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APOSTILA - PARTE 1 MEDICINA FELINA: 7 vidas de cuidados Veterinarius E.J. Apostila - "Medicina Felina: 7 vidas de cuidados" Autor: Veterinarius Empresa Júnior, vinculada à Universidade Federal de Viçosa Junho de 2021 Colaboradores: Alana Souza Câmara Ana Maria Barros Marques Daiene Gaione Costa Inara Vitória Cunha de Cássio Isabella Cristina Rocha Fernandes Isabella Velasco Barbosa Garcia Júlia Pandolfi Rocha Lauren Cardinelli Gerheim de Vasconcellos Mariana Lourdes Tibério Pereira Mariana Santos Leite Quaresma Maria Paula dos Santos Ribeiro Pedro Vieira Monteiro Vitória Régia Melo Silva Revisão: Alana Souza Câmara Gabriela Castro Lopes Evangelista Lorraine Rossi Signorelli Machado Dornelas Luís Felipe de Moura Pedrosa Mariana Silva Leite Edição e arte: Lauren Cardinelli Gerheim de Vasconcellos Orientação: Professor Doutor Artur Kanadani Campos Introdução à domesticação do gato ....................................................................... pág. 3 Dicas gerais de como conquistar a confiança do gato ....................................... pág. 3 Aspectos importantes na convivência com os felinos......................................... pág. 5 Comparação entre gato doméstico e gato selvagem ......................................... pág. 10 Hábitos alimentares dos felinos: animais carnívoros .......................................... pág. 11 Comportamento natural da espécie ....................................................................... pág. 12 Necessidades de cada fase de vida ......................................................................... pág. 22 Comportamentos esperados dos gatos ................................................................ pág. 29 Manejo amigável do felino .......................................................................................... pág. 39 Abordagem do felino na rotina clínica ..................................................................... pág. 40 Orientações ao tutor sobre preparação dos pacientes ...................................... pág. 44 Introdução ...................................................................................................................... pág. 47 Importantes doenças prevenidas pela vacinação ................................................ pág. 48 As três classes de vacinas ........................................................................................... pág. 52 Classificações da vacina felina ................................................................................... pág. 53 Vacinas disponíveis ....................................................................................................... pág. 57 Importância e orientações ao médico veterinário ................................................ pág. 61 Local de aplicação ......................................................................................................... pág. 63 Sarcoma de aplicação .................................................................................................. pág. 67 Efeitos colaterais da vacina ......................................................................................... pág. 71 Módulo 1 - Processo de domesticação e aspectos comportamentais Módulo 2 - Abordagem do paciente felino Módulo 3 - Vacinação . SUMÁRIO Alimentação úmida vs. seca....................................................................................... pág. 74 Perigos da ração a granel .......................................................................................... pág. 76 Aspectos essenciais das rações para gatos .......................................................... pág. 77 Obesidade ..................................................................................................................... pág. 79 Ingestão de água ......................................................................................................... pág. 83 Gratificação, comedouros alternativos e enriquecimento alimentar ............. pág. 85 Enriquecimento ambiental e bem-estar animal .................................................. pág. 88 Estresse de coleta ........................................................................................................ pág. 95 Tipo de material e técnica de coleta ........................................................................ pág. 96 Erros pré-analíticos ...................................................................................................... pág.106 Doenças infecciosas .................................................................................................... pág. 109 Doenças dermatológicas ............................................................................................ pág. 124 Endocrinopatias ............................................................................................................ pág. 129 Doenças cardiovasculares ......................................................................................... pág. 139 Doenças gastrointestinais .......................................................................................... pág. 144 Doenças respiratórias ................................................................................................. pág. 148 Doenças do trato urinário .......................................................................................... pág. 151 Distúrbios musculoesqueléticos ............................................................................... pág. 160 Módulo 4 - Manejo nutricional Módulo 5 - Análise laboratorial Módulo 6 - Doenças Referências ................................................................................. pág. 164 SUMÁRIO Módulo 1 - Processo de Domesticação e Aspectos Comportamentais 3 Introdução à domesticação do gato Os gatos possuem uma fama errônea de serem imprevisíveis, pois já se compreende que são verdadeiros apreciadores da rotina, apesar de manifestarem ocasionalmente comportamentos um tanto peculiares. Sabe-se também que esses animais possuem características próprias bem marcantes e talvez sejam essas particularidades que tornam a convivência com um gato uma experiência tão interessante, curiosa e encantadora. Dessa forma, vamos apresentar algumas dicas de como conviver com esses animais, aprendendo a respeitar a individualidade de cada um e tornando a relação entre tutor e pet cada vez melhor. Dicas gerais de como conquistar a confiança do gato 1. Respeite o espaço dele Com uma convivência harmoniosa, tem-se o respeito às características individuais de cada felino. Uns gostam mais de carinho, outros são mais solitários. É preciso estar atento à personalidade e aos anseios de cada felino e só se consegue isso através de tempo, respeito e muita calma durante o convívio. Se você não entende quem é seu gatinho e do que ele gosta, pode piorar essa relação, mesmo que tenha a intenção genuína de agradar. Não há problema em pegar o gato no colo, se ele gostar disso. A dica é: atenção às reações após um contato. O gato demonstra satisfação e gosta do que está sendo feito? Então pode ser feito. O gato demonstra medo, ansiedade, agressividade? Então não deve ser feito nunca mais. O melhor que você pode fazer é ficar no mesmo espaço que ele e deixar que ele se aproxime, uma vez que isso dá sensação de controle para ele. Para isso, é interessante sentar no mesmo cômodo, de preferência de costas ou de lado para parecer menos agressivo. Deve-se evitar olhar diretamente para os olhos deles (isso soa ameaçador para um gato) e é fundamental manter a calma e realizar atividades habituais e tranquilas 4 durante a interação. É imprescindível que o gato se sinta à vontade para iniciar o contato com o humano. Enquanto aguarda, uma boa alternativa é ouvir uma música tranquila, ter no ambiente um análogo sintético de feromônio felino, uma caminha confortável e brinquedos. Pode ser necessário vários dias até que o gato comece a se habituare a criar confiança, demonstrando estar pronto para iniciar o contato. Não é aconselhável acelerar ou perder a paciência, uma vez que essa fase é crucial para os próximos passos. Uma dica é deixar algo com o seu cheiro no mesmo cômodo que o gatinho, como uma blusa. Assim, ele pode se acostumar com o cheiro aos poucos. 2. Torne o ambiente seguro Para que um animal confie em você, ele precisa confiar no ambiente em que se encontra para, assim, se sentir seguro. Um gato amedrontado tende a se esconder e a evitar contatos, podendo ficar encurralado em móveis. Para incentivá-lo a sair, você precisa oferecer alternativas que ele considere seguras, como tocas, caixas de papelão, túneis e prateleiras. Posicione os esconderijos em locais estratégicos, como perto de uma janela, num cantinho que bata sol, perto de onde você vai ficar. Priorize tocas que tenham duas saídas e evite colocar em cantos nos quais o gato poderia se sentir encurralado, ou seja, é importante que ele saiba que tem uma rota de fuga. 3. Use comida Petiscos, sachês e até a própria ração, podem ser boas opções, desde que usadas com moderação. Comer é um hábito agradável para o gato e pode ser associado a você. Faça um caminho de petiscos pelo chão ou deixe um pratinho de sachê atrás de você quando estiver no cômodo. Lembra aquela blusa com o seu cheiro do item 1? É uma ótima ideia colocar uma comida perto dela! Quando o gato finalmente se aproximar, dê-lhe alguma recompensa, por exemplo carinhos físicos e verbais, petiscos e brinquedos. Assim, ele irá 5 perceber que chegar perto de você é algo positivo. 4. Brinque Quando se trata de gatos, pode-se dizer que brincar é uma ótima opção. Um gato realmente traumatizado dificilmente terá coragem de sair para perseguir um brinquedo, mas, assim que ele começar a ganhar confiança, mantenha-o ativo. Tenha bons brinquedos, principalmente os de vara, penas e fitilhos, que são de grande atração para os felinos e tente incentivá-lo a sair do esconderijo para perseguir a presa. Certifique-se de que ele consiga pegar o brinquedo algumas vezes e deixe-o curtir por um tempo antes de guardá- lo. Aspectos importantes na convivência com os felinos QUAIS OS TIPOS DE RAÇÕES EXISTENTES? Temos dois tipos básicos de refeição para eles, as secas e as úmidas, e devemos utilizá-las de forma que isso traga interesse pelo felino em comer essa ração. Porém, deve-se atentar ao fato de que não são todos os gatos que gostam de variedade na comida. Geralmente os que gostam foram apresentados a diversas texturas e sabores durante a fase de neuroplasticidade, que vai da segunda à oitava semana de vida do gato. A ração seca: Sua principal vantagem é por ser um alimento completo e balanceado. Existem diversas apresentações no mercado, de diversos sabores e preços, para cada necessidade que o felino possa ter. Outra vantagem é a durabilidade, durando muito mais tempo do que as rações úmidas, que uma vez abertas e não consumidas por um curto período de tempo, devem ser descartadas. A ração úmida: A vantagem é que ela possui muita água em sua composição, além de ser mais palatável; sendo assim, “mais saborosa”. No entanto, como desvantagem, apresenta maior predisposição ao desenvolvimento de acúmulo de placas bacterianas nos dentes, o que pode resultar em tártaro. Por fim, ao pensar nos alimentos dos gatos, o que você deve ter em mente é a idade do felino, seu estilo de vida e se há alguma patologia. Consulte o seu médico veterinário de confiança sobre isso e selecione a opção ideal para você e seu bichano. AS UNHAS DO GATO DEVEM SER CORTADAS? Os felinos que vivem na natureza e até mesmo os que têm contato com as ruas conseguem desgastar e/ou afiar suas unhas naturalmente. Por esse motivo, gatos que vivem indoor devem ter arranhadores de diferentes tamanhos e em diferentes sentidos (horizontal e vertical). No geral, não há necessidade de cortar as unhas se o felino consegue realizar esse hábito. Já os que vivem somente dentro de casa e não conseguem desgastá-las o suficiente, é indicado o corte, principalmente nos gatos mais idosos que têm dificuldade em realizar seus cuidados próprios devido às doenças articulares. Quando estiver pronto(a) para cortar as unhas dele, separe as ferramentas necessárias: cortador de unhas para gatos e uma toalha grossa. Comece brincando com as patas de seu gato para que ele se acostume a ter pessoas tocando em seus dedos. Aperte com gentileza a parte acolchoada para expor as unhas, trate-o bem, falando de forma suave enquanto trabalha, sente-se no chão ou em uma cadeira e segure seu gato com o dorso dele apoiado em seu colo, para que consiga segurar uma pata com uma das mãos e o cortador com a outra. Se seu gato lutar demasiadamente nessa posição ou tentar lhe arranhar, envolva-o na toalha grossa, expondo a cabeça e a pata, segurando firme. Posicione seu polegar 6 no topo da pata e seus outros dedos debaixo dela e pressione um pouco para expor as garras. Corte a ponta de cada garra, incluindo a do dedo do lado. Não corte a parte branca, e tenha cuidado para evitar a veia que há em cada garra. Imagem 1: unha de gato com descrição dos elementos; área sensível, unha e linha de corte. 7 DAR BANHO NO GATO É NECESSÁRIO? Gatos são extremamente conscientes da higiene pessoal, gostam de exibir uma pelagem limpa e bem cuidada, por isso se limpam por meio de lambidas durante todo o dia. Mas sabe-se que algumas experiências que os gatos resolvam experimentar podem ser um tanto caóticas, como o contato com uma substância oleosa ou grudenta, o que pode demandar uma intervenção humana. Apesar disso, a maioria dos gatos não precisa ser banhada. Uma boa escovação (diariamente, para felinos peludos, e menos regularmente para gatos de pelagem curta) ajuda a manter saudáveis a pele e o pelo. Se o animal estiver com forte odor, tente usar xampu ou mousse a seco ou lenços sem perfume e sem álcool, em vez de submetê-lo a um banho completo. Se você perceber que o gato realmente precisa tomar um banho, comece enchendo a pia ou a banheira com água na temperatura ambiente, apenas o suficiente para molhar as patas. Use um copo para jogar água no dorso (a torneira pode ser assustadora), faça uma massagem gentil, seque com a toalha e deixe-o ir embora. Acostume-o a sessões curtas sem xampu, então adicione, gradualmente, uma rápida massagem com a espuma do xampu e lave tudo. A IMPORTÂNCIA DE BRINCAR COM O GATO: Assim como peixes têm o corpo adaptado para nadar e pássaros para voar, os gatos têm o corpo adaptado para caçar. Boa parte do físico de um gato tem relação com a caça: dentes e garras de predador, patas com almofadas silenciosas, nariz 40 vezes mais potente que o humano, olhos que enxergam no escuro, orelhas rotativas que captam o ultrassom emitido pela presa, bigodes que detectam movimento apenas pela vibração do ar, dentre outros. Porém, no ambiente domiciliar ocorre uma redução dessas características naturais, que precisam ser constantemente estimuladas. Uma boa alternativa é realizar brincadeiras interativas. Um gato sem caçar ou brincar é como um peixe que não pode nadar ou um passarinho impedido de voar. As consequências físicas e psicológicas disso são inúmeras, desde depressão, apatia, medo, ansiedade, compulsões, Mas atenção: é muito importante que o gato consiga pegar a presa algumas vezes. Ela pode até escapar de novo, mas ele precisa sentir que realizou a tarefa. Por este motivo, brincar com um laser é interessante se ao final você recompensá-lo com sachês de comida, por exemplo. COMO DAR REMÉDIO PARA O GATO? O ideal é dar comprimido ao gato com auxílio de mais uma pessoa, para que uma possa segurar o animal, enquanto a outra administra o medicamento. Se isso não for possível, outra opção é sentar-se e segurá-lo entre as pernas. 8 até mesmo obesidade e problemas de comportamento, mesmo que nenhum desses sintomas seja percebido pelo proprietário. Por isso a brincadeira interativa é fundamental,tanto quanto água, ração e proteção. Enquanto os últimos contribuem para a saúde física, as brincadeiras atuam na saúde mental, o que, por consequência, sempre acaba refletindo no corpo também. Imagem 2: mulher brincando com uma vareta, interagindo com um gato Com a mão esquerda, segure firmemente a mandíbula do gato, passando sua mão por trás da cabeça, segurando na região da nuca do felino. Erga a cabeça do gato em aproximadamente 45º e com os dedos ou um aplicador, coloque o comprimido dentro da boca do animal, o mais próximo da base da língua possível. Após a administração, segure a boca do gato fechada e espere que ele realize a deglutição. Imagens 3 a 7: desenhos de gatos demonstrando a melhor forma de administração de remédios para felinos domésticos. COMO IDENTIFICAR PATOLOGIAS NO GATO? Os gatos frequentemente escondem sinais de dor, fraqueza e/ou machucados e por isso é necessário ficar atento(a) para alguns pontos que podem indicar problemas de saúde no felino e, para isso, o tutor deve estar sintonizado a quaisquer indicações sutis. Aqui estão algumas pistas para buscar e relatar ao veterinário. 