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Doenças reumatológicas

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Abordagem aos pacientes com queixas reumatológicas 
As doenças reumáticas são distúrbios do tecido conjuntivo em que a inflamação geral ou localizada frequentemente se manifesta como dor atribuível as articulações periféricas, coluna vertebral ou músculos e tecidos moles relacionados. Entretanto, as doenças reumáticas frequentemente são acompanhadas por sinais e sintomas sistêmicos e não musculoesqueléticos, como rigidez, febre, perda de peso e erupções cutâneas. 
As doenças reumáticas podem ser organizadas em dois grupos: aquelas que são majoritariamente degenerativas com processo inflamatório secundário e aquelas em que a inflamação é a via primária que leva as características da doença. 
As doenças reumáticas podem ser classificadas de maneira ampla de acordo com a sua patogênese:
· Doenças degenerativas de ossos e articulações osteoartrite, doença degenerativa discal, estenose espinal, osteoporose;
· Doenças sistêmicas autoimunes artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, Síndrome de Sjögren, miopatias inflamatórias (polimiosite, dermatomiosite), esclerose sistêmica;
· Espondiloartropatias soronegativas (doenças inflamatórias do tecido conjuntivo denso não associada a autoanticorpos) espondilite anquilosante, artrite psoriásica, artrite reativa, artrite enteropática;
· Doenças reumáticas vasculares vasculite associada a ANCA, vasculite da artéria temporal, polimialgia reumática; 
· Doenças autoinflamatórias 
· Distúrbios dolorosos tendinite/bursite, fibromialgia. 
OBS: Doenças reumatológicas mais comumente tratadas por reumatologistas. 
A compreensão das características da dor e do padrão de acometimento articular é essencial para o diagnóstico das doenças reumáticas. 
A dor nas articulações que piora com repouso, associada a rigidez prolongada (pelo menos 60 minutos) e que melhora com atividade, é uma apresentação clássica da dor inflamatória. No entanto, a dor que piora com a atividade, piora no final do dia, melhora com o repouso e está associada a período curto de rigidez (15 a 30 minutos), indica provável etiologia degenerativa. 
A doença articular periférica simétrica é mais comumente associada a distúrbios reumáticos autoimunes, enquanto a artrite assimétrica pode estar associada a espondiloartropatias ou osteoartrite. Da mesma maneira, o envolvimento predominantemente de pequenas articulações é mais típico na artrite reumatoide ou no LES (lúpus), enquanto o envolvimento de grandes articulações é clássico nas espondiloartropatias.
O exame físico articular deve ser esquematizado em quatro etapas:
1. Inspeção deve-se procurar por assimetria, eritema, inchaço e deformidade;
2. Palpação deve-se investigar presença de regiões de hipersensibilidade, calor, espessamento e derrame sinovial, hipertrofia óssea e crepitação;
3. Avaliação da amplitude de movimento ativa e passiva de cada articulação;
4. Testes especiais específicos para cada articulação ou região. 
É importante destacar que, embora o acometimento articular seja uma manifestação frequente nos pacientes com queixas reumatológicas, os sistemas articulares nem sempre estão presentes em muitas dessas doenças. 
A maior parte das doenças reumáticas aparece espontaneamente e, com frequência, de maneira insidiosa ou com início subagudo. Além disso, nem todas as doenças reumatológicas apresentarão todas as suas características na apresentação inicial e, por isso, um diagnóstico preciso pode levar algum tempo. 
Gota 
A gota é uma doença reumática do tipo autoinflamatória, estando associada, portanto, a mutações em genes envolvidos nas vias inflamatórias. Nessa doença, a supersaturação do sangue e dos líquidos corporais com o íon urato devido a superprodução de ácido úrico ou por sua subexcreção pelos rins, resulta na formação de cristais intrassinoviais ou ao redor das articulações de urato monossódico que induzem a inflamação e a destruição das articulações.
É uma doença mais prevalente nos homens de meia-idade e mais velhos, sendo a doença inflamatória articular mais comum em homens e mulheres idosas. 
A gota se manifesta mais comumente como artrite. As manifestações clínicas da gota incluem articulações extremamente doloridas e eritema e inchaço periarticular, podendo haver depósitos visíveis de cristal de urato monossódico (tofos). Além disso, os níveis séricos elevados de ácido úrico (hiperuricemia) estão associados a essa patologia. 
O curso natural da gota clássica envolve três estágios: hiperuricemia assintomática, sintomas agudos de gota intermitente e sintomas crônicos de gota persistente. 
Hiperuricemia assintomática urato sérico excede o nível de solubilidade (6,8 mg/dl), mas os sintomas do depósito cristalino ainda não ocorreram. 
Gota intermitente as manifestações clínicas iniciais de gota geralmente ocorrem depois de décadas de hiperuricemia assintomática. 
