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QBQ0215 - Gabarito GD1

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GD1 - Gabarito 
QBQ0215N 
Fernando de Azevedo R Saab 
IQ-USP 
Prezados alunos, 
Primeiramente, gostaria de anunciar que não temos o hábito de disponibilizar os gabaritos dos GDs. 
A tarefa de correção já é árdua e consome muito tempo, e desenvolver um documento para cada um 
dos 13 GDs explicando questão por questão o que é esperado e como as respostas foram 
interpretadas é um trabalho excepcionalmente grande, que não temos o tempo necessário para 
realizar em meio à preparar e atualizar as aulas semanais. 
Contudo, este sendo o primeiro GD, eu resolvi de minha própria volição desenvolver um gabarito para 
que vocês tenham uma base de como ocorre a correção e que nível de resposta é esperada de vocês, 
já que têm acesso à internet (Papers), livros de bioquímica e também aos professores e monitores por 
2 das 4 horas das aulas de GD para responderem às questões. 
Como sempre, estou disponível pelo meu e-mail pessoal para quaisquer dúvidas. 
Atenciosamente, 
Fernando Saab 
Fernando.saab@usp.br 
 
mailto:Fernando.saab@usp.br
QBQ0215N - GD1 – Gabarito 
1) Água é assumida como essencial à vida. 
Saturno é um planeta gasoso de hélio e hidrogênio com muitos satélites. Um deles, Titã, 
apresenta rios de metano líquido. Astrônomos sugerem que é possível que haja vida neste 
meio desde a detecção desta substância em 1944, por Gerard Kuiper, visto que esta lua é a 
única no sistema solar que apresenta atmosfera. 
Explique quais propriedades da água a tornam única, benéfica e favorecedora à vida, e que 
propriedades de Titã fazem com que seja improvável que exista vida neste satélite ou em 
planetas de metano líquido. 
Características da água: 
A água é um excelente solvente polar e é constituída de moléculas pequenas e dipolares, que 
garantem alta solubilidade de partículas carregadas como íons. Sua dipolaridade deriva da presença 
de pares de elétrons não-compartilhados do átomo de oxigênio, formando uma estrutura de 
angulamento entre hidrogênios de 104.40⁰, quase um tetraedro. 
Suas propriedades únicas como autoionizante, e doadora e aceptora de elétrons tornam-na um 
solvente excepcional para a mediação de reação acidobásicas. A água aceita elétrons (prótons e seus 
respectivos elétrons) absorvendo o íon hidrogênio e tornando-se um íon Hidrônio (H3O+). Este, através 
das ligações de hidrogênio com moléculas de água vizinhas tendem a facilmente doar um próton, 
permitindo a rápida transferência e difusão de prótons (e seus elétrons) pela água, pelo efeito 
conhecido como Proton-Hop. A consequência deste fenômeno é uma aceleração de grande ordem 
para reações acidobásicas, que requerem ou provêm um íon hidrogênio ao meio. 
Além disto, cada molécula de água pode estabelecer até quatro pontes de hidrogênio, o que torna sua 
disponibilidade na forma líquida mais frequente, pois o intervalo entre os pontos de ebulição e fusão 
é muito alto (100 graus) devido à necessidade de se organizar ou romper estar ligações de Van der 
Waals para se alterar a forma física da água. A formação de pontes de hidrogênio faz com que 
moléculas de água sejam constituintes estruturais de diversas outras moléculas orgânicas. Como não 
é anfipática, ela permite a compartimentalização das estruturas biológicas através de barreiras 
apolares, como as membranas fosfolipídicas (que são anfipáticas), por exemplo, e facilita o 
dobramento de proteínas pelo efeito hidrofóbico, repelindo cadeias apolares de aminoácidos. 
Deste modo, a natureza polar (e não anfipática), a capacidade de formar pontes de hidrogênio e, 
portanto, ter alto intervalo de liquidez e participação estrutural em moléculas, a facilitação de reações 
acidobásicas e seu tamanho pequeno, que facilita solvatação, são os fatores que fazem da água um 
meio benéfico e favorecedor à vida. 
Titã é um planeta muito gélido. Toda a água em Titã está na forma de gelo, de modo que qualquer 
vida neste satélite dependeria do metano líquido como solvente de base. Como metano tem baixa 
carga eletrostática, toda sua interação é de carga positiva e ele não forma pontes de hidrogênio, 
apresentando apenas forças fracas de dispersão, ele se mostra como uma escolha pobre de solvente 
para o desenvolvimento e evolução de algum tipo de vida. 
Além disto, metano fica líquido na estreita faixa entre 91K e 112K, o que significa que as regiões onde 
metano fica líquido com consistência temporal são reduzidas, diminuindo as chances de surgimento 
de vida ainda mais, pois podemos assumir que mecanismos homeostáticos de controle interno de 
temperatura são, provavelmente, restritos a níveis orgânicos superiores, se nos basearmos na 
filogenia terrestre, significando regiões menores para o aparecimento da vida primordial em Titã. 
Vale ressaltar que nesta faixa de temperatura, as reações químicas ocorrem muito mais 
vagarosamente (ver equação de Van't Hoff), o que se apresentaria como uma pressão seletiva forte 
para o desenvolvimento de enzimas com altíssima eficiência, mas pouco suporte para um organismo 
recém-formado, constituído de enzimas generalistas de baixa eficiência. 
O fato de metano ser apolar não tem influência direta em sua eficiência como solvente para uma nova 
forma de vida, pois bastaria que moléculas anfipáticas (ou polares) fossem utilizadas como 
compartimentalizadoras, suas partes polares formando barreiras impenetráveis ao solvente, no 
entanto a temperatura mais uma vez se provaria um problema, pois para a formação de uma unidade 
biológica (o que na Terra chamamos de célula) há a necessidade, por definição, de uma barreira 
semipermeável – que nas temperaturas de liquidez do metano teria de ser composta por moléculas 
extremamente insaturadas e de cadeias longas e complexas para apresentar caráter fluido em 
ambiente tão gélido. 
A obtenção e dissolução de íons seria mais difícil pelo caráter apolar do metano, o que requereria 
algum método alternativo de obtenção e manutenção destes recursos, assumindo sua necessidade, 
como proteínas especializadas. 
Podemos concluir que metano se apresenta como uma molécula que fornece pouco suporte ao 
surgimento de vida, por todas as características listadas, mas, principalmente, pela extremamente 
estreita faixa de temperatura na qual se apresenta líquido. 
 