9 Para ter certeza de que o comprimido foi ingerido, observe se o gato lambe o nariz depois desse processo. Em grande parte dos casos ele vai lamber o nariz depois de engolir, pois faz parte do reflexo natural de deglutição natural. Depois da administração do comprimido, o ideal é dar um reforço positivo para o gato, como um petisco, para que ele associe o comprimido a algo bom e não tente fugir na próxima tentativa. Excreção em locais não habituais. Mudanças nos hábitos alimentares. Começar a ingerir lixo repentinamente. Perda de peso considerável. Mau hálito. Mudanças no nível normal de atividade. Mudanças nos hábitos de sono. Mudanças nas interações sociais. Mudanças nos hábitos de limpeza. Esconder-se e recusar atenção constantemente. 10 Comparação entre gato doméstico e selvagem Imagem 8: comparação de medidas básicas entre um gato doméstico e um gato selvagem africano. Inicialmente, deve-se entender a diferença entre um animal selvagem e um doméstico: Selvagem é o animal que não foi domesticado pelo homem e vive em estado selvagem na natureza, habitando seu ecossistema de origem e constituindo populações que estão sujeitas à seleção natural. Doméstico é o animal cuja espécie descende de um ancestral selvagem (como os cães dos lobos) mas que passou por uma seleção artificial para conviver conosco. Esses animais apresentam diferenças significativas em seu comportamento, anatomia e genética em relação aos ancestrais selvagens. Por isso, muitos tornam-se dependentes das pessoas e têm dificuldade em sobreviver sozinhos. Os gatos são considerados animais “semidomésticos”, já que optaram por viver perto das pessoas mas não passaram por uma seleção artificial como a dos cães. Isso quer dizer que eles, em sua maioria, gostam de conviver conosco e adoram uma cama quentinha, mas também mantêm seus instintos selvagens. O DNA deles, inclusive, é muito semelhante ao DNA de seus ancestrais selvagens, o gato selvagem africano. 11 Hábitos alimentares dos felinos GOSTO NÃO É TUDO Gatos têm a reputação de serem comedores meticulosos e há uma explicação científica para isso. Eles têm apenas 473 papilas gustativas em comparação as mais de 9 mil que os seres humanos têm. Assim, pelo fato de as papilas gustativas dos felinos serem menores em número e pobremente desenvolvidas, os gatos dependem mais do olfato que do paladar. Eles não adotam o lema canino de “comer primeiro, perguntar depois” quando se trata de comida. O PODER DA PROTEÍNA Você pode se perguntar se há problema em alimentar seu gato com comida para cachorro. A resposta é: com certeza. Cães e gatos têm diferentes necessidades alimentares. A ração canina não possui alguns nutrientes que os gatos precisam, como a taurina. Esse aminoácido é necessário para a saúde dos olhos dos gatos, pois digere gorduras e mantém os músculos cardíacos saudáveis. Gatos são carnívoros e cães são onívoros. Isso significa que gatos precisam de maior quantidade de proteína animal que cães. Algumas mordidas no prato do cachorro não fará mal, mas garanta que a principal refeição de seu gato seja ração para felinos, não comida para cães. DEIXAR A COMIDA À VONTADE OU PROGRAMAR HORÁRIOS ESPECÍFICOS PARA ALIMENTAÇÃO? Muitos gatos, não importa se vivem sozinhos ou com outros, parecem se dar bem com a comida à vontade. Comem a quantidade de que precisam e param, ficando mais confortáveis em mordiscar dez a vinte vezes ao dia. Alguns gatos, no entanto, enxergam a comida à vontade como um bufê ininterrupto e se enchem até extrapolar o limite. Por isso, é fundamental observar o comportamento do felino e, a partir de seus hábitos, definir o que é mais apropriado para o oferecimento da comida. LEITE Embora muitas pessoas acreditem que gatos e leite combinam, assim como os ratos e o queijo, médicos veterinários são contra o ato de fornecer ao gato um grande pires de leite. Gatos adultos não produzem lactase suficiente para digerirem de maneira adequada a lactose encontrada no leite. Mesmo em pouca quantidade, o leite pode provocar alterações no trato gastrointestinal, como diarreia e vômito. Comportamento natural da espécie Segundo uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo (USP), quase 20% dos domicílios brasileiros possuem pelo menos um gato de estimação e, destes, 45% consideram o animal como um “filho”. 12 Essa relação entre humanos e felinos começou a se desenvolver há milhares de anos. Segundo registros antropológicos, a domesticação dos gatos se iniciou há mais de nove mil anos, na revolução neolítica, quando o homem deixou seus hábitos nômades e caçadores para algo mais sedentário e agrícola. Nessa fase, a espécie precursora Felis lybica já despertava interesse pelo seu comportamento único, carismático, independente e superior; perpetuando-se como um dos animais mais presentes em nosso cotidiano. Imagem: gato-selvagem-africano, Felis silvestris lybica. Contudo, o termo “domesticação” é algo muito discutível entre autores até os dias de hoje. Segundo alguns, os felinos passaram por um processo de “autodomesticação”, já que os humanos influenciaram pouco ou nada nessas mudanças. Outros autores afirmam que o mais correto é dizer que os felinos ainda estão em um longo processo de domesticação, visto que as suas características comportamentais e adaptativas estão ainda muito relacionadas às características dos seus ascendentes. O comportamento dos felinos também está relacionado a outros fatores além da evolução, como eventos embrionários e fetais, questões hereditárias, sociais, ambientais e sobre a habilidade materna. ORIGEM E DOMESTICAÇÃO DOS FELINOS Segundo a "Teoria da Evolução" de Charles Darwin, os gatos descendem da família Felidae, mais especificamente do gênero Felis. A espécie Felis lybica foi classificada como subespécie da atual Felis catus após análise filogenética, devido a padrões genéticos semelhantes e ao maior potencial de domesticação em comparação com outros felídeos africanos. Esse possível precursor do gato doméstico moderno costumava viver em regiões como o Oriente Médio e África. 13 Imagem: as subespécies dos felinos e suas áreas de origem Dessa forma, diferente do que muitos pensam, a relação entre felinos e humanos começou a ser concretizada na Ásia e norte da África bem antes do Império Egípcio existir. Segundo estudos, a escolha por uma local fixo de moradia pelo homem ainda na Era Neolítica levou a um aumento significativo de roedores, criando um atrativo para a instalação dos felinos nesses locais. Com o tempo, a proximidade entre as duas espécies foi aumentando e ambas foram beneficiadas. Os gatos passaram a ter maior chance de sobrevivência e melhor desempenho produtivo, e o homem tinha seu estoque de alimento preservado dos ratos. Essa aproximação foi registrada em inúmeros artefatoshistóricos egípcios, como amuletos e referências que demonstram o animal em momentos de caça, em cerca de 2300 a.C. 14 Imagem: múmias de gatos encontradas no Egito. Lá, o animal era adorado como um deus, considerado como animal sagrado e até mumificado por famílias ricas. Essa herança seguiu presente na cultura grega e romana e, a partir daí, o animal conquistou outras sociedades. Fatores pré-natais: Na Idade Média, entretanto, os gatos começaram a ser associados à bruxaria, principalmente os de coloração preta que, segundo declaração do papa Gregório IX, seriam relacionados ao “demônio”. Na Europa, o animal também começou a ser associado à peste negra, devido à transmissão ainda não conhecida pela pulga do rato. Este período de baixa popularidade da espécie felina teve fim apenas na metade do século XVIII, quando voltaram a conviver com os humanos pelo fácil tratamento e pela beleza. A partir daí, consolidaram-se como animais de companhia para os seres humanos, tal qual vemos em nossa sociedade atual. FATORES DO DESENVOLVIMENTO COMPORTAMENTAL DOS GATOS O desenvolvimento comportamental dos gatos se dá por uma complexa relação entre fatores hereditários e ambientais: Ainda no útero, a nutrição e o ambiente em que a mãe vive podem refletir no comportamento futuro do filhote. Segundo estudos (Gallo, 1980), gatas que possuem restrição nutricional durante a gestação e lactação irão gerar gatos mais emotivos e inquietos, menos interativos com a mãe e com o ambiente. Além disso, a agressividade da mãe nesses casos resulta em maiores problemas nos filhotes quanto ao desenvolvimento do Sistema Nervoso Central e quanto ao desenvolvimento neonatal, como a sucção ao mamar, abertura de olhos, crescimento, locomoção e interação. A presença da mãe também é de suma importância, já que o animal nasce dependente dela para se alimentar, limpar, regular sua temperatura e outras atividades básicas. Outros estudos (Seitz, 1959) afirmam que filhotes separados das mães antes de duas semanas de vida demoram mais para se recuperar de estímulos intensos e apresentam dificuldades de aprendizado. Desenvolvimento após o nascimento: Os gatos possuem períodos de desenvolvimento pós-nascimento mais curtos que o dos cães. Esses se dividem em etapa neonatal (0-7 dias), transição (7-14 dias), socialização (14 dias a 7 semanas), juvenil (7 semanas a 19 ou 23 semanas – maturidade sexual) e adulta (após a maturidade sexual). Nas primeiras fases, o vínculo do gatinho com a mãe é a principal forma de aprendizado comportamental pela observação. A partir da etapa de socialização, o animal passa a ter maior independência em relação à mãe, e avança para sequências comportamentais mais complexas ao desenvolver 15 Já os fatores genéticos paternos influenciam no temperamento do filhote. Segundo estudos (McCune, 1995), machos mais sociáveis geram filhos com menos problemas comportamentais, mais exploradores e sociáveis. Imagem: a nutrição e o ambiente em que a mãe vive podem refletir no comportamento do filhote. relações pessoais com outros animais. Por fim, com o amadurecimento sexual, o animal se torna adulto e busca pela reprodução e defesa territorial. A maturidade social ocorre com cerca de 36 a 48 semanas de idade. Imagem: nas primeiras fases, o vínculo do gatinho com a mãe é a principal forma de aprendizado comportamental pela observação. COMPORTAMENTO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS FELINOS Como explicado anteriormente, o processo de domesticação dos gatos se relaciona com o desenvolvimento da agricultura pelo homem e com uma alta concentração de recursos alimentares. Dessa forma, como a densidade populacional de uma colônia de gatos é ligada principalmente à quantidade de alimentos disponíveis, os felinos criaram grupos populacionais complexos logo em suas primeiras organizações. Gatos são naturalmente sociáveis, mas podem viver de forma independente conforme as características do ambiente em que vivem (como quantidade de alimento, dominância, sexo dos outros animais, por exemplo.). Por isso, eles são considerados “caçadores solitários”, devido a suas altas necessidades energéticas. Viver em grupo apresenta, porém, maiores benefícios do que viver em isolamento, o que faz com que os gatos desenvolvam fases gregárias que são responsáveis pelas interações no ambiente em que os animais vivem. As relações dos gatos em uma colônia formam combinações e interações únicas, que se tornam responsáveis pela formação da personalidade individual de cada um de seus membros. Alguns hábitos reforçam a identidade criada ali, como lamber uns aos outros, deitar-se juntos e esfregar-se sobre diferentes superfícies de forma a disseminar o odor característico dos membros daquele grupo. 16 Imagem: colônia de Gatos. COMPORTAMENTO ALIMENTAR DOS GATOS O gato doméstico mantém muitos hábitos alimentares de seus antepassados. Como o precursor Felis lybica vivia em regiões de clima árido, a ingestão de nutrientes e água dependia da caça de pequenos animais como camundongos, satisfazendo suas necessidades hídricas, nutricionais e energéticas. 17 Dessa forma, o gato é classificado como carnívoro estrito ou obrigatório, e portanto, possui adaptações anatômicas, nutricionais e fisiológicas para se abastecer com essa dieta de alto valor proteico, baixo conteúdo de carboidratos, níveis moderados de gordura e alta umidade. Imagem: a ingestão de nutrientes e água dependia da caça de pequenos animais como camundongos. Características instintivas: Os padrões específicos do comportamento alimentar felino vem de comportamentos instintivos e adquiridos: Os felinos apresentam alta atividade noturna devido à grande vulnerabilidade das presas durante a noite. Além disso, seus sentidos são altamente especializados, sua anatomia é específica e o seu comportamento predatório é intenso. Imagem: apresentam anatomia específica ao comportamento noturno. Por seu alto requerimento diário, os gatos devem caçar inúmeras vezes ao dia. O gasto energético com essas atividades predatórias (6-8 horas Características adquiridas: diárias) é muito grande, e por isso esses animais desenvolveram o hábito de cochilar várias vezes ao dia, podendo chegar a 16 horas totais. Também seguindo seu comportamento natural, os gatos tendem a se alimentar de 6 a 20 vezes ao dia em pequenas refeições, mesmo para aqueles animais com dieta ofertada. Isso reforça a necessidade de uma alimentação controlada, e não ad libitum (à vontade), buscando evitar problemas em dois extremos: obesidade e anorexia. Segundo estudos (Faraco et al., 2013), as preferências gustativas dos gatos filhotes estão ligadas à composição do líquido amniótico durante a gravidez e, consequentemente, com as substâncias absorvidas pela mãe durante a fase de gestação e lactação. Essas preferências seguem se formando no período de desmame (1º ao 6º mês de vida), quando há maior aceitabilidade a novos sabores que serão introduzidos pela mãe. Dessa forma, os filhotes acabam reproduzindo os hábitos alimentares maternos. Quando não há presença da mãe nesse processo, estudos (Zernicki&Stasiak, 2000) afirmam que felinos domésticos têm menor 18 Imagem: as preferências gustativas dos filhotes estão ligadas à composição do líquido amniótico e com as substâncias absorvidas pela mãe durante a fase de gestação e lactação. capacidade de percepção do gosto do alimento. Além disso, há fatores genéticos que também influenciam nas predileções individuais, motivo pelo qual alguns gatos que recebem dietas idênticas durante o período receptivo de palatividade podem apresentar preferências alimentares distintas. COMPORTAMENTO HIGIÊNICO DOS FELINOS Os gatos passam grande parte do seu tempo de vigília realizando autolimpeza com a língua, dentes e membros. Esse comportamento é uma de suas principais atividades, e ocorre antes do repouso, após refeições, em período de sono, momentos de estresse e como forma de evitar brigas. Na primeira semanade vida, os gatinhos são lambidos por suas mães com o objetivo de manter sua saúde, removendo sujidades, pelos soltos e ectoparasitos, estimulando micção e defecação. Ao aprender esse ritual, o gatinho passa a iniciar essas práticas por conta própria quando chega a duas semanas de vida. Por fim, quando adulto, o animal passa a gastar de 30 a 50% do seu tempo com essa prática. COMPORTAMENTO ELIMINATÓRIO Os comportamentos eliminatórios dos gatos consistem na eliminação de urina e fezes e estão ligados a cerca de 60% dos possíveis transtornos comportamentais relatados na rotina clínica de felinos; ou também relacionados a patologias. O ato de “borrifar” a urina (spraying) e urinar ou defecar fora da caixinha de areia pode ocorrer como forma de demarcação territorial, comunicação social e sexual e por preferência do animal. O local de eliminação deve estar sempre adequado ao nível de limpeza, tipo de bandeja e material utilizado como substrato. Imagem: as mães lambem os filhotes para remover as sujidades e manter sua saúde. 19 Imagem: Gato Selvagem Africano, Felis lybica, em habitat natural – Deserto de Kalahari, África do Sul. Esses hábitos também foram herdados de seu precursor, o gato doméstico Felis lybica. Como este vivia originalmente em regiões desérticas, a baixa ingestão de água a que estava habituado fez com que sua anatomia e fisiologia se adaptassem. Os gatos apresentam urina concentrada que é eliminada em baixo volume (20-40 mL/kg/dia) e frequência (três vezes ao dia em média). Além disso, a alta atividade noturna dos felinos leva a uma maior ocorrência de micção no período da manhã. Outro reflexo do comportamento primitivo é a lambedura da região perineal pela gata mãe (reflexo anogenital), com objetivo de estimular a eliminação de excretas. Nesse momento, a mãe acaba ingerindo-as e, segundo alguns autores, essa é uma maneira de evitar odores atrativos para os predadores e perpetuar a espécie. 