruzado (cross training). Também atua como consultor da Comissão de Qualificação e Avaliação (CQA) da UNIP, sendo colaborador na publicação de tomos de apoio ao estudo preparatório para o Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade) e publicações para os cursos de Ensino a Distância (EaD). Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vitor Andrade Jaci Albuquerque Bruna Baldez Sumário Ética e Intervenção Profissional em Educação Física APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 FUNDAMENTOS DA ÉTICA ...............................................................................................................................9 1.1 Aspectos históricos e filosóficos relacionados à ética .......................................................... 10 1.2 Conceitos contemporâneos de ética e moral ........................................................................... 22 1.3 Ética e liberdade .................................................................................................................................... 24 2 FUNDAMENTOS DA BIOÉTICA..................................................................................................................... 26 2.1 Os princípios da bioética ................................................................................................................... 29 2.1.1 Princípio do consentimento ou autonomia ................................................................................. 29 2.1.2 Princípio da beneficência .................................................................................................................... 29 2.1.3 Princípio da não maleficência ........................................................................................................... 30 2.1.4 Princípio da justiça ................................................................................................................................. 30 2.2 Bioética aplicada ao exercício profissional da educação física ......................................... 31 2.3 A ética da pesquisa na história ....................................................................................................... 32 2.4 Ética na pesquisa em educação física .......................................................................................... 35 2.5 Os comitês de ética.............................................................................................................................. 36 3 DEONTOLOGIA E CÓDIGO DE ÉTICA ......................................................................................................... 37 4 RESOLUÇÕES E DIRETRIZES DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA ........................ 39 4.1 Regulamentação da profissão e criação dos conselhos de educação física (Confef/Cref) .................................................................................................................................................. 39 4.2 Conselhos Federal e Regionais e suas atribuições .................................................................. 43 4.3 Regimento Interno Confef ............................................................................................................... 47 Unidade II 5 CÓDIGO DE ÉTICA DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ................................................... 55 6 ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA EM EQUIPES MULTIDISCIPLINARES – LIMITES ÉTICOS DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO ..................................... 60 6.1 Casos de atuação multidisciplinar relacionados ao profissional de educação física ....................................................................................................................................... 62 6.1.1 O profissional de educação física nas equipes do Nasf .......................................................... 62 6.1.2 A atuação do profissional de educação física na área de ginástica laboral e os possíveis conflitos com os profissionais de fisioterapia ............................................................... 63 6.1.3 A prescrição de suplementos alimentares por profissionais de educação física .......... 63 7 CASOS ESPECÍFICOS EM ÉTICA PROFISSIONAL ................................................................................... 64 7.1 Relações de trabalho: concorrência e divulgação .................................................................. 65 7.2 Academias de musculação: corpo, estética e desempenho ................................................ 69 7.2.1 A conduta profissional e os relacionamentossocioafetivos nas academias de musculação ............................................................................................................................. 73 7.3 Escolas: compromisso profissional e banalização das aulas ............................................... 74 8 EQUIPES ESPORTIVAS: REGRAS, RESPEITO E VIOLÊNCIA ................................................................ 76 8.1 A regulamentação do esporte, o fair play e a ética do gentleman ................................. 76 8.2 O movimento mundial do fair play no esporte ....................................................................... 77 8.3 A intervenção do profissional de educação física e os valores do fair play ................. 79 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem a finalidade de apresentar discussões de temas atuais da profissão, abrangendo os valores éticos e morais que permeiam o exercício do profissional em educação física. Os objetivos desta disciplina são: • desenvolver sólida reflexão acerca da atuação profissional; • discutir os comportamentos esperados no exercício da profissão; • compreender a importância das questões éticas na sociedade contemporânea; • analisar, sob o ponto de vista ético, temas ligados direta ou indiretamente à escolha profissional; • conhecer e discutir o código de ética dos profissionais de educação física; • debater a ética profissional do professor de educação física a partir da análise de alguns casos representativos. Inicialmente, serão abordados temas introdutórios e conceituais sobre as bases filosóficas e históricas relacionadas à construção do conceito de ética atual, além de princípios que envolvem a bioética. Os princípios de deontologia serão estudados, sendo requisito para o entendimento da construção dos códigos de ética e, mais especificamente, dos profissionais de educação física. Assim, ao final desta disciplina, você será capaz de pautar sua própria atuação profissional nos direitos e deveres da categoria; comprometer-se com o exercício ético da profissão nas mais diversas áreas que a compõe; basear-se no código de ética para uma atuação comprometida com o benefício da sociedade e identificar conflitos de interesses presentes na prática profissional. 8 INTRODUÇÃO Caro aluno, Atualmente, o mercado de trabalho exige profissionais com ótima formação técnica, ou seja, com conhecimentos sólidos sobre sua área de atuação e também com uma boa formação moral e ética. Os conhecimentos técnicos são facilmente observados a cada disciplina cursada; ensinam-se e aprendem-se o futebol, o basquete, as ginásticas e muitas outras áreas pertinentes à educação física. Mas onde está, então, essa formação moral e ética? Este livro-texto apresentará desde conceitos e bases históricas e filosóficas até situações específicas da atuação profissional que exigem um olhar ético. Você poderá perceber como as normas morais e os conceitos éticos modificam-se a partir do contexto histórico, político, social e cultural. Nesta disciplina, serão acentuados os conceitos relacionados à formação ética e moral do profissional de educação física, proporcionando momentos de reflexão sobre a atuação profissional e temas atuais relacionados a ela. 9 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Unidade I 1 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Os estudos sobre ética são resultantes da filosofia. As discussões e definições sobre o tema remontam à Antiguidade, especificamente a Grécia, sendo os filósofos gregos os primeiros a pensar o conceito de ética e sua aplicação na sociedade. Podemos dizer que o estudo da ética é aliado ao estudo da vida em sociedade, existem normas e regras para o bom convívio entre todos. Aprendemos desde pequenos que devemos respeitar os mais velhos, ser trabalhador, não roubar, ser honesto, entre outros atributos. Valls (2013) aponta que a ética é normalmente entendida como uma reflexão filosófica sobre as ações humanas, podendo ser o estudo das ações ou dos costumes, ou ainda a própria realização de um tipo de comportamento. Assim, nossos comportamentos são julgados de acordo com o que é socialmente aceito em diversos aspectos, com o que é chamado de ético e não ético, ou ainda moral ou imoral. Para Marcondes (2007, p. 9) a ética é tida como um dos temas mais importantes dentro da filosofia, abordando, em seu sentido amplo, a “[...] determinação do que é certo ou errado, bom ou mau, permitido ou proibido, de acordo com um conjunto de normas ou valores adotados historicamente por uma sociedade”. Observação “Os valores éticos de uma comunidade variam de acordo com o ponto de vista histórico e dependem de circunstâncias determinadas. O que é considerado ético em um contexto pode não ser considerado da mesma forma em outro” (MARCONDES, 2007, p. 10). Antunes (2013) propõe uma reflexão sobre o conceito de viver em uma sociedade; imagine que você é transportado sozinho para outro planeta, onde não há vida humana, para realizar um trabalho de coleta de informações. Após um período você é informado de que não poderá mais retornar à Terra e passará o restante da sua vida isolado, sem nenhum contato com outros seres humanos, e que o alimento disponível é suficiente para que você viva por mais algumas décadas. Apesar de ser um exemplo bastante extremo, Antunes (2013, p. 3) indaga, “como seria viver sem o contato com outras pessoas? O que mudaria na sua forma de pensar e viver?”