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MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO- RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL Curso: ETECBA E FACULDADES INTEGRADAS Rua dos Bacurizeiros, Quadra G, Nº 13 - Nova Bacabeira Bacabeira-MA MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 2 PLANO DE ENSINO DISCIPLINA: MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO- RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PROFESSOR: ___________________________ PERÍODO: _______ ANO: __________ CARGA HORÁRIA: 60 HORAS JUSTIFICATIVA Conhecer o desenvolvimento de habilidades no tratamento das questões culturais e de gênero na prática pedagógica, assim como, a diversidade sociocultural, desigualdades econômicas e as reflexões em sala de aula, seja na forma de abordar o tema como nas potencialidades que os métodos de pesquisa possibilitam no campo educacional OBJETIVO GERAL DA DISCIPLINA Proporcionar ao aluno contato de natureza geral com a diversidade, cultura e educação, despertando o interesse para o valor da disciplina como componente presente no cotidiano de sua prática. OBJETIVO ESPECÍFICO DA DISCIPLINA Operacionalizar meios que levem o aluno a desenvolver um espírito crítico, em face da diversidade, práticas educativas e a dialética da exclusão/inclusão, assim como fundamentos para discussão sobre a pluralidade cultural no cotidiano da sala de aula; contribuindo para uma visão crítica diante das mudanças na sociedade. EMENTA A diversidade como constituinte da condição humana. Diversidade e questões de gênero. A cultura como universo simbólico que caracteriza os diferentes grupos humanos. A diversidade étnico-racial com ênfase nas histórias e culturas dos povos indígenas e africanos. A diversidade na formação da cultura brasileira. A diversidade social e as desigualdades econômicas. A educação escolar como catalisadora e expressão das diversidades. Bibliografia BÁSICA ESCOSTEGUY, Cléa Coitinho. Estudos Culturais em Educação. Porto Alegre: Grupo A, 2018. (BV) SOARES, Rodrigo Goyena; TÁVORA, Fabiano Col. Diplomata - História do Brasil: tomo II: o tempo das repúblicas. São Paulo: Editora Saraiva, 2015. (BV) SOARES, Rodrigo Goyena; TÁVORA, Fabiano Col. Diplomata - História do Brasil: tomo I: o tempo das monarquias. São Paulo: Editora Saraiva, 2015. (BV) FORLI, Cristina Arena; RÜCKERT, Gustavo Henrique. Literaturas Africanas em Língua Portuguesa. Porto Alegre: Grupo A, 2017. (BV) DORETO, Daniela Tech; SCHEIFLER, Anderson Barbosa; SALVADOR, Anarita de Souza; SCHOLZE, Marta Lucian. Questão Social, direitos humanos e diversidade. Porto Alegre: Grupo A, 2018. (BV) BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de Preconceito e de Discriminação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. (BV) CASTILHO, Ricardo. Direitos humanos. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. (BV) COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Editora Saraiva, 2018. (BV) PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2018. (BV) BACILA, Carlos Roberto. Criminologia e Estigmas: Um Estudo sobre os Preconceitos. 4. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2015. (BV) KABENGELE, Munanga. O negro no Brasil de hoje. 2ed. São Paulo: Global, 2016. MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. 9 ed. São Paulo 2014. KON, Noemi Moritz. O Racismo e o negro no Brasil questões para psicanalise. São Paulo: Perspectiva, 2007. GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e antirracismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2009. D’Adesky Jacques. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismo e antirracismo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2009. SANTOS, Gevanilda. Relações raciais e desigualdades no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2009. CHIAVENATO, Júlio José. O negro no Brasil. 1 ed. São Paulo: Cortez, 2012. CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. org. Racismo e antirracismo na educação repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. METODOLOGIA E ESTRATÉGIA DE ENSINO A disciplina propõe orientá-lo em seus procedimentos de estudo e na produção de trabalhos científicos, possibilitando que você desenvolva em seus trabalhos pesquisas, o rigor metodológico e o espírito crítico necessário ao estudo. Assim, cuide do seu tempo de estudo! Defina um horário regular para estudar e refletir sobre todo o conteúdo da sua disciplina disponível no material impresso. Utilize-se dos recursos técnicos e humanos que estão ao seu dispor para buscar esclarecimentos e para MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 3 aprofundar as suas reflexões, bem como, favorecer a realização de: i) Dinâmicas de Grupo; ii) Estudo dirigido (leitura de textos); iii) Filmes com relatórios críticos; iv) Seminários e pesquisa (de campo e ou bibliográfica), resenhas e fichamentos. RECURSOS DIDATICOS • Livros; Notebook; Slides e pequenos filmes; Biblioteca Física e/ou Virtual; TV e Vídeo; Quadro Branco e Pincel; Mural; Apostila e textos xerografados; Datashow. SISTEMÁTICA DE AVALIAÇÃO As avaliações terão um caráter formativo e uma função diagnóstica permitindo além da obtenção das notas perceberem as dificuldades de aprendizagem, tendo em vista subsidiar correções durante o processo e será desenvolvida através de aulas expositivas e seminários de discussão dos textos em classe. A média final resultará de duas notas: uma prova parcial (com peso 10) e um trabalho de grupo (peso 10). MULTICULTURALISMO E SUAS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO1 A atualidade educacional é um espelho da ausência de modelos, de referenciais que antes balizavam a sociedade brasileira. Em educação, vivenciar o multiculturalismo e a inserção das tecnologias vem se transformando em desafio à prática pedagógica. O currículo escolar representa um grande esforço para trabalhar com a diversidade cultural, a mensagem gerada pela indústria cultural e a aquisição de conhecimentos e informações. Este texto apresenta uma problematização relacionada à temática do currículo escolar a partir do recorte cultural e social. Os(as) educadores(as) não poderão ignorar, no próximo século, as difíceis questões do multiculturalismo, da raça, da identidade, do poder, do conhecimento, da ética e do trabalho, que, na verdade, as escolas já estão tendo de enfrentar. Essas questões exercem um papel importante na definição da escolarização, no que significa ensinar e na forma como as(os) estudantes devem ser ensinados(as) para viver em um mundo que será amplamente mais globalizado, high tech e racialmente mais diversos do que em qualquer outra época da escola (Giroux, apud Candau, 2002). Não ter paradigmas traz à tona a insegurança dos conceitos que antes sustentavam e eram pilares de uma cultura tradicional. Se por um lado tudo era respondido por meio dos valores difundidos por determinadas instituições, hoje isso não é considerado nem validado. Podemos afirmar que até mesmo, ou fundamentalmente, o Estado proporcionou esse levante de contrários quando passou a não exercer o seu poder na execução e legislação das ações pertinentes ao bom convívio e à regulação das oportunidades para toda a sociedade. A multiplicidade é a tônica deste tempo em que vivemos. A diversidade, com toda a sua amplitude de questões, tomou uma proporção em que esse arcaico modelo de escola, de educação não vem conseguindo 1 Texto da obra acadêmica de Danielle Rodrigues e Sabrina Guedes, publicado em 08 de janeiro de 2019, https://educacaopublica. cecierj.edu.br/artigos/19/1/multiculturalismo-e-suas-implicaes-na- educao#:~:text=A%20quest%C3%A3o%20do%20multiculturalismo %20deve, prop%C3%B3sito%20cultural%20ou%20pol%C3%ADtico%20envolvido%2C. trabalhar e responder aos anseios da geração que se apresenta.“Candau afirma o multiculturalismo como uma realidade social, ou seja: a presença de diferentes grupos culturais numa mesma sociedade” (Morante; Gasparin, s. d., p.13). 1.1 DESDOBRAMENTO Podemos dizer que há muito a sociedade passa por uma incerteza de valores, de paradigmas, que seriam sustentáculos desse organismo que é vivo e mutante. As dúvidas, as incertezas, as vulnerabilidades... Construídas ao longo de algumas gerações perpassam também as instituições sociais, o lócus da organização e dos modos como se identificam e expressam diante dos desafios/dos questionamentos que se colocam como aportes teóricos e vitrines para o caminhar do humano, que é sujeito histórico, fazedor de conhecimento e cultura. Os desafios postos pela sociedade contemporânea, principalmente no que diz respeito à diversidade humana e ao pluralismo cultural, aparecem dentro da escola, que é onde basicamente tudo se origina, pois acredita-se que a reflexão sobre a diversidade seja o ponto de partida da nossa caminhada rumo a transformações conceituais e práticas da escola, a fim de garantir educação para todos por meio de aprendizagens efetivas que garantam a permanência do aluno e, consequentemente, seu sucesso escolar. Durante as últimas décadas vem se discutindo a incorporação da cultura ao processo de ensino- aprendizagem; alguns educadores e movimentos sociais lutam para que suas culturas sejam legitimadas como essenciais e coparticipantes no processo de ensino; com relação à temática, Bourdieu afirma que "a cultura é o conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justificação última [...]; uma não pode ser pensada sem a outra". Embasados na ideia de que a cultura é um elemento que nutre todo o processo educacional e que UNIDADE I MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 4 tem papel de suma importância na formação de um indivíduo crítico e socializado, esses movimentos reivindicam a inclusão da cultura no currículo escolar. O reconhecimento da multiculturalidade da sociedade leva à constatação da diversidade de raízes culturais que fazem parte de um contexto educativo – como uma sala de aula. Nesse sentido, autores como Candau (2000; 2002) e Forquin (1993) enfatizam a relação existente entre escola e cultura e instigam a buscar melhor compreensão acerca da importância da cultura no processo de aprendizagem e nas práticas pedagógicas. O espaço educacional também sofre ausência de direcionamento, de concepções de aprendizagem, das atribuições dos atores envolvidos no processo e quais as possibilidades e limites espaço-temporais. Como reverter? Há respostas? Refletir e apurar algumas situações do cotidiano brasileiro e suas implicações no espaço escolar, tendo por alicerce algumas concepções teóricas, auxiliarão nossa base argumentativa. A escola vem demonstrando grande dificuldade para atender a essa diversidade humana, uma vez que ainda conserva concepções e práticas pautadas em tendências pedagógicas que acreditam no processo de aprendizagem homogeneizado, desconsiderando a diversidade, ou seja, as diferenças. Segundo Carvalho (2002, p. 70), “pensar em respostas educativas da escola é pensar em sua responsabilidade para garantir o processo de aprendizagem para todos os alunos, respeitando-os em suas múltiplas diferenças”. A escola é defendida como uma entidade socializadora que deve incorporar as diversas culturas, a fim de que haja ambiente sociável em que todos possam manifestar seus ideais sem ser discriminados pela cultura que manifestam ou a que pertencem. Por causa de a escola não saber lidar com tais questões, alguns educadores relutam em usar a cultura como conteúdo em suas aulas; surgem então alguns questionamentos a serem respondidos, como: a cultura é mesmo importante no processo de aprendizagem? O que ela tem a oferecer nesse processo de conhecimento? A cultura faz parte do nosso íntimo; somos criadores e propagadores da cultura, de forma que a manifestamos de diversas maneiras. Mas o que é cultura e qual a sua relação com a educação? Candau (2003) afirma que “cultura é um fenômeno plural, multiforme, que não é estático, mas que está em constante transformação, envolvendo um processo de criar e recriar”. Ou seja, a cultura é um componente ativo na vida do ser humano e manifesta-se nos atos mais corriqueiros da conduta do indivíduo e não há indivíduo que não possua cultura; pelo contrário, cada um é criador e propagador de cultura. Podemos dizer que cultura e educação são fenômenos intrinsecamente ligados; juntas, tornam-se elementos socializadores, capazes de modificar a forma de pensar dos educandos e dos educadores. Portanto, as relações entre escola e cultura não podem ser concebidas como entre dois polos independentes, mas sim como universos entrelaçados, como uma teia tecida no cotidiano e com fios e nós profundamente articulados. Embora seja palco dessa multiculturalidade, a escola vem encontrando várias dificuldades para fazer interagir suas práticas educativas mais comuns com a diversidade cultural vivenciada pelos alunos, porque os conteúdos selecionados e trabalhados pela escola não têm nenhuma relação com o universo cultural ou com a Multiculturalidade vivenciada pelos educandos; a cultura que os alunos conhecem é apenas de folclores, ou seja, a cultura chamada tradicional; não se discute a cultura existente na sala de aula, apenas dá-se ênfase às culturas distantes da realidade do aluno. A escola deveria seguir o papel de intermediador entre as diferentes culturas jovens, permitindo o debate entre elas, valorizando-as nos eventos escolares ou outros meios pedagógicos. O pensamento de cultura no Brasil é frágil e não estruturado; ela é profundamente desvalorizada, tomando-se em seu lugar a cultura estrangeira como modelo de modernidade a ser alcançada. Trata-se de perceber como estão os brasileiros; a sociedade e a escola não estão à parte em relação a essa concepção. A modernidade frequentemente é vista como algo que vem de fora e que deve ser admirado e adotado ou, ao contrário, considerado com cautela aos modelos lá vigentes, aclimatando-os num novo solo, que é a sociedade brasileira. A modernidade também se confunde com a ideia de contemporaneidade, uma vez que aderir a tudo que está em alta é, muitas vezes, entendido como moderno e correto a ser adotado. Temos que refletir sobre a postura de multiculturalismo, com a convivência pacífica de várias culturas em um mesmo ambiente. É um fenômeno social diretamente relacionado à globalização; as sociedades pós-modernas e a escola não podem se abster desse papel de fornecer conhecimento como embasamento para reflexões, opiniões e histórico social, não apenas de uma imposição da cultura dominante, que teria culminado com a hegemonização da globalização, mas com as múltiplas culturas que habitam em harmonia justamente em função da possibilidade das relações globais. A ideia é que as culturas são diversas e devem ser respeitadas na sua essência, sem existir certo ou errado nos costumes. MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 5 A questão do multiculturalismo deve ser levada para discussões dentro de sala de aula para criar um ambiente que aceite melhor as diferenças e assim despertar problematizações como as questões de racismo e preconceito entre os alunos, além de poder avaliar e entender o propósito cultural ou político envolvido, promovendo práticas pedagógicas que despertem os alunos para a diversidade, em que aprendam a respeitar as diferenças e que se defronte com assuntos como identidade cultural e de gênero. Um dos principais equívocos sobre a sociedade contemporânea é o argumento de que o conjunto dos meios de comunicação, a mídia, é a instituição social mais poderosa. Fazem parte desse argumentoexpressões problemáticas como “sociedade midiatizada”, “cultura da mídia”, dentre outros; algumas movimentam enorme quantidade de capital, influenciando comportamentos individuais e coletivos e agindo politicamente, defendendo seus próprios interesses e os interesses da sociedade capitalista de modo geral. De forma alguma as empresas podem ser consideradas como fazendo parte de uma mesma instituição social, com todos aqueles que são produtores de mensagens e utilizam algum tipo de recurso tecnológico. O sistema educacional, nesse sentido, é um elemento excepcionalmente importante na manutenção das relações existentes de dominação e exploração nas sociedades (Apple, 1989, p. 26). Ou seja, a escola exerce função vital na recriação das condições necessárias para que a ideologia hegemônica seja mantida. Como professores, o nosso trabalho serve a funções que, muitas vezes, não condizem com nossas melhores intenções (Apple, 1989, p. 33). Por isso, precisamos considerar a questão do poder para além de sua concepção como algo que pode ser possuído e usado sobre outras pessoas. E isso exige uma noção de poder que enfatize seus efeitos produtivos, destacando a forma como ele funciona, não apenas sobre as pessoas, mas por meio delas. Nessa visão, o poder é inerente às formas de saber e desejo que dirigem a possibilidade de conduta e ordenam possíveis resultados de certas formas de ação (Silva et al., 1995, p. 63-64). O poder não é algo que, de fora, determina que forma assumirão os saberes inscritos na escola; o poder está inscrito no interior, mediante a seleção dos conhecimentos e das resultantes divisões entre os diferentes grupos sociais; quem determina o que é conhecimento e o que não é isso é precisamente o poder (Silva et al., 1995, p. 197). Dessa forma, cabe-nos o questionamento: em que medida os currículos escolares expressam uma visão restrita de conhecimento, ignorando e até mesmo desprezando outros conhecimentos, valores, interpretações da realidade, de mundo, de sociedade e de ser humano acumulados pelos coletivos diversos? (Gomes, 2007, p. 36). 1.2 FINALIZANDO A atualidade está repleta de desafios que, em muitos casos, estão ligados a situações de moral e ética. Não podemos mais prever e dizer que há certezas sobre a realidade e os acontecimentos, mas como educadores devemos questionar nosso papel na formação humana e o quanto de propriedade o conhecimento que possuímos tem. Podemos afirmar que a educação tem papel preponderante na formação de opinião e na constituição dos sujeitos, sendo modificada ao longo dos séculos e dos paradigmas pedagógicos/educacionais. A história, a cultura, a sociedade são elementos fortificadores dessa dinâmica, corroborando para essa multiplicidade, e se expandem para o cotidiano dos nossos alunos. “A necessidade de construir um saber válido interculturalmente se torna mais imperiosa em uma época em que as culturas e as sociedades se confrontam todo o tempo nos intercâmbios” (Canclini, s. d.). Essa abrangência de meios, dados e ambientes teve como consequência insegurança e incerteza, em que não há respostas e concretudes por parte dos principais organismos da sociedade, com maior relevância a família, a escola e outras ordens ideológicas e de formação de opinião. A educação está sem parâmetros e acaba transitando por caminhos instáveis; essa é a realidade; sob esse novo pilar os saberes precisam se fundamentar. MULTICULTURALISMO E GÊNERO - CONCEITOS IMPORTANTES PARA O COMBATE ÀS DESIGUALDES SOCIAIS ONTEM E HOJE 2.1 INTRODUÇÃO Com o surgimento do conceito de etnia, surgem os conceitos de Gênero e Multiculturalismo, ambos atrelados a movimentos sociais de luta por direitos. No caso do multiculturalismo, surge a partir dos movimentos negros da década de 1960, e o conceito de gênero surge inicialmente atrelado ao movimento feminista e aos estudos feministas, no espaço universitário, na década de 1980. Os dois movimentos possuem duas dimensões UNIDADE II MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 6 distintas, uma relativa aos movimentos sociais e outra relativa aos estudos e pesquisas realizados nas universidades. Também os dois campos de estudos são provenientes majoritariamente das Ciências Sociais. Um dos resultados destes movimentos foi o desmantelamento do segregacionismo racial nos Estados Unidos, devido às lutas pelos direitos civis na década de 1960. A partir daí se começou a perceber quais mecanismos sociais de fato contribuíam para a manutenção das desigualdades raciais e sexuais. As desigualdades não eram produzidas por questões inerentes à raça ou ao sexo (incapacidade física ou intelectual), mas sim por todo um sistema social, político e econômico que oferecia aos negros e mulheres oportunidades desiguais, como a falta de acesso a escolas e a empregos de qualidade, como a exposição à pobreza (GUIMARÃES, 1995). Assim surgem outros conceitos interpretativos da realidade, como a etnia, o gênero, o status social, entre outros. 