20 O ato de enterrar excretas na fase adulta também segue esta mesma lógica. É uma atividade de grande gasto energético e de tempo. Fêmeas são mais meticulosas nesse processo, pois têm o intuito de ocultar completamente os odores de outros felinos e animais de outras espécies. Imagem: o ato de enterrar as próprias fezes tem o intuito de evitar odores atrativos para predadores. Já o spraying, além de ser uma forma de eliminação fisiológica da urina, serve também como meio de comunicação. O animal adota postura diferente da usual, em pé, com cauda erguida e direcionando a urina em superfícies verticais, de forma que a urina seja projetada sob uma maior área e que os odores fiquem na altura da cabeça dos felinos que passam pelo local. A marcação de território pela borrifação apresenta menores volumes em comparação com o ato fisiológico, não há enterramento da excreta e ocorre com maior frequência. Na urina, serão encontradas grandes quantidades de felinina, um aminoácido exclusivo do gato doméstico e de linces, e que é precursor de feromônios. O odor irá indicar o status social ou sexual do animal. Os outros felinos irão responder por meio do flehmen ou gape (semi abertura da boca, indicando ação do órgão vomeronasal), captando os feromônios e interpretando-os. Imagem: reflexo de Flehmen. COMPORTAMENTO SEXUAL DOS FELINOS O ciclo reprodutivo dos felinos tem influência da duração das horas de luz do dia. Em períodos de dias mais longos (primavera e verão), inicia-se a temporada reprodutiva, marcada por inúmeras repetições de cio e elementos comportamentais. O ciclo estral da fêmea dura de 14 a 20 dias. As gatas domésticas tendem a atingir a puberdade entre 5 e 9 semanas de vida, sendo essa data influenciada pela raça, peso corporal, presença de machos na colônia e fotoperíodo. Já os machos, atingem a maturidade sexual completa entre o 9º e 10º mês de vida, podendo apresentar comportamentos sexuais a partir do 4º mês devido a ação da testosterona no Sistema Nervoso Central. No estro, as fêmeas demonstram a maior parte de seus padrões comportamentais voltados à reprodução: vocalizam com mais frequência e 21 por mais tempo, ficam mais agitadas, seu apetite diminui, ronronam, friccionam-se em objetos, apresentam micção mais frequente e postura de cio (lordose, agachamento, cauda lateralizada, membros torácicos pressionados no chão e membros pélvicos alternando em extensão). Imagem: postura de cio. Já os machos são atraídos pelos feromônios eliminados pela fêmea e iniciam seu comportamento de corte: demarcação de território, comportamentos de dominância e intimidação (como luta, por exemplo) e vocalização em altas frequências sonoras. Imagem: acasalamento felino. 22 Necessidades de cada fase de vida O comportamento e as necessidades felinas muitas vezes são desconhecidos pelos tutores de gatos. Isso pode comprometer não apenas a qualidade de vida do animal, como também pode estar relacionado à saúde do gato, o que pode favorecer o desenvolvimento de doenças. Geralmente, esses tutores apenas levam seus gatos ao médico veterinário quando já se encontram em situações extremas, decorrentes de alterações comportamentais significativas, designadas agressivas ou inapropriadas pelo tutor. Esses comportamentos podem resultar em abandono e eutanásia, o que é extremamente injusto com os felinos. Além disso, sabe-se que a espécie felina é estoica, ou seja, são seres acostumados a “esconder a dor”, porque na natureza são presas fáceis. Agindo assim demonstram menos suscetibilidade aos predadores e se protegem. Desse modo, é nossa função, como médicos veterinários, orientar os tutores a respeito das necessidades da espécie que, quando não respeitadas, podem comprometer não somente o relacionamento tutor- animal, mas também a saúde do felino. Portanto, precisa-se ter conhecimento das necessidades ambientais do animal para que se forneça uma vida saudável e de qualidade. Felinos são animais que, devido ao comportamento ancestral selvagem, sobrevivem de caças solitárias, evitando e escapando de possíveis ameaças por meio de caças em territórios familiares, garantindo, assim, sua segurança. Dessa maneira, quando ameaçados, agem de acordo com a premissa “luta ou fuga”, sendo o primeiro método de defesa que deve ser evitado (que acontece quando se leva o animal em lugares desconhecidos, como a clínica veterinária, ou mesmo quando se coloca um novo gato em seu ambiente familiar, por exemplo). Também, como mecanismo de defesa, os animais não costumam demonstrar sinais clínicos, como dor, dificultando, assim, a detecção de doenças. Por isso a importância da orientação aos tutores quanto à medicina preventiva desses animais e aos exames de rotina, a fim de detectar precocemente possíveis enfermidades. 23 Socialmente, os felinos conseguem sobreviver em conjunto com outros gatos (em colônias), quando os recursos estão bem disponíveis, e, quando solitários, sobrevivem em busca dos recursos em maiores territórios. Quando os felinos convivem com outros animais, a preferência deve ser por animais da mesma espécie, podendo conviver em harmonia, geralmente dormindo e brincando juntos. No entanto, caso as necessidades ambientais não sejam atendidas, a convivência com outros gatos pode se mostrar conflituosa e, às vezes, até mesmo agressiva. Não raro, há confusão por parte dos tutores quanto à convivência entre os gatos residentes de uma casa. Por exemplo, se os gatos se alimentam juntos, isso não quer dizer necessariamente que eles são grandes amigos. Eles podem comer juntos porque não há outros recursos disponíveis para eles em outros locais. Porém, isso não deve ser levado como regra. É preciso observar e entender cada caso. Dessa forma, observa-se que o gato pode separar horários distintos para a realização de suas atividades em relação aos outros gatos na residência, a fim de garantir seu senso de controle. Por isso, é importante ter múltiplos locais com os recursos necessários de alimentação, ingestão hídrica, caixas de areiae locais de descanso, a fim de que os gatos possam realizar suas atividades ao mesmo tempo, porém em áreas distintas, reduzindo assim, competições por recursos, estresse e mesmo o bullying entre os animais. A introdução de novos gatos deve ser gradual, permitindo que o primeiro morador felino sinta-se no controle (com recursos em múltiplos locais), evitando comportamentos agressivos e estresse dele em relação aos gatos introduzidos. DICA: Quando for adotar mais um gatinho, opte pela adoção de um animal mais jovem. Os gatos adultos têm maior tolerância e aceitam melhor filhotes em sua colônia do que gatos mais velhos. Existem cinco pilares essenciais que devem ser estudados e levados em conta no que se diz respeito a um ambiente saudável para seu felino, sendo eles: LOCAL SEGURO Os gatos precisam de locais seguros, como locais elevados e com recursos que lhes dê a sensação de possibilidade de reclusão e isolamento para que garanta seu sentimento de segurança. DICA: 24 Um local seguro pode ser construído ou mesmo adquirido. Pode ser feito com uma caixa de papelão com uma abertura, e um telhado, permitindo acesso fácil e visualização pelo animal, garantindo sua sensação de segurança. Também, há a opção de comprar os poleiros, que permitem que o felino se alongue, ou instalar prateleiras, em diferentes alturas, o que dará a sensação de conforto, segurança, controle e ainda funciona como ótimo exercício físico. Ademais, a caixa transportadora (como gaiolas de arame abertas), utilizada principalmente para levar o animal à clínica, precisar ter o cheiro do animal, e deve ser colocada como se fosse uma mobília, deixando-a disponível no ambiente para que o gato entre e saia quando quiser e possa até mesmo tirar umas sonecas dentro dela. Imagem: ambiente (que pode ser criado em casa com papelão) como local seguro à espécie felina, por permitir que o animal se esconda e tenha acesso ao local pelo telhado construído. Imagem: casinhas, caixas e camas são importantes para acomodação, permitindo conforto, segurança e controle pelos felinos. RECURSOS AMBIENTAIS Os felinos necessitam de recursos mínimos, como comida, água, caixas sanitárias, brinquedos, locais para se alongar e dormir. Porém, esses recursos não podem e não devem ser únicos, principalmente em ambientes com mais de um gato. Assim, é interessante ter múltiplos locais com esses recursos, permitindo que o animal se sinta seguro e evite brigas e competições por recursos. Também é importante que os recursos não sejam muito próximos uns dos outros (por exemplo, comida e água juntos), sendo necessário que sejam separados e permitam que o animal procure por eles e possa usufruir de forma individual. DICA: Deixe os recursos em diversos locais do ambiente, inclusive em ambientes externos (exceto alimentos a que outros animais consigam ter acesso), para que os felinos possam alcançá-los, porém sem intimidações por outro felino, evitando estresse e mesmo doenças. Por exemplo, caso tenha dois gatos em casa, é importante ter 3 caixas de areia em locais distintos da casa (o valor mínimo da quantidade de recursos é calculada pela equação n+1). BRINCADEIRAS E COMPORTAMENTO PREDADOR Apesar dos felinos poderem conviver em colônias, eles são caçadores solitários. Esse comportamento precisa ser respeitado, permitindo que o animal tenha oportunidades, por meio de brincadeiras e interação com o tutor, de realizar atividades pseudopredatórias a fim de conquistar seus recursos de sobrevivência. O comportamento predador dos felinos consiste em localizar, capturar, matar e preparar sua presa, sendo atividades que consomem grande energia de seu dia, tanto física quanto mental. DICAS: 25 Também são importantes brincadeiras que possam imitar esse comportamento nos felinos, por meio de varinhas com pelos, simulando presas voando ou movendo-se rapidamente, porém, sem esquecer de permitir que o animal pegue o brinquedo no final, representando o momento da captura ou recompensando o animal com petiscos. Esconder os brinquedos em diversos locais permite que o animal os procure, e utilizar aqueles que possam ser manipulados, pelas patas e boca, estimula a captura e manipulação da “presa”. 26 Pode-se utilizar a comida para despertar esse comportamento predatório, escondendo-a em diversos locais do ambiente (incentivando a localização do recurso pelo gato) ou mesmo comedouros interativos, que dificultem a fácil alimentação (estimulando refeições pequenas e frequentes). Imagem: brinquedos interativos que podem ser feitos em casa ou comprados, que incentivam o comportamento normal predatório dos felinos. Imagem: comedouros interativos que podem ser feitos em casa ou comprados, a fim de estimular a cognição e os instintos naturais do felino Imagem: felino brincando com varinha, simulando presa no comportamento de caça da espécie. INTERAÇÃO SOCIAL Apesar do que muitos pensam, os gatos são sim animais que gostam de interação social! Eles se beneficiam de interações sociais regulares e amigáveis com os humanos e outros animais que tenham sido devidamente socializados e adaptados. Principalmente com gatos jovens, o manejo adequado de socialização leva a melhores interações sociais, reduzindo o medo e estresse desses animais para com os humanos. No entanto, esse contato varia de acordo com o gato, sendo algo individual (cada animal determina seus gostos quanto às interações com os tutores, por exemplo, quanto a acariciar, brincar ou ser pego), mas que, em alta frequência e baixa intensidade com humanos, dá ao gato a sensação de controle, em que ele pode iniciar, modular e até mesmo encerrar as interações com seus tutores quando desejar. DICA: É primordial que não se force as interações com os felinos, possibilitando- os que iniciem essa atividade, para que eles mantenham o controle da situação. Inicie com contatos suaves, evitando olhar fixamente ao animal, e permita que o animal cheire suas mãos para que se familiarize. Caso o animal se apresente relaxado, pode-se fazer carinhos suaves na cabeça e pescoço, evitando as regiões abdominais. Caso tenha mais de um gato em casa, busque dar atenção individualmente a cada um, sem intervenções de outros gatos. Filhotes devem ser socializados aos humanos quando num período de 2- 8 semanas de vida, com interações suaves, frequentes e mais longas (ideal que seja feito por menor número de pessoas possível), gerando melhores resultados de interações sociais, tornando-os animais mais adaptados e menos estressados. Porém, experiências negativas nesse momento podem resultar em animais mais estressados e medrosos no futuro. Felinos mais velhos podem alterar um pouco suas interações com humanos, sendo algo normal, porém todas as alterações comportamentais também podem estar relacionadas a enfermidades, sendo indicado a consulta com médico veterinário para melhores avaliações. 27 RESPEITO DO OLFATO FELINO O olfato é o principal sentido do felino, o que assegura segurança e compreensão no seu dia a dia. Esse sentido auxilia na detecção de feromônios, que estabelecem limites de segurança, além de fornecer informações sobre o estado físico e emocional do felino que realizou essa marcação como feromônio. DICA: Evite interferir nesse sentido dos gatos, por meio da redução do uso de substâncias que possam perturbar a percepção sensorial dos felinos ou alterar seus próprios cheiros e do ambiente em que vivem. Quando for necessário expor o animal a diferentes cheiros, pode-se esfregar um pano com o respectivo cheiro que se deseja introduzir em suas glândulas odoríferas (como nas regiões interdigital, perioral, temporal, nas bochechas e cauda) ou então utilizar sprays com feromônio sintético junto ao novo cheiro. O uso de feromônios sintéticos pode auxiliar na redução da ansiedade e melhorar a alimentação e uso da caixa de areia. 28 Além disso, é importante que existam locais adequadospara que o animal possa fazer suas marcações de segurança, como arranhadores. Animais que estiveram fora do ambiente familiar por certo tempo (como idas em clínicas e hospitais veterinários) ficam mais vulneráveis, o que pode predispor a interações negativas com outros animais, sendo necessário mantê-los em ambientes separados para que se acostumem novamente ao “novo cheiro”. Outra opção é utilizar feromônios sintéticos para facilitar esse processo de reintegração do animal. Imagem: localização das Glândulas Odoríferas nos felinos. Imagem: felino realizando marcações territoriais, esfregando-se no local para liberação de secreção da glândula odorífera 29 Comportamento esperado dos gatos COMPORTAMENTO NATURAL O comportamento natural dos felinos é uma combinação de sua predisposição genética, do aprendizado sob experiências anteriores e do meio em que está inserido, sendo alguns comuns a todos os indivíduos da espécie, enquanto outros são específicos de cada indivíduo. O entendimento dos padrões do comportamento felino auxiliam a identificação de comportamentos normais e anormais como também comportamentos de adaptação e má adaptação. Para melhor compreensão, é necessário avaliar as características físicas do animal, visto que estes fatores estão associados e permitem determinar as necessidades comportamentais do felino. OLHOS Os olhos dos felinos possuem características que os permitem enxergar e caçar sob a luz tênue. A córnea é abaulada, o que garante maior penetração de luz (5 vezes maior que a do ser humano) e a retina apresenta 25 bastonetes para cada cone sensível à cor, o que garante que os gatos enxerguem em baixas quantidades de luz, formando, no entanto, uma imagem difusa e sem grande distinção de cores. Isto porque devido à pouca variedade de cores das presas e ao fato de tratar-se de um animal de caça noturna, não há necessidade de enxergar variadas cores. Além disso, sob a retina desses animais há um tapete lúcido que reflete a luz garantindo que uma maior quantidade chegue aos bastonetes, fator que é responsável pela coloração verde/amarelada dos olhos felinos diante da luz. A dificuldade em pegar alimentos da mão do tutor pode ser explicada pelo cristalino, que por ter uma capacidade limitada de acomodação, faz com que a visão seja melhor acerca de 2 a 6 metros a partir do objeto visualizado. Já a sua capacidade de julgar distâncias para pular e pegar presas se dá pela sobreposição binocular, que é de cerca de 98°. As pálpebras dos felinos se abrem entre os 11º e 21º dias de vida, por isso, seus olhos não são funcionais ao nascimento e a visão se desenvolve com a experiência. Caso os filhotes sejam abrigados em ambientes que não mostrem linhas horizontais, a visão não é desenvolvida adequadamente, apesar de ainda assim apresentarem olhos estrutural e funcionalmente normais. OUVIDOS 30 Os animais são capazes de captar o som circundante, uma vez que cada orelha é capaz de se movimentar de forma independente e girar quase 180°. Para localizar o som e orientar sua cabeça, os felinos relacionam as diferenças de tempo para que o som alcance Imagem: olhos em fenda e orelhas móveis característicos dos felinos cada orelha, as diferenças de nível entre as aurículas e os efeitos da amplificação direcional das orelhas. OLFATO Os filhotes usam o olfato e o tato para encontrar as mamas da mãe. Isso ocorre devido à mielinização dos nervos olfatórios (diferente dos outros neurônios ao nascimento), na qual o impulso é passado rapidamente ao cérebro, garantindo um olfato bem desenvolvido. Os odores são utilizados para identificar a presa e os rastros deixados por outros gatos, sendo isso importante para sua organização social e reprodução. O ato de abrir a boca ou Flehmen é observado após o gato encontrar algum odor, seja por inspiração ou por lambedura, como, por exemplo, a reação de abrir a boca quando gatos machos encontram a urina de outro macho. Essa reação decorre do órgão vomeronasal, pois ao abrir a boca e inspirar, o animal bombeia saliva e odor para o órgão. TATO Para os felinos, o tato é um sentido de grande importância em suas relações dentro dos grupos sociais, o que pode ser comprovado pela importância do contato físico para eles. No entanto, a preferência do contato é individual entre os animais, de forma que alguns optam por contatos mais leves enquanto outros preferem contatos mais intensos. Os gatos não reagem à temperatura no corpo até esta alcançar 51 a 54°C, já as mucosas nasais são altamente sensíveis às mudanças de temperatura e são utilizadas para localização de presas. Além disso, os gatos possuem vibrissas táteis na face e nos membros torácicos. Na face, as vibrissas são conhecidas como os famosos “bigodes” e estão dispostas em fileiras nos lábios superiores; já as fileiras dos lábios inferiores possuem movimentação independente das outras. Os bigodes são importantes durante a localização da presa, da água e dos alimentos, visto que os felinos não conseguem enxergar objetos próximos à face, como citado anteriormente. Há ainda outras vibrissas, como as localizadas na face posterior de ambos os carpos, dorsais ao coxim acessório; o tufo superciliar localizado acima de cada olho e os tufos genais localizados entre as orelhas e a mandíbula. Essas vibrissas e esses tufos auxiliam na conscientização do espaço e no momento da caça. Imagem: vibrissas dos gatos domésticos. 