. Essas perguntas nos levam a outras reflexões: “como a vida em conjunto com outras pessoas influencia a nossa forma de ver o mundo e os dilemas que enfrentamos no dia a dia?”. 10 Unidade I Os valores éticos e morais são aprendidos a partir do convívio em sociedade, assim como o ser humano não nasce humano, mas aprende a ser a partir das relações com as outras pessoas e com o mundo (SAVIANI, 2003). Podemos refletir sobre a questão ética de se viver em sociedade, por exemplo: como é designado o que é ou não correto? Por quem são ditadas as regras e normas sociais? Viver seguindo normas nos tira a liberdade? Claro que esses questionamentos e conclusões são bastante simplistas e de senso comum, porém mostram-se como um elemento norteador do que será estudado neste tópico. Saiba mais O filme A caixa narra a história de um casal que enfrenta um dilema moral quando recebe uma caixa com um botão e a instrução: ao apertar o botão, o casal receberá 1 milhão de dólares, entretanto, um desconhecido morrerá em algum lugar. A CAIXA. Direção: Richard Kelly. EUA: Warner Bros., 2009. 115 min. 1.1 Aspectos históricos e filosóficos relacionados à ética A ética está pautada nos conhecimentos filosóficos, buscando fundamentar as normas de conduta da sociedade, comumente designada como código de ética ou moral. Dessa forma, é possível afirmar que a ética auxilia na definição dos valores e costumes relacionados ao convívio humano, bem como em sua aceitação pela sociedade, ou seja, estamos falando dos julgamentos morais. De acordo com Figueiredo (2008), foi entre 500 a 300 a.C. que surgiram ideias e definições sobre o que seria ética, que fundamentam até hoje os conceitos nesse campo de estudo. A reflexão sobre o tema iniciou-se com Sócrates, filósofo ateniense do período clássico que viveu entre 470 e 399 a.C., porém só foi sistematizada anos depois em obras de Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.). 11 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Figura 1 – Sócrates Disponível em: https://bit.ly/3KeJVRf. Acesso em: 25 abr. 2022. Figura 2 – Platão Disponível em: https://bit.ly/3vnyCCd. Acesso em: 25 abr. 2022. 12 Unidade I Figura 3 – Aristóteles Disponível em: https://bit.ly/3KaOGuZ. Acesso em: 25 abr. 2022. É importante registrar que as práticas e costumes do mundo antigo são, em diversos elementos, muito diferentes daquilo que se encontra atualmente. Assim, evidencia-se que a religião (politeísta para os gregos) era fundamental, havia um predomínio da tradição e o desprezo pelos ofícios técnicos e profissõesmercantis (COMPARATO, 2006). Platão deixa registrado em seus diálogos discussões à volta de conceitos éticos, sendo possível observar em seus primeiros registros uma forte influência de Sócrates, seu mentor. Platão parte do princípio de que todos os homens buscavam a felicidade, sendo que ético é aquele que tem capacidade de autocontrole, “governar a si mesmo”; aponta também que a possibilidade de agir eticamente depende do conhecimento do Bem (MARCONDES, 2007; VALLS, 2013). No diálogo “Górgias”, Platão indica que Sócrates mostra que “[...] o indivíduo que comete injustiças e causa danos a outro será visto como injusto e perverso [...] não se pode ser feliz fazendo o Mal, por isso é preferível sofrer uma injustiça a praticá-la” (MARCONDES, 2007, p. 21). Observação Diálogos é o nome da obra escrita por Platão, em que cada diálogo possui o nome de seu interlocutor. Na maioria de seus textos, Sócrates é o personagem principal. A obra platônica é dividida em períodos: no intermediário, Platão desenvolve a teoria das ideias ou das formas, momento em que é escrito um dos diálogos mais conhecidos e mais extensos do filósofo, A República, que se tornou um livro. Marcondes (2007, p. 29) afirma que esse diálogo inclui praticamente 13 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA todos os temas da filosofia de Platão, “[...] a natureza da realidade, as formas como verdadeira realidade, o problema do conhecimento e o Bem [...] como fonte suprema e fundamento da ética e da justiça [...]”. Um dos textos do diálogo mencionado anteriormente, “O Anel de Giges”, expõe a tese de que os homens somente agem com justiça por temerem o castigo caso ajam de forma contrária. “Deem a um indivíduo o poder de fazer o que quiser e ele não hesitará em agir de forma injusta e de acordo com seu interesse particular” (MARCONDES, 2007, p. 29). Exemplo de aplicação Leia o texto a seguir e reflita: se não houvesse nenhum tipo de punição, você faria tudo que tem vontade? O Anel de Giges Giges era um pastor a serviço do rei de Lídia. Houve uma grande tempestade e um terremoto fez uma abertura na terra no lugar onde ele estava alimentando seu rebanho. Espantado com a visão, desceu até a abertura, onde, entre outras maravilhas, viu um cavalo oco de bronze, com portas. Giges então se agachou e viu o corpo de um homem com apenas um anel de ouro no dedo. Ele pegou o anel e voltou para a superfície. Com esse anel no dedo, foi assistir à assembleia habitual dos pastores, que se realizava todos os meses, para informar ao rei o estado dos seus rebanhos. Tendo ocupado o seu lugar no meio dos outros, virou sem querer o engaste do anel para o interior da mão; imediatamente se tornou invisível aos seus vizinhos, que falaram dele como se não se encontrasse ali. Assustado, apalpou novamente o anel, virou o engaste para fora e tornou-se visível. Logo em seguida repetiu a experiência, para ver se o anel tinha realmente esse poder; reproduziu-se o mesmo prodígio: virando o engaste para dentro, tornava-se invisível; para fora, visível. Assim que teve certeza, conseguiu juntar-se aos mensageiros que iriam conversar com o rei. Chegando ao palácio, seduziu a rainha, conspirou com ela a morte do rei, matou-o e obteve assim o poder. Agora suponha que existem dois anéis desta natureza e o justo recebesse um e o injusto outro. É provável que nenhum fosse de caráter tão firme para perseverar na justiça e para ter a coragem de não se apoderar dos bens de outra pessoa. Afinal, ele poderia tirar sem receio o que quisesse dos mercados e lojas, introduzir-se nas casas para se unir a quem lhe agradasse, matar uns, libertar outros da prisão e fazer o que quisesse, tornando-se igual a um deus entre os homens. Agindo assim, nada o diferenciaria do mau: ambos tenderiam para o mesmo fim. Isso é uma grande prova de que ninguém é justo por vontade própria, mas por obrigação, não sendo a justiça um bem individual, visto que aquele que se julga capaz de cometer a injustiça comete-a. De fato, todo homem pensa que a injustiça é individualmente mais proveitosa que a justiça, e pensa isto com razão, segundo os partidários desta doutrina. Pois, se alguém recebesse a permissão de que falei e jamais quisesse cometer a injustiça nem tocar nos bens de outra pessoa, pareceria o mais infeliz dos homens e o mais idiota àqueles que soubessem da sua conduta; em presença uns dos outros, iriam elogiá-lo, mas para se enganarem mutuamente e por causa do medo de se tomarem vítimas da injustiça. Eis o que eu tinha a dizer sobre este assunto (PLATÃO apud GONÇALVES, 2021, p. 13-14). 14 Unidade I Outro texto muito conhecido do livro (diálogo) A República intitula-se “A Alegoria da Caverna”. Nele Platão convida o leitor a imaginar uma caverna onde os homens vivem como prisioneiros desde seu nascimento, ou seja, nunca viram nenhum outro lugar ou coisa. Nessa caverna existe uma fogueira na entrada que permite que as sombras de tudo que está do lado de fora sejam reproduzidas na parede da caverna, sendo a única realidade que os homens que lá estão conhecem. Um dos prisioneiros consegue escapar e, após acostumar-se com a claridade do sol, consegue observar tudo que há fora da caverna. O filósofo propõe que pensemos o que poderia acontecer caso esse prisioneiro que escapou voltasse à caverna para contar aos demais o que havia visto, concluindo que seria mais provável que seus companheiros o julgassem louco e o matassem do que abandonassem a única realidade que conheciam. Figura 4 – Imagem representando “A Alegoria da Caverna” Disponível em: https://bit.ly/3EJzbJx. Acesso em: 25 abr. 2022. Ao analisar esse diálogo, é possível notar que uma pessoa só poderá tornar-se justa e com virtudes a partir de um processo de transformação pelo qual deve passar, afastando-se das aparências e do preconceito para adquirir conhecimento, sendo considerado sábio aquele que consegue atingir essa percepção. Platão acreditava que “[...] conhecer o Bem significa tornar-se virtuoso. Aquele que conhece a justiça não pode deixar de agir de modo justo” (MARCONDES, 2007, p. 31). Aranha e Martins (2003) complementam a discussão sobre “A Alegoria da Caverna” considerando, a partir dos diálogos de Platão, que a virtude pode ser aprendida, já que esta se relaciona com a sabedoria, e o vício com a ignorância; e complementam: “o sábio é o único capaz de se soltar das amarras que o obrigam a ver apenas sombras e, dirigindo-se para fora, contempla o sol, que representa a ideia do Bem” (p. 353, grifo do autor). As discussões de Aristóteles sobre ética rumam para uma pesquisa sobre os bens concretos para o homem, em contraponto ao Sumo Bem proposto por Platão, assim, considera-se que a ética aristotélica é marcada pelo que deve ser alcançado com o objetivo de atingir a felicidade (VALLS, 2013). 