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1 AULA 1 REABILITAÇÃO DE LESÕES NO TORNOZELO Prof. Faruk Abrão Kalil Filho 2 INTRODUÇÃO O tornozelo, o pé e os dedos do pé são formados por 34 articulações que por meio de ligamentos, ossos, músculos, são recrutados no nosso caminhar de maneira flexível para diferentes tipos de solo e até para uma estrutura mais rígida com descarga de peso equilibrada. Sabemos que as forças articulares no tornozelo chegam a ser 4,5 vezes o peso corporal ao caminhar, por isso a importância de estarmos com o peso ideal para não sobrecarregar ainda mais essa articulação. A função do tornozelo é receber a carga corporal e distribuí-la para os pés. Por receber todo o peso do corpo, essa articulação também possui vários ligamentos e tendões que ajudam a mantê-la estável. Porém, mesmo com todas essas estruturas, o tornozelo continua sendo vulnerável a torções e fraturas, devido à alta carga que ele suporta no dia a dia. A articulação do tornozelo nos humanos é a conexão entre o pé e a parte inferior da perna. O tornozelo é uma articulação extremamente solicitada na prática desportiva por necessitar de movimentações e estabilizações para que se ocorra determinados movimentos sinérgicos e que sejam eficientes, já que esta articulação é composta para suportar esta estabilidade através de suas estruturas ósseas que permitem um encaixe perfeito nos permitindo realizar determinadas tarefas e movimentos da marcha, movimentos rápidos, lentos, de explosão, rítmicos e com mudanças de direção sendo estabilizados pelos ligamentos e com seus músculos e funções que permitem realizar a marcha com equilíbrio bem como atividades das mais complexas. O tornozelo é a articulação mais frequentemente lesionada nas atividades esportivas, trazendo repercussões funcionais importantes. Os efeitos da lesão no tornozelo não se restringem apenas a essa articulação. Nessa perspectiva, nessa etapa abordaremos os seguintes conteúdos: • Osteologia/artrologia; • Ligamentos do tornozelo; • Cinemática do tornozelo; • Estabilidade; • Marcha. 3 TEMA 1 – OSTEOLOGIA/ARTROLOGIA O tornozelo é uma articulação classificada como sinovial do tipo gínglimo composta pelas articulações tibiofibular e tibiotalar (Grabiner, 1989). Consiste em um encaixe ósseo adequado entre o tálus e a tíbia, medialmente, e entre o tálus e a fíbula, lateralmente (Teixeira e Olney, 1997). A articulação talocrural ou simplesmente articulação do tornozelo, como é mais conhecida, é responsável por permitir a conexão da parte distal da tíbia e da fíbula com a parte superior do tálus. As extremidades da tíbia e da fíbula são unidas pela parte transversa inferior do ligamento tibiofibular, além das conexões via maléolos medial e lateral. Estes formam o encaixe maleolar (tal como uma pinça) entre as suas faces articulares e a tróclea do tálus, a qual é a face articular superior do tálus (Moore; Dalley; Agur, 2017). Os maléolos tibial e fibular compõem a articulação do tornozelo para formar a superfície articular côncava destas três facetas (Kapandji, 1982). O pé e o tornozelo são compostos pelos vinte e seis ossos individuais do pé, juntamente com os ossos longos do membro inferior para formar um total de trinta e três articulações. Há uma série de articulações que facilitam o movimento do pé. O complexo articular do tornozelo é formado pelas articulações talocalcaneal (subtalar), tibiotalar (talocrural) e transverso-tarsal (talocalcaneonavicular) (Gray, 2009). 4 Figura 1 – Articulação do tornozelo Créditos: Alila Medical Media/Shutterstock. Figura 2 – Reprodução da ossatura dos pés Crédito: SciePro/Shutterstock. 5 TEMA 2 – LIGAMENTOS DO TORNOZELO Os estabilizadores estáticos são representados pelas estruturas ligamentares: Figura 3 – Corte lateral Créditos: Medicalstocks/Shutterstock. 6 Figura 4 – Estruturas ligamentares e ossos Créditos: VectorMine/Shutterstock O estabilizador estático da região medial do tornozelo é o ligamento colateral medial – também chamado de ligamento deltoide, que tem o formato de leque – sendo composto por quatro partes contínuas e adjuntas, denominadas de porções tibionaviculares, tibiocalcâneo e as porções anterior e posterior do ligamento tibiotalar (Norkin; Levangie, 1992) O ligamento deltoide atua impedindo os movimentos em amplitudes extremas e controla os impactos no compartimento medial, tendo sua origem no maléolo 7 medial e sua inserção na porção anterior do osso navicular e na região póstero distal, no tálus e calcâneo (Kapandji, 1982). Os ligamentos mediais são menos propensos a lesões por se apresentarem mais fortes que os ligamentos laterais. Os ligamentos laterais, que incluem os ligamentos talofibulares anterior e