Nesse estágio, o paciente cursa com crises intermitentes, que inicialmente costumam durar de 5 a 8 dias, com períodos entre as crises desprovidos de dor articular (fase intercrítica). A crise clássica da gota é marcada por rápido desenvolvimento de calor, inchaço, eritema e dor intensa em uma ou duas articulações (os episódios iniciais geralmente são monoarticulares e envolvem as articulações dos membros inferiores). Posteriormente, após anos de crises gotosas, as articulações dos membros superiores, incluindo os punhos, os cotovelos e pequenas articulações das mãos, também podem ser afetadas.
Gota persistente o paciente não tratado progredirá para artrite gotosa persistente, também conhecida como gota avançada. Essa evolução costuma ocorrer depois de 10 anos ou mais de gota intermitente, sendo evidente quando os intervalos desprovidos de dor cessam. Além disso, nesse estágio, o tofo subcutâneo é a lesão mais característica. Nesse estágio, a gota pode ser confundida com uma artrite reumatoide, especialmente se os tofos forem erroneamente diagnosticados como nódulos reumatoides.
Nas imagens abaixo é possível observar os tofos gotosos:
 
O diagnóstico definitivo de gota é feito por microscopia de luz polarizada compensada de um aspirado de líquido sinovial da articulação afetada, sendo que a presença de cristais intracelulares em forma de agulha com birrefringência negativa forte é o padrão-ouro para o diagnóstico.
Na ultrassonografia de um paciente com gota é possível observar o sinal de duplo contorno, composto por uma camada de cristais recobrindo a cartilagem hialina (camada anecoica — preta). Na imagem da esquerda, pode-se observar um joelho normal, com uma única faixa clara que representa o córtex ósseo do fêmur distal anterior. Na imagem da direita, pode-se observar um joelho gotoso com o sinal do duplo contorno. 
O diagnóstico diferencial da gota aguda inclui infecção bacteriana, traumatismo, sarcoidose e artropatia por pirofosfato de cálcio (pseudogota).
Artrite séptica 
A artrite séptica se desenvolve quando patógenos penetram na articulação sinovial.
Rotas pelas quais as bactérias podem alcançar a articulação: 
OBS: osteomielite infecção óssea.
A artrite séptica costuma se apresentar como o início abrupto de uma articulação quente, edemaciada e dolorida. Além disso, o paciente costuma apresentar febre. 
A artrite séptica costuma afetar apenas uma articulação, contudo, é poliarticular em 10% a 20%, dos casos, quando coexistem doenças sistêmicas ou septicemia.
A artrite bacteriana é parte do diagnóstico diferencial da monoartrite aguda. Não há característica clínica ou laboratorial específica para a artrite séptica. Uma alta contagem de leucócitos no líquido sinovial aumenta a probabilidade de um diagnóstico de sepse articular.
O tratamento da artrite séptica inclui internação hospitalar e remoção diária de líquido sinovial purulento em conjunto com antibioticoterapia. 
Espondilite anquilosante 
A espondilite anquilosante é a doença mais comum do esqueleto axial, sendo caracterizada pela inflamação das articulações da coluna (entesites). 
A espondilite anquilosante é mais comum em homens e geralmente surge no adulto jovem, mas os sintomaspodem começar na adolescência ou antes disso. Além disso, o gene HLA-b27 está associado a essa doença, embora 5% dos pacientes possam ter o HLA-b27 positivo e não ter espondilite anquilosante. 
A manifestação clássica da espondilite anquilosante é o aparecimento de lombalgia que persiste por mais de 3 meses, sendo acompanhada por rigidez matinal e geralmente melhorando com exercícios, mas não com repouso. Além disso, o paciente pode apresentar restrição de movimento da coluna vertebral e pode ocorrer o despertar noturno devido ao quadro álgico. 
As características extra-articulares mais comumente envolvem o olho. O envolvimento ocular pode ocorrer em até 40% dos pacientes com espondilite anquilosante, mais tipicamente uveíte anterior aguda (irite). A uveíte frequentemente se manifesta como um leve comprometimento da acuidade visual, acompanhada de fotofobia e dor ocular.
Diagnóstico:
De acordo com os critérios modificados de New York (1984), a espondilite anquilosante é definida quando o critério radiológico estiver associado a pelo menos 1 critério clínico. 
	Critérios clínicos 
	Critério radiológico
	1. Lombalgia e rigidez articular por mais de três meses, que melhoram com exercício, mas não com repouso;
 
	Sacroileíte grau ≥ 2 bilateral ou grau 3-4 unilateral 
	2. Limitação de movimento da coluna lombar nos planos sagital e frontal. 
	3. Limitação de expansibilidade torácica comparado ao normal, em relação a idade e sexo. 
A avaliação radiográfica é importante para a confirmação da doença, mas no início do curso pode não haver alterações radiográficas nas articulações sacroilíacas, sendo que os achados clássicos são alterações bilaterais nas articulações sacroilíacas com erosões na interlinha articular, pseudoalargamento, esclerose subcondral e, por fim, anquilose, que reflete a substituição óssea completa das articulações sacroilíacas.
Na radiografia abaixo, é possível observar sacroileíte bilateral simétrica na espondilite anquilosante, com substituição óssea completa das articulações sacroilíacas. 
Nas imagens abaixo é possível observar a evolução da sacroileíte, em que a primeira imagem demonstra uma radiografia normal. 