15 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Mas em que consiste o bem ou a felicidade para o homem? Qual o maior dos bens? Ora, Aristóteles não isola muito um bem supremo, pois ele sabe que o homem, como um ser complexo, não precisa apenas do melhor dos bens, mas sim de vários bens, de tipos diferentes, tais como amizade, saúde e até alguma riqueza. Sem um certo conjunto de tais bens, não há felicidade humana. Mas claro que há uma certa escala de bens, pois os bens são de várias classes, e uns melhores do que outros. Quais os melhores bens? As virtudes, a força, o poder, a riqueza, a beleza, a saúde ou os prazeres sensíveis? A resposta de Aristóteles parte do fato de que o homem tem o seu no viver, no sentir e na razão (VALLS, 2013, p. 29-30, grifo do autor). Para Aristóteles, a ética é um saber prático, cuja intenção é estabelecer as condições necessárias para que seja possível agir da melhor forma possível, visando à felicidade ou à realização pessoal (MARCONDES, 2007). Em seu tratado Ética a Nicômaco, Aristóteles apresenta discussões sobre a investigação ética, sendo a publicação reconhecida como uma obra-prima da filosofiamoral. É atribuído a Aristóteles o pioneirismo na formulação de princípios da ação humana sobre a diferença entre conhecimentos práticos e teóricos; sobre as relações entre a ética individual e a social. O filósofo define ética como a ciência dos costumes (FIGUEIREDO, 2008). Observação O termo “felicidade” nas discussões de Aristóteles também pode ser encontrado como “eudaimonia”, que pode ser entendido como bem-estar ou felicidade. Na concepção do filósofo, a felicidade é relativa à realização humana e ao sucesso, que só existirá caso aquilo que se pretende fazer seja bem-feito, assim, pode-se afirmar que a felicidade relaciona-se com a excelência humana, e é dependente de uma virtude, qualidade de caráter ou areté (MARCONDES, 2007). Pode-se dizer que, na visão de Aristóteles, “[...] a ética serve para conduzir as ações humanas a respeito das boas ações (virtudes) ou das não éticas, às más (vícios)” (FIGUEIREDO, 2008, p. 2). Para Aranha e Martins (2003), a concepção de que a virtude é resultante da reflexão, da sabedoria e do controle racional dos desejos e paixões, é uma constante no pensamento dos filósofos gregos. A Idade Média (século V ao século XV) foi marcada por uma visão teocêntrica, o que fez com que os valores religiosos infiltrassem as discussões sobre ética, vinculando os critérios da moral à fé (ARANHA; MARTINS, 2003). 16 Unidade I O monoteísmo delineou o sistema de valores dos povos que acataram a religião mais difundida na Idade Média, assim foi substituída a “[...] imanência mundana, própria dos deuses mitológicos, pela transcendência absoluta da divindade” (COMPARATO, 2006, p. 67). Observação O monoteísmo defende a ideia de uma divindade criadora de todo o universo. Já o politeísmo é a crença em mais de uma divindade. Valls (2013) acredita que a religião foi responsável por grande parte do progresso moral da humanidade, porém ressalta que o fanatismo religioso, por diversas vezes, contribuiu para obscurecer “[...] a mensagem ética profunda da liberdade, do amor, da fraternidade universal” (p. 37). Santo Agostinho, nascido em Tagasta em 345, foi um dos grandes nomes da época, sendo considerado uma autoridade na teologia do cristianismo, além de o maior filósofo depois de Aristóteles. Abordou questões éticas em seus diálogos, apoiando-se na filosofia grega, especialmente em Platão, tratando-as com base nos conhecimentos do cristianismo (MARCONDES, 2007). Figura 5 – Santo Agostinho Disponível em: https://bit.ly/3rRo77J. Acesso em: 25 abr. 2022. 17 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Fica claro que no cristianismo os valores éticos e morais identificam-se com os valores religiosos; o homem deve viver para amar e servir a Deus, o ideal de vida é uma vida de acordo com as doutrinas e dogmas religiosos (VALLS, 2013). Agostinho debate várias questões éticas em seus diálogos, como “o problema da natureza humana e do caráter inato da virtude, a origem do Mal, o conceito de felicidade, a liberdade e a possibilidade de agir de forma ética” (MARCONDES, 2007, p. 50). O livre-arbítrio é tema central nas argumentações de Santo Agostinho. De acordo com o teólogo, é a característica humana responsável pelas escolhas e ações, permitindo que se haja de forma ética ou não. Entendia-se que o livre-arbítrio fora dado por Deus, não sendo possível questionar esse fato (DUSILEK, 2013; MARCONDES, 2007). Para Agostinho, sem livre-arbítrio não há amor. Isso porque o amor precisa ser precedido por uma vontade livre [...] o teólogo afirma que uma vez o livre-arbítrio seja direcionado ao amor, o homem experimentará conexão, presença. Para que haja uma ética do amor, há necessidade de uma livre vontade capaz de fazer opções e inclinar-se para a direção correta, para o perfeito amor, para Deus. Esse ato responsivo do homem a Deus é o esteio para a ética do amor. Deus deu ao homem o livre-arbítrio para que ele pudesse, por amor e em amor, corresponder com o seu Criador (DUSILEK, 2013, p. 87). Saiba mais Para ampliar seus conhecimentos, leia: DUSILEK, S. R. G. A ética do amor em Santo Agostinho: uma apreciação. Revista Filosófica São Boaventura, Curitiba, v. 6, n. 1, p. 85-100, jan./jun. 2013. Ainda na Idade Média, outro filósofo se destacou por suas contribuições com os debates éticos, São Tomás de Aquino (1224-1274). Assim como Santo Agostinho, suas concepções éticas foram baseadas na filosofia grega, mais especificamente nas contribuições de Aristóteles, procurando mostrar que as ideias do filósofo grego eram compatíveis com o cristianismo (MARCONDES, 2007). 18 Unidade I Figura 6 – São Tomás de Aquino Disponível em: https://bit.ly/3Kk5m37. Acesso em: 25 abr. 2022. Destaca-se que na Idade Média a moral e a ética eram transmitidas por meio de uma experiência religiosa, ou seja, seguir as doutrinas e os mandamentos era obedecer a Deus, e os preceitos éticos eram apresentados como leis divinas (ZAJDSZNAJDER, 1999). Comparato (2006) reitera essa ideia afirmando que não havia uma diversidade de códigos morais conforme a diversidade de povos, mas sim um código ético universal. O Renascimento, momento de transição da Idade Média para a Idade Moderna, ficou marcado por grandes transformações no pensamento científico e filosófico. O filósofo Immanuel Kant (1724-1804) é considerado o grande pensador do iluminismo e dos ideais da burguesia da época. Kant idealiza a ética com o ideal da autonomia individual, “o homem racional, autônomo, autodeterminado, aquele que age segundo a razão e a liberdade, eis o critério da moralidade” (VALLS, 2013, p. 45). 19 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Figura 7 – Immanuel Kant Disponível em: https://bit.ly/3KcUbt1. Acesso em: 25 abr. 2022. As obras de Kant procuraram formular conceitos sobre uma filosofia moral pura e com questões morais concretas e aplicação prática dos princípios éticos, sendo três obras principais: Fundamentação da metafísica dos costumes, de 1785; Crítica da razão prática e Metafísica dos costumes (1797-8) (MARCONDES, 2007). Observação Renascimento e iluminismo ocorreram em dois momentos diferentes na história, ambos começando na Europa. O Renascimento está relacionado com um avanço da literatura, arquitetura e do humanismo; já o iluminismo associa-se ao método científico e à racionalidade. Kant parte do princípio de que ação moral é somente aquela que pode ser universalizada; esse princípio foi chamado de “imperativo categórico”, sendo considerado um dos fundamentos do racionalismo ético kantiano. Para ele, o agir de maneira moral e ética fundamenta-se apenas na razão, ou seja, rejeita as concepções que até então eram predominantes, da filosofia grega e da cristã, não aceitando que a ação moral deve se orientar a partir da felicidade, por exemplo (ARANHA; MARTINS, 2003; MARCONDES, 2007). 20 Unidade I Exemplificando, suponhamos a norma moral “não roubar”: - para a concepção cristã, o fundamento da norma se encontra no sétimo mandamento de Deus; - para os teóricos jusnaturalistas (como Rousseau), ela se funda no direito natural, comum a todos os seres humanos; - para os empiristas (como Locke, Condillac), a norma deriva do interesse próprio, pois o sujeito que a desobedece será submetido ao desprazer, à censura pública ou à prisão; - para Kant, a norma se enraíza na própria natureza da razão; ao aceitar o roubo e consequentemente o enriquecimento ilícito, elevando a máxima (pessoal) ao nível universal, haverá uma contradição: se todos podem roubar, não há como manter posse do que foi furtado (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 354). Já no século XIX, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) propõe um rompimento com a moral cristã e com a tradição grega, até então prevalecentes no campo da ética. O pensador defendia que a ética não se fundamenta na razão e que a moral cristã se caracteriza por uma moral de rebanho, em que as pessoas se deixam levar pela maioria e submissos à religião (MARCONDES, 2007).Nietzsche orienta seu pensamento na direção de recuperar questões relacionadas ao inconsciente e a questões instintivas, que foram subjugadas pela razão por tanto tempo. Assim, realizando uma análise história de moral e ética, denuncia uma incompatibilidade entre elas e a vida, pois, “[...] sob o domínio da moral, o ser humano se enfraquece, tornando-se doentio e culpado” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 355). Em sua obra Além do bem e do mal, de 1886, Nietzsche indaga a dicotomia bem/mal e verdadeiro/falso, e nessa dicotomia baseava-se a tradição do conhecimento. Para ele, esses conceitos até então tratados como objetivos e oriundos da razão universal são, na verdade, fruto dos sentimentos humanos, resultantes da cultura, da história e da educação (MARCONDES, 2007). Um ano depois, publicou sua obra Genealogia da moral, continuando sua crítica à ideia de que os valores morais são universais e objetivos, defendendo que esses valores possuem origem em uma cultura e um momento histórico específicos (MARCONDES, 2007). 