posterior e o ligamento fibulocalcâneo, impedem movimentos de amplitudes extremas bem como impactos na região lateral do tornozelo (Norkin; Levangie, 1992). O ligamento talofibular anterior (LTFA) é responsável por prover a estabilidade anterior, limita o deslocamento posterior da tíbia e resiste à inclinação talar lateral (Sarrafian, 1983). O ligamento talofibular posterior limita o deslocamento posterior do tálus em relação à fíbula. Já o ligamento calcâneo-fibular é biarticular cruzando a articulação do tornozelo e a subtalar (Burks; Morgan, 1994). O tornozelo é uma articulação do tipo gínglimo (ou dobradiça) também conhecida como articulação talocrural, sendo composta por três ossos (tíbia, fíbula e talus), em que a tróclea fica entre os maléolos medial e lateral, ligado tanto com eles como com face articular inferior da tíbia. Os nomes de suas articulações são tibiotársica e talotarsal. Os ligamentos do tornozelo são os ligamentos colateral medial e ligamentos colateral lateral. A articulação do tornozelo realiza os movimentos de dorsiflexão, flexão plantar, inversão e eversão (Barbanera et al. 2012; Goss, 2007; Fattini; DÂngelo, 2011). TEMA 3 – CINEMÁTICA DO TORNOZELO Os movimentos da articulação talocrural correspondem à rotação, deslizamento e rolamento. A rotação é como um giro no seu próprio eixo sendo um movimento puramente angular, o deslizamento é o movimento linear que ocorre quando uma superfície se movimenta em relação à outra superfície e o rolamento é um movimento ao redor de um eixo (Norkin; Levangie, 2001). Os movimentos do tornozelo atribuem a manutenção de sua amplitude de movimento articular. A dorsiflexão e a plantiflexão da articulação talocrural, são movimentos não ocorrem puramente no plano sagital. O tornozelo é a articulação que permite aliar a plasticidade do pé e a potência dos ossos da perna. Três ossos formam a articulação do tornozelo: tíbia (porção distal), fíbula (porção distal) e tálus (tróclea). O tálus, por sua vez, também compõe a https://www.amazon.com.br/s/ref=dp_byline_sr_book_2?ie=UTF8&field-author=Jos%C3%A9+Geraldo+D%C3%A2ngelo&text=Jos%C3%A9+Geraldo+D%C3%A2ngelo&sort=relevancerank&search-alias=stripbooks 8 estrutura do retropé (porção posterior do pé), se conecta à tíbia e fíbula, formando a articulação do tornozelo por meio de uma superfície situada em sua porção dorsal: a tróclea do tálus (Calais-German, 2002). O grupo muscular que tende a limitar o movimento de dorsiflexão (ação antagonista) é o tríceps sural, formado pelo músculo gastrocnêmio, juntamente com o sóleo e o plantar, sendo a inserção comum o tendão calcâneo (Aquiles) no osso calcâneo (Palastanga, 2000). Quando a porção anterior da tróclea é elevada, produz-se o movimento de dorsiflexão, e se a porção anterior da tróclea é “deprimida”, denomina-se o movimento de flexão plantar (Calais-German, 2002). No plano frontal e no plano transverso ocorre o movimento de rotação no interior da pinça maleolar. Devido à forma do corpo do tálus e da obliquidade do eixo da articulação, esse movimento se tornatriplanar (Norkin; Levangie, 2001). Com continuidade dos movimentos em: • Inversão • Eversão • Adução • Abdução • Pronação • Supinação. Alterações do movimento e postura do pé podem causar distribuição inadequada das cargas impostas ao sistema musculoesquelético e impor demandas excessivas em diversas estruturas do membro inferior, favorecendo o surgimento de lesões musculoesqueléticas (Neal et al., 2014;). A medida da amplitude do movimento (ADM) constitui-se um importante parâmetro utilizado na avaliação e no acompanhamento de problemas articulares, musculares e posturais. A ADM varia de indivíduo para indivíduo de acordo com a idade, sexo, prática de atividade física, presença ou ausência de disfunção e o grau de força muscular quando o indivíduo é submetido à avaliação da ADM ativa (Rash, 2003). 9 TEMA 4 – ESTABILIDADE A articulação do tornozelo e do pé demandam tanto a mobilidade quanto a estabilidade, demandas estas que não acontecem em outras articulações. Ou seja, é uma exclusividade desta articulação, por isso se caracterizando como realização de trabalhos móveis e estáveis (Riegger, 1988). A contraposição da demanda de mobilidade x estabilidade pode acontecer ao amortecer as rotações que são impostas pelas articulações proximais e sua flexibilidade se mostra suficiente para a absorção dos impactos, sendo flexível o suficiente para absorver os impactos do peso corporal durante a fase da marcha com o encontro do calcanhar, permitindo a adaptação do pé em vários tipos de terrenos (Kapandji, 1982). Devido à sua arquitetura óssea e à presença dos ligamentos colaterais, da cápsula articular e da porção distal da