Teste de Schober Teste que visa avaliar a flexibilidade da coluna lombar. O paciente permanece em posição ortostática e a sua coluna é marcada com uma caneta, tendo como ponto de referência a espinha ilíaca posterossuperior. Um segundo ponto é mensurado 10 cm acima. Solicita-se que o paciente flexione o tronco na tentativa de tocar o chão. Nessa posição é mensurada a distância entre os pontos marcados. Um aumento igual ou superior a 5 cm na medida entre os pontos é considerado normal para a flexibilidade da coluna lombar. 
Lúpus eritematoso sistêmico 
O Lúpus eritematoso sistêmico é uma doença autoimune multissistêmica que resulta de lesão tecidual mediada pelo sistema imune (autoanticorpos e imunocomplexos). Assim, as manifestações de LES podem afetar a pele, as articulações, os rins, o SNC, o sistema circulatório, as membranas serosas e os sistemas hematológicos e imune. 
Na maior parte dos pacientes com LES, a doença é caracterizada por um curso clínico crescente e decrescente (crises e remissões), embora alguns demonstrem um padrão de atividade crônica.
É importante destacar que o LES é muito mais prevalente em mulheres do que em homens e a maior parte dos pacientes recebem o diagnóstico entre 15 e 44 anos. 
Os danos aos tecidos e aos órgãos pelo LES são mediados pela deposição ou formação in situ de complexos imunes e subsequente ativação do complemento e inflamação. Os tecidos-alvo da atividade do sistema imune no lúpus incluem a pele, os glomérulos e as valvas cardíacas.
Manifestações clínicas 
A erupção cutânea eritematosa facial com distribuição “asa de borboleta” nas proeminências malar e nasal, poupando os sulcos nasolabiais é a lesão de pele clássica do lúpus, observada em 30 a 60% dos pacientes. É importante ressaltar que essa erupção cutânea costuma ser desencadeada pela exposição ao sol. 
Artralgias e artrite não erosiva estão entre as características clínicas mais comuns do LES, sendo experimentadas por mais de 85% dos pacientes.
OBS: em alguns pacientes (cerca de 10%) pode ocorrer a Artropatia de Jaccoud — deformidades resultantes de dano ao tecido periarticular. 
O acometimento renal nos pacientes com lúpus é comum (74%), principalmente inflamação dos glomérulos por ativação do complemento pelos complexos imunes (nefrite lúpica). Além disso, é um indicador de mau prognóstico e pode estar associado a hipertensão arterial. 
A pericardite e os nódulos valvares estiveram entre as primeiras manifestações clínicas descritas no LES. Além disso, a aterosclerose prematura e acelerada é prevalente em pacientes com lúpus.
A pleurite, a manifestação mais frequente de envolvimento pulmonar no LES, ocorre em cerca de 30% dos pacientes em algum momento do curso da doença, caracterizada por dor à respiração e derrames exsudativos. 
Embora incomum, a vasculite do trato gastrintestinal ou do mesentério pode resultar em dor e necrose intestinal.
Para o diagnóstico de Lúpus, primeiramente, o paciente deve apresentar ANA positivo (ANA ≥ 1:80). Em seguida, deve-se pontuar as manifestações sistêmicas do LES do paciente. Assim, o diagnóstico de lúpus pode ser realizado se ANA positivo + escore ≥ 10 pontos. A tabela abaixo mostra os pontos associados a cada manifestação clínica. 
OBS: em cada domínio contar apenas o critério de maior ponderação. 
Esclerose sistêmica 
A esclerose sistêmica é uma doença crônica multissistêmica caracterizada por disfunção vascular disseminada e fibrose progressiva da pele e órgãos internos. As principais manifestações da ES são espessamento e o endurecimento da pele (esclerodermia). Entretanto, os pulmões, rins e o coração também podem ser afetados. 
A maioria dos pacientes com ES é do sexo feminino.
Existem dois subtipos de esclerose sistêmica:
Esclerose sistêmica cutânea limitada o envolvimento da pele é restrito as extremidades distais e a face. Além disso, o fenômeno de Raynaud — constrição das pequenas artérias faz com que os dedos (das mãos ou dos pés) fiquem pálidos ou azulados, dormentes e com formigamento, principalmente quando expostos ao frio — comumente precede outras manifestações da doença, e o envolvimento da pele é indolente e limitado. 
Esclerose sistêmica cutânea difusa envolvimento da pele proximal aos cotovelos e joelhos, envolvendo tronco. Além disso, é, em geral, rapidamente progressiva e pode ser complicada por fibrose pulmonar precoce e crise renal esclerodérmica, com hipertensão arterial acelerada e insuficiência renal aguda.
OBS: Síndrome CREST calcinose, fenômeno de Raynaud (vasospasmo episódico e oclusão das artérias digitais em resposta ao frio e ao estresse emocional), alteração da motilidade esofágica, esclerodactilia (espessamento simétrico, enrijecimento e endurecimento dos dedos) e telangiectasias em pacientes com esclerose sistêmica cutânea limitada.

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