21 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Figura 8 – Friedrich Nietzsche Disponível em: https://bit.ly/3vbglrx. Acesso em: 25 abr. 2022. Ainda no mesmo século, Sigmund Freud (1856-1939), pensador e criador da psicanálise, influenciou campos da ciência, filosofia, artes e religião. Com a formulação do conceito de inconsciente, críticas foram realizadas aos pressupostos filosóficos do racionalismo da época (MARCONDES, 2007). Quando a hipótese do inconsciente é levantada, “[...] Freud descobre o mundo oculto da vida das pulsões, dos desejos, da energia primária da sexualidade e agressividade, que se encontram na raiz de todos os comportamentos humanos [...]” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 356). Freud passa a questionar a fundamentação dos valores morais e éticos na razão, mostrando que as ações humanas não necessariamente são baseadas totalmente no controle racional; pelo contrário, de acordo com o pensador, a ação humana é determinada em grande parte pelos elementos inconscientes, como os instintos, desejos e traumas, dos quais não se tem consciência plena (MARCONDES, 2007). Junqueira e Coelho Junior (2005, p. 107) ressaltam que Freud não se propôs a pensar novos conceitos para ética e moral, e sim “[...] desvendar a gênese da consciência moral e dos sentimentos éticos nos indivíduos e na sociedade”. Michel Foucault (1926-1984), pensador francês do século XX, abordou a moral em sua obra póstuma O uso dos prazeres, segundo volume da coleção História da Sexualidade. O autor entende por moral o conjunto de regras ou valores que são propostos às pessoas e grupos através de instituições educativas (MARCONDES, 2007). 22 Unidade I [...] por “moral” entende-se igualmente o comportamento real dos indivíduos em relação às regras e aos valores que lhes são propostos: designa-se, assim, a maneira pela qual eles se submetem mais ou menos completamente a um princípio de conduta; pela qual eles obedecem ou resistem a uma interdição ou a uma prescrição; pela qual eles respeitam ou negligenciam um conjunto de valores (FOUCAULT, 1998, p. 26). 1.2 Conceitos contemporâneos de ética e moral Ética e moral são dois termos que ganharam espaços de conhecimento de senso comum e são utilizados em diversos sentidos nas mais variadas situações cotidianas. Dessa forma, serão apresentados alguns conceitos de ética e moral contemporâneos. Aranha e Martins (2003, p. 301) definem ética, também chamada de filosofia moral, como “a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral”. Valls (2013) acredita que hoje os problemas éticos estejam relacionados a três situações: à família, abordando questões da exigência ética do amor, dos compromissos, dos relacionamentos; à sociedade civil, englobando problemas referentes ao trabalho e à propriedade; e ao Estado, relacionado a uma ética política. Para Marcondes (2007), a ética está relacionada com os valores que adotamos, os atos que praticamos e como tomamos nossas decisões. O autor salienta que estamos passando por uma crise ética, “[...] que vai desde a situação política do país, passando por questões de corrupção na sociedade e no governo, até problemas de relacionamento familiar” (MARCONDES, 2007, p. 9). Corroborando com as definições apresentadas, Luiz (2018) acredita que a ética constitui-se como uma análise reflexiva da moral, analisando seus fundamentos, implicações e consequências nos elementos ambientais e socioculturais. Afirma ainda que justiça, tolerância, solidariedade, responsabilidade, democracia, liberdade e igualdade são alguns dos princípios éticos fundamentais para se viver em sociedade. O autor completa: “estes princípios devem existir tanto num plano individual quanto coletivo” (LUIZ, 2018, p. 244). Cotrim (1998) define ética como sendo a parte da filosofia dedicada à reflexão sobre os fundamentos da vida moral. É possível notar que os conceitos de ética apresentados se apoiam em um denominador comum, a moral. Nesse instante, é preciso elucidar as aproximações e distanciamentos dos termos “ética” e “moral”. Revisando a origem etimológica da palavra ética, nos deparamos com ethos, palavra grega que possui mesmo significado de “costume” (ARANHA, MARTINS, 2003). Porém, Figueiredo (2008) aponta que existem controvérsias em relação ao entendimento de ética justamente pela diversidade de significados que permeiam a palavra ethos. O autor aponta que esse termo pode ter compreensões diferentes a depender da grafia, êthos significando “morada” ou “caráter ou índole”, e éthos relacionando-se a “hábitos, costumes”. 23 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Comparato (2006) observa que já na etimologia de ética é possível observar duas vertentes dessa reflexão, a primeira subjetiva, centrada no indivíduo, a segunda objetiva, fundamentada na vida coletiva. Observação Etimologia é o estudo do sentido original das palavras. O termo ethos foi traduzido para o latim mos ou mores, que quer dizer costume, já que não existia uma palavra exata para sua tradução e que realmente representasse o sentido de ethos; assim derivou-se a palavra “moral”. Etimologicamente, os termos possuem conteúdos idênticos, por isso são muitas vezes utilizados como sinônimos (FIGUEIREDO, 2008). Apesar disso, são estabelecidas algumas diferenças entre esses conceitos, sendo a ética a filosofia ou ciência da moral; e a moral é “um conjunto de regras de conduta admitidas em determinada época ou por um grupo de pessoas”, ou ainda como “o conjunto de regras que determinam o comportamento dos indivíduos em um grupo social” (ARANHA, MARTINS, 2003, p. 301). Luiz (2018) faz uma comparação aos conceitos de moral defendidos pelos sociólogos e filósofos Émile Durkheim (1858-1917) e Karl Marx (1818-1883). Para Durkheim, a moral apresenta-se como um conjunto de valores, regras e normas que determinam as condutas dos indivíduos e que são construídas socialmente. Já em uma visão marxista, a moral é resultante de um conjunto de relações de produção articuladas com a base material da sociedade, ou seja, o estágio de desenvolvimento das forças produtivas envolve as relações de produção contribuindo para o surgimento da moral, que compõe a superestrutura da sociedade (LUIZ, 2018, p. 241). Ou seja, apesar de os dois estudiosos mencionados defenderem a participação da sociedade na construção do que se entende por moral, Durkhein apresenta um conceito de sociedade como o resultado das interações sociais, sem que quaisquer outras condições influenciem em sua formação. Por sua vez, Marx afirma que a sociedade possui uma estrutura classista, que constitui o capitalismo, destacando que é dessa forma que se deve avaliar os temas relacionados à sociedade. Assim, para compreender a moral como algo constituído socialmente, é preciso entender seu funcionamento, visto que “as expressões da consciência humana – inclusive a moral – são o reflexodas relações que os seres humanos estabelecem na sociedade [...] e portanto mudam conforme se alteram os modos de produção” (ARANHA, MARTINS, 2003, p. 354). Passos (1993, p. 58) também afirma que a moral, ou valores morais, como se refere, é dialética, o que quer dizer que acompanha as transformações sofridas pela sociedade. Alerta, ainda, para o quão complexa é a problemática moral, visto que lida “com regras de conduta elaboradas pela sociedade e impostas a indivíduos dotados de consciência de capacidade de decisão”. 24 Unidade I Observação Dialética tem origem grega e é entendida como um método de busca de conhecimento baseado no diálogo. Apoiando-se na visão marxista, compreendemos que continuamente haverá uma moral predominante, ou seja, a moral é aprendida; essa “moral” sempre, ou quase sempre, estará pautada em valores das classes dominantes, fornecendo os parâmetros socialmente aceitos como morais pela sociedade (LUIZ, 2018). Observamos, contudo, que apesar de esses conceitos serem distintos, existe uma estreita articulação entre si, na medida em que a ética tem como objeto de estudo a própria moral, uma não existe sem a outra, sendo independentes entre si (PEDRO, 2014). 