Notas de Correção: 
1-Grande importância foi dada em listar as propriedades da água corretamente. Menor importância 
para explicar a molécula de metano e Titã. Não é esperado que os grupos apresentem todos os 
argumentos como no gabarito, mas os essenciais devem estar presentes. 
2-Fatores não exclusivos da água ou que não tem qualquer influência relevante no contexto de 
manutenção ou surgimento da vida (como capilaridade e tensão superficial) foram descartados. 
3-Nota-se que grande atenção foi dada à formação de gelo, quando esta propriedade é pouco 
relevante ao contexto da vida em Titã ou na Terra. 
4-A água não é um “Solvente Universal”, ela é um solvente POLAR. O conceito de solvente universal é 
utilizado em escolas para simplificar a explicação de que ela solvata muitos compostos, mas não é um 
solvente extremamente potente como por exemplo ácidos; aqua regia ou ácido fluorídrico. 
5-O calor específico elevado não é a causa de se necessitar grande variação de temperatura para 
alteração de estado físico. O calor específico apenas dita quanta energia é necessária para variar a 
temperatura, não o intervalo de temperatura entre o PF e o PE. 
6-Água(l) não está sempre com 4 ligações de hidrogênio, ela forma e desforma as ligações 
dinamicamente e forma ATÉ 4 ligações, mas pode ter qualquer número entre 0 a 4 em solução. 
7-A questão não é sobre vida terrestre sobreviver em Titã, mas vida se desenvolver em Titã, do 
princípio. Prestem bem atenção ao enunciado. 
8-Em um sistema biológico como um animal, a tensão superficial é completamente irrelevante para 
trocas gasosas. 
9-A menção de facilitação de reações metabólicas sem citar o efeito proton-hopou as interações de 
Van der Waals é inválida. 
 
2) Nas reações químicas, a quantidade de calor liberada ou absorvida pela transformação é 
denominada calor de reação. Se uma reação é: 
(1) exotérmica, o sistema perde calor e a vizinhança ganha a mesma quantidade perdida 
pelo sistema. 
Sempre há perdas em transferência de energia. O “calor” não seria transportado 
integralmente do sistema à vizinhança. Falso. 
(2) endotérmica, o sistema ganha calor e a vizinhança perde a mesma quantidade recebida 
pelo sistema. 
Sempre há perdas em transferência de energia. O “calor” não seria transportado 
integralmente da vizinhança ao sistema. Falso. 
(3) exotérmica, sua entalpia final é menor que sua entalpia inicial, logo sua variação de 
entalpia (ΔH) é menor que zero. 
Correto 
(4) endotérmica, sua entalpia final é maior que sua entalpia inicial, logo sua variação de 
entalpia (ΔH) é maior que zero. 
Correto 
Aponte a(s) alternativa(s) correta(s). 
 