31 32 PALADAR Os gatos possuem papilas em formas de cogumelo na parte frontal e nas laterais da língua, e papilas em forma de taça na parte de trás da língua, que permitem que sintam o gosto salgado, amargo e ácido. Diferentemente dos outros mamíferos, não possuem a habilidade de sentir o gosto doce, pois o receptor para doces é constituído por duas proteínas codificadas pelos genes Tas1r2 e Tas1r3, e nos gatos o gene Tas1r2 não codifica a proteína normal dos mamíferos. LINGUAGEM CORPORAL Os gatos são muito expressivos e se comunicam utilizando a linguagem corporal: modificam sua postura, a posição dos membros e das orelhas, o tamanho das pupilas e o eriçar de pêlos, numa tentativa de parecerem maiores do que são. Quando confiantes, os gatos ficam de pé sobre as quatro patas, com a cauda para cima e as orelhas voltadas para frente. Quando estão preparados para lutar, ficam de pé, eriçam os pelos e a cauda e arqueiam as costas. No entanto, quando estão com medo, seu corpo fica próximo ao chão e mantém os membros pélvicos prontos para a luta. Quando interessados, curiosos e alertas, as orelhas dos gatos ficam viradas para frente; quando assustados, ansiosos, medrosos e até agressivos, as orelhas tendem a estarem planas, podendo até mesmo se localizarem viradas para trás. Eles mantêm os olhos fixos e intensos em outros gatos ou pessoas como sinal de agressividade ou para controle da situação. Já em casos de contato tranquilo e amistoso, o contato visual é frequente e os gatos piscam diversas vezes, olhando profundamente nos olhos um do outro. Quando pouco confiantes, os gatos evitam o contato com a pessoa ou animal, desviando o olhar ou ainda realizando algum comportamento deslocado, como a autolimpeza intensa em momento não usual para a atividade, demonstrando ansiedade e evitação. 33 A cauda permanece vertical em casos de cumprimentos, durante brincadeiras e abordagens sexuais das fêmeas, e acredita-se que a cauda elevada seja um reconhecimento do status social mais elevado de outro gato, como os filhotes fazem com a mãe. A cauda baixa é vista em casos de agressão, assim como a cauda em posição côncava (vertical na base e curvada com as extremidades para o chão), que também pode ser entendida como brincadeira. Quando entre as pernas, indica que o gato deseja evitar qualquer embate. VOCALIZAÇÕES Alguns sons são observados em circunstâncias específicas, como o som feito pela mãe para os filhotes. Porém, em suma, os sons produzidos podem ser subdivididos em três categorias principais. Boca inicialmentefechada e posteriormente aberta Ronronar: é um som monótono observado em diferentes situações, mas principalmente durante o contato felino-felino e felino-humano. Também pode ser detectado em casos de dor extrema, como uma tentativa do animal em se acalmar. Miado trinado/ estridulação/ cumprimento: ocorre durante o contato felino-felino ou ainda diante do contato com uma pessoa conhecida de que se gosta. Boca inicialmente aberta e posteriormente fechada Miado: som de comunicação geral com diferentes significados devido às diferenças individuais entre gatos e às interações com o ser humano, no caso de miados direcionados para pessoas. Imagem: gato com pêlos eriçados e costas arqueadas na tentativa de parecer maior. Miado longo: versão de alta intensidade do miado comum. Não possui um significado claro durante a interação felino-felino, porém no caso de interação felino-humano pode ser indicativo de que o animal está desejando algo, como comida. Nesta classificação há também o chamado da fêmea e o chamado do miar - alto estridentemente. Sons com a boca aberta/ Sons de agressão Rugido, uivo e rosnado: são utilizados quando o animal está atacando ou ameaçando ativamente. Sibilo e som de cuspir: ocorrem em casos de agressividade defensiva, quando o gato está sendo ameaçado ou atacado. SINAIS DE ODOR Devido às glândulas localizadas ao longo da cauda, cantos da boca e laterais da testa, cada animal apresenta um cheiro particular, o que permite aos gatos reconhecer os membros de seu grupo social ou com o qual tenha conflito. Eles podem ainda cheirar ao redor do ânus como forma de cumprimento. Para disseminar seu odor, os gatos esfregam a cabeça contra objetos, pessoas e outros animais, identificando os membros de seu grupo social particular. Esta prática é tão importante que animais que se afastam do grupo são rejeitados até que possuam o mesmo cheiro novamente. A urina pode ser considerada um sinal de odor prolongado quando borrifada em superfícies verticais a fim de informar o sexo e a condição sexual aos outros gatos. O odor característico da urina se dá por meio de substâncias químicas voláteis que possuem a felinina, um aminoácido exclusivo de algumas espécies da família Felidae. Essa substância é encontrada em maiores concentrações nos machos íntegros, seguidos pelos machos castrados e fêmeas, e apesar de sua função biológica não estar definida, acredita-se que seja um precursor do feromônio. 34 35 APRENDIZADO Os padrões de comportamento para alimentação, caça, autolimpeza, marcação de território e reprodução são instintivos e refinados por meio do aprendizado e experiências adquiridas a partir do método de tentativa e erro. Portanto, animais inexperientes sabem caçar instintivamente e sua técnica é aprimorada com a experiência. Por isso, ao explorar algum objeto repetidas vezes, os gatos podem desejar uma compensação, que age como reforço positivo. Algo aversivo pode acontecer, atuando então como um reforço negativo. Ainda, pode simplesmente não ocorrer estímulo algum, passando a ideia de que não é necessário interagir com o objeto em questão. Além disso, é possível que os filhotes aprendam por meio da observação da mãe que demonstra comportamentos de caçar e de matar, como também os gatos são capazes de aprender ao observar outros gatos adquirirem uma nova habilidade. CAÇA E ALIMENTAÇÃO Os gatos são animais carnívoros obrigatórios, evoluídos para a caça de pequenos animais. Geralmente quando lhes é dado um alimento palatável, o primeiro comportamento é cheirar o alimento e lamber os lábios para posteriormente consumi-lo. Quando o alimento não é palatável, após cheirá-lo o gato lambe o focinho, podendo iniciar a autolimpeza de todo corpo. AUTOLIMPEZA O ato de se lamber é de grande importância na higienização e é visto como comportamento natural da espécie, mas também pode ser observado em casos de ansiedade, o que pode favorecer a perda de pelos e a formação de lesões cutâneas. Essa ação também pode ser realizada em outro gato ajudando a criar ou reforçar uma ligação social, sendo nestes casos denominado de alocuidados de higiene, observado entre membros de um mesmo grupo social. A autolimpeza também pode ser caracterizada como um sinal de desligamento, com o objetivo de evitar encontros agressivos com outro gato. Cerca de 8% do tempo em que os gatos permanecem acordados são utilizados para a autolimpeza, atividade favorável ao animal, visto que a lambedura auxilia na remoção de pelos soltos e parasitos da pele. ORGANIZAÇÃO E DENSIDADE SOCIAL O modo de vida e organização social dos gatos é variável: eles podem viver como animais solitários e/ou intolerantes a outros felinos, podem ser membros de grandes comunidades ou podem, ainda, variar entre esses extremos. Como dito anteriormente, suas presas são pequenos animais, mais facilmente caçados individualmente, o que faz com que os gatos sejam caçadores solitários. Apesar disso, geralmente, esses animais são uma espécie social formadora de grupos sociais complexos, que têm sua composição influenciada pela distribuição e a abundância de alimentos, como também, pelo sexo dos gatos. Em áreas de alimento abundante, os gatos se unem formando grupos estruturados. Em uma colônia, ou seja, em uma população de gatos, há relações de agregação e de antagonismo. Nas relações de agregação, os animais se cumprimentam, esfregam cabeça e corpo, podem balançar a cauda e lamber uns ao outros, a fim de criar um odor de identificação dos membros do grupo. 36 Já as relações de antagonismo tendem a ser raras em colônias selvagens. Isso porque os gatos que não possuem uma boa convivência usualmente se evitam e fazem rodízios de acesso às áreas compartilhadas. Imagem: gatos juntos compartilhando espaços de sono Além disso, frequentemente as mães formam grupos com seus filhotes e podem criá-los isoladamente ou em grupo com outras mães. Nesse caso, os filhotes deixam o ninho de forma mais precoce (até 10 dias antes) quando comparado aos animais criados em ninhada única. Os machos podem associar-se a grupos por períodos breves, o que aumenta a probabilidade de acasalamento em cios futuros com as fêmeas do grupo em questão, sem, no entanto, reduzir o tempo disponível com outras fêmeas. Os gatos são formadores de territórios delimitados a partir de sinais visuais e olfativos, por meio de arranhões em superfícies verticais e depósito de urina e/ou fezes. Ao redor do território está a amplitude do lar que pode ser compartilhada com outros gatos. Além disso, sua extensão territorial está diretamente associada à densidade de fontes de alimentos. Em regiões de alimento abundante as amplitudes do lar podem possuir apenas 0,08 hectares para fêmeas e 0,85 hectares para machos, enquanto que em regiões escassas as áreas possuem cerca de 270 hectares para fêmeas e 420 hectares para machos. ROTINA E HÁBITOS FELINOS Os gatos são considerados animais crepusculares, isto é, são mais ativos durante o amanhecer e anoitecer, passando a maior parte do dia descansando. Em dias quentes, os animais passam a maior parte do tempo deitados/estirados, enquanto que em dias frios ficam deitados e/ou enrolados. Ademais, cerca de 50% do tempo dos gatos é gasto em atividades de autolimpeza e autocuidados de sobrevivência, tais como caça e alimentação. No entanto, esses animais também são passíveis de distúrbios comportamentais. Dentre eles podemos citar: estresse, ansiedade, Síndrome de Pandora, medos e fobias. 37 ANOTAÇÕES 38 Módulo 2: Abordagem do Paciente Felino No atendimento de felinos, é necessário que a equipe veterinária esteja apta para realizar o manejo adequado do animal, uma vez que isso interfere diretamente na qualidade e na eficiência do atendimento. Para isso, a equipe veterinária precisa ser prévia e adequadamente preparada para lidar com os pacientes felinos. Além disso, é muito importante que os tutores sejam orientadoscom muito cuidado para que tenham capacidade de lidar com seus gatos. O objetivo de um manejo amigável ao felino é a diminuição do medo, da agressividade e do estresse do paciente, já que isso pode resultar em alterações nos exames físicos e laboratoriais, e, então, ocasionar equívocos na interpretação desses exames e do diagnóstico, assim como nos tratamentos e nas medicações prescritas. Fortalecer o vínculo veterinário-tutor-felino também é o intuito desse manejo e, para isso, deve-se entender as particularidades de cada paciente e de cada espécie, realizando um atendimento específico para cada caso, conforme as normas exigidas pelo The International Society of Feline Medicine (ISFM) e American Association of Feline Practitioners (AAFP). Dessa forma, o tutor sentirá maior segurança e conforto ao observar o bem-estar do felino durante a ida à clínica veterinária, propiciando o acompanhamento correto da saúde do animal por meio de consultas periódicas e de terapia preventiva. Logo, haverá aumento da expectativa de vida desses animais, o que evidencia a necessidade do manejo adequado para melhorar a qualidade do atendimento a esses pacientes. Manejo amigável do felino Para implementar o manejo amigável do gato, é importante que a equipe veterinária utilize técnicas adequadas durante o atendimento ao animal para promover seu bem-estar. Nesse processo, é necessário conhecimento e respeito ao comportamento natural do felino. 39 O manejo amigável para felinos, conhecido como catfriendly, é um conjunto de ações que visa o conforto do paciente, a segurança da equipe veterinária e a confiança do tutor. Os objetivos dessa técnica são: A recepção da clínica veterinária também deve ser treinada para o manejo amigável dos felinos e para as orientações que devem ser passadas ao tutor, sejam elas por telefone ou presencialmente. Essas medidas resultam em um ambiente confortável e seguro para o felino e para o tutor. Abordagem do felino na rotina clínica RECEPÇÃO DO TUTOR E DO GATO: Na recepção, é necessário que o ambiente disponha de uma área de espera e de uma recepção exclusiva para felinos com o objetivo de diminuir os estímulos estressantes resultantes da presença de outros animais. Como resultado de uma recepção exclusiva, garante-se um ambiente de espera tranquilo e silencioso para o animal bem como um lugar com um número menor de pessoas e trânsito de pets. A recepção deve ser dividida de forma que os felinos não interajam uns com os outros a fim de diminuir o contato visual entre eles e a possibilidade de conflito. Além da estrutura da área de recepção, é necessário ter cuidado com os odores presentes no ambiente, que podem facilitar o aparecimento precoce de estresse, anteriormente à consulta médica. Assim, o ambiente deve ser ventilado e evitar estímulos odoríferos. Diminuição do medo e da dor do paciente. Aprovação e confiança do cliente. Detecção precoce de alterações clínicas relevantes para a saúde do paciente. Redução de lesões ao tutor e aos veterinários causadas pelo felino. 40 Uma alternativa é usar odores positivos ao felino, como o Feliway spray. Para otimizar a consulta e prover um atendimento eficaz e confortável, a sugestão é trabalhar com horários agendados. Assim, reduz-se o tempo de espera e a ansiedade resultante disso, tanto para o felino quanto para o tutor. CUIDADOS NO CONSULTÓRIO: 41 Ao entrar no consultório, a caixa transportadora deve ser aberta para que seja oferecida ao paciente a escolha de permanecer ou não na caixa e ele sairá apenas quando sentir-se seguro. Enquanto o veterinário conversa com o tutor para realização da anamnese e entendimento do quadro clínico, ele deve estar atento à postura e às expressões faciais e corporais do paciente, as quais demonstram seu estado emocional. Durante a consulta, é esperado que o gato explore o consultório por conta própria, demonstrando segurança. Caso isso não ocorra, o médico veterinário deve lentamente aproximar a sua mão do felino para que ele possa cheirá-la, numa tentativa de tornar a interação positiva para ele. Se o gato continuar relutante, uma opção é remover a parte superior da caixa transportadora para que o gato possa permanecer na metade inferior durante parte do exame físico. Se não houver a opção de remover a parte superior da caixa e o gato permanecer relutante, pode-se apoiar o abdômen do paciente e tracioná-lo para fora da caixa gentilmente. É contraindicado sacudir a caixa de transporte em sentido angulado para que o gato saia por gravidade. Imagem: felino na caixa de transporte. Quando o felino sair da caixa transportadora, rapidamente guarde-a, evitando que ele retorne para dentro. A presença de um cobertor do animal que já possui seu cheiro pode agir positivamente para que se sinta mais confortável no consultório. A contenção do paciente é individual: alguns se sentem bem apenas com um carinho na cabeça e no queixo, outros ficam mais seguros quando o veterinário usa o próprio corpo para a contenção, enquanto outros necessitam de contenção com toalha ou até mesmo de contenção química. Ainda há pacientes que se sentem bem com distrações, como brinquedos e petiscos. É preciso conhecer o paciente e suas particularidades. Para a realização do exame físico, o recomendado é iniciar por áreas que apresentem menor desconforto para o animal até chegar às regiões de dores e/ou ferimentos. Antes mesmo de começar a consulta, é importante que o clínico tenha os materiais e equipamentos necessários para o atendimento do paciente, com o objetivo de reduzir o tempo de manuseio, o trânsito de pessoas e barulhos para o felino. Assim que finalizar o exame físico, deve-se apresentar a caixa de transporte para que ele entre, caso queira. Se não quiser, temos uma boa notícia: ele amou a consulta e se sente muito confortável nesse ambiente. Imagem: contenção de um paciente felino para a realização do exame físico. É importante desenvolver um atendimento personalizado e adequado para cada paciente e documentá-lo, explicitando quais técnicas de manejo funcionaram, e guardá-lo juntamente ao histórico do animal, o que contribui para agilizar e melhorar futuras visitas ao veterinário. Imagem: exame físico e ausculta de gato durante o atendimento médico veterinário. 