membrana interóssea, o tornozelo apresenta esta característica essencial de estabilidade (Grabiner, 1989). Esta anatomia representada pelo perfeito encaixe ósseo entre o tálus e a tíbia, medialmente, e entre o tálus e a fibula, lateralmente, proporciona esta grande estabilidade e mobilidade. Na região proximal da articulação, se apresenta a parte distal da tíbia e os maléolos tibial e fibular. Essas três facetas formam uma superfície articular côncava, que se prolonga mais distalmente do lado fibular e da borda posterior da tíbia (Kapandji, 1982). Estas estruturas realizam o encaixe perfeito desta articulação que é responsável pela maior fonte de estabilidade do tornozelo (Grabiner, 1989). As articulações, músculos e ligamentos foram anatomicamente criados para oferecer estabilidade e mobilidade à articulação do tornozelo e essa articulação, associada ao pé, tem o importante papel de absorção dos choques ao solo. Os músculos encontrados nesta região auxiliam controlando o equilíbrio e a marcha (Santana, 2021). Para que se tenha estabilidade, mobilidade e toda a ativação das estruturas inerentes da articulação do tornozelo temos os mecanorreceptores, localizados na pele, tendões, ligamentos, músculos e cápsulas articulares, que geram estímulos aferentes para o sistema nervoso, ativando a musculatura para gerar estabilidade das articulações (Ramos et al., 2019; Wang et al., 2021). 10 TEMA 5 – MARCHA O calcanhar é a primeira estrutura do corpo a entrar em contato com o solo, recebendo a força vertical gerada no contato, e transmitindo então para os demais segmentos, sendo assim, a marcha humana é dividida em duas fases: apoio e balanço (Viana; Greve, 2006). A marcha é conceituada como um movimento que mantém o corpo à frente, por meio de um movimento rítmico em locomoção progressiva, direcionada à frente (Rose; Gamble, 1994). O perfeito equilíbrio entre forças externas que agem no corpo e a resposta das forças internas proveniente dos músculos, tendões, ossos, ligamentos e cápsulas são a combinação para que se desenvolva corretamente este movimento rítmico (Andriacchi; Mikosz 1991). Uma sequência de repetições de movimentos padroniza a marcha dos membros para deslocar o corpo para frente, mantendo a postura estável combinando-se nas seguintes fases: contato inicial, resposta a carga, apoio médio, apoio terminal, pré-balanço, balanço inicial, balanço médio e balanço terminal (Perry, 2005). O ciclo da marcha é caracterizado por dois contatos iniciais consecutivos realizados pelo mesmo membro inferior, sendo dividido em duas fases distintas (apoio e balanço). Na velocidade de marcha habitual de 80m/min, estas fases representam respectivamente 62% e 38% do ciclo de marcha (Sutherland et al., 1988). A fase de apoio é o período em que o pé se mantém em contato com o solo e pode ser subdividida em primeiro duplo apoio (0% a 12%), apoio simples (12% a 50%), e segundo duplo apoio (50% a 62%). A fase de balanço é o período em que o membro está em movimento de progressão e sem contato ao solo. Pode ser subdividida em balanço inicial (62% a 75%), balanço médio (75% a 85%) e balanço terminal (85 % a 100%). [...] Os joelhos fletem duas vezes durante cada ciclo da marcha. A flexão aumenta para 8º a 9º após o contato inicial e em seguida ocorre sua extensão durante o apoio até cerca de 40% do ciclo. No terço inicial da fase de balanço o joelho volta a fletir e atinge seu pico de flexão (60º) com o objetivo de liberar de forma adequada o pé ipsilateral. (Sutherland et al., 1980) Os tornozelos também apresentam dois períodos de flexão plantar seguidos por uma dorsiflexão progressiva durante a maior parte da fase de apoio. Após o desprendimento dos pés no apoio, os tornozelos têm novamente movimento de dorsiflexão, que perdura até o contato inicial (Beck et al., 1981). 11 REFERÊNCIAS ANDRIACCHI, T. P.; MIKOSZ, R. P. Musculoskeletal dynamics, locomotion and clinical applications. In: MOW, V. C.; HAYES, W. C. (ed). Basic Orthopaedic Biomechanics. 1. ed., New York, Raven Press. 1991, p.51-92. BARBANERA, M.; ARAUJO, R.; FERNANDES, T.; HERNANDES, A. Avaliação do torque de resistência passiva em atletas femininas com entorse de tornozelo. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, São Paulo, mar/abr de 2012. BECK, R. J, ANDRIACCHI, T. P, KUO, K. N, FERMIER, R. W, GALANTE, J. O. Changes in the gait patterns of growing children. J Bone Joint Surg Am. 1981;1452-6. BURKS, R.T., MORGAN, J. Anatomy of the lateral ankle ligaments. Am. J. Sports Med., v. 22, n. 1, p. 72-7, 1994. CALAIS-GERMAN, B. Anatomia para o movimento. Vol. 1, 1ª ed. São Paulo: Manole, 2002. FATTINI, C; DÂNGELO, J. 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