1.3 Ética e liberdade No início deste tópico, ao abordar conceitos históricos e filosóficos da ética, nos deparamos com alguns questionamentos sobre a liberdade, ou o livre-arbítrio em Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Para relacionar ética e liberdade, é imprescindível apresentar o que se entende por liberdade; assim, pensando em um sentido comum da palavra, pode-se dizer que livre é aquele que pensa e age por si mesmo, que não é obrigado a realizar o que não quer e que não seja escravo ou prisioneiro (ARANHA; MARTINS, 2003). A liberdade pode ser pensada em diferentes campos, como a política, as leis, a economia, a sociedade, ou em qualquer espaço onde haja a relação de indivíduos, neste caso, é claro que uma ideia de liberdade ética aparece. De acordo com Aranha e Martins (2003), “[...] a ideia de liberdade ética [...] diz respeito ao sujeito moral, capaz de decidir com autonomia em relação a si mesmo e aos outros” (p. 316, grifo do autor). Saiba mais O filme indicado a seguir narra ações de uma gangue de jovens no Reino Unido. O filme explora questões sociais e políticas, além de indagações éticas relacionadas à liberdade e ao livre-arbítrio. LARANJA Mecânica. Direção: Stanley Kubrick. EUA: Warner Bros., 1971. 136 min. 25 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Comparato (2006) afirma que a liberdade como concepção de que as pessoas são livres e responsáveis pelos seus atos voluntários surgiu apenas no período axial. O autor ainda complementa: Antes dele, prevalecia a convicção de que as forças sobrenaturais decidiam, em última instância, o destino da vida humana. A divindade estaria na origem de nossas boas ou más ações. A criação da filosofia ética na Grécia [...] partiu do postulado fundamental da liberdade de cada indivíduo e, em consequência, da irrecusável responsabilidade de cada qual na condução de sua vida [...] para os modernos, ao contrário, liberdade foi redescoberta e afirmada, no século XVIII, como um status de independência do indivíduo, de defesa da vida íntima ou particular contra a indevida interferência dos poderes constituídos, sejam eles políticos ou religiosos (COMPARATO, 2006, p. 538, grifo do autor). O autor afirma ainda que, a partir do capitalismo industrial, viu-se a importância de se defender a liberdade da classe dos trabalhadores de forma coletiva, haja vista o poder econômico dos empresários. Alguns filósofos defendiam que o ser humano não é livre, seja pelo fato de estarem fadados ao destino imutável, seja pelo discurso científico que sujeita o indivíduo ao determinismo (ARANHA; MARTINS, 2003). Observação Na filosofia, determinismo é uma teoria que acredita que todos os acontecimentos possuem uma relação de causa, ou seja, tudo acontece por necessidade de acontecer e obedece a leis imutáveis. O filósofo Taine (1828-1893), por exemplo, afirmou que a ação humana não é livre, mas sim causada por três fatores, raça, meio e momento, dos quais seria impossível escapar e que, por consequência, determinariam os atos humanos (ARANHA; MARTINS, 2003). Outras perspectivas acreditam que existam determinações que afetam os sujeitos, visto que todos estão situados em algum tempo e espaço, permeados por uma cultura. Contudo, defendem também que uma pessoa consciente é capaz de reconhecer a existência desses determinismos e a partir de então “[...] construir um projeto de ação. Portanto, a liberdade se torna verdadeira quando acarreta um poder de transformação sobre a natureza do mundo e sobre a própria natureza humana” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 320). 26 Unidade I Exemplo de aplicação Você já ouviu falar sobre o mito das três Moiras? As Moiras eram três irmãs, senhoras do destino na filosofia grega: Cloto (klothó), Láquesis (láchesis) e Átropos (átropos). Os gregos antigos acreditavam que elas eram responsáveis por tecer o fio da vida, assim, o destino das pessoas era determinado por elas, era imutável. Cloto era a responsável por fiar o fio da vida, ou seja, estava relacionado com o nascimento; Láquesis enrolava o fio na roda da fortuna, dando os “altos e baixos” da vida das pessoas; Átropos era a mais nova das irmãs, responsável por findar a vida, ou seja, segurava uma tesoura e cortava o fio. Nessa perspectiva, nenhuma das escolhas realizadas pelas pessoas teria qualquer influência em sua vida, já que o seu destino estava nas mãos das Moiras. Com o conhecimento desse mito, reflita sobre as concepções de destino dos gregos antigos e a relação com a concepção de livre-arbítrio apresentada a partir da Idade Média. Figura 9 – Representação do mito das três Moiras – Strudwick, J. M. A Golden Thread, 1885, óleo sobre tela Disponível em: https://bit.ly/3KrAs9p. Acesso em: 25 abr. 2022. 2 FUNDAMENTOS DA BIOÉTICA A bioética é uma área de conhecimento proveniente da ética e que transita diante das questões relacionadas à preservação da vida e, consequentemente, discute a atividade dos profissionais da área da saúde (STRONG, 2007). Seu idealizador foi o médico oncologista e professor da Universidade de Wisconsin, professor Van Rensselaer Potter (1911-2001), que chamou a bioética de “ciência da sobrevivência humana”. Em sua obra Bioética – uma ponte para o futuro (1971), Potter destacava que era preciso ter atenção para que os avanços da medicina e das ciências não descuidassem da necessidade de manutenção da dignidade humana e da qualidade de vida (STRONG, 2007). 27 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Suas ideias sempre defenderam a bioética como uma disciplina norteadora de questões que afetam a dignidade da vida, a integridade dos seres vivos em suas dimensões biológicas, sociais e culturais (STRONG, 2007). Em sua gênese, a bioética debruçou-se sobre questões relativas ao relacionamento do profissional de saúde com o paciente/cliente. Discute as questões relativas a pesquisas biomédicas com seres vivos. Por meio da Declaração de Helsinque, foi redigido o Relatório de Belmont, que definiu os princípios para experimentos com seres humanos: beneficência, justiça e autonomia (STRONG, 2007). O marco fundamental da regulação para as pesquisas científicas com seres humanos ocorreu no Julgamento de Nuremberg – agosto de 1945 a outubro de 1946 –, no qual foram condenados junto com oficiais nazistas os médicos que desrespeitaram os direitos humanos de prisioneiros nos campos de concentração nazistas, submetendo-os a atrozes experimentos científicos. A partir do julgamento das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra, muitas delas em nome da pesquisa científica, foi promulgado o Código de Nuremberg em 20 de agosto de1947 (BUB, 2005). Um episódio muito conhecido na história da bioética foi o Estudo da Sífilis não Tratada de Tuskegee (Tuskegee Syphilis Study),de 1932 a 1972. Nesse estudo, pesquisadores reuniram 600 homens negros, 399 com sífilis e 201 sem a doença, com o objetivo de observar a evolução da doença sem o tratamento adequado (GOLDIM, 1999). Goldim (1999) alerta que, antes mesmo de o estudo ser iniciado, em 1929 já existiam estudos publicados sobre casos de sífilis não tratados. Além disso, a partir da década de 1950 havia tratamento estabelecido para a doença, e mesmo assim o estudo perdurou até 1972. A inadequação inicial da pesquisa deu-se pelo fato de os participantes não terem conhecimento de que tinham sífilis nem dos efeitos por ela causados, o diagnóstico dado era o de “sangue ruim”, nomenclatura bastante utilizada pelos eugenistas da década de 1920. Figura 10 – Cientistas e participantes do Estudo Tuskegee Disponível em: https://bit.ly/3vKTwtR. Acesso em: 25 abr. 2022. 28 Unidade I O autor reitera que “mesmo que tendo alguma relevância inicial, esse estudo teve sua maior inadequação ao não se confrontar frente aos novos conhecimentos que foram sendo gerados ao longo do tempo” (GOLDIM, 1999). Saiba mais O filme indicado a seguir foi inspirado no caso Tuskegee. COBAIAS. Direção: Joseph Sargent. EUA: HBO, 1997. 118 min. Na década de 1970 foi criada nos EUA a Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos da Pesquisa Biomédica e Comportamental, com o objetivo principal de identificar os princípios éticos básicos que deveriam orientar a experimentação em seres humanos nas ciências humanas e na saúde (BUB, 2005). Em 1978 essa Comissão publicou o Relatório Belmont, o qual apresentou as diretrizes básicas da ética principialista. Os três princípios básicos publicados foram: autonomia, beneficência e justiça. Após sua publicação, os problemas envolvidos na pesquisa em seres humanos passaram a ser analisados a partir desses princípios, e não mais dependiam de códigos e juramentos específicos de cada carreira ou área de conhecimento (BUB, 2005). No Brasil, a pesquisa com seres humanos passou a ter uma atenção diferenciada em 1996, com a Resolução n. 196 (BRASIL, 1996) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que aprovou normas para pesquisas com humanos norteadas por documentos internacionais tais como: O Relatório de Nuremberg, A Declaração dos Direitos Humanos, a Declaração de Helsinque e a Constituição Brasileira (STRONG, 2007). A bioética é uma disciplina de reflexão e construção do conhecimento a respeito de questões morais humanas relativas à saúde, à dignidade e à sobrevivência humana e busca ser um valor universal, respeitando-se as divergências circunstanciadas por aspectos sociais, econômicos, culturais, sempre considerando as divergências entre os povos (STRONG, 2007). Silveira e Silveira (2006) ressaltam que a preocupação com os estudos envolvendo seres humanos veio crescendo nos últimos anos por parte de institutos de pesquisa, órgãos governamentais e mesmo pela população em geral, haja vista a influência midiática, principalmente, sobre os avanços em pesquisas genéticas. Mesmo diante dessa situação de imensa diversidade moral, a bioética se propõe a assumir um protagonismo na construção da reflexão crítica para uma sociedade melhor, tendo como finalidade última a defesa da dignidade da vida desde o seu início até o fim (STRONG, 2007). 