2.2 DO MOVIMENTO FEMINISTA AOS ESTUDOS DE GÊNERO Os estudos de gênero surgiram pela necessidade de compreender certos aspectos das desigualdades sociais, especialmente aqueles relacionados às hierarquias sociais provenientes das diferenças sexuais. No entanto, para chegarmos a discutir especificamente a categoria de gênero, é importante compreender suas raízes históricas. O surgimento dos estudos atuais sobre a condição feminina e sobre as assimetrias sociais, os “Estudos de Gênero”, só foram possíveis porque, ao longo do tempo, muitos foram os movimentos de mulheres denunciando as situações de opressão, preconceito e dominação que sofreram e ainda sofrem. O movimento feminista não pode e não deve ser reconhecido como um movimento único, mas sim como o conjunto de movimentos ocorridos desde o século XVIII (e provavelmente até mesmo antes disso) voltados a conquistas de direitos para as mulheres. Se hoje o gênero representa uma categoria de análise tão importante para as Ciências Sociais, como o conceito de classe e etnia, é porque se fez legítimo pelas tantas batalhas dos movimentos feministas, tornando-se fundamental para a compreensão das relações humanas. Para falarmos sobre os estudos de gênero, é necessário primeiro contextualizar o surgimento deste conceito, não é mesmo? O termo gênero surge nos Estados Unidos na década de 1970, quando os problemas das mulheres começam a entrar em cena nos espaços universitários, mas antes disso é preciso compreender que o conceito de gênero decorre do movimento feminista e de suas lutas. Por este motivo, vamos conhecer um pouco sobre o feminismo. O feminismo é um conceito múltiplo, porque possui uma dimensão política que se refere aos movimentos de luta por direitos, e uma dimensão acadêmica, que se refere aos estudos da condição feminina. A dimensão acadêmica, ou seja, o campo de pesquisa e de conhecimento sobre as mulheres, pode ser considerada multidisciplinar, porque ocorre em diferentes campos disciplinares, como: Antropologia, História, Educação, Sociologia, Direito e vários outros. O principal objetivo do movimento feminista não foi alcançar a igualdade entre homens e mulheres, mas sim a equidade entre eles. Para assegurar a equidade de gênero não deve ser necessário que as mulheres assumam posturas “masculinas”. Elas devem preservar suas identidades. Por isso a ideia de “equidade” e não igualdade. No debate de gênero e etnia, quando se fala em equidade referimo-nos ao entendimento de que é necessário reconhecer as diferenças para adequar as políticas e demais ações sociais para a realidade de cada um, permitindo que todos alcancem seus direitos e a justiça social ocorra. FIGURA 41 – CONCEPÇÃO DE IGUALDADE E EQUIDADE FONTE: Disponível em: <https://br.linkedin.com/topic/equidade>. Acesso em: 6 fev. 2017. O MovimentoFeminista surgiu no século XVIII, na Europa, especialmente na Inglaterra e França, mas logo repercutiu em outros países e se desenvolveu de diferentes formas e expressões até os dias atuais. Para dar uma ideia da dimensão do Feminismo, ele foi dividido em três grandes momentos, que explicam as diferentes concepções e lutas do movimento: As chamadas primeira, segunda e terceira onda feminista. De acordo com Zirbel (2016, p. 98), a “Primeira Onda Feminista” refere-se: [...] às extensas lutas a favor do direito de voto para mulheres (também conhecido como movimento sufragista), que se estenderam no ocidente desde o MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 7 final do século XIX até meados do século XX, configuram a primeira onda feminista, cujo objetivo central foi o de reformar as instituições sócio- políticas no sentido de propiciar maior igualdade entre homens e mulheres, utilizando-se do voto como estratégia. No final da década de 1960 e em grande parte da década de 1970, após a percepção e avaliação de que o voto não fora suficiente para operar as mudanças desejadas, uma segunda onda de protestos e reivindicações buscou ampliar direitos. A Segunda Onda Feminista culmina com os movimentos sociais em andamento nos Estados Unidos, e o país será desta vez a referência do movimento para o restante do mundo. A segunda onda feminista se refere a um período da atividade feminista que começa no início da década de 60 e dura até o fim da década de 80. Este momento do feminismo é considerado um dos mais importantes, porque é quando de fato os movimentos começam a se tornar mais organizados. Nesse período os Estados Unidos são um dos mais importantes polos de lutas por direitos das mulheres no Ocidente. Houve várias mudanças sociais objetivas, como a conquista do direito ao voto, o acesso ampliado à educação, ao trabalho e uma maior participação política das mulheres. Além disso, outras questões, como as conquistas sociais em torno do aborto e dos direitos reprodutivos (contracepção), pela proteção das mulheres vítimas de violência, entre outros. É na Terceira Onda Feminista que surge o conceito de gênero, nos Estados Unidos, especialmente por meio do movimento feminista e do movimento homossexual que, na década de 1970, começam a questionar as relações de dominação e opressão no espaço privado, local em que mulheres e homossexuais eram constantemente obrigados a representar os papéis sociais “naturais” ao seu sexo. FIGURA 42 - PAPEL SOCIAL DA MULHER NA DÉCADA DE 1940, NOS ESTADOS UNIDOS FONTE: Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin /783908497360 79944/>. Acesso em: 10 mar. 2017. A partir desses movimentos, os temas mulher e sexualidade começam a adentrar o espaço universitário, e pesquisas passam a ser desenvolvidas no interior de várias disciplinas. Logo se percebe que não é mais possível falar sobre a mulher de maneira generalizante, ou seja, de uma única condição feminina, mas levar em conta outros elementos no entendimento das desigualdades e assimetrias que sofriam as mulheres. Era necessário levar em conta a posição de classe, a identidade étnica, as referências regionais nas quais as mulheres estariam inseridas, assim como todos os condicionantes que implicam esses lugares sociais que ocupavam. Porque não eram os mesmos problemas que viviam, por exemplo, mulheres brancas de classe média e mulheres negras, pobres de periferia. Por mais que as duas sofressem discriminações de gênero, como a imposição dos papéis sociais que pressupunham uma posição de submissão e obediência aos homens, por exemplo, ainda outras discriminações e dificuldades se sobrepõem no caso da mulher pobre e negra. FIGURA 43 - AS CONDIÇÕES FEMININAS FONTE: Disponível em: <https://maniacosporfilme. files.wordpress.com/2013/ 04/the-help-3.jpg>. Acesso em: 20 jun. 2017. Nesse período, várias teses são desenvolvidas, no entanto, a referência utilizada para o reconhecimento das mulheres enquanto grupo ainda permanece bastante associada a uma unidade biológica, como vagina, útero, seios (GROSSI, s.d.). Em seguida, surge o conceito de gênero para acabar de vez com a essencialização da condição feminina, através de pesquisadoras norte-americanas. Elas vão tratar as relações entre homens e mulheres de forma a negar as diferenças biológicas como constituidoras das identidades dos seres humanos e introduzir a perspectiva de que somos construídos a partir de determinados mecanismos sociais, que nos condicionam a cumprirmos papéis sociais, preestabelecidos. Uma das principais responsáveis por essa nova perspectiva é a autora Joan Scott. No artigo intitulado “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, ela diz que: O gênero torna-se uma maneira de indicar ‘construções sociais’ – a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado (SCOTT, 1995, p. 7). Para a estudiosa Françoise Heritier (1996), o conceito de gênero é relacional, ou seja, se constrói na relação entre homens e mulheres, haja vista que ninguém vive só, pois todas as pessoas se relacionam desde que nascem, independentemente das regras sociais e culturais. Segundo Grossi (s.d.), papéis de gênero são as representações (tomadas como representações de uma personagem no teatro) de cada sexo, ou seja, papéis sexuais são as características atribuídas a cada sexo, de acordo com sua cultura. São modelos do que é próprio e concernente a cada sexo. Sabe-se, através de relatos de historiadores, que os papéis de gênero podem ser alterados dentro de uma mesma sociedade, dependendo das situações. Com relação à identidade de gênero, ela se forma, segundo Grossi (s.d.), a partir da socialização de valores e MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 8 comportamentos que são internalizados logo nas primeiras fases da infância. Esses valores e comportamentos que são repassados são diferentes para cada sexo e também variam de uma cultura para outra. Nos últimos tempos os estudos de gênero passaram a se preocupar com várias questões relativas ao universo das relações sociais. Observar a realidade a partir da análise de gênero possibilitou novas interpretações sobre o comportamento humano e a reprodução das desigualdades de gênero. 