42 DURANTE A REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS: Para a realização de procedimentos na rotina clínica, deve-se considerar a menor manipulação do felino e mantê-lo na posição mais confortável para ele, sempre que possível. O uso de toalhas e objetos do próprio paciente ou do tutor são muito bem-vindos para o manuseio e para a coleta de amostras biológicas. RETORNO PARA CASA: Ao retornar para casa depois de uma visita ao estabelecimento veterinário ou de uma hospitalização, é normal que o gato apresente alterações comportamentais causadas pelo estranhamento do ambiente. Nessas situações, o recomendado é que o tutor retorne à rotina do animal, observe as atitudes dele e tenha cuidado para não reforçar comportamentos indesejados. Se o tutor tiver mais de um gato e apenas um deles for para a consulta com o veterinário, algumas medidas podem ser tomadas para que brigas e rejeição por parte dos felinos que ficaram em casa sejam evitadas. Se já é esperado que esse comportamento ocorra quando um deles precisa ir ao veterinário, é preciso atenção. Isso porque, em caso de residências com mais de um gato, é possível que os outros felinos não aceitem imediatamente o seu retorno. Devido aos diferentes odores que o paciente pode trazer do ambiente em que estava, os demais animais da casa podem estranhar os cheiros e ficarem estressados com o gato que está sendo reintroduzido. Como solução, ao chegar da clínica veterinária, o animal pode permanecer na caixa transportadora até que os outros felinos se familiarizem com os odores novos. Se a interação for positiva, ele está pronto para voltar ao convívio com os outros. Em caso de não aceitação, nem sob essas condições,uma alternativa seria separar o gato que voltou do veterinário em um ambiente exclusivo para ele e com todos os recursos necessários. Dessa forma, é preciso observar o comportamento de todos os felinos e aumentar o contato gradativamente, respeitando o tempo de cada gato. 43 44 Além disso, pode-se envolver o paciente que está sendo reintroduzido com uma toalha ou cobertor que possua o cheiro dos demais animais da casa, na tentativa de transferir o aroma familiar para o animal que está com o odor diferente. Quem dita os próximos passos e o tempo em que eles ocorrem são os próprios felinos, por isso, Imagem: interação olfativa entre felinos no mesmo ambiente. é importante estar atento aos sinais. Orientações ao tutor A maioria dos gatos não se sente confortável em ser transportado em um automóvel, em andar numa caixa de transporte ou em ir a uma clínica veterinária. Dessa forma, mesmo que o tutor não faça nada fora do comum para levar o gato ao veterinário, eles sentem sua ansiedade e linguagem corporal, devido ao enrijecimento do seus músculos, e podem associar à ida à clínica. Portanto, deve-se ensaiar as visitas ao veterinário, assim como os exames clínicos. Nesse contexto, a caixa de transporte do pet deve ser confortável, ser espaçosa o suficiente para que ele se movimente e apresentar uma boa ventilação. A parte superior da caixa deve ser removível para que seja mais fácil colocar o gato lá dentro. É indicado o uso de Feliway spray, catnip, brinquedos e patê para que a entrada na caixa seja mais atrativa e espontânea. É imprescindível habituar o gato a ser tocado, uma vez que os gatos podem não ser muito acostumados ao toque humano, especialmente por aquele feito pelo veterinário, e podem ficar estressados com a nova sensação. Para reduzir a ansiedade, é indicado que a manipulação comece gradativamente. 45 Visitas ao veterinário podem ser estressantes tanto para o tutor quanto para o gato. Ao permanecer calmo e positivo durante a consulta, o tutor faz com que seu gato se sinta mais seguro e confortável com a situação. Uma dica é transformar a caixa de transporte em algo familiar: ao invés de deixá-la sempre guardada e utilizá-la somente quando for a hora de levar o animal ao veterinário, essa caixa pode ficar aberta num cantinho da casa, com uma coberta bem macia e com um brinquedo que ele goste. Assim, o felino vai entrar todos os dias na caixa e não irá associá-la a algo negativo. Ademais, outra dica, é não levar o animal à clínica ou ao hospital sem o auxílio de uma caixa de transporte, uma vez que ele precisa ser transportado de uma forma segura e confortável. Por fim, é necessário dirigir com tranquilidade, evitando fazer curvas bruscas ou passar por ruas muito esburacadas e evitar sacudir a caixa em geral durante o manuseio. É indicado que o tutor procure um local mais calmo para se sentar ao chegar na clínica e coloque a caixa de transporte em uma altura de média a alta: pode ser na cadeira ao lado ou em um local propício para isso, se a clínica possuir. O ideal é deixar a parte da frente voltada para si e não para outros animais. Se o gato for ansioso, medroso ou reativo, mesmo em uma clínica específica para felinos ou mista, é imprescindível levar uma toalha para cobrir a caixa enquanto estiver na recepção, assim, ele não fica exposto aos diferentes sons e odores do local. Imagem: acostumando o felino ao toque Imagem: a caixa de transporte pode ser utilizada com um cobertor macio para que o gato se familiarize. Imagem: a caixa de transporte é uma forma de transporte segura e confortável para seu gato. ANOTAÇÕES 46 Introdução 47 Módulo 3 - Vacinação Imagem: vacinas para gatos são muito importantes para a proteção do animal O sistema imunológico dos felinos engloba tecidos e órgãos distribuídos pelo organismo, acrescidos de uma rede celular especializada em defesa, na qual destacam-se, no combate a infecções, os glóbulos brancos - leucócitos, presentes na corrente sanguínea e no sistema linfático - cuja atividade concentra-se no reconhecimento e na destruição de potenciais invasores antes que se multipliquem. Toda a estrutura imunológica dos gatos visa a abnegar infestações virais, bacterianas ou agentes diversos, em prol da integridade física (e psicológica) do animal. Vale lembrar, todavia, que o sistema está passível a respostas inadequadas e. portanto, podem ocorrer reações de hipersensibilidade (alérgicas) e doenças autoimunes. Para auxiliar a dinâmica infecciosa, a vacinação ordena a síntese de anticorpos para variados microrganismos, como o Herpesvírus felino 1 (FHV-1) e o Calicivírus felino (FCV), sendo específico a cada animal o protocolo dirigido por um médico veterinário. Diferentes hábitos refletem distintas abordagens, a exemplo: vacinação para animais ambientados em abrigo difere dos felídeos residentes em domicílio, assim como daqueles com acesso irrestrito às ruas (semidomiciliados, regime que não é recomendado). O ambiente no qual o gato está inserido, seus hábitos e as circunstâncias de contato com outros animais, interferem profundamente em sua condição de saúde, fatores de risco e, por via de regra, em seu protocolo vacinal. 48 Existem ainda duas doenças (prevenidas por imunização ativa) que merecem destaque neste conteúdo: Raiva e FeLV. Ambas de natureza viral, a primeira tem caráter zoonótico (pode acometer indivíduos humanos), enquanto a última está entre as principais causas da imunossupressão em gatos. Tais doenças podem evoluir para quadros clínicos extremamente graves, elevando as chances de o felino ir a óbito. A RESPEITO DA RAIVA Doença infecciosa viral aguda causada pelo vírus do gênero Lyssavirus, da família Rabhdoviridae, que acomete diferentes espécies de mamíferos, dentre os quais incluem-se felinos e seres humanos. De extrema relevância à saúde pública, a letalidade da raiva atinge aproximadamente 100% dos pacientes. A veiculação facilitada em ambiente urbano (passível de ser transmitida por cães e gatos) pode ser eliminada a partir das eficazes medidas preventivas atuantes no mercado, tais como a prática de bloqueios de foco, vacinação humana e animal e a oferta de soro antirrábico humano. Vale reforçar o papel do médico veterinário de impulsionar a conscientização perante esses fatores, assim como de promover a compreensão dos riscos da doença e da essencialidade da vacinação. A transmissão ocorre, sobretudo, a partir do contato com a saliva de animais infectados, com destaque para a mordedura, podendo também ser disseminada através de arranhadura e/ou lambedura. Importantes doenças prevenidas pela vacinação Vale ressaltar cuidados comuns à população, tratando-se de uma doença de caráter zoonótico. Orienta-se evitar contato com felinos de vida livre, visando à prevenção contra possíveis mordidas ou arranhaduras. Além disso, métodos de controle populacional de animais nesta situação também é um tópico discutido por parte dos médicos veterinários. Nesse sentido, dentre as possibilidades, encontram-se sistemas de captura para castração e devolução ao local de origem ou captura e adoção por parte da comunidade. Independentemente dos sistemas aderidos, é papel do médico veterinário estimular a castração de animais semidomiciliados (regime não recomendado) ou não, bem como a permanência desses no interior de suas casas (felinos domiciliados), para prevenção dessa e de outras zoonoses, como a DAG (Doença da Arranhadura do Gato ou bartonelose) e a esporotricose. A doença se manifesta de duas formas: “furiosa" ou "silenciosa": Forma “furiosa” da raiva: quadro clínico mais comumente associado, tem como sintomas: tremores; desorientação; contração muscular; mandíbula caída; salivação; mudanças de apetite; convulsões; estrabismo; menores reflexos palpebrais, de córneas e pupilas; abocanhamento e mordedura repentina; respostas emocionais exorbitantes (irritabilidade e/ou medo excessivos); fotofobia; ataxia e paralisia. O quadro progridesequencialmente para coma e óbito por parada respiratória. Forma "silenciosa" da raiva: (menos comum em gatos, porém com possibilidade de ocorrência) a forma silenciosa acarreta paralisia dos neurônios motores inferiores, progredindo a partir da lesão de contato (mordida, por exemplo) até envolver todo sistema nervoso central, levando rapidamente a coma e óbito por insuficiência respiratória. A eliminação do vírus através da saliva em felinos transcorre de 2 a 5 dias antes do surgimento dos sinais clínicos apresentados e persiste continuamente (período de transmissibilidade) até o óbito do animal. O quadro progride rapidamente e, em muitos casos, o óbito acomete o animal em cerca de 5 a 7 dias após a manifestação dos sintomas da raiva. A vacinação antirrábica sofre variações conforme a localização (em um país onde a doença é endêmica ou não), sendo exigida por lei quando a região é endêmica para a raiva. Além disso, pode ser requisitada legalmente em viagem internacional em companhia do felino. O quadro clínico surge entre 2 semanas e vários meses após a infecção, a depender do local de entrada do vírus no organismo. Qualquer comportamento agressivo inexplicável ou alterado repentinamente deve ser considerado suspeito. 49 50 A RESPEITO DA FELV, RETROVÍRUS FELINO Imagem: a vacinação é de extrema importância na prevenção da leucemia viral felina As retroviroses FIV (Imunodeficiência viral felina) e FeLV (Leucemia Viral Felina) estão entre as maiores causas da imunossupressão em gatos. A vulnerabilidade imunológica trazida por esse quadro pode elevar de forma expressiva as chances de mortalidade e de infecção por doenças originadas de diversos agentes infecciosos, o que pode evoluir para casos de desnutrição e ocasionar dificuldade de cicatrização e surgimento de feridas em diferentes hospedeiros da família Felidae, além de, possivelmente, afetar o ciclo reprodutivo. Pesquisas com ensaios imunológicos e cultivo de linhagens celulares realizadas ao longo dos anos possibilitaram elucidar quase toda a biologia do vírus da leucemia viral felina. Sua replicação é restrita ao momento de divisão celular e é, geralmente, possível detectar anticorpos contra ele entre 2 e 3 semanas após o contato inicial. O vírus da FeLV é eliminado na saliva, fezes e outros fluidos corporais durante a fase virêmica, mas, raramente, as infecções originam-se em mordidas e arranhaduras decorrentes de briga, as quais ocorrem majoritariamente por contato com secreções salivares de forma prolongada, como através de recipientes compartilhados de comida ou água e lambeduras. Além disso, fêmeas em período de gestação e amamentação podem transmitir a doença para os filhotes. Sua atuação é dada sobre o sistema imunológico do animal, destruindo leucócitos e hemácias, podendo acarretar quadros cancerígenos, como linfoma, leucemia e anemia, além de possíveis infecções devido à baixa imunidade. Inicialmente, o vírus replica-se no tecido linfoide e, então, é disseminado para outros órgãos por meio de monócitos e linfócitos. Infecções por retrovírus evidenciam a integração permanente do DNA viral (provírus) no genoma do hospedeiro, portanto, uma vez infectado, o felino não elimina o vírus do organismo. Apesar disso, o provírus não permanece necessariamente ativo no genoma do hospedeiro a todo momento. O curso da infecção pode seguir diferentes formas: Infecção progressiva: Engloba a replicação intensa do vírus. Desse modo, agentes oportunistas e microrganismos patogênicos podem acarretar leucose e infecções das mucosas. Esse quadro infeccioso origina-se de uma resposta imunológica deficiente contra os vírus do FeLV e pode , geralmente, acarretar óbito do animal ao longo do tempo. Infecção regressiva: Nesse quadro, a resposta imune contra as partículas virais trabalha de forma eficaz. A replicação do vírus é contida antes de alcançar a medula e, normalmente, os animais não apresentam nenhum sinal de quadro infeccioso, sendo o vírus eliminado da circulação sanguínea. Geralmente, os anticorpos podem ser detectados até 8 semanas após a infecção inicial. Infecção abortiva: Ocorre em alguns gatos imunocompetentes, que conseguem impedir a replicação viral por meio de uma resposta imune humoral mediada por células efetivas, eliminando as células infectadas pelo FeLV. Esses gatos não se tornam virêmicos. Resultam negativos em testes de cultura viral, antígeno viral p27, RNA viral e DNA pró-viral, embora possam exibir altos níveis de anticorpos neutralizantes. Essa infecção foi observada em felinos experimentalmente infectados. Infecção focal: Notam-se focos de replicação viral em alguns órgãos, como baço, glândulas mamárias, intestino e linfonodos. 51 Felídeos infectados pelo vírus da FeLV devem ser mantidos isolados de outros animais. Tal ação tem como objetivo evitar a exposição ao FCV (calicivírus felino), por exemplo, e prevenir a transmissão do retrovírus. Determinados gatos FeLV-positivos assintomáticos devem ser vacinados contra o calicivírus por vacinas compostas por vírus morto. Reaplicações frequentes da vacina podem ser necessárias, já que tais animais possuem resposta imune deficiente, se comparada a de gatos hígidos (porém, vale lembrar que o protocolo é definido individualmente). A vacinação é amplamente aconselhável por assegurar que animais em potencial risco não sejam infectados e, por essa razão, deve-se somar técnicas de manejo na prevenção, como o uso de detergentes, por exemplo (o vírus torna-se instável fora do hospedeiro). Para prevenção da FeLV, existem no mercado diferentes tipos de vacina, todas de alta eficácia (tanto por vírus atenuado quanto vacinas recombinantes). Felinos que fizeram uso da vacina não apresentam viremia e não disseminam o vírus para outros não vacinados. OS DESAFIOS DA VACINAÇÃO CONTRA FIV 52 Imagem: teste rápido para diagnóstico de FIV/ FeLV. “ A vacinação para prevenir infecções pelo FIV ainda mostra desafios para a medicina veterinária. A única vacina comercialmente disponível (Fel- O-Vax ® FIV, Fort Dodge Animal Health) utiliza o vírus atenuado combinado com adjuvantes. Essa formulação é composta de dois subtipos distintos do FIV (A e D), sendo que a eficácia e a imunidade cruzada para outros subtipos ainda são insatisfatórias” (Tratado da Medicina Interna de Cães e Gatos). As três classes de vacinas A Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA), American Association of Feline Practicioners (AAFP) e European Advisory Board on Cat Diseases (ABCD), consensos reconhecidos mundialmente, definem três classes de vacinas: “recomendadas”, “opcionais” e “não recomendadas”. Vacinas recomendadas: Indicadas a quaisquer felinos e existentes no mercado brasileiro na forma tríplice [herpesvirose, panleucopenia (FPV) e calicivirose] e antirrábica. Tais vacinas combatem enfermidades endêmicas de alto grau de mortalidade ou que ameaçam a saúde pública de forma geral; Vacinas opcionais: Vacinas quádruplas (calicivirose, herpesvirose, panleucopenia felina, clamidiose) ou quíntuplas (calicivirose, herpesvirose, panleucopenia, clamidiose e FeLV - leucemia viral felina) existentes no mercado brasileiro. A indicação é para riscos específicos de contágio, com base na avaliação felina individual de vantagens e riscos. Vacinas não recomendadas: São aquelas cuja veracidade não é amplamente comprovada pela baixa oferta de dados de confirmação da eficácia do produto. 