29 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA 2.1 Os princípios da bioética Rocha e Benedetti (2009) afirmam existir valores e princípios balizadores do caminho desejado e esperado para a humanidade no campo da bioética. São eles: • autonomia: dignidade, respeito à vontade, às crenças e aos valores morais das pessoas; • beneficência: maximizar o bem do outro supõe minimizar o mal, atenção aos riscos e benefícios, assegurando-lhe o bem-estar ou diminuindo-lhe o mal-estar; • justiça: exigência de equidade na distribuição dos bens e benefícios. Esses princípios têm origem em um movimento da década de 1970 denominado Ética Principialista. Um ano após a publicação do Relatório Belmont (1978), foi publicado o livro Principles of biomedical ethics (BUB, 2005). Segundo o autor, o livro é um marco da ética principialista, precursora da bioética. Seus princípios estavam voltados para as questões vinculadas ao exercício profissional da prática médica e demais profissionais da saúde. Ao estudar os três princípios do Relatório Belmont, a obra os divide em quatro – autonomia, não maleficência, beneficência e justiça (BUB, 2005). 2.1.1 Princípio do consentimento ou autonomia A autoridade para ações envolvendo outros em uma sociedade pluralista é derivada de sua permissão. Sem essa permissão não há autoridade. Assim, ações contra o consentimento devem ser denunciadas e seu praticante deve ser punido (ENGELHARDT, 1998). O princípio da autonomia assegura o direito das pessoas de terem pontos de vista próprios, fazer escolhas e tomar decisões embasadas em seus próprios valores e crenças pessoais (BUB, 2005). São características desse princípio a existência do consentimento implícito ou a necessidade de anuência individual. O consentimento explícito está pautado em normas, contratos e códigos criados por uma determinada comunidade moral, responsável pela criação de direitos de assistência social (ENGELHARDT, 1998). Esse princípio se justifica pelo fato de o consentimento expressar autoridade para resolver disputas morais em uma sociedade pluralista. Essa resolução somente pode acontecer mediante o acordo dos participantes, uma vez que não tem origem em argumentos racionais ou em crença comum. Portanto, a permissão ou consentimento é a origem da autoridade, e o respeito pelo direito de consentir é condição para a sustentação de uma comunidade moral (ENGELHARDT, 1998). 2.1.2 Princípio da beneficência A finalidade de uma ação moral é alcançar o bem e evitar o dano aos indivíduos. No entanto, em uma sociedade plural não existe uma definição absoluta do que pode ser ordenado como o bem ou o 30 Unidade I prejuízo para determinada pessoa. Todavia, um compromisso com a beneficência é uma característica de uma ação moral e sem essa característica o exercício da moral não tem essência (ENGELHARDT, 1998). Dessa forma, é vital apontar algumas características do princípio da beneficência. Em determinada comunidade, em comum acordo, deve haver uma visão comum e uma ordenação ou explicação a respeito do bem e dos prejuízos. A divergência entre o que é bom ou mal deve ser solucionada, quando possível, pelo princípio do consentimento (ENGELHARDT, 1998). O princípio da beneficência implica buscar fazer o bem para o paciente em todas as ações de assistência de saúde. A beneficência se baseia na solidariedade para gerar benefícios que garantam a integridade física, moral, intelectual e cultural do paciente, evitando riscos, prevenindo o dano e maximizando os benefícios (BUB, 2005). 2.1.3 Princípio da não maleficência Defende a obrigação de não causar dano intencionalmente. Está estreitamente vinculado com a máxima hipocrática primum non nocer. Embora muitos autores não o distingam diante do princípio de beneficência, o de não maleficência gera a obrigação de não causar dano, incapacitar ou lesar, essa ação é bem diferente da obrigação de ajudar os outros (BUB, 2005). Observação Primum non nocere é um termo em latim da bioética que significa “primeiro, não prejudicar”. 2.1.4 Princípio da justiça O princípio da justiça envolve ações que visem fazer o bem de acordo com uma visão moral particular. A ideia é entender o que cabe a cada um fazer ou não fazer para que haja ação beneficente para os participantes da comunidade moral (ENGELHARDT, 1998). A ação de julgamento do certo ou errado, bem ou mal está relacionada ao confrontamento com acordos, normas e leis previamente acordados e amplamente divulgados pelos entes participantes de determinada comunidade moral pluralista (ENGELHARDT, 1998). O princípio de justiça refere-se à distribuição igualitária dos benefícios sociais, representa as necessidades da sociedade, garantindo-seo direito de todos a receber assistência de saúde. Os profissionais da saúde não podem desconsiderar as situações de fragilidade social e as desigualdades econômicas no acesso à assistência à saúde. As ações dos profissionais da saúde devem preservar sua integridade moral sem comprometer as finalidades da prática profissional. Os privilégios e recursos na área da saúde devem ser distribuídos sem discriminação no tratamento das pessoas, assegurando uma efetiva administração dos recursos comunitários (BUB, 2005). 31 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA 2.2 Bioética aplicada ao exercício profissional da educação física O profissional de educação física tem por preceitos o desenvolvimento de conhecimentos e práticas relacionados ao movimento corporal humano, que promovam o desenvolvimento pessoal e a saúde de seus alunos e/ou clientes. Diante do desafio de combater fatos da sociedade contemporânea que são prejudiciais à saúde, tais como o sedentarismo, o enclausuramento de crianças – em função de sua própria segurança –, o acesso a uma alimentação desregrada, hipercalórica, feita com a predileção de alimentos processados, o profissional de educação física tem a missão de levar informação e desenvolver hábitos saudáveis e que promovam a saúde e o bem-estar das pessoas. A bioética é, nesse sentido, uma área de conhecimento bastante pertinente para pautar as ações do profissional de educação física, uma vez que transita na área das relações entre agentes da área da saúde e seus clientes com a proposta de preservar a dignidade da vida e a integridade dos seres vivos em suas dimensões biológicas, sociais e culturais. O professor de educação física deve ser um defensor de práticas saudáveis, no caso exercícios físicos sistematizados e embasados em conhecimentos técnicos e científicos. Deve trabalhar na orientação de uma alimentação saudável dentro de equipes multidisciplinares apoiadas por profissionais da área de nutrição. Essa premissa deve preservar a dignidade da vida e a integridade biológica, social e cultural de seus alunos. Nesse sentido, o professor deve ser cauteloso ao oferecer programas de exercícios físicos que, apesar de cientificamente comprovados, podem ser prejudiciais à integridade dos alunos em razão do princípio da individualidade biológica (WEINECK, 2003). A individualização, pautada em aspectos da experiência motora pregressa do aluno, no nível de condicionamento físico atual, nas condições de repouso, trabalho e alimentação, é uma condição fundamental para que a aplicação dos programas de exercícios físicos seja inclusiva e adequada a cada pessoa (WEINECK, 2003). Portanto, o profissional de educação física não deve usar a si próprio como referência para prescrever o exercício, mesmo acreditando que está fazendo o bem para o aluno, pois as consequências podem ser prejudiciais e atentar contra a integridade física e a dignidade do aluno. Como ocorre comumente nas fases de adaptação ao exercício, quando o aluno é exposto a sobrecargas de esforço que são maiores do que aquelas adequadas a sua condição, desencadeando lesões musculares e dores articulares, levando-o a ter uma experiência negativa com o exercício físico e potencialmente prejudicial a sua saúde (WEINECK, 2003). A bioética sugere a reflexão a respeito de questões morais humanas relativas à saúde, à dignidade e à sobrevivência humana, respeitando-se as divergências circunstanciadas por aspectos sociais, econômicos e culturais das pessoas (STRONG, 2007). 32 Unidade I Um princípio essencial da bioética é o consentimento das pessoas envolvidas nos procedimentos de saúde. Dentro de uma mesma comunidade moral, não existe unanimidade a respeito do que é benévolo. As variações culturais, socioeconômicas e sociais podem ter nuances de aceitação diferente de determinado processo (ENGELHARDT, 1998). Por esse motivo, cabe ao professor de educação física ser bastante esclarecedor a respeito da proposta de estímulo de treinamento, sendo bem receptivo a dúvidas e solicitações de adaptação dos alunos. O professor de educação física, na ânsia de criar um ambiente de motivação para o aluno, pode gerar constrangimento ao oferecer a atividade sem o consentimento dele. É fundamental que a explicação seja bastante esclarecedora e acessível e que o aluno tenha entendido e concordado com a proposta. Cabe ao professor avaliar as possíveis queixas do aluno e fazer as devidas adaptações individuais visando à preservação da saúde e da eficiência da atividade. Outro princípio importante é a beneficência. As ações devem buscar fazer o bem e não gerar prejuízos aos clientes. Em uma sociedade pluralista deve haver normas e estatutos que reflitam os valores e ações que são tidos como geradores do bem ou causadores de prejuízo; tal preceito se caracteriza como um contrato social implícito. Outra maneira de gerar a determinação do que é bem ou prejuízo é um acordo de consentimento ou acordo explícito (ENGELHARDT, 1998). O profissional de educação física deve buscar fazer o bem ao seu aluno ou cliente, partindo do princípio da solidariedade. Deve agir respeitando as normas sociais e leis que regem nossa sociedade, jamais podendo alegar ignorância destas. Silveira e Silveira (2006) relembram que o texto que culminou na Resolução n. 196 não é arbitrário ou criado ao acaso, mas sim representa os preceitos básicos do respeito à integridade humana, à dignidade, fixando normas de preservação para as pessoas envolvidas. Lembrete O profissional de educação física, respeitando seu estatuto e a Constituição Federal, não deve oferecer procedimento de treinamento físico ou substância que potencialmente seja prejudicial à saúde, à dignidade e à integridade de seu aluno. Essa conduta deve ser adotada, mesmo que a intenção seja fazer o bem ao aluno. 