2.3 MULTICULTURALISMO E SEU CONTEXTO HISTÓRICO A seguir vamos trabalhar o conceito de multiculturalismo, enfatizando as origens do surgimento do movimento, situando-o do ponto de vista político (movimentos sociais multiculturais e políticas públicas) e teóricos (ciências multiculturalistas), visando oferecer conteúdo de base para a interpretação deste campo de estudos e sua importância para o debate das relações interétnicas. Conhecer o conceito de multiculturalismo e suas origens é importante, pois, ao longo de sua trajetória profissional e pessoal, você certamente os utilizará para interpretar as diferentes realidades sociais nas quais estiver inserido. Portanto, bons estudos! Como a própria etimologia da palavra nos sugere, o termo “multi” significa vários; o termo “culturalismo” refere-se à cultura; e o sufixo “ismo” está associado às posições assumidas ou ideias aceitas sobre as possibilidades de conhecimento, ou seja, no caso de multiculturalismo significa uma posição assumida sobre as diferentes relações entre as várias culturas. O “multiculturalismo” é um termo polissêmico e existem, pelo menos, dois sentidos diferentes em que este pode ser utilizado. Um primeiro sentido é descritivo e reporta a um fato da vida humana e social, que é a diversidade culturalétnica, religiosa que se pode observar no tecido social, ou seja, um certo cosmopolitismo que atualmente é fácil de ver em qualquer grande cidade da Europa e da América do Norte. Um segundo sentido é prescritivo e está associado às chamadas políticas de reconhecimento da identidade e/ou da diferença que os poderes públicos prosseguem, ou deveriam prosseguir, segundo os seus defensores, em nome dos grupos minoritários e/ou “subalternos” (FERNANDES, 2006, p. 2). Dito de outra forma, MULTICULTURALISMO significa a existência de grupos de diversas culturas, assim como o embate político, econômico e social travado pelos diferentes grupos sociais na luta pelo respeito à diversidade. Por isso, além de estudos teóricos e empíricos, o termo implica na conquista de reivindicações das chamadas minorias ou grupos marginalizados, como os negros, índios, mulheres, homossexuais e outros tantos, que buscam assegurar seus direitos sociais através de políticas públicas de ação afirmativa. O multiculturalismo é pluralista, porque as diferenças coexistem em um mesmo país ou região. Ali convivem diferentes culturas, valores e tradições. Há o diálogo e convivência pacífica entre as culturas diversas. No entanto, esta coexistência pacífica não significa negar as diferenças entre as culturas, nem as homogeneizar, mas compreendê-las a partir de uma visão dialética sobre os termos igualdade e diferença, na medida em que não se pode falar em igualdade sem levar em conta as diferenças culturais, e não se pode relacionar a diferença como medida de valor. Por este motivo, entendemos que igualdade e diferença não são termos opostos. De fato, a IGUALDADE opõe-se à desigualdade, enquanto DIFERENÇA opõe-se à padronização, à homogeneização, à produção em série. Neste sentido, o objetivo do multiculturalismo, assim como todo o debate das relações interétnicas, é lutar pela igualdade e pelo reconhecimento das diferenças. Assim, um dos temas centrais para o multiculturalismo tem sido o DIREITO À DIFERENÇA e a DIMINUIÇÃO DAS DESIGUALDADES, bandeira de luta de vários movimentos sociais contemporâneos espalhados pelo mundo inteiro. O termo “multiculturalismo” é relativamente recente e sua utilização ocorreu pela primeira vez na Inglaterra, entre as décadas de 1960 e 1970. Na linguagem oficial, de acordo com Fernandes (2006), o “multiculturalismo” surgiu no Canadá e na Austrália, para designar as políticas públicas com o objetivo de valorizar e/ou promover a diversidade cultural. O autor destaca que ainda nesse período outros países anglo-saxônicos, como o Reino Unido, a Nova Zelândia e os EUA, também iniciam políticas públicas qualificadas como “multiculturais”. TOME NOTA PAÍSES ANGLO-SAXÔNICOS: são países cujos descendentes são provenientes de povos germânicos (anglos, saxões e jutos). Esta denominação é resultado da fusão desses povos que se fixaram ao sul e leste da Grã-Bretanha, no século V. O multiculturalismo possui, na sua essência, a ideia, ou ideal, de uma coexistência harmônica entre grupos étnica ou culturalmente diferentes em uma sociedade pluralista. Os principais usos do termo, contudo, alcançaram uma extensão de sentidos que o incluíram como uma ideologia, um discurso e um apanhado de políticas e práticas. Ideologicamente, o multiculturalismo abrangeu temas relacionados, incorporando a aceitação de diferentes grupos étnicos, religiosos, práticas culturais e diversidades linguísticas numa sociedade pluralista. Quando aplicado à política, abrangeu uma extensão de antigas políticas estatais com dois propósitos principais: manter a harmonia entre grupos étnicos diversos e estruturar as relações entre o Estado e as minorias étnicas. Alguns críticos do multiculturalismo argumentaram o seu efeito de dividir a sociedade e a sua tendência a ameaçar a unidade do Estado. Outros alegaram MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 9 que ele gera guetos sociais e culturais, que limitam as oportunidades das minorias étnicas. Outras críticas apontaram os conflitos ou tensões entre a promoção do multiculturalismo e a conquista da igualdade de gênero. Nos contextos educacionais, o multiculturalismo desenvolveu-se por meio de críticas aos modelos educacionais de assimilação que tentam impor uma educação monocultural a sociedades culturalmente diversificadas. Os críticos do multiculturalismo na educação, por sua vez, argumentaram a seu respeito a partir de perspectivas assimiladoras e antirracistas. Alguns acusaram o relativismo subliminar ao tratamento de diferentes culturas como igualmente merecedoras de respeito. Análises do crescimento dos debates a respeito do multiculturalismo revelam mudanças subliminares nas relações de poder, resultantes de fatores como migração, mudanças demográficas ou resistência sistemática ao racismo. Nesse contexto, torna-se possível o surgimento de debates a respeito das práticas e princípios do multiculturalismo, assumindo diferentes formas em vários contextos locais, nacionais ou internacionais. FONTE: CASHMORE, Ellis. Dicionário de Relações Étnicas e Raciais. São Paulo. Summus, 2000, p. 371. Para entender o motivo pelo qual estes movimentos surgiram, devemos resgatar o aspecto da constituição histórica dos Estados Unidos, marcada por um longo processo de colonização, que teve como base a eliminação e a opressão das diversas tribos indígenas que ali estavam. Além disso, devemos levar em conta o processo de escravidão que ocorreu no país, no qual os negros serviram como base para o desenvolvimento da nação. Estas posturas dos colonizadores norte-americanos foram influenciadas pelos valores religiosos de igrejas protestantes, comuns à maioria dos colonos de origem anglo-saxã. Esta influência permeou o pensamento e as atitudes dos colonizadores norte-americanos em relação aos demais grupos, desencadeando, mais tarde, uma série de movimentos pela busca de justiça social. Para falarmos sobre as políticas multiculturais nos Estados Unidos, realizamos um breve relato histórico da constituição do território, enfatizando a relação dos colonos norte-americanos com os nativos, assim como com os escravos trazidos da África. Além disso, destacaremos a importância do movimento negro em prol da luta pelos direitos civis. 2.3.1 A LEI DOS DIREITOS CIVIS E AS PRIMEIRAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS De maneira geral, os enfrentamentos e as lutas por direitos sociais nos Estados Unidos, no início do século XX, dividiram as opiniões. De um lado, havia os grupos a favor da integração racial e, de outro, os grupos segregacionistas, que não desejavam a mudança, pois consideravam legítimas as desigualdades. De certa forma, o que ocorre é que, no ano de 1964, o Congresso norte-americano aprovou o Civil Rights Act (Lei dos Direitos Civis), que, além de banir todo tipo de discriminação, concedeu ao Governo Federal poderes para implementar a dessegregação. O termo ações afirmativas foi primeiramente empregado em 1961, quando o presidente Kennedy organizou um grupo de trabalho para refletir e deliberar sobre a questão das oportunidades iguais no mercado de trabalho. Em seguida, em 1965, o presidente Lyndon Johnson instituiu que as empresas prestadoras de serviço ao governo deveriam assegurar um processo seletivo de trabalho de forma igualitária para todos os cidadãos. Determinou ainda que as empresas deveriam promover ações afirmativas que tivessem como objetivo combater a discriminação do passado. Com o passar do tempo, na década de 1970, essa iniciativa do governo passa a ser implementada nas instituições de ensino e nas empresas privadas, sendo punidas as instituições que desrespeitassem as exigências oficiais dos planos e programas de ação afirmativa. A partir do momento em que a comunidade negra efetivamente começa a colher os resultados da mobilizaçãosocial, através de políticas afirmativas, outros grupos começam a se organizar no sentido de acessar direitos próprios às suas especificidades. De acordo com Oliven (2007), a luta dos movimentos sociais do período pode ser em parte resumida como a tentativa de enfrentar a “supremacia WASP (White, Anglo-Saxan and Protestant)”. Ou seja, enfrentar uma maioria branca, anglo-saxã e protestante, entendidos como colonos “oficiais” do território. Do ponto de vista do desenvolvimento e ampliação das políticas afirmativas nos Estados Unidos, no período, surgem quatro grandes grupos que passam a ser atendidos sistematicamente. De acordo com O liven (2007, p. 35), são eles: 1. African-Americans, negros nascidos nos Estados Unidos. 