Notas de correção: Como um número considerável de grupos considerou as quatro alternativas 
corretas, isto me leva a crer que não dei ênfase suficiente nas perdas de transferência durante a aula 
de termodinâmica. Assim, quem responder que as quatro alternativas estão corretas receberá 75% da 
nota da questão ao invés de 50%. Se fosse evidente que quase nenhum grupo acertou, eu consideraria 
todos que responderam as quatro alternativas como corretas como questão correta, mas vários 
grupos souberam explicar o motivo de ser apenas as alternativas 3 e 4 e, portanto, merecem o 
destaque. 
 
3) O efeito de solvatação de um sal por água é um processo espontâneo. No entanto, as 
moléculas de água que fazem parte da coroa de solvatação ficam com uma restrição nas suas 
conformações espaciais, ou seja, têm um ganho entálpico / uma perda entrópica. 
Considerando que tudo na natureza tende ao menor nível energético e à maximização da 
entropia, como você explica a solvatação ser espontânea? 
 
O sistema, como um todo, é composto de moléculas de água e um sal. Se o processo é espontâneo, 
ΔG<0, logo ΔGágua + ΔGsal < 0. Como sabemos pelo enunciado e por lógica que a formação da coroa de 
solvatação envolve restrições às moléculas de água, temos que ΔGágua > 0, de modo que |ΔGsal| > 
|ΔGágua| para que a solvatação seja espontânea. Isto significa que 1- a libertação dos íons do retículo 
salino cristalino para o meio, onde estes passam a ter liberdade cinética, translacional e rotacional, e 
2- A formação de inúmeras ligações fracas com o solvente pelo íon; representam um ΔGsal<<0, que é 
superior às perdas entrópicas das moléculas de água envolvidas. 
 
4) Um corante que é um ácido e tem cores diferentes em sua forma protonada e 
desprotonada pode ser utilizado como um indicador de pH. Suponha que você tenha uma 
solução 0,001 M de um corante com um pKa de 7,2. Pela cor, a concentração da forma 
protonada é 0,0002 M. Considere que o restante do corante está em sua forma 
desprotonada. Qual é o pH da solução? 
Pela equação de Henderson-Hasselbach: 
𝑝𝐻 = 𝑝𝐾𝑎 + 𝑙𝑜𝑔
𝐴−
𝐴𝐻
 
𝑝𝐻 = 7.2 + 𝑙𝑜𝑔
0.0008
0.0002
 
𝑝𝐻 = 7.2 + log⁡(4) 
𝑝𝐻 = 7.2 + 0.602 
𝑝𝐻 = 7.802 
6) Considere a seguinte reação: 
 
2HgO(s) → 2Hg(l) + O2(g) ΔH° = 90.7 kJ/mol 
 
Ela é endotérmica e não-espontânea. No entanto, torna-se espontânea quando a 
temperatura do composto sólido é aumentada. Explique este fenômeno baseado nas 
equações estudadas. 
Pela equação ∆𝐺 = ∆𝐻 − 𝑇∆𝑆, sabemos que a equação nas CNTP é >0. Ao acrescermos temperatura 
(T), aquecendo o composto, estamos aumentando o termo −𝑇∆𝑆, que eventualmente sobrepujará o 
termo da variação de entalpia, tornando a reação espontânea (∆𝐺 < 0). 
7) Considere os valores-padrão de entropia dos seguintes compostos: 
 
Substância S⁰ (J/K.mol) 
H2O(l) 69.9 
H2O(g) 188.7 
C (Diamante) 2.4 
C (Grafite) 5.69 
CH4 (Metano) 186.2 
C2H6 (Etano) 229.5 
 
a) Defina Entropia. 
b) Explique a variação entrópica entre os estados da água. 
c) Explique a variação entrópica entre os compostos de carbono. 
 