2.3 A ética da pesquisa na história A raiz etimológica dos conceitos de ética e moral está pautada na sociedade greco-romana: éthos vem da cultura clássica da Grécia e dá à ética o sentido de debate filosófico, reflexão teórica; é o ramo da filosofia que fundamenta científica e teoricamente a discussão sobre valores, opções (liberdade), consciência, responsabilidade, o bem e o mal (NOSELLA, 2008). 33 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA O termo mos-moris (mora) tem origem na cultura romana latina. Refere-se principalmente aos hábitos, aos costumes, ao modo de viver. Qualifica certo hábito ou costume de virtuoso ou vicioso e certo modo de agir ou viver de moral ou imoral (NOSELLA, 2008). O senso comum tende a confundir os dois conceitos, pois ambos referem-se a valores, hábitos e deveres, ao justo e injusto. No entanto, a ética se afirma como um postulado da esfera filosófica e científica que fixa normas e códigos, enquanto a moral se estabelece como um conceito pragmático de opção pessoal, de conduta exercida por hábitos e valores definidos em uma esfera individual (NOSELLA, 2008). Como pesquisa, pode-se compreender a produção e propagação do conhecimento, a inovação científica e tecnológica no âmbito das ciências humanas, exatas, biológicas, da comunicação e da arte. A ética na pesquisa se propõe a esclarecer os fundamentos históricos e filosóficos da relação entre as atividades de pesquisa e as obrigações morais ao longo da história e até o momento presente (NOSELLA, 2008). O princípio fundamental da ética socrática resumia-se na construção de uma ciência que fosse capaz de gerar conhecimento levando o homem à evolução e à superação dos impulsos sensíveis. Com isso, Sócrates identificava ciência e virtude, o verum e o bonum (NOSELLA, 2008). Para Platão, a regulação da ciência deveria ser estabelecida pelos sábios filósofos, pela razão, levando a sabedoria à condição de contemplação do bem supremo, no exercício da evolução intelectual. A transgressão dos limites éticos na busca pelo conhecimento leva o homem à condição animal. Portanto, a reflexão ética para Platão restringe as perspectivasdo saber pelo saber e projeta o homem com um ser responsável pelo conhecimento que produz e pelas consequências geradas (NOSELLA, 2008). Já Aristóteles teve sua ascensão filosófica nos meandros da corte de Alexandre Magno da Macedônia. Ele defendia que a arbitragem ética competia ao poder político, cuja finalidade é proporcionar a felicidade dos cidadãos. Para Aristóteles a felicidade individual estava circunscrita à vida social; também acreditava que gerar o equilíbrio geral da sociedade e dos indivíduos era competência da autoridade que governa o Estado (NOSELLA, 2008). A autoridade política defendida por Aristóteles foi reafirmada pelo direito romano e pelo autoritarismo católico. O código do direito romano regulamentou os valores e as normas para a relação do homem com os conceitos de Deus, pátria, família, religião, ciência, arte, técnica. Como herança do período romano, as estruturas políticas do período medieval entrelaçadas com o domínio dogmático da Igreja Católica radicalizaram o pragmatismo romano, substituindo seu relativismo e ecletismo filosófico por um rígido teocentrismo (NOSELLA, 2008). No período medieval a relação hierárquica entre Deus, clero e povo cristão tornou-se tão dogmática que a dialética entre ciência e virtude se extinguiu totalmente. A ciência, para a filosofia escolástica da Igreja Medieval – detentora do monopólio intelectual –, foi conduzida ao patamar de instrumento de confirmação e legitimação dos estatutos fixados pela teologia dogmática (NOSELLA, 2008). 34 Unidade I A filosofia moderna pós-renascentista atribuiu aos Estados laicos a arbitragem política no estabelecimento dos limites éticos da pesquisa científica. A Igreja passou a ter função de assessoramento, e não mais de deliberação final e inquisição. Essa transição ocorreu em razão de novos estudos e pesquisas científicas, que fortaleceram a hegemonia do Estado e permitiram aos homens a formulação de novos problemas sociais, amadurecendo as condições técnicas para sua superação. A separação entre os dogmas católicos e a ciência laica foi fundamental para a definição de novos paradigmas éticos (NOSELLA, 2008). Desse ideário nasceu o éthos iluminista da Revolução Industrial, que rompeu a clássica relação política entre a ciência e a virtude, devolvendo ao homem a reflexão individual a respeito da ética e atitudes morais que permearam as pesquisas e a busca pelo saber (NOSELLA, 2008). Diante dessa nova perspectiva, livre da ação dogmática da Igreja, a Ciência avançou rapidamente, aparelhando todo avanço da burguesia industrial capitalista. A todo custo a eficiência e a produção avançaram, e muitas vezes a reflexão ética foi negligenciada, gerando a exploração e o abuso diante da dignidade humana (NOSELLA, 2008). Grande risco de erro se comete quando um Estado laico se autodenomina benevolente e capaz de gerar a felicidade universal e impor a ética oficial à população e à pesquisa, que passa a operar em função de seus interesses. Assim aconteceu de forma terrível com as ditaturas fascistas, nazistas e comunistas, o bem universal sempre foi justificativa para fazer as maiores atrocidades contra a humanidade (NOSELLA, 2008). Sem qualquer filtro ético, a ciência avançou com experimentos cruéis realizados nos campos de concentração nazista, usando a vida humana como combustível para a especulação científica. Esses atos atrozes foram julgados no tribunal de Nuremberg (NOSELLA, 2008). A tecnologia foi criada a serviço da felicidade humana e do avanço da ciência. De fato, foi um marco. Contudo, também promoveu um grande grito de terror para o mundo, a exemplo da bomba atômica que foi detonada por duas vezes na Segunda Guerra Mundial no Japão, nas cidades de Hiroshima e Nagasaki (NOSELLA, 2008). Muitos pensadores do século XX, Gramsci, Brecht, Sartre, entre outros afirmaram a necessidade de se restaurar o diálogo dialético entre virtude e ciência, entre ética e pesquisa, entre autoridade política e consciência individual. Pesquisar sem saber o propósito não é ético. A busca pelo saber é ilimitada e muitas vezes se justifica pelos objetivos imediatos, mas não dá conta das consequências a longo prazo (NOSELLA, 2008). Contudo, o limite ético da pesquisa deve ser ponderado pelas margens dos códigos legais da sociedade civil, pelo direcionamento da sociedade política e pela consciência individual. 35 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Lembrete A filosofia moderna pós-renascentista atribuiu aos Estados laicos a arbitragem política no estabelecimento dos limites éticos da pesquisa científica. 2.4 Ética na pesquisa em educação física Desde meados da década de 1980, os aspectos éticos em pesquisas envolvendo seres humanos têm gerado debates no meio acadêmico. O julgamento de médicos nazistas em Nuremberg julgou abusos em pesquisas experimentais com humanos e foi um marco histórico do início da criação de comitês de ética para pesquisa. Em 1947, foi criado o Código de Nuremberg, em que foram instituídos princípios que impedem ações abusivas envolvendo seres humanos em projetos de pesquisa (TENÓRIO et al., 2005). Ainda hoje não existe um consenso a respeito das ações que podem ser aplicadas em projetos de pesquisa que usam seres humanos como amostra das experiências científicas. Por esse motivo, a instauração dos comitês de ética para a pesquisa em universidades é um fator fundamental para garantir os princípios básico da bioética: beneficência, consentimento e justiça. Essas medidas visam assegurar que os benefícios de qualquer pesquisa serão maiores do que os riscos à integridade física, mental e social dos sujeitos (TENÓRIO et al., 2005). No Brasil, as comissões éticas surgiram em 1985. Somente uma década depois foi criada a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), por meio da Resolução n. 196 (BRASIL, 1996). A Conep é uma instância colegiada, de natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa, independente, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde (CONEP, 2000). A Resolução n. 196 é considerada um divisor de águas na atividade das pesquisas científicas brasileiras envolvendo humanos. A resolução foi construída após um longo processo de análise de declarações e documentos internacionais sobre pesquisas com seres humanos e cumpre o que é descrito em diversos artigos da legislação brasileira (BRASIL, 1996). Existem duas espécies de deveres éticos aos quais o cientista deve se comprometer no exercício profissional da pesquisa científica: o primeiro diz respeito aos valores universais relacionados à bioética, tais como a preservação da dignidade humana e a integridade biológica, intelectual e cultural das pessoas envolvidas; e os derivados de valores éticos, especificamente os científicos, engajados com a validade, a credibilidade e a justificação das pesquisas (SANTOS, 2017). Rocha e Benedetti (2009) apontam para problemas específicos da ética na pesquisa nos programas de pós-graduação no Brasil. A quantidade de pesquisas teve um aumento significativo. No entanto, esse crescimento quantitativo não corresponde ao aumento da qualidade das pesquisas. As pesquisas e publicações vêm sendo usadas como critério de avaliação e aprovação em programas de pós-graduação, o que vem ocasionando uma série de fraudes e abusos nas pesquisas. 