2. Native-Americans, descendentes de índios que pertencem a vários grupos, grande parte deles vivendo nos territórios indígenas demarcados. 3. Asian-Americans, descendentes de asiáticos que formam um grupo muito heterogêneo em termos de nacionalidades, etnias, culturas e nível de escolaridade; são, também, oriundos de períodos migratórios diferentes. 4. Hispanics, mexicanos, porto-riquenhos, cubanos e demais migrantes de outros países da América Central e do Sul e seus descendentes, que podem ser brancos, indígenas ou negros. De acordo com essa classificação, do ponto de vista da promoção do acesso a direitos, muitos grupos estariam mal representados, ou mesmo sem representação, dada, por exemplo, a infinidade de descendentes de imigrantes nos Estados Unidos. Nesse WASP: Este termo é utilizado de forma pejorativa nos países norte-americanos. Teoricamente, a palavra designa um grupo relativamente homogêneo de indivíduos estadunidenses de religião protestante e ascendência britânica que supostamente detêm enorme poder econômico, político e social. Costuma ser empregada para indicar desaprovação ao poder excessivo de que esse grupo gozaria na sociedade norte-americana. MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 10 sentido, as políticas de ação afirmativa tornam-se mais vulneráveis. Não falamos aqui sobre outros movimentos sociais da década de 1960 nos Estados Unidos porque o movimento negro foi o que mais teve peso na conquista dos direitos civis, momento de abertura política para os movimentos em geral. No entanto, não podemos deixar de admitir que muitos outros movimentos foram importantes para a conquista das políticas multiculturais. Dentre eles, podemos destacar os movimentos: operário, feminista, homossexual, hippie, religioso e outros. 3.2 CONCEITUANDO POLÍTICAS PÚBLICAS E DE AÇÃO AFIRMATIVA Traremos o debate sobre políticas públicas e demonstraremos as políticas afirmativas que, no geral, visam proteger as minorias étnicas que tenham sido discriminadas no passado, dando a elas condições de acesso ao trabalho, universidades e posições de liderança. Para compreendermos o debate do multiculturalismo do ponto de vista das ações políticas, precisamos refletir primeiramente sobre o conceito de “políticas públicas”. No decorrer das pesquisas para o desenvolvimento deste fascículo, nos deparamos com vários conceitos de “política pública”, porque, assim como o multiculturalismo, o conceito representa, ao mesmo tempo, aspectos políticos (ações e programas de governo) e acadêmicos (áreas de conhecimento que discutem teoricamente o tema). Podemos dizer, portanto, que o conceito é múltiplo, porque o campo de discussão é muito vasto, e pode ser entendido como uma área interdisciplinar de conhecimento. De acordo com pesquisas de Souza (2006, p. 24): não existe uma única, nem melhor definição sobre o que seja política pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas, e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irá produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos [...] que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza: “política pública é o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. A definição mais conhecida continua a ser a de Laswell: Decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por que e que diferença faz. Segundo Simões Pires (2001), as políticas públicas devem ser desenvolvidas, na medida em que se leve em consideração as posições e interesses da sociedade, através de um processo democrático de participação. As políticas públicas devem ser - em sua formulação - a expressão pura e genuína do interesse geral da sociedade, o que, num processo legítimo, pressupõe seja a demanda social auscultada em instâncias democráticas, enfrentada de forma realística pela instituição formuladora e solucionada à luz do possível consenso dos atores sociais, sem prejuízo da adoção de critérios de conhecimento tecnicamente racionais para a solução de problemas sociais, a partir de eficaz fluxo de informações (SIMÕES PIRES, 2001, p. 192). Em última análise, entende-se que as “políticas públicas” devem representar o conjunto de ações políticas desenvolvidas e implementadas por todos os atores políticos, de maneira que garantam a satisfação das demandas sociais levantadas nas mais diversas áreas. No caso das políticas de ações afirmativas, o termo está relacionado ao contexto dos movimentos sociais da década de 1960, na América do Norte, especialmente a partir do movimento negro. O termo “ações afirmativas” surge pela primeira vez no ano de 1961, durante o governo Kennedy, que se preocupava com a possibilidade de igualdade para negros e brancos no mercado de trabalho. Atualmente, o termo “políticas de ações afirmativas” pode ser entendido como: [...] o conjunto de políticas públicas para proteger minorias e grupos que, em uma determinada sociedade, tenham sido discriminados no passado. A ação afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que impeçam o acesso de certos grupos ao mercado de trabalho, universidades e posições de liderança. Em termos práticos, as ações afirmativas incentivam as organizações a agir positivamente, a fim de favorecer pessoas de segmentos sociais discriminados a terem oportunidade de ascender a postos de comando. Nessa perspectiva, a sub- representação de minorias, em instituições e posições de maior prestígio e poder na sociedade pode ser considerada um reflexo de discriminação. Portanto, visa-se, por um período provisório, a criação de incentivos aos grupos minoritários, que busquem o equilíbrio entre os percentuais de cada minoria na população em geral e os percentuais dessas mesmas minorias na composição dos grupos de poder nas diversas instituições que fazem parte da sociedade (OLIVEN, 2007, p. 30). As políticas de ação afirmativa também são comumente chamadas de “políticas multiculturais”, referindo-se ao caráter das lutas políticas do movimento. Por outro lado, as políticas de ação afirmativa são entendidas pelos críticos do movimento multiculturalista como movimentos de “discriminação positiva”. DISCRIMINAÇÃO POSITIVA trata deliberadamente os candidatos de forma desigual, favorecendo pessoas de grupos que tenham sido vítimas habituais de discriminação. O objetivo de tratar as pessoas desta forma desigual é acelerar o processo de tornar a sociedade mais igualitária, acabando não apenas com desequilíbrios existentes em certas profissões, mas proporcionando também modelos que possam ser seguidos e respeitados pelos jovens dos grupos tradicionalmente menos respeitados. [...] A discriminação positiva é apenas uma medida temporária, até que a percentagem de membros do grupo tradicionalmente excluído reflita mais ou MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 11 menos a percentagemde membros deste grupo na população em geral. Em alguns países é ilegal; noutros, é obrigatória. FONTE: Adaptado de: <cadernosociologia.blogspot.com/ 2011_03_01_archive.html>. Acesso em: 30 set. 2011. MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL 3.1 AS POLÍTICAS MULTICULTURAIS NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL Para iniciar esta etapa, vamos começar discutindo a categoria raça e seu desenvolvimento histórico. Tal conceito, como veremos adiante, tem sofrido críticas quanto à sua utilização nas Ciências Sociais, da mesma forma como existe a defesa de sua utilização. Lívio Sansone (1998, p. 409) indica, por exemplo, categorias alternativas, como “racialização, relações e hierarquias raciais”, ou mesmo, o “racismo”. Existe, claro, o peso de seu passado e a ligação com teorias e políticas de cunho racistas. 