a) Entropia é uma medida do número de estados possíveis dos componentes de um 
sistema. Assumindo que um sistema microscópico tenha Ω configurações (ou 
microestados), e que estes são igualmente prováveis, a Entropia (S) é o logaritmo 
Neperiano do número de microestados multiplicado pela constante de Boltzmann 
(1.380649×10−23J.K-1) , ou seja, 𝑆 = 𝐾𝑏 ln Ω. 
Num termo mais didático e menos estrito/correto, pode-se dizer que é uma medida 
da desordem de um sistema. 
b) A água líquida apresenta menor nível entrópico por estar mais restrita em níveis 
conformacionais. Isto se deve a energia cinética da água neste estado não ser 
suficiente para romper as interações fracas entre as moléculas (neste caso particular, 
explicitam-se as pontes de hidrogênio, no entanto isto é válido para qualquer par 
líquido/gás). As moléculas de água, restritas pelas interações intermoleculares, têm 
menos graus de liberdade de movimentação que na sua forma gasosa, onde 
encontram-se com menos partículas, movimentam-se mais rápido e formam 
interações menos duradouras com outras partículas, podendo rotacionar, 
movimentar e translacionar livremente no espaço com poucas colisões e amarras. 
Deste modo, o estado gasoso se apresenta mais entrópico, por apresentar mais 
conformações possíveis de estado. 
c) O diamante é uma estrutura na qual cada carbono está conectado a outros quatro 
carbonos formando uma rígida estrutura tridimensional, capaz de suportar pressões 
de qualquer direção. Já o grafite apresenta cada carbono ligado à outros três e é 
organizado em camadas de hexágonos que, apesar de ligados de modo muito forte 
intra-camada, têm ligações fracas inter-camadas, que permitem deslizamento entre 
camadas. Isto confere maior grau de movimentação ao grafite, o que define sua maior 
entropia padrão. Um modo artificial de se fazer grafite tornar-se resistente é enrolar 
suas camadas como fibras, formando fios. Deste modo, ele ganha grande resistência 
física (apesar de ainda ser muito mais fraco que diamante). Em relação ao Etano e 
Metano, a principal diferença é que Etano tem uma ligação simples entre dois 
carbonos, e esta pode rotacionar, oferecendo a ele mais graus de liberdade de 
conformação e, assim, uma maior entropia padrão em relação ao metano. 
 
Notas de correção: É extremamente importante não associar entropia com 
“randomicidade” ou “aleatoriedade”. Este é um conceito de entropia utilizado em 
Teoria da Informação apenas. Nenhum posicionamento molecular ou sistêmico é 
randômico ou aleatório, ele é consequência de diversos fenômenos que para nós 
podem ser caóticos, mas que são estabelecidos e governados por leis ordeiras e 
eventos certeiros e sequenciais. É normal encontrar explicações que envolvam estes 
termos pois são tentativas didáticas de explicar entropia, mas são explicações 
estritamente errôneas e não devem ser utilizadas por vocês sobre hipótese alguma. 
Atenham-se sempre há explicação clássica da mecânica estatística (gabarito) pois 
estamos tratando de moléculas. 
 
8) Um dos sintomas da acidose na diabetes não tratada é a hiperventilação (respiração 
acelerada). Qual é a causa desse sintoma? 
Na diabetes não tratada há falha na produção efetiva de insulina (diabete mellitus tipo I) ou falha na 
resposta à insulina, geralmente associada aos receptores de insulina (diabete mellitus tipo II). Nos dois 
casos, há uma deficiência de entrada de glicose sanguínea nas células, que passam a utilizar seus 
estoques de triacilgliceróis (TAGs) como fontes energéticas. A degradação de TAGs em ácidos graxos 
e a degradação dos últimos em Acetil-CoA gera em última instância a produção pelo fígado de corpos 
cetônicos ao sangue, substâncias que o cérebro pode utilizar em alternativa à glicose (cérebro não 
utiliza TAG como fonte de energia, apenas glicose e corpos cetônicos). Infelizmente, os corpos 
cetônicos (acetoacetato, acetona e β-hidroxibutirato)desprotonam espontaneamente no sangue, 
diminuindo seu pH. O pH sanguíneo deve manter-se na faixa entre 7.45 e 7.35. Dos três sistemas-
tampão presentes no corpo (fosfato, aminoácido e carbônico), o sistema carbônico é o mais 
importante para a manutenção do pH sanguíneo. Segue o equilíbrio do sistema: 
𝐻(𝑎𝑞)
+ +𝐻𝐶𝑂3(𝑎𝑞) ↔< 𝐻2𝐶𝑂3(𝑎𝑞) >↔ 𝐶𝑂2(𝑔) +𝐻2𝑂(𝑙) 
Esta reação é catalisada pela enzima hemática anidrase carbônica, que nos tecidos transforma 𝐶𝑂2(𝑔) 
em 𝐻(𝑎𝑞)
+ , que é captado pela hemoglobina e transportado até os pulmões, onde a enzima catalisa a 
reação agora reversa (pois as condições mudaram), efetivamente transformando prótons e 
𝐻𝐶𝑂3(𝑎𝑞)em gás carbônico (exalado nos pulmões) e água. Este mecanismo de redução de prótons no 
sangue é acelerado em pacientes com diabetes pois há redução do pH sanguíneo devido à 
desprotonação das cetonas (cetoacidose), havendo uma hiperventilação (ou seja, maior consumo de 
prótons expelidos como gás carbônico) como tentativa de restauração homeostática do pH sanguíneo. 
Nota: A cetoacidose é rara em diabete mellitus tipo II pois há diversos tipos de receptores de insulina 
e frequentemente o causador da doença não é o mesmo que há no cérebro, deste modo, geralmente 
não há deficiência de absorção de glicose no cérebro.

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