53 Classificações da vacina felina Imagem: anticorpos maternos são transferidos através da amamentação Vacinação inicial em ausência de MDA (‘’anticorpos maternos’’, do inglês “Maternal Derived Antibodies”): uma dose é suficiente. Em ambientes de maior probabilidade infecciosa, recomenda-se duas doses iniciais separadas por três semanas. A imunidade é adquirida de 7 a 10 dias após a segunda dose. VACINAS DEVÍRUS ATENUADO (VVA): De modo geral, dispensam adjuvantes. Compreendem a classe de vacinas que apresentam agentes atenuados ou modificados vivos em sua composição sendo, portanto, passíveis de induzir quadros clínicos discretos quando há variação da patogenicidade. Inclui, também, a classe de vacinas que apresentam organismos atenuados para redução da virulência. Sua administração induz a imunidade do animal sem desenvolver patologias significativas no tecido ou sinais clínicos de doença infecciosa. Tais vacinas promovem a imunidade à medida em que seus agentes atenuados infectam as células do hospedeiro fomentando um processo de replicação restrito, o que estimula a produção de interferona e, por consequência, induz mais rapidamente a imunidade se comparada às vacinas inativadas. O processamento do antígeno endógeno pelas células infectadas estimula uma resposta imune com predominância Th1 mediada por células T citotóxicas CD8+. Vacinas do tipo VVA podem apresentar alguns riscos, dentre os quais podem ser citados a reversão da virulência do agente vacinal e a possibilidade de causar danos aos fetos. A respeito do primeiro, a reversão está relacionada à atenuação inadequada do agente. O segundo, por sua vez, pode ser comprovado pelas vacinas contra o Parvovírus felino, cuja possível replicação nos tecidos fetais acarreta malformação e aborto. Além disso, outro ponto a ser analisado é a sensibilidade dessas vacinas a variações de temperatura durante a estocagem, sendo essencial a manutenção rigorosa da cadeia de frio para seu armazenamento (conservada entre 2 e 6 graus). 54 Vacinação inicial em ausência de MDA: com exceção da raiva (comumente dose única e imunidade alcançada após cerca de 28 dias), são aplicadas duas doses separadas por 3 a 4 semanas. A imunidade é atingida aproximadamente de 7 a 10 dias após a última aplicação. Em VACINAS INATIVADAS: Para infectar, replicar ou induzir sinais clínicos característicos da doença infecciosa, os agentes inativados necessitam de forma geral da presença de um adjuvante para ampliação de sua potência e fortalecimento da resposta imune do felino, o que pré-dispõe maior grau de reações alérgicas e/ou anafiláticas adversas. Se comparada a resposta imune das VVA (tipo Th1), as vacinas inativadas induzem uma resposta do tipo Th2, sendo mediada por células CD4+. Tal resposta pode ser inapropriada no desenvolvimento de proteção contra alguns tipos de patógenos, como os vírus em geral, mas confere maior segurança por eliminar integralmente as chances de reversão de virulência (virulência residual do agente vacinal). Para tal, os adjuvantes têm o papel essencial de promover uma imunidade mais duradoura a partir de diferentes mecanismos de resposta imune. Além disso, normalmente, requerem múltiplas doses (independentemente da idade do animal) para induzir o efeito desejado, ao passo que acarretam a formação imune mais tardia e de menor potência em comparação às VVA. Como visto, a justificativa pela qual são empregados adjuvantes encontra-se na potencialização da resposta imune do hospedeiro. Entre os mais recorrentes exemplos utilizados na vacinação humana e veterinária estão os sais de alumínio, dentre os quais destacam-se hidróxido e fosfato. Todavia, a utilização desses químicos permite a ocorrência de efeitos adversos de gravidade variável, desde reações alérgicas e inflamatórias locais à formação de granulomas que possivelmente progridem para sarcomas de aplicação em gatos, por exemplo. Porém, evidências recentes apontam que o alumínio dos adjuvantes não é, por si só, carcinogênico, mas relacionado à inflamação que, por sua vez, promove a patogênese do tumor local. 55 campanhas de vacinação, a indicação de dose de reforço em primovacinados é empregada, haja vista a duração de imunidade (DI) pós-vacinal, que varia conforme o conteúdo antigênico, tipo de vacina, via de administração e a resposta imune específica do felino. Tais alternâncias corroboram com o quadro comum de necessidade de reforço, sendo que, em duração mais curta de imunidade, há necessidade de 2 ou 3 doses na primoimunização. Vacinação inicial em ausência VACINAS RECOMBINANTES: Não há reversão de virulência. Integram bactérias ou vírus de sequências genéticas recombinadas, possibilitando mecanismos de resposta antigênica direcionada. A primeira vacina comercial produzida com a tecnologia recombinante tipo 1 foi uma vacina contra o vírus da leucemia felina (FeLV). O advento de inovações tecnológicas permitiu maior segurança, eficácia e estabilidade nos produtos biológicos, sendo as técnicas empregadas pela biologia molecular capazes de manipular genes selecionados codificadores de antígenos-chave. Dessa forma, a classe de vacinas recombinantes provém de diferentes mecanismos de engenharia genética. Nesse contexto, as vacinas recombinantes tipo 1 são advindas do desenvolvimento de proteínas purificadas utilizadas na vacinação. As vacinas tipo 2, todavia, estão relacionadas à atenuação de agentes vacinais. Por fim, as recombinantes tipo 3 compreendem aquelas que não utilizam de patógenos vivos atenuados, mas da inserção de fragmentos de DNA em vetores virais que culminam no estímulo da imunização do hospedeiro. Tal modernização tecnológica permitiu ainda a criação de vacinas de DNA que induzem a imunização do hospedeiro a partir da inoculação de fragmentos de DNA inseridos em plasmídeos. de MDA: 56 Raiva: dose única, imunidade após 28 dias. FeLV: duas doses separadas por 3 a 4 semanas, imunidade atingida de 7 a 10 dias após a última dose. Imagem: administração de vacina em felino Herpesvírus felino-1 (FHV-1; VVM, produtos sem adjuvante, parenterais e intranasais estão disponíveis); FHV-1 (inativada, com adjuvante, parenteral). Essencial. As vacinas contra o FHV1/FCV contendo MLV (Modified Live Virus - vírus vivo modificado) são essencialmente combinadas entre si, seja como produtos bivalentes ou em combinação com antígenos vacinais adicionais (por exemplo, o FPV). Calicivírus felino (FCV; VVM, produtos sem adjuvante, parenterais e intranasais estão disponíveis); FCV (inativada, parenteral sem adjuvante; contendo duas cepas de calicivírus); FCV (inativada, com adjuvante, parenteral). HERPESVÍRUS FELINO (FHV)-1 (RINOTRAQUEÍTE): CALICIVÍRUS FELINO (FCV) (CALICIVIROSE): 57 Vacinas disponíveis Após explicitar as diferentes classes de vacinas existentes no mercado (recomendadas, opcionais e não recomendadas), suas divisões (infecciosa e não infecciosa) e duas das principais enfermidades por elas prevenidas (raiva e FeLV), elas serão abordadas, individualmente, nos tópicos listados abaixo: Essencial. As vacinas contra o FHV1/FCV contendo vírus vivo modificado (MLV) são combinadas entre si essencialmente, seja como produtos bivalentes ou em combinação com antígenos vacinais adicionais (por exemplo, o FPV). Imagem: a calicivirose felina é uma enfermidade de caráter respiratório que afeta felinos domésticos 58 Clamidiose Felina; Chlamydia felis (avirulenta viva, sem adjuvante, parenteral). Chlamydia felis (inativada, com adjuvante, parenteral); Não essencial. Costuma ser utilizada sob regime de controle em animais de abrigo (com múltiplos gatos), por exemplo, em que já houve infecções associadas à doença clínica. Há relatos de que a inoculação acidental na conjuntiva promove sinais clínicos de infecção. Vírus da leucemia felina (FeLV; vírus Canarypox com vetor recombinante, sem adjuvante, parenteal). Não essencial. O teste do FeLV deve ser realizado antes da administração, visto que gatos positivos para FeLV não devem ser vacinados. Vírus da leucemia felina: FeLV (inativada, com adjuvante, parenteral) FeLV (subunidade de proteína recombinante, com adjuvante, parenteral). Não essencial. O teste do FeLV deve ser realizado antes da administração da vacina, uma vez que gatos positivos para FeLV não devem ser vacinados. Vírus da imunodeficiência felina (FIV; inativada, com adjuvante, parenteral);Não essencial. A vacinação induz a síntese de anticorpos indistinguíveis dos desenvolvidos pela infecção pelo FIV, conforme detectado clinicamente através de kits de teste. Foram relatados alguns testes sorológicos discriminatórios. Bordetella bronchiseptica (avirulenta viva, sem adjuvante, intranasal); CLAMIDIOSE FELINA (CHLAMYDIA FELIS): VÍRUS DA LEUCEMIA FELINA (FELV): VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA FELINA (FIV): BORDETELLA BRONCHISEPTICA: 59 Não essencial. A vacinação contra a Bordetella bronchiseptica pode ser considerada em circunstâncias em que os gatos possam estar sob risco específico de infecção (por exemplo, gatos em grandes grupos). Imagem: Bordetella bronchiseptica Peritonite infecciosa do felino (FIP; VVM, sem adjuvante, intranasal); Não recomendada. Há limitados estudos desenvolvidos sobre a temática. Somente animais comprovadamente negativos para o anticorpo do coronavírus no período da vacinação são prováveis de desenvolver algum grau de imunidade. Raramente um felino após as 16 semanas de idade encontra-se negativo para o anticorpo do coronavírus. Raiva (vírus Canarypox - com vetor recombinante, sem adjuvante, parenteral); Essencial em áreas onde a doença é endêmica. Vacinas recombinantes contêm vírus particularmente seguros, visto que possuem apenas o gene da glicoproteína G do vírus da raiva, relevante para a proteção, sendo avirulentas em todas as espécies aviárias e mamíferas testadas. Os poxvírus (vaccinia e canarypox) e o adenovírus expressam a glicoproteína, sendo rotineiramente aplicadas em gatos (vetor de canarypox) pela via parenteral. Raiva (inativada, produtos com adjuvante estão disponíveis, parenteral); Essencial em áreas onde a doença é endêmica. Mais estáveis à temperatura ambiente, a autoinoculação não determina riscos (diferentemente das contendo VVM). Vacinas inativadas são regra perante a proteção individual dos pequenos animais. PERITONITE INFECCIOSA DO FELINO (FIP): ANTIRRÁBICA: Mecanismos e duração da imunidade (DI) - ANTIRRÁBICA A raiva felina é controlada sobretudo pelo uso de vacinas inativadas. Entretanto, na Europa e nos Estados Unidos, a vacina antirrábica com vetor canarypox recombinante é licenciada e amplamente usada em gatos por não estar associada à inflamação no local da injeção causada pelas vacinas antirrábicas com adjuvante (Day et al. 2007). A DI após a infecção natural não pode ser avaliada, pois, após a infecção com o vírus de campo, a doença é fatal tanto para gatos quanto para cães. A DI após inoculação de produtos inativados e recombinantes disponíveis no mercado é de 3 anos, conforme desafio e estudos sorológicos realizados (Jas et al. 2012). A titulação de anticorpos costuma alcançar níveis protetores semanas após a vacinação. Quando forem necessários testes sorológicos, o intervalo entre vacinação e teste é essencial e variável conforme o produto. A folha de dados e os requisitos legais devem ser consultados. Existem vacinas que protegem comprovadamente contra o vírus da raiva por cerca de 3 anos, porém, a legislação nacional (ou local) pode exigir reforços anualmente. 60 O Grupo de Diretrizes de Vacinação (VGG) incentiva todos os legisladores a formularem políticas que concordem com os avanços científicos. Algumas vacinas podem possuir duração da imunidade confiavelmente restrita a 1 ano (antirrábicas fabricadas nacionalmente, por exemplo). Imagem: recomenda-se a aplicação na cauda ou nos membros - torácicos e pélvicos. Importância e orientações ao médico veterinário Por fim, faz-se necessário ressaltar algumas diretrizes a serem seguidas pelo profissional responsável e o tutor do felino, conforme as posições que os competem. Consideram-se aptos à vacinação animais clinicamente hígidos, com apetite e comportamento padrão, com ausência de febre ou outras alterações diagnosticadas após o exame físico, o qual deve ser necessariamente realizado de forma completa antes da aplicação de qualquer vacina no animal. O ciclo de imunização felina é de caráter individual e extremamente necessário à manutenção da saúde animal. Sendo assim, não há um “calendário vacinal” padrão referente à espécie como um todo, mas sim um protocolo variável conforme as necessidades e hábitos de cada felino. É de fundamental importância que a vacinação, como procedimento médico, propicie auxílio às necessidades de bem-estar felinas, sendo o protocolo vacinal específico ao paciente e a execução deste restrita ao médico veterinário, conforme a Resolução nº 1321 de 24 de abril de 2020, emitida pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), no Art. 4º, capítulo II: “É privativo do médico-veterinário atestar a sanidade, a vacinação e o óbito dos animais.” 61 Imagem: o protocolo vacinal varia conforme a fisiologia própria de cada felino 62 Apesar de muitas das vacinas serem comuns aos animais, o protocolo é característico à fisiologia do indivíduo. A formação acadêmica confere ao profissional saber intervir sobre as reações adversas que poderão vir a acometer o gato. Vale lembrar, porém, que os benefícios da imunização ativa superam com clareza tais riscos, que raramente acontecem. Para melhor explicitar as diretrizes, recomenda-se a leitura completa da resolução. Destaca-se, sobre essa temática, a “Seção II”: Seção II: Da Carteira de Vacinação: “Art. 6º A carteira de vacinação, além de observar o contido nos artigos 2º e 3º desta Resolução, deve conter: I – data de cada ato de vacinação com a identificação do nome, número da partida, fabricante, dose e data de fabricação e validade da vacina utilizada; II – data prevista para a revacinação, quando for o caso. § 1º A carteira de vacinação do animal deve ser única, permanente e atualizada pelo médico-veterinário responsável pelo ato de vacinação e revacinação. § 2º O médico-veterinário deve se negar a dar continuidade no preenchimento da carteira de vacinação quando esta não atender o disposto nesta Resolução. § 3º A carteira de vacinação ou de aplicação de qualquer produto em animal só pode ser assinada após concluído o trabalho. § 4º É facultado ao médico veterinário confeccionar a carteira de vacinação, respeitado o disposto neste artigo”. Por fim, vale acrescentar informações essenciais para o exercício das aplicações. Indica-se que, a depender da vacina, as aplicações deverão ser empregadas após a sorologia do felino para a patologia em questão, para prevenção de reações desnecessárias. Desta forma, é importante lembrar que felinos devem ser testados para FIV e FeLV antes de quaisquer aplicações, visto que animais positivos para a última se encontram imunossuprimidos e, por isso, é indicada a aplicação de vacinas que inoculam vírus inativados. Por via de regra, cabe ao médico veterinário oferecer ao proprietário a indicação, para averiguar a titulação de anticorpos presentes para imunidade protetora contra tais doenças, mas o tutor poderá fazer a escolha a depender de sua disponibilidade financeira. 63 Local de aplicação Além dos tipos de vacinas e suas respectivas eficácias, há outros fatores aos quais o médico veterinário deve se atentar, como a via de aplicação utilizada. Essa via pode impactar na eficácia e na durabilidade da vacina e, por isso, deve ser administrada de forma adequada. De acordo com as indicações do guia sobre vacinação da American Association of Feline Practitioners (AAFP) de 2013, a aplicação deve ser feita de forma subcutânea o mais distal possível nos membros torácicos, pélvicos ou na região da cauda. Essa forma de aplicação permite identificar mais facilmente a presença de sarcoma de aplicação, evitando o desenvolvimento de tumores e a consequente realização de cirurgias em locais de maior complexidade. Dessa forma, caso ocorra o desenvolvimento de sarcoma de aplicação, os membros podem ser amputados sem comprometer a sobrevivência do animal. É contra indicada a aplicação da vacina na porção interescapular dorsal, na qual a margem cirúrgica não é ideal.A aplicação intramuscular também não é indicada, pois dificulta a identificação precoce de um possível crescimento de tecido indesejado. Imagem: o gato e a vacinação. Imagem: locais de aplicação recomendados e não recomendados 64 Algumas indicações de aplicações de vacinas são: para a vacina trivalente de panleucopenia, herpesvírus e calicivírus, deve-se fazer a aplicação debaixo do cotovelo direito; para o Vírus da Leucemia Felina (FeLV), faz-se abaixo do joelho esquerdo; e para a raiva, abaixo do joelho direito. Imagem: administração da vacina trivalente debaixo do cotovelo direito. Imagem: administração da vacina de FELV abaixo do joelho esquerdo. Imagem: administração da vacina da raiva debaixo do joelho direito. Um estudo realizado em um grupo chamado TNR (trap-neuter-return) mostrou que gatos adultos que receberam a vacinação trivalente no terço distal do rabo e a antirrábica inativada a 2 cm de distância da trivalente, tiveram todos soroconversão para os vírus da trivalente e quase todos - apenas um não 65 O guia de vacinação da WSAVA (World Small Animal Veterinary Association), assim como o da AAFP, também indica a aplicação da vacina de FeLV o mais distal possível na pata traseira esquerda e a da raiva o mais distal possível na pata traseira direita. Outra opção, que aparenta apresentar uma maior tolerância entre os felinos, é a cauda. apresentou - para o vírus da raiva. Outra opção também apresentada nesse guia é a aplicação na pele lateral do abdômen. Ademais, deve-se manter o registro do local de aplicação das vacinas de cada felino para que possa haver uma rotação nos locais de aplicação. O registro deve ser realizado no cartão de vacina ou no prontuário junto com todas as doses e medicamentos aplicados e, desta forma, essas informações podem ser usadas para revezar entre os locais de aplicação, o que possibilita optar pela aplicação em um local e, no ano seguinte, alternar entre outros. A conclusão geral sobre o local de aplicação é que existe um consenso de que essa deve ser feita em locais que minimizem o impacto de uma remoção cirúrgica de tumor causado por sarcoma, contudo, não há um consenso sobre o local de aplicação considerado mais adequado; cada um possui suas particularidades. Imagem: locais de Vacinação recomendados pela American Association of Feline Practitioners (AAFP). 66 Dessa maneira, dentre as recomendações, sugere-se que ao montar o protocolo de vacinação de um felino, sempre se deve levar em conta o risco à patogênese do sarcoma do local de aplicação em felinos (FISS) e, portanto, incluir principalmente as vacinas consideradas essenciais, que são particulares de cada região, para evitar injeções desnecessárias. As vacinas consideradas não essenciais devem ser analisadas pelo médico veterinário responsável em cada caso, que deve avaliar o risco geográfico de contaminação das respectivas doenças. Por exemplo, na região sudeste do Brasil, onde há uma grande contaminação por FeLV, deve preocupar-se com a vacinação específica, enquanto que na região norte, onde existe uma menor contaminação, outros fatores devem ser levados em conta, como o contato com outros animais e o bem-estar do felino. Dessa maneira, é possível evitar aplicações desnecessárias que possam trazer problemas futuros ao animal. Nesse sentido, destaca-se que, em todos os guias citados anteriormente, independentemente dos riscos de aplicação, os benefícios da imunidade protetora os superam. Portanto, é muito importante que todos os felinos sejam vacinados conforme seu protocolo individual, analisado por um médico veterinário, de acordo com suas necessidades, levando em conta idade, contato com outros felinos, estado nutricional, saúde, estresse, dentre outros. Principalmente para vacinações essenciais, recomenda-se que as aplicações da vacina trivalente, Raiva, FeLV e Chlamydia felina sejam administradas de forma subcutânea. A trivalente também pode ser administrada por via intranasal, assim como a de Peritonite Infecciosa Felina (PIF) e a de Bordetella. Sendo assim, a localização da aplicação vacinal deve ser de extremo cuidado e, embora uma quantidade relativamente pequena de gatos seja realmente afetada por efeitos adversos à forma de aplicação, é importante prevenir o aparecimento de tumores relativos ao FISS que podem prejudicar a qualidade de vida do paciente, podendo, até mesmo, levá-lo a óbito. Sarcoma de Aplicação O sarcoma de aplicação é caracterizado pela presença de um nódulo solitário firme ou difuso, no qual houve previamente a administração de uma vacina ou fármaco. Desde 2013, o ano em que se fez as recomendações sobre a aplicação em locais distais dos membros torácicos e pélvicos no guia de AAFP, cujas observações foram amplamente adotadas por clínicas veterinárias, houve uma guinada no cenário do sarcoma de aplicação, visto que os tumores começaram a aparecer nos membros dos felinos, possibilitando cirurgias de remoção mais bem sucedidas, como esperado. As principais vacinas envolvidas com essa patologia são a antirrábica, a de FeLV e, também, por via subcutânea e intramuscular, a trivalente. Os felinos vacinados para FeLV possuem um risco três vezes maior que os não vacinados para desenvolvimento do sarcoma. A maioria dos tumores dessa condição são classificados como fibrossarcomas, sendo esse tipo histológico mais comum em felinos, o qual pode, entretanto, se manifestar de outras formas. Nessa classificação, existem dois tipos de apresentação clínica: a solitária, na qual o vírus do sarcoma felino (FeSV) não está envolvido, e o multicêntrico, presente em gatos mais jovens - geralmente até os 4 anos - que é causado pelo FeSV, um Oncornavirus da família Retroviridae. Os sarcomas de injeção são mais facilmente diagnosticados em gatos de até 3 anos e a baixa prevalência dessa neoplasia em relação ao número de vacinas administradas indicam fatores inerentes ao paciente. FATORES DE INFLAMAÇÃO E CARACTERÍSTICA 67 Imagem: felino com sarcoma de aplicação. O sarcoma foi identificado pelo Serviço de Patologia Cirúrgica da Universidade da Pensilvânia como muito frequente em locais de prévia administração de vacinas e seus adjuvantes, compostos presentes em alguns tipos de vacina e que parecem desempenhar papel na infecção. Os compostos de alumínio presentes nestes adjuvantes, tendo em vista a persistência imunológica e inflamatória desse produto, podem levar o felino a desenvolver essas neoplasias, as quais apresentam acentuada a moderada invasão no local em que se encontram, sendo raro o acometimento dos linfonodos da área. Geralmente, são massas estáveis que subitamente começam a crescer. Apenas a inflamação causada pela vacinação não é suficiente para induzir a neoplasia. Fatores que envolvem o paciente também interferem no surgimento dessas massas, de forma que os fibroblastos e miofibroblastos das células (que atuam na cicatrização) aparentam sofrer alterações na presença de antígenos, como os dos adjuvantes da vacina, e se tornam malignos, desenvolvendo o sarcoma. Os sarcomas de tecidos moles são protuberantes, palpáveis e com consistência de semi firme a firme. São 68 encontrados na derme, no tecido subcutâneo, no tecido muscular e músculo- facial mais profundo. Na presença de qualquer nódulo no local de aplicação que persista por mais de três meses após a vacinação e que cresça subitamente, desconfie do fibrossarcoma vacinal. Imagem: característica do nódulo resultante do sarcoma deaplicação. DIAGNÓSTICO Primeiramente, é preciso realizar uma anamnese referente às possíveis aplicações vacinais ou as de outros medicamentos e comparar se coincide com o local de surgimento do nódulo ou não. É importante perguntar sobre o surgimento e o tempo de crescimento, bem como anotar o tamanho, a cor e o aspecto geral da massa. Para diagnóstico, é essencial a realização do exame histopatológico para análise do material,mas também deve-se realizar os exames físicos, checando a forma, consistência e aderência do nódulo. Além disso, deve-se checar mucosas e tempo de preenchimento capilar, palpar linfonodos, fazer auscultação, checar se há aumento do volume abdominal, entre outros procedimentos realizados para um exame clínico completo. Também são utilizados no diagnóstico a biópsia incisional, a tomografia, a radiografia do tórax e a radiografia e ultrassonografia do abdômen para a análise de metástases, que se manifestam comumente nos pulmões e nos linfonodos. Apesar da patologia apresentar uma baixa taxa de ocorrência de metástases (10-24%), é importante se atentar aos exames. A observação por microscópio pode ser dificultada e, por isso, a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética podem ajudar na avaliação do sarcoma e do seu contato com tecidos adjacentes e ossos, tornando-se um auxiliar importante na preparação para ressecção cirúrgica. Por fim, exames complementares como hemograma completo, bioquímico e urinálise podem ser feitos para conhecimento da saúde geral do felino. A sorologia do vírus da imunodeficiência felina (FIV) e FeLV, principalmente FeLV, pode auxiliar na avaliação do prognóstico. 69 1 Imagem: características citológicas do FISS. Imagem: características histológicas do FISS. TRATAMENTO A abordagem para todos os casos de sarcoma é a ressecção cirúrgica, a qual deve ter um planejamento prévio adequado para evitar chances de recidivas, uma vez que, no caso dessa patologia, são altas: cerca de 30 a 70% em períodos aproximados de 6 meses. Em humanos e cachorros é comumente utilizada a ressecção em blocos, mas isso não é possível nos felinos, com exceção dos membros, que podem ser amputados. Assim, o tratamento, independente do prognóstico, consiste na inicial ressecção radical, porém, na presença de tumores grandes, ou seja, em prognósticos desfavoráveis, não há como saber se apenas um procedimento cirúrgico será eficiente e, por isso, o tratamento é comumente associado à quimioterapia ou à radioterapia. 70 Essas são terapias que devem ser associadas à ressecção e não apresentam muitas respostas isoladas. A quimioterapia pré-operatória tem o intuito de diminuir o tumor e a pós-operatória de aumentar o tempo livre da doença, eliminando possíveis metástases. Imagem: preparo para ressecção cirúrgica do sarcoma de aplicação. PREVENÇÃO Como o sarcoma de aplicação possui um tratamento difícil, o ideal é apostar na profilaxia. A prevenção consiste, como mencionado, em elaborar um plano de vacinação adequado: não aplicar vacinas desnecessárias e não vacinar para doenças de fácil manejo e tratamento clínico. Assim, é essencial seguir os protocolos de vacinação indicados pelo AAFP e WSAVA. Além de realizar a aplicação nos membros torácicos e pélvicos da forma mais distal possível, o ideal é não misturar vacinas e não aplicá-las no mesmo dia. Ademais, quando possível, evitar a via intramuscular e utilizar a subcutânea para causar menos irritação nos locais aplicados. O médico veterinário também deve alertar os tutores para observarem o crescimento de qualquer massa no local de aplicação da vacina ou do fármaco. 71 Efeitos colaterais das vacinas De acordo com a Diretriz de Vacinação WSAVA, eventos adversos são definidos como "quaisquer efeitos colaterais ou consequências não pretendidas (incluindo falta de proteção) associadas à administração de uma vacina [...]” e podem estar relacionados ou não à vacinação. Por isso, todos os eventos adversos devem ser relatados, estejam diretamente associados à vacina ou não. Qualquer lesão, toxicidade ou reação de hipersensibilidade pode corresponder a efeitos colaterais, assim, é recomendado que todos os médicos veterinários participem da vigilância referente às vacinas, relatando todas as reações observadas ao fabricante e/ou ao órgão regulamentador, se existir. Isso pois os fabricantes e os órgãos regulamentadores só conseguem observar efeitos tardios a partir dessa comunicação e é por esse meio que são alertados para eventuais problemas relacionados à segurança e à eficácia de seu produto, o que pode levar a investigações adicionais. Dessa forma, mais estudos epidemiológicos e laboratoriais irão complementar as informações sobre a vacina em questão, inclusive recriando-a de acordo com os efeitos adversos encontrados e fornecendo, assim, mais segurança aos animais. PREVALÊNCIA DE EFEITOS ADVERSOS PÓS VACINAÇÃO Como todo produto biológico, a vacina não é desprovida de risco. Entretanto, dentre as vacinas atualmente disponíveis no mercado, as felinas apresentam bons registros de segurança e de eficácia. Os sintomas mais comuns após a vacinação são: letargia, anorexia, febre e inflamação local na região de aplicação. Em alguns casos, pode haver anafilaxia, embora não seja muito comum. Os efeitos adversos são raros em felinos, apesar disso poder ser, em parte, relacionado ao descuido de médicos veterinários e tutores em relatarem os efeitos colaterais aos órgãos responsáveis. Um estudo realizado no hospital Banfield Pet Hospitals nos EUA, de 2002 a 2005, em que 0.5 milhões de gatos foram vacinados e as reações adversas coletadas dentro de 30 dias, apresentou uma taxa de 0.52% de efeitos adversos. Cerca de 92% desses eventos ocorreram nos 3 primeiros dias após a aplicação e o principal efeito coletado dentre 1699 de 2560 gatos foi a letargia (54%). Outros efeitos foram dor ou inchaço no local de aplicação (25%), vômito (10%), edema facial ou periorbital (6%) e prurido generalizado (2%). Quatro gatos vieram a óbito, sendo dois deles atribuídos à anafilaxia. Nesse estudo, nenhuma vacina foi considerada mais reativa. O risco foi maior entre gatos com aproximadamente 1 ano de idade e entre 72 aqueles que receberam vacinas diferentes concomitantemente. Em outros estudos, a taxa de reação fica entre 1 e 3%, mas isso pode variar de acordo com o uso de produtos diferentes, modo de aplicação e com a forma de vigilância do país. Imagem: gato apresentando vômito, um dos possíveis efeitos colaterais davacina. REAÇÕES ALÉRGICAS E MONITORAMENTO PÓS VACINAÇÃO Apesar de raras, a anafilaxia ou reações alérgicas são as reações adversas mais comuns após a vacinação. Nos gatos, essa reação pode se manifestar como diarreia, vômito, dificuldade respiratória, prurido facial ou generalizado, inchaço facial ou colapso. Em casos como esses, a revacinação deve ser evitada já que a reação costuma ser uma hipersensibilidade a algum ingrediente vacinal. Contudo, caso não seja possível, é indicado que se use um tipo de vacina diferente. O médico veterinário também pode pré medicar o paciente com antialérgicos, como anti-histamínico e glicocorticóide (2020 AAHA/AAFP Feline Vaccination Guidelines), 20 minutos antes da aplicação e mantê-lo na clínica ou hospital para observação após vacinado. Além disso, recomenda-se que os veterinários e tutores monitorem os gatos pós vacinação usando o método “3,2,1” em que é necessário fazer biópsia em qualquer massa presente se: (3) permanece presente até 3 meses após a vacinação; (2) possui mais de 2 cm de diâmetro e (1) está aumentando de tamanho 1 mês após a vacinação. Caso o felino apresente massa com algum desses critérios, o ideal é que a biópsia não seja feita por punção aspirativa de agulha fina, pois esse método geralmente não consegue identificar a patogênese do sarcoma do local de injeção, aumentando o risco de mortalidade por essa patologia. 73 ANOTAÇÕES 74 Módulo 4 - Manejo Nutricional Imagem: gato se alimentando em um comedouro Alimentação úmida x seca: Devido a sua praticidade, as rações secas são as mais utilizadas pelos tutores. Esse tipo de alimento possui maior durabilidade, pois pode ser armazenado à temperatura ambiente e permanecer por mais tempo na vasilha em que o animal se alimenta. Os preços são bastante variáveis, tendo em vista a existência de diversas categorias, tal como as rações “standard”, “premium” e “superpremium”; além das categorias com especificidades de acordo com a idade e higidez do felino. As rações standard são de menor custo devido aos tipos de ingredientes usados em sua formulação, porém, possuem menor digestibilidade e absorção de nutrientes, sendo necessário ofertá-las ao animal com maior frequência. Já as rações premium possuem maior absorção e aproveitamento pelo animal devido a sua maior qualidade nutricional, que proporciona diversos benefícios para pele, para os pelos e para o trato intestinal, por exemplo. Essa categoria de ração pode ser ofertada em menor quantidade ao longo do dia, gerando, ainda assim, sensação de saciedade. Por fim, as rações super premium, apesar de seu preço mais elevado, possuem em sua composição ingredientes selecionados que proporcionam alta digestibilidade, além de excelente qualidade voltada para a saúde e para o bem-estar animal. Os felinos são animais que, naturalmente, ingerem menos água e têm maior tendência a doenças renais. Isso ocorre pois são menos sensíveis à desidratação e levam mais tempo para restabelecer seu balanço hídrico através do consumo espontâneo de água. Ademais, são capazes de produzir urina mais concentrada, o que os ajuda a compensar a perda excessiva de água. Todas essas adaptações indicam que a baixa ingestão hídrica notada no comportamento dos felinos decorre de seu processo evolutivo a partir de carnívoros que habitavam zonas desérticas. Desse modo, a melhor maneira de garantir o consumo adequado de água por esses animais é através da oferta de água fresca e limpa a todo momento e, também, por meio da introdução de uma dieta úmida. Além do cheiro e do sabor mais atraentes para os felinos, esse tipo de alimentação possui maior grau de umidade e uma textura macia, o que facilita a trituração e a deglutição pelos gatos, principalmente pelos filhotes e pelos idosos. Essa dieta, no entanto, pode gerar custos mais elevados e apresentar menor durabilidade pois requer armazenamento mais cauteloso, o que talvez seja mais trabalhoso para tutores que permanecem longos períodos fora de casa. Dessa forma, o ideal seria a combinação das dietas, levando sempre em conta as especificidades nutricionais de cada gato, avaliadas por um médico veterinário capacitado. A avaliação de um profissional é sempre necessária, sendo imprescindível também caso haja interesse em introduzir uma alimentação mais natural ou mais orgânica (não proveniente de processamento industrial), para que não ocorra nenhum déficit nutricional durante esse manejo. 