3.1.1 A FRAGILIDADE DAS POLÍTICAS MULTICULTURAIS NA AMÉRICA LATINA As políticas multiculturais na América Latina têm sido insuficientes para dar conta de diminuir as desigualdades sociais ocasionadas pela exploração de vários povos, como os indígenas e os negros. Isso acontece porque, na América Latina, a discriminação dirigida a negros, índios e tantas outras minorias étnicas ocorre de forma velada, ou seja, de forma indireta e personalista, como se a questão fosse individual e não social. Ficando no nível pessoal, muitos governos não reconhecem esse problema, e, não o reconhecendo, não planejam e não executam políticas públicas nesta direção. Esse processo começa com a colonização, que em praticamente todos os países da América Latina foi de exploração. Europeus, principalmente portugueses e espanhóis, invadiram nossas terras em busca de riquezas e, para manter essas riquezas, as metrópoles e os demais países da Europa contaram com a exploração dos índios e dos negros. Inicialmente, logo que os primeiros descobridores chegaram às américas, iniciaram um processo de aculturação dos índios. Ocasionando muitos conflitos e choques culturais, e quem saiu perdendo foram os habitantes nativos da América Latina “recém-descoberta” pelos europeus, pois de forma violenta e sem condições de defesa, vários índios, dentre eles mulheres e crianças, foram mortos para que o projeto de exploração desse território pudesse ser levado adiante sem a interferência dos nativos. O processo de colonização da América Latina, que perdurou até o início do século XX, em alguns países, quase provocou a eliminação da cultura indígena e a supremacia da cultura europeia. Portanto, a diversidade cultural aqui existente foi praticamente esquecida, politicamente, e apenas no final do século XX, com as constituições federais democráticas, é que alguns países começam a tentar corrigir as injustiças praticadas contra esses povos e a iniciar um processo de resgate dessas culturas, apesar da completa extinção de muitas tribos indígenas. Vieira e Pinto (2008, p. 4) nos dizem que: As novas constituições contêm algum tipo de reconhecimento da diversidade cultural e linguística e, em alguns casos, estabelecem regimes jurídicos específicos às comunidades indígenas. Algumas respostas são mínimas e pouco satisfatórias, outras são amplas e de completa aplicação prática. É diante desse contexto – onde todos os países da América Latina foram colônias de exploração e continuam sofrendo até hoje as consequências sociais e econômicas, especificamente as culturas minoritárias, e ainda diante do processo de ditadura militar que passou a maioria dos países, a partir de meados do século XX até a década de 1980. 3.2 O SURGIMENTO DAS POLÍTICAS MULTICULTURAIS NO BRASIL As políticas multiculturais no Brasil surgiram durante o Governo Lula, no final do século XX, e ampliaram-se no início do século XXI, através da criação de diversas secretarias. Alguns elementos fundamentais para a discussão das políticas multiculturais no país são a política de cotas nas universidades, o Estatuto da Igualdade Racial e a criação das comunidades quilombolas e negras com direito à propriedade da terra e à manutenção da sua cultura. A seguir veremos que as políticas multiculturais existentes no Brasil são importantes instrumentos de ampliação e consolidação das políticas públicas para a diminuição das desigualdades sociais, na direção de um país mais justo e solidário, que leva em consideração a diversidade étnica e cultural existente em seu território. O primeiro mandato do Governo Lula teve início no dia 1º de janeiro de 2003 e se estendeu até dezembro de 2006. Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições de 2002 após três tentativas. Foi a primeira vez na história do Brasil que um ex-operário chegou ao cargo mais importante do país. Nos governos anteriores a Lula os investimentos realizados foram mais voltados para a área econômica, pois o país passava por uma grande crise, com a inflação descontrolada. Somente no governo FHC é que o país conseguiu controlar a inflação, houve alguns investimentos em programas sociais com o objetivo de amenizar as desigualdades sociais existentes no país, mas em relação às políticas culturais e o multiculturalismo: UNIDADE IIi MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 12 [...] não há registros de que o governo FHC tenha realizado um processo de debate público, ou seja, não houve uma abertura à participação popular sobre o papel da Cultura na construção de uma sociedade democrática, não inserindo a Cultura no desenvolvimento da cidadania [...] (PINTO, 2010, p. 14). Isso significa dizer que apenas no final do século XX e início do século XXI é que se iniciam efetivamente alguns investimentos em políticas multiculturais no Brasil e a cultura passa a ser considerada um dos parâmetros para o desenvolvimento do país, sendo prevista desde a Constituição Federal de 1988. O governo Lula ampliou as políticas sociais iniciadas no governo FHC. Criou o Programa Fome Zero, que consistia na transferência de renda direta para famílias com renda per capita de R$ 69,01 a R$ 137,00, com o objetivo de diminuir a miséria e a fome no país. Também foram criadas diversas secretarias com o objetivo de respeitar a diversidade étnica e cultural existente no país e diminuir as desigualdades sociais históricas, ocasionadas por questões de gênero e raça. Foram criadas a Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, bem como o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, criadas para promover a cidadania e diminuir as desigualdades sociais no Brasil, além de serem o alicerce na criação de políticas multiculturais. Isso não quer dizer que a discriminação por raça, gênero, religião, etnia e classe social tenha acabado no país, mas são políticas públicas importantes desenvolvidas através desses ministérios e secretarias, instrumentos eficazes na construção de uma sociedade brasileira mais justa e que respeite de fato a diversidade existente nesse imenso país, para que a nossa nova história seja construída com a efetiva participação de todos. 3.4 O SISTEMA DE COTAS O Brasil inicia sua trajetória no sistema de cotas adotando políticas afirmativas para dois grupos: deficientes e mulheres. Em relação aos deficientes, foram estabelecidas cotas para que possam ingressar no serviço público através de concurso, e também programas exigindo que as empresas contratem um percentual de pessoas com deficiências no seu quadro funcional. Esse ordenamento jurídico encontra seu respaldo na Constituição Federal de 1988. FIGURA 48 - O SISTEMA DE COTAS É PRODUTO DA LUTA DOS MOVIMENTOS NEGROS | FONTE: Disponível em: <http://www.politize.com.br/wp-content/uploads/2016/10/ movimento-negro- passeata.jpg>. Acesso em: 20 jun. 2017. Além disso, o Brasil fixou a obrigatoriedade de os partidos políticos terem no mínimo 20%do seu quadro eleitoral composto por mulheres. Nas universidades, o sistema de cotas começa a entrar em vigor no ano 2000, sendo que as primeiras universidades a adotarem esse sistema no vestibular, no ano de 2004, foram as universidades estaduais no Rio de Janeiro, garantindo que 50% das vagas fossem destinadas a estudantes de escolas públicas. Logo em seguida, no dia 9 de novembro de 2001, a Lei nº 3.708/01 institui o sistema de cotas para estudantes negros ou pardos, destinando 40% das vagas das universidades públicas estaduais do Rio de Janeiro. Em 2002, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a UENF passam a adotar essa política no seu vestibular. A Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) também aderem ao sistema de cotas, adotando critérios socioeconômicos ou a cor ou raça em seus vestibulares. Nesta mesma perspectiva, para reforçar as políticas multiculturais em âmbito nacional, foi criado o Programa Diversidade na Universidade, através da Lei Federal nº 10.558/02, de 13 de novembro de 2002, conhecida como “Lei de Cotas”. Existe muita resistência por parte de vários segmentos tradicionais da sociedade brasileira em aceitar a Lei de Cotas nas Universidades, pois, para estes, esta lei reforça o racismo já existente no país, fazendo com que negros e pardos ou pessoas de condições socioeconômicas desfavoráveis acessem as universidades não pelo mérito, mas pelo enquadramento em uma lei. No entanto, como citamos anteriormente, esse sistema existe para equiparar danos provocados a estas etnias e classes sociais que sempre foram marginalizadas no decorrer da história do país. Além do sistema de cotas, devem acontecer em paralelo outros programas sociais que resolvam as deficiências estruturais da sociedade brasileira, focando em áreas como educação, saúde, distribuição de renda, cultura, qualificação profissional, habitação, entre outras. O problema apresentado é que, gerando oportunidades para a camada social menos favorecida, a elite brasileira perde privilégios históricos, pois agora os seus filhos terão que concorrer a uma vaga no mercado de trabalho com as “minorias étnicas ou com os pobres”. As carreiras que antes só pertenciam a eles, como Medicina, Engenharia, Direito, dentre outros cursos elitizados, que entraram no sistema de cotas, agora tornam-se acessíveis a um maior número de brasileiros que, até então, não podiam sonhar em construir uma profissão promissora. O sistema de cotas geralmente possui um período determinado, ou seja, ele perdura até eliminar a http://www.politize.com.br/wp-content/uploads/2016/10/ MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 13 desigualdade e a exclusão ocasionadas a determinados grupos sociais, como falamos anteriormente. Ele só terminará quando os grupos sociais, que foram incluídos no sistema de cotas, estiverem inseridos de maneira digna na sociedade brasileira. 3.5 ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL Outro instrumento jurídico que reforça as políticas multiculturais no Brasil é o Estatuto da Igualdade Racial, criado em 20 de julho de 2010, através da Lei Federal nº 12.288/2010. Este estatuto visa garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica (BRASIL, 2010). O Estatuto da Igualdade Racial estabelece a inclusão da população negra nas políticas públicas de educação, cultura, esporte, lazer, saúde, respeito às suas crenças religiosas e liberdade de expressão, direito à terra e à moradia digna, políticas de inclusão da população negra no mercado de trabalho, a valorização da herança cultural negra, através dos meios de comunicação, combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica, levando em consideração critérios como gênero e classe social. Portanto, esse Estatuto significa um importante avanço na promoção da igualdade de oportunidades para a população negra no país, que desde o período de colonização sofreu as consequências de uma sociedade eurocêntrica baseada na exploração de negros, índios e mestiços, como forma de enriquecimento através de povos considerados “inferiores e subalternos”. 