36 Unidade I Com a diminuição na qualidade das pesquisas em razão da pressão por publicações, vem ocorrendo não só a perda de financiamento e de poder, mas a falta de confiança na ciência e de quem a produz no Brasil. A pressão para publicar pode levar à negligência de alguns métodos e condutas. A exigência de publicações tem preocupado os pesquisadores com elevados gastos em busca de espaço nas revistas indexadas nacionais e internacionais, produzindo a fragmentação de seus trabalhos e a antecipação de suas conclusões, com propostas e constatações mal elaboradas, trazendo poucas contribuições conceituais e interventivas (ROCHA; BENEDETTI, 2009). Santos (2017) afirma existiremmás condutas na produção científica em função de um processo de mercantilização da produção de artigos científicos. Entre eles destacam-se a fabricação de resultados impulsionada pela pressão pela produção acadêmica, assim como os problemas de autoria relacionados a plágio, apropriação indevida de dados e resultados sem a devida citação dos autores. Outra má conduta seria o uso inadequado da tutoria de alunos de programas de pós-graduação, como mão de obra barata para a produção de artigos e experimentos científicos. Nesse contexto, os orientadores, pesquisadores experientes, conseguem multiplicar suas publicações usando os serviços, nem sempre qualificados de estudantes inexperientes, de coautores sem muita qualificação. Atualmente, existe a tendência em solicitar certa atitude de reciprocidade na autoria dos trabalhos dentro do processo de produção científica. São requeridas inclusões de autores que fizeram sugestões de caráter técnico e não participaram efetivamente de seu processo de construção (ROCHA; BENEDETTI, 2009). O plágio é um dos maiores e mais frequentes problemas éticos dentro das produções acadêmicas. Com os recursos tecnológicos e com os avanços da internet, percebe-se uma facilidade na ação de plágio. Copiar sem a devida citação a produção de conhecimento do outro é um problema encontrado em todos os níveis de pesquisa (ROCHA; BENEDETTI, 2009). 2.5 Os comitês de ética As universidades têm comitês que analisam os projetos de pesquisa, para atender os princípios e códigos de ética. Os comitês são formados por professores da universidade e representantes de setores da comunidade que cedem parte de seu tempo para analisar projetos de pesquisa. Os membros dos comitês de ética das universidades se apoiam na Resolução n. 196 (BRASIL, 1996), do Conselho Nacional de Saúde, que trata da ética na pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil (ROCHA; BENEDETTI, 2009). As pesquisas devem respeitar a Resolução n. 196 do CNS e criar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que deve ter redação clara e formal à pesquisa que está sendo realizada, com linguagem acessível a todos os seus participantes, para que possam entender de forma mais simplificada o que está sendo pesquisado. Os participantes também devem receber orientações verbais a respeito da pesquisa (ROCHA; BENEDETTI, 2009). 37 ÉTICA E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA Silveira e Silveira (2006) apontam que em pesquisas com seres humanos existem uma série de regras e procedimentos a serem seguidos, na intenção de assegurar que os quatro princípios da bioética estejam sendo respeitados. Citam os seguintes aspectos: o TCLE; a ponderação entre riscos e benefícios da pesquisa para os participantes, em que se busca o máximo de benefícios com o mínimo de risco; a garantia de que os danos previsíveis serão evitados; e a relevância social da pesquisa e sua aplicabilidade. Nas pesquisas que exigem processos invasivos, como análise de sangue, urina, outros exames e utilização de fármacos específicos, é necessário que o pesquisado tenha conhecimento de todos os problemas que possam vir a ocorrer no procedimento experimental. Nesses casos, o pesquisador deve obter aprovação do comitê de ética antes de começar a coleta de dados, bem como cadastrar seu trabalho no Conep (ROCHA; BENEDETTI, 2009). No intuito de criar uma cultura de integridade nas ações morais na pesquisa, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) lançou seu Código de Boas Práticas Científicas e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), importantes agências de fomento à pesquisa no Brasil. Em 2011 a Fapesp lançou documentos reguladores das boas condutas éticas no âmbito das pesquisas científicas, esses documentos visam gerar uma ação de educação para a formação dos futuros pesquisadores, criando também ações punitivas relacionadas ao desligamentos de programas e perdas de bolsas de auxílio para os pesquisadores com má conduta (SANTOS, 2017). 3 DEONTOLOGIA E CÓDIGO DE ÉTICA Uma profissão é toda a ocupação, com o devido reconhecimento social, exercida pela instrumentação do trabalho e de forma lícita, para obter o meio de sustento. As profissões têm sua própria dignidade perante a sociedade, no entanto se organizam de forma diferenciada de acordo com a realidade social (MONTEIRO, 2005). As profissões vão se transformando conforme as mudanças no mundo e as características da sociedade. Existem profissões que desaparecem; outras, no entanto, têm importância perene, mas passam por constantes transformações em sua forma de agir e se relacionar com o meio através do trabalho. A saúde, a educação e a justiça são valores universais para a condição humana, suas profissões devem ser consideradas pedras fundamentais para a organização da sociedade, dentro de uma Estado de Direito embasado na noção básica dos direitos humanos (MONTEIRO, 2005). As profissões que têm grande relevância e reconhecimento na sociedade possuem normas de atuação codificadas, definindo seus serviços com a identificação de valores e saberes que devem destacar a importância de seus profissionais. A ética profissional ou deontologia reúne de forma fundamentada os valores a serem preservados no exercício de cada profissão de forma específica (MONTEIRO, 2005). A deontologia das profissões é um conjunto de normas que identifica o posicionamento moral de determinada profissão em relação à sociedade em que está inserida, incluindo o quadro normativo que se espelha na consciência moral predominante numa sociedade, os valores profissionais comuns e destaca os valores específicos de uma profissão. Esses últimos são a base para determinar as responsabilidades 38 Unidade I dos profissionais fundamentadas em princípios edificantes e estabelece os deveres deles para com seus clientes (MONTEIRO, 2005). A deontologia, que deriva do grego deon ou deontos/logos, significa o estudo dos deveres. Surge da necessidade de um grupo profissional se autorregular, sendo submetido ao parecer de um conselho formado por membros eleitos do grupo profissional e com a função de fiscalizar o exercício profissional através do cumprimento de regras pré-estabelecidas em um código (CARAPETO; FONSECA, 2012). As normas deontológicas de uma profissão devem vir do acervo científico e filosófico de cada profissão, evidenciando sua identidade. É necessário um organismo formado pela representatividade dos pares para gerir e supervisionar o cumprimento das normas deontológicas, um conselho de profissionais reconhecidos pela sua contribuição social e imaculada conduta, conselho este capaz de promover a autorregulação de uma profissão. Este órgão pode ser privado, mas deve ter reconhecimento público e aceitação da comunidade. Também deve ter base profissional com um estatuto público, unindo a legitimidade profissional e a legitimidade pública (MONTEIRO, 2005). O objetivo da deontologia é regular a atuação profissional dos membros de uma profissão para se obter a excelência no trabalho, visando conquistar a confiança do público e a credibilidade da profissão. É o estudo do conjunto dos deveres profissionais fundamentados em um código de conduta que pode impor punição aos infratores (CARAPETO; FONSECA, 2012). A deontologia funda nesse código o conjunto de deveres, princípios e normas reguladoras dos comportamentos que devem ser exigidos dos profissionais. Alguns princípios e normas têm função reguladora, outros, função normativa, cabendo sanções aos profissionais faltosos. Nesse sentido, a deontologia é uma disciplina da ética adaptada ao exercício de uma profissão. Geralmente, códigos de deontologia ou ética profissional têm por base grandes declarações universais e buscam expressar o direcionamento ético desses documentos com adaptações cabíveis às peculiaridades de cada profissão (CARAPETO; FONSECA, 2012). No entanto, ética não se finda na deontologia, no cumprimento de regras de conduta profissional
Compartilhar