75 Imagem: comedouro com ração úmida e comedouro com ração seca. 76 Perigos da ração a granel e riscos dessa alimentação As rações a granel são aquelas que ficam disponíveis em grandes compartimentos nas lojas especializadas e são pesadas de acordo com a demanda do cliente. Esse tipo de alimentação surgiu com o intuito de gerar menores custos aos tutores, tendo em vista que não há gastos com embalagens. Entretanto, as rações nessas condições ficam expostas ao ambiente, podendo ser contaminadas por microrganismos, sobretudo, por bolores e leveduras, o que pode causar a perda de seus nutrientes. Por isso, torna-se perceptível uma diferença no índice de vários compostos em comparação à indicação no pacote original. Dessa forma, apesar da elevação no preço, a embalagem industrial é essencial para garantir a durabilidade e a qualidade do alimento oferecido ao animal. Imagem: expositor de ração a granel Além disso, comumente, as rações de menor custo (standard), que são ofertadas nessas condições, possuem corantes alimentícios em sua formulação com o intuito de melhorar a aparência desses alimentos. Todavia, esses compostos não possuem valor nutricional algum e podem aumentar os índices de sódio no alimento, bem como diminuir a carga proteica, além de ocasionar alergias, indigestão e problemas mais graves a longo prazo, como o comprometimento das vias urinárias. Sendo assim, esse tipo de alimentação pode e deve ser eliminado da dieta dos felinos domésticos. 77 Aspectos essenciais das rações para gatos Os rótulos das rações são de extrema importância para os tutores, uma vez que grande parte desses consumidores dependem exclusivamente das informações ali contidas para avaliar o valor nutricional e a palatabilidade do alimento que irão fornecer ao seu animal. Ao observarmos a composição de uma ração, é necessário notar os chamados “níveis de garantia”. O Ministério da Agricultura exige que seja declarado nos rótulos os seguintes níveis: umidade (máx.); proteína bruta (mín.); extrato etéreo (gordura - mín.); fibra bruta (máx.); matéria mineral (máx.); cálcio e fósforo (mín.). As rações standard apresentam valores mais próximos do mínimo recomendado para proteínas e gorduras, e mais próximos do máximo recomendado para fibras, matéria mineral e cálcio. As rações premium possuem níveis intermediários, enquanto que as super premium têm níveis elevados de proteína e de gordura e níveis inferiores de fibras e de material mineral. Ao analisarmos os níveis de garantia de uma ração, devemos observar o quanto eles se afastam dos mínimos e dos máximos. A Fediaf (Federação Europeia da Indústria de Alimentos para Animais de Estimação) recomenda níveis proteicos para gatos no mínimo entre 25 e 33%, e de gordura no mínimo 9%. Ao tentar decidir entre rações com níveis de garantia e ingredientes semelhantes, é possível escolher a melhor por meio da análise de presença de ingredientes funcionais, os quais além de funções nutricionais básicas, geram também benefícios fisiológicos e metabólicos. Os mais frequentes nos alimentos de felinos são os prebióticos; os probióticos; os antioxidantes naturais; a L-carnitina; a glucosamina; a condroitina; os ácidos graxos poli-insaturados e os minerais quelatados. Todos esses compostos são mais comumente encontrados em rações super premium, uma vez que sua adição eleva o preço do alimento. Além disso, é imprescindível observar não somente um nível proteico elevado, mas também quais e quantas são as fontes dessas proteínas. As proteínas de origem animal possuem alta palatabilidade, digestibilidade e são ricas em aminoácidos essenciais. Contudo, quando avaliamos outras fontes, como farinhas de carne e de ossos, as mais utilizadas pela indústria, 78 elas podem conter matéria mineral acima do recomendado na alimentação. Um modo de reduzir esse problema é associando as fontes de origem animal com as de origem vegetal. Nesse contexto, também é válido analisar as fontes de carboidratos. Arroz, milho e sorgo são ingredientes energéticos que apresentam boa digestibilidade para gatos. Outros ingredientes, como farelo de trigo e de arroz, são menos energéticos e podem apresentar excesso de fibras, que são de grande importância, porém, sempre na quantidade adequada e sem exageros. Com relação à quantidade de gordura, suas fontes podem ser animal ou vegetal. A maioria das rações possui ambas, o que as tornam mais palatáveis, mas encarecem o produto. Rações standard contêm níveis bem próximos aos mínimos recomendados, enquanto as super premium contêm níveis mais elevados. A gordura é a principal fornecedora de energia em rações, então, deve estar presente em todos os alimentos para gatos em quantidades moderadas, conforme os parâmetros. De maneira geral, os alimentos com quantidade muito baixa de gordura são de qualidade inferior, exceto quando se trata das rações light, indicadas para casos específicos a depender de cada animal. Sobre o processamento do alimento industrializado, é necessário que ele esteja bem moído e cozido. Ao partir o grão da ração, é possível notar que os de melhor qualidade não apresentam partículas grandes ou mal processadas em seu interior, mas são homogêneos e aerados. Além disso, os de qualidade superior não geram quantidade excessiva de pó no fundo da embalagem. Por fim, deve-se notar que algumas rações, sobretudo as standard e algumas premium, contêm uma lista desubstitutivos, ingredientes que não fazem parte da composição básica do produto, mas que o fabricante pode acrescentar a qualquer momento. Isso não indica que a ração é de má qualidade, no entanto, a qualidade desses substitutivos deve ser individualmente avaliada. Caso sejam poucos ingredientes e todos eles de qualidade igual ou superior àqueles da composição básica, não há problemas. Mas caso sejam em quantidade muito grande e de qualidade inferior, essas rações devem ser evitadas. A obesidade é um problema muito recorrente em cães e gatos e pode ser descrita como uma patologia na qual o acúmulo de gordura corporal é a principal característica, sendo esse acúmulo danoso à saúde do animal, como afirma German (2006). Segundo Carciofi (2005), as causas da obesidade podem ser divididas em naturais ou adquiridas, sendo as naturais fatores genéticos, raça, idade e alterações hormonais; enquanto as causas artificiais são exemplificadas pelo sedentarismo/falta de atividade física, castração, utilização de medicamentos e pela oferta irresponsável de alimentos. Outro ponto importante demonstra o tutor como a principal causa de vícios alimentares do animal (Aptekmann et al., 2014). 79 Obesidade Além disso, o ambiente também é outra variável imprescindível, uma vez que esse influencia diretamente nos hábitos, no comportamento e na alimentação do animal, o que pode ocasionar a obesidade. Imagem: gato com obesidade Segundo Feitosa et al. (2015), a obesidade está intimamente relacionada ao manejo nutricional e a deposição anormal de gordura, no entanto, caso não seja tratada, pode ocasionar o aparecimento de doenças secundárias, as quais desencadeiam respostas do sistema imunológico, digestivo, cardiovascular, respiratório e osteoarticular. Consequentemente, há a diminuição da qualidade e da expectativa de vida do animal, além de deixá- lo mais suscetível a patologias de caráter infeccioso. Ademais, em casos de procedimentos cirúrgicos, a obesidade pode agir como complicador durante a realização (Lazzarotto, 1999). Dessa forma, o manejo nutricional dos gatos torna-se muito importante para o manuseio da doença. Assim, como exemplo, o cálculo da ração é um dos fatores para o sucesso do tratamento da obesidade que tem por objetivo provocar a redução do peso corporal dos animais. 80 No entanto, para que o manejo alimentar, visando a perda de peso, seja instituído é muito importante que seja feito um levantamento do histórico completo do animal por meio de uma anamnese detalhada e por meio da realização de exames laboratoriais, como urinálise, proteína total e fragmentada, perfil hepático, prova de função renal, hemograma, e, se possível, eletrocardiograma e radiografias, principalmente em animais idosos ou excessivamente obesos. Essas informações são importantes para identificação do estado geral do animal e também do estado endócrino, bem como para a avaliação de complicações patológicas secundárias que podem necessitar de adaptações específicas durante o processo de emagrecimento (Lazzarotto, 1999). Os tutores desempenham papel fundamental durante o tratamento. Sendo assim, eles devem adotar a postura de não oferecerem ao animal nenhum tipo de alimento que não esteja dentro do planejamento estratégico e de seguirem rigorosamente o plano de exercícios físicos, determinando assim o sucesso do tratamento (Mendes et al., 2013). O manejo nutricional deve ser feito de forma que haja um aporte calórico estrito, como foi relatado por Case et al. (2010). Foi analisado que uma redução de 60 a 70% da quantidade de calorias para gatos seja necessária para que haja a perda de 1,0 a 1,5% do peso corporal a cada semana. No entanto, é analisado que uma perda superior às porcentagens propostas pode gerar complicações secundárias, como a lipidose hepática felina, a qual é consequência do catabolismo acelerado de gorduras. Para que isso seja evitado, é necessário que se reavalie o peso do animal com frequência e, caso necessário, podem ser feitas modificações na dieta de modo a acompanhá-lo durante o processo de emagrecimento. Segundo Freeman et al. 2011 e Veiga (2008), com a restrição alimentar espera-se que haja uma redução de 15% do peso corporal em um período de 10 a 20 semanas. TRATAMENTO DA OBESIDADE FELINA Normalmente, as dietas devem apresentar níveis elevados de proteína como energia metabolizável (EM) e baixos níveis de gorduras e carboidratos. Um gato obeso normalmente deve consumir entre 130 a 150kcal/dia para poder estimular a perda de peso. Deve-se atentar para o fato de que essa redução deve ser de gordura e não de massa magra, portanto, manter os níveis protéicos na ração é muito importante para essa manutenção. Nesse caso, muitas rações úmidas podem ser consideradas prejudiciais à dieta, pois, além de apresentarem alta taxa de gordura e calorias, seus constituintes protéicos não apresentam boa digestibilidade e absorção (ZORAN, 2009). A suplementação com L-carnitina é importante e auxilia na manutenção da massa magra durante a perda de peso. A L-carnitina estimula a oxidação de gorduras liberando energia para síntese de proteínas quando necessário (GERMAN, 2010) e auxilia no transporte de ácidos graxos para as mitocôndrias, onde ocorre a conversão em energia (GUIMARÃES & TUDURY, 2006). A perda de peso de forma rápida deve ser evitada em animais obesos, por estimular o catabolismo e ocasionar, possivelmente, a instalação de doenças metabólicas permanentes. Portanto, é importante estabelecer os níveis calóricos a serem administrados durante o tratamento. Para isso, pode-se utilizar a fórmula matemática: DER (Kcal ME/d) = RER x 0,8 Sendo DER o quanto de energia deve ser perdido por dia, multiplicado pela ME, que corresponde a energia metabolizável por dia, que é igual a energia necessária em repouso (RER, que corresponde à [70x IMCF (Kg)0,75] x 0,8) (BECVAROVA, 2011). Outra forma de cálculo para o estabelecimento do tratamento da obesidade é dividido em fases que estabelecem quantas calorias devem ser consumidas pelo animal e quantas gramas de ração ele precisará consumir por dia, facilitando o estabelecimento do tratamento. Porém, esse tratamento deve ter um acompanhamento semanal para o estabelecimento de novos parâmetros e ajustes (GUIMARÃES & TUDURY, 2006). 81 Tabela - adaptada: exemplo de programa de emagrecimento e controle da obesidade felina. Disponível em: GUIMARÃES & TUDURY, 2006 Ademais, o estímulo à atividade física é outro ponto importante a ser considerado, mas isso não é uma tarefa fácil, e envolve uma mudança na rotina do gato que causa a redução de horas de sono. O estímulo pode ser por meio de brinquedos, penas em hastes, casas para animais, túneis, prateleiras de acesso, bolas de liberação gradual de alimento; com atenção à quantidade de ração que está contida na dieta do animal. O estímulo para o animal andar, pular e realizar atividades físicas é necessário, mas deve ser realizado de forma tranquila para evitar possíveis estresses e comportamentos agressivos ao animal. Assim, o proprietário precisa ter insistência, em virtude dos gatos serem teimosos quanto às mudanças de estilo de vida (Germany, 2010). De acordo com Becvarova (2011), as avaliações metabólicas devem ser realizadas também como forma de avaliação da condição metabólica do animal, a fim de se analisar uma possível melhora ou a presença de um catabolismo exagerado, o que pode refletir na perda de massa magra e no desenvolvimento de doenças. 82 Ingestão de água A água é um dos nutrientes mais importantes para a sobrevivência dos seres vivos. Mesmo que um animal perca quase toda a sua gordura corporal, e mais da metade de suas proteínas, ele ainda consegue sobreviver. No entanto, caso o animal perca cerca de 10% da água corporal, isso resultaria em sua morte. A água está em grandes porcentagens no corpo dos animais e dos seres humanos, sobretudo, localizada em órgãos, tecidos e células, onde possui funçõesessenciais à vida, por exemplo, na ocorrência da maioria dos processos metabólicos e das reações químicas, na atuação como um solvente que facilita as reações celulares, como um meio de transporte para substâncias e gases essenciais à respiração e por possuir um alto calor específico que absorve o calor gerado pelas reações metabólicas. Contribui, ainda, para a regulação da temperatura corporal, participa do processo de digestão e de hidrólise de macromoléculas, facilita a interação entre componentes dos alimentos com as enzimas digestivas e participa da excreção de substâncias pelo rim. Todos os animais sofrem perdas diárias de água que ocorrem por meio da via urinária, por meio da urina; da via digestiva, por meio das fezes; da via respiratória, durante a respiração, e por meio dos processos de regulação da temperatura corporal, que liberam água. Em virtude disso tudo, o consumo de água deve ser realizado de forma a suprir essas perdas. Dessa forma, a ingestão de água por um animal de estimação é feita a partir de três fontes possíveis. 1. Água presente em alimentos; 2. Água metabólica; 3. Água potável. Nesse sentido, a ração comercial seca pode conter até 7% de água; já as dietas úmidas, contém cerca de 84%. Isso exemplifica que, dentro dos limites, aumentando-se o teor de água de um alimento, esse torna-se mais aceitável pelo animal, o que é exemplificado pelo aumento do consumo da ração seca quando o proprietário adiciona um pouco de água antes da alimentação, conforme analisado por Case et al. (2011). Assim, um estudo 83 comprovou que cães e gatos conseguem viver sem fonte de água potável, apenas com o consumo de dietas com teores de água superiores a 67% de umidade. Os cães e gatos possuem a habilidade de compensar as mudanças da quantidade de água de forma eficiente, aumentando ou diminuindo a ingestão da água. Analisando isso, os gatos são menos assertivos quanto a essa habilidade, o que faz com que sejam mais propensos a consumir menores quantidades de água em comparação aos cães. Água metabólica é a água produzida durante a oxidação dos nutrientes que contêm energia no corpo. O oxigênio se combina com os átomos de hidrogênio contidos em carboidratos, proteínas e gorduras para produzir água. O metabolismo da gordura produz a maior quantidade de água metabólica com base no peso, e o catabolismo da proteína produz a menor quantidade. A taxa de água metabólica depende da taxa metabólica de um animal e de seu tipo de dieta. Mas, independentemente desses fatores, a água metabólica é bastante insignificante porque é responsável por apenas 5% a 10% da ingestão diária total de água da maioria dos animais ( CASE et al., 2011). A última fonte de ingestão de água é a ingestão voluntária, sendo essa dependente de fatores externos, como a temperatura do ambiente, o tipo de dieta, o nível de exercício físico, o estado fisiológico e a saúde do animal. Com isso, tem-se que há um aumento do consumo de água com o aumento da temperatura do ambiente ou com o aumento do exercício físico, por exemplo. Além disso, a quantidade de calorias consumidas é outro fator relevante, visto que, se a ingestão de energia aumenta, mais resíduos