3.6 COMUNIDADES QUILOMBOLAS E TRADICIONAIS: UM CAMINHO PARA O RESPEITO À DIVERSIDADE ÉTNICA-CULTURAL Após grande pressão do Movimento Negro, foram criadas, em 2003, as comunidades quilombolas. Elas são definidas como remanescentes de Quilombo, com uma identidade étnica comum diferente das demais existentes no país com ancestralidade negra, criadas com o objetivo de fortalecer a cultura desses grupos e que estabelecem o direito à terra de acordo com o Decreto nº 4.887/03. Atualmente, existem cerca de 3.524 comunidades quilombolas no Brasil, em 24 estados da federação, segundo dados da Fundação Palmares. Os movimentos sociais também foram determinantes para que na Constituição de 1988 aparecesse o termo “Comunidades Tradicionais”. A partir de 2002, um conjunto de medidas governamentais possibilitou a sua implementação. Como definir o que são comunidades tradicionais? O Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, Art. 30, define povos e comunidades como (BRASIL, 2007): […] grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. FIGURA 49 - QUILOMBOS BRASILEIROS: ORGANIZANDO-SE POR DIREITOS FONTE: Disponível em: <http://racismoambiental.net.br/wp-content/uploads/2013/07/ quilombo- da- lapinha.jpg>. Acesso em: 20 jun. 2017. E os seus territórios como sendo: […] os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem o Artigo 231 da Constituição de 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações. Em 2006, o Brasil começa a organizar uma política nacional dirigida para os Povos e Comunidades Tradicionais através do Decreto de 13 de julho de 2006, criando a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT). Esta comissão integra representantes de 15 Povos e Comunidades Tradicionais e também representantes do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Ministério do Meio Ambiente, dois órgãos públicos federais aos quais esta comissão está interligada. Logo em seguida, através do Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, foi criada a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT). O PNPCT, bem como a definição e o reconhecimento das Comunidades Quilombolas, é mais um importante passo na direção da manutenção da existência e preservação da cultura de grupos marginalizados e explorados no decorrer da nossa história. Mostrando também que só é possível construir um país desenvolvido, com dignidade, respeitando a diversidade étnica. DESIGUALDADES E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL 4.1 INTRODUÇÃO Como vimos, nossa sociedade é culturalmente plural e socialmente desigual. As diversas interpretações sobre a realidade nacional apontaram para a existência de abismos profundos entre classes e grupos sociais. UNIDADE Iv http://racismoambiental.net.br/wp-content/uploads/2013/07/ MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 14 Muitos deles são oriundos da nossa concentração de renda. Outros, são vinculados a murossimbólicos erguidos em torno da cor da pele ou gênero, por exemplo. De fato, existem múltiplas camadas de injustiças e distâncias sociais na história brasileira. O Brasil é um Estado de tamanho considerável, de natureza exuberante, de terras férteis, porém, concentradas. De uma população mista, mas segregada em camadas de preconceitos. De uma indústria e serviços modernos, mas que convive com práticas patrimonialistas. A complexidade brasileira vai além. FIGURA 50 - AS MULHERES BRASILEIRAS DO CAMPO E DA CIDADE E SUAS LUTAS ATUAIS FONTE: Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/08/Feminist_Stencil_ Graffito_S%C3%A3o_Paulo_March_2012-14.jpg> e <http://jornalggn.com.br/sites/default/files/admin/ marcha-das- margaridas.jpg>. Somos os únicos complexos em todo o mundo? Nada existe de verdadeiro nessa questão. Porém, diferente de algumas nações, como algumas localizadas na Europa Ocidental, as sociedades brasileiras do passado e atuais são resultados do encontro de muitos povos. Estamos mais próximos da complexidade cultural da Índia do que da França. Todavia, as ideias dominantes que prevaleceram e ainda prevalecem e que buscam explicar nossa sociedade são, em sua maioria, europeias. Este tópico busca apresentar alguns dados e resultados de pesquisas que apontam para as enormes desigualdades múltiplas em nosso país. Elas afetam de maneira desigual os grupos sociais, resultando no aparecimento e na consolidação de grupos mais vulneráveis, sejam nos aspectos ligados à escolaridade, renda, violência, expectativa de vida ou acesso a oportunidades. De certa forma, a nossa diversidade sociocultural convive com situações extremas de vulnerabilidade e exclusão social. Isso porque haveria uma imbricação entre desigualdades e diversidade (GOMES, 2012). Assim, apesar de muitos avanços, como o fato de o Brasil ter saído do Mapa da Fome da ONU, os desafios sociais brasileiros são inúmeros. Muitos deles passam, assim, por questões estruturais ligadas à etnia e ao gênero. No mais, estas temáticas estão ligadas ao reconhecimento social e político desses sujeitos e grupos sociais. Reconhecer a injustiça e a desigualdade que está estruturalmente alicerçada à realidade brasileira. E é do ponto de vista do gênero e das relações étnico-raciais que nossas instituições sociais, públicas e privadas se tornam sensíveis ao problema da igualdade, da justiça e da redistribuição. Primeiro, adentramos nas questões ligadas ao Feminismo e suas problematizações de gênero, refletindo sobre as desigualdades encontradas em nosso país. Em seguida, abordaremos o tema do ponto de vista étnico-racial, envolvendo as populações negras, pardas e indígenas. 4.2 DENUNCIANDO AS DIFERENÇAS SOCIALMENTE CONSTRUÍDAS ENTRE OS GÊNEROS Já discutimos com profundidade o tema das relações de gênero, raciais e étnicas, apontando para a sua importância como conceito analítico. Quer dizer, como um recurso para incursões teóricas sobre o assunto nas Ciências Sociais. Porém, e isso já foi ressaltado, essas categorias teóricas acabam sendo incorporadas como conhecimento reflexivo no dia a dia, orientando nossas relações sociais mais básicas, incluindo a ação política. Basta lembrar, por exemplo, o debate proposto por Anthony Giddens sobre reflexividade do eu na nossa sociedade pós-tradicional. As categorias teóricas têm peso na vida cotidiana. Diante de determinadas injustiças, elas possuem a capacidade de orientar a ação e a mobilização social, resultando na organização de movimentos sociais, por exemplo. Novamente, devemos articular essa colocação com um assunto já abordado: a Teoria do Reconhecimento. Para o filósofo alemão Axel Honneth (2003, p. 224): “Toda reação emocional negativa que vai de par com a experiência de um desrespeito de pretensões de reconhecimento contém novamente em si a possibilidade de que a injustiça infligida ao sujeito se lhe revele em termos cognitivos e se torne o motivo da resistência política”. Assim, é constante observarmos a discussão calorosa nas redes sociais, a sua presença na política, nos meios de comunicação, na indústria cultural, nas ruas em ação. É a percepção de diferenças socialmente construídas em detrimento de alguns grupos sociais que alimenta a necessidade de agir para reconhecer esses desníveis e redistribuir os recursos em jogo, sejam eles legais, financeiros, simbólicos etc. Na luta contra a injustiça, os indivíduos percebem-se como moralmente injustiçados. Gênero e Feminismo não são as mesmas coisas. Todavia, o Feminismo é responsável pela conformação de um campo de investigações que deu origem às pesquisas sobre relações de gênero. Os estudos de gênero ganharam dimensão significativa http://jornalggn.com.br/sites/default/files/admin/ MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 15 nas Ciências Sociais nos anos 1960. Foi uma década de ascensão dos novos movimentos sociais. Essas dinâmicas que ocorriam na realidade dos anos 1960- 1970 produziram crises que colocam sob crítica os paradigmas que orientavam a reflexão sociológica e antropológica dominante até aquele momento. Tais metodologias e teorias omitiam ou silenciavam a respeito das diferenças sociais conformadas entre os sexos ou etnias e raças. O grande salto qualitativo deste momento de questionamentos foi problematizar a existência de relações de gênero não mais como algo dado, a priori e universal, isto é, natural (SCAVONE, 2008, p. 174). E qual foi a situação social dessas duas décadas, que foi significativa a ponto de fazer emergir novos paradigmas de reflexão nas Ciências Humanas? De uma maneira geral, ao longo dos últimos 60 anos, um rápido processo de transformação social, econômico e ambiental acarretou no surgimento de discussões que partiram de um entendimento mais transversal de Cultura, aproximando-a da Técnica e da Ciência, da Economia, da Comunicação e Publicidade (RUBIM; RUBIM; VIEIRA, 2005). Uma das mais impactantes é a sua aproximação com a política. A territorialização da cultura, por parte da política, e vice-versa, a partir dos profundos deslocamentos conceituais que ocorreram no último século e no início deste, resultou na ampliação dos usos possíveis da cultura, considerada agora importante recurso mobilizado por uma infinidade de agentes sociais, públicos, privados e estatais, urbanos, rurais ou tradicionais para os mais diversos fins e justificativas. Para Marta Lamas (2000, p. 13), o feminismo, ao conformar o conceito de gênero, contribui para a “compreensão de que não é a anatomia que posiciona homens e mulheres em âmbito e hierarquias distintas”, mas sim, “a simbolização que as sociedades fazem dela”. Com isso, o Feminismo e as feministas problematizam a própria tradição intelectual ocidental e os postulados que são produzidos e que legitimam mecanismos de exclusão e dominação. Essas posições tratavam-se de se distanciar do determinismo biológico, que já havia sido uma teoria hegemônica. A emergência e consolidação dos Estudos de Gênero permitiu a inclusão de diversas perspectivas sobre as relações sociais entre homens e mulheres. Questões como direitos reprodutivos, violência sexual e doméstica, desigualdades salariais, falta de representatividade nas instituições públicas, nas empresas privadas etc. Denuncia-se formas de dominação simbólica masculina e a desigualdade nas relações de poder. Segundo Livia Scavone (2008), tratou-se de desconstruir o sujeito universal iluminista por metodologias e abordagens menos totalizantes. Diante de tantas constatações da artificialidade das divisões sexuais, constatamos a persistência de inúmeras desigualdades, violências e desnível nas relações de poder entre homens e mulheres. Em países como o Brasil, a situação torna-se ainda mais dramática para as mulheres, transgêneros e comunidade gay e lésbica.4.3 RELAÇÕES ENTRE GÊNERO NA SOCIEDADE BRASILEIRA ATUAL A população feminina, segundo o Censo do IBGE (2010), representou 51,5% do total dos brasileiros. Nosso país teve como característica de suas etapas históricas anteriores a conformação de uma sociedade patriarcal e organizada em torno da unidade familiar, cujo poder estava nas mãos dos homens. Apesar de maioria, hoje, em nossa história, as mulheres foram constantemente invisibilizadas e confinadas ao lar, sendo sujeitas às lógicas da família patriarcal. O que é uma sociedade patriarcal contemporânea? Para a pesquisadora Maria do Perpétuo Socorro Leite Barreto (2004): É caracterizado por uma autoridade imposta institucionalmente, do homem sobre mulheres e filhos no ambiente familiar, permeando toda organização da sociedade, da produção e do consumo, da política, à legislação e à cultura. Nesse sentido, o patriarcado funda a estrutura da sociedade e recebe reforço institucional, nesse contexto, relacionamentos interpessoais e personalidade são marcados pela dominação e violência (2004, p. 64). Trata-se de uma relação de poder que se fundamenta naquilo que Max Weber chamou de autoridade pessoal. Neste tipo de situação, o que fundamenta a autoridade é a sujeição pessoal. Este tipo de tradição cultural dominante em nossa sociedade tem origens estruturais sociais herdadas da ocupação e dominação política portuguesa desde 1500, continuando presente e com força até os dias atuais. Todavia, as lutas e movimentos sociais têm reforçado essa característica nociva à equidade e que se encontra presente em nossa sociedade. Para Gilberto Freyre, o patriarcalismo estruturou-se no Brasil “como uma estratégia da colonização portuguesa”, cujas bases institucionais dessa forma dessa dominação foram “o grupo doméstico rural e o regime da escravidão”. Ele sugeriu que dominação era exercida pelos homens através da sexualidade “como recurso para aumentar a população escrava”, mediada “pelo arbítrio masculino no uso do sexo” (AGUIAR, 2000, p. 308). Importante entender o marco legal representado pela Constituição Federal de 1988, que redefiniu o conceito de igualdade entre homens e mulheres, com reconhecimento explícito das diferenças e da condição de desigualdade da mulher na sociedade. Porém, atualmente, a situação da mulher brasileira MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 16 continua sendo social, política, cultural e economicamente problemática. Enraizado nas heranças culturais e nas dinâmicas das diferenças de gênero, a dominação masculina, a misoginia, as muitas formas de violência e de desigualdade ainda persistem em nosso quadro social. Vamos, agora, aprofundar a reflexão sobre estes problemas de primeira grandeza. 4.3.1 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO Não é necessariamente apenas contra mulheres. Este campo inclui, também, as violências diversas perpetradas contra gays, lésbicas, transexuais e outros agentes relacionados ao universo não heterossexual. No caso das mulheres, a violência é resultado das diferenças entre o feminino e o masculino, que são transformadas em desigualdades hierárquicas pelos discursos masculinos sobre a mulher e que recaem sobre o corpo da mulher (SANTOS; IZUMINO, 2005). O interesse sobre este tipo de violência é decorrente das reflexões produzidas no âmbito do feminismo e dos estudos de gênero, com a desconstrução dos significados atribuídos à masculinidade e feminilidade. Os tipos de violência ligados ao gênero são motivados por desigualdades entre os sexos, do universo familiar ao mundo da rua e das interações sociais. Segundo Lourdes Maria Bandeira (2014, p. 451): [...] ao escolher o uso da modalidade violência de gênero, entende-se que as ações violentas são produzidas em contextos e espaços relacionais e, portanto, interpessoais, que têm cenários societais e históricos não uniformes. A centralidade das ações violentas incide sobre a mulher, quer sejam estas violências físicas, sexuais, psicológicas, patrimoniais ou morais, tanto no âmbito privado-familiar como nos espaços de trabalho e públicos. No Brasil, o campo de estudos sobre esse tipo de violência teve início nos anos 1980. Tal situação impactou o movimento feminista brasileiro e a academia, através da incorporação da categoria teórica aos temas de inserção intelectual e do cotidiano. Por exemplo, surgiram grupos de combate e atendimento às mulheres em situação de violência, sendo pioneiros os SOS Corpo de Recife (1978), São Paulo, Campinas e Belo Horizonte (década de 1980) (BANDEIRA, 2014). Tais estudos resultam das mudanças sociais e políticas no país, acompanhando o desenvolvimento do movimento de mulheres e o processo de redemocratização. Além disso, o surgimento das Delegacias das Mulheres nos anos 1980 forçou o Estado a atuar contra as violências de gênero (SANTOS; IZUMINO, 2005). Para a pesquisadora e pioneira nos estudos sobre violência de gênero no Brasil, Saffioti, a violência de gênero brota de situações complexas em que diversos fenômenos estão relacionados e impactam as relações, mas “estes nem são da mesma natureza nem apresentam a mesma capacidade de determinação” (SAFFIOTI, 2001, p. 133). É necessário refletir sobre as características das muitas violências contra a mulher, contra os gêneros, as formas de violência doméstica, sexual. Quer dizer, a violência contra o sexo feminino pode ter diversas motivações. E qual a atual situação das mulheres brasileiras em relação aos muitos tipos de violência possíveis? Para discutir esta problemática, tratamos de indicar alguns estudos e pesquisas importantes, que permitem uma avaliação da situação em nosso país. Desde já, apontamos a gravidade da situação contra as mulheres. Segundo esclarece o Mapa da Violência de 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil: A violência contra a mulher não é um fato novo. Pelo contrário, é tão antigo quanto a humanidade. O que é novo, e muito recente, é a preocupação com a superação dessa violência como condição necessária para a construção de nossa humanidade. E mais novo ainda é a judicialização do problema, entendendo a judicialização como a criminalização da violência contra as mulheres, não só pela letra das normas ou leis, mas também, e fundamentalmente, pela consolidação de estruturas específicas, mediante as quais o aparelho policial e/ou jurídico pode ser mobilizado para proteger as vítimas e/ou punir os agressores (BRASÍLIA, 2015, p. 7). Quais são os tipos de violência mais comuns contra as mulheres? Observe a imagem a seguir. FIGURA 51 – TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER FONTE: Disponível em: <http://feminicidionobrasil.com.br/>. Acesso em: 10 http://feminicidionobrasil.com.br/ MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAL, DE GÊNERO, SEXUAL, RELIGIOSA E DE FAIXA GERACIONAL PEDAGOGIA 17 ago. 2017. A omissão em discutir os problemas ligados às relações desiguais sociais, econômicas, políticas ou culturais entre homens e mulheres tem levado à constatação de uma crescente violência contra as mulheres. O Mapa da Violência 2015 indica que as taxas do Brasil são muito superiores às de vários países tidos como civilizados: 48 vezes mais homicídios femininos que no Reino Unido; 24 vezes mais homicídios femininos que Irlanda e Dinamarca; 16 vezes mais homicídios femininos que Japão ou Escócia. Entre 1980 e 2013 foram assassinadas em nosso país 106.093 mulheres. Os dados de 1980 apontavam que foram mortas 1.353 mulheres; em 2013, foram mortas 4.762 mulheres, com um aumento de 252% (BRASÍLIA, 2015). Essa mesma pesquisa indicou que: ▪ O perfil geral das mulheres vítimas de homicídios está na faixa etária dos 18-30 anos, incluindo em sua ampla maioria moças negras. Ao passo que o assassinato de mulheres brancas vem decaindo, cresce a vitimização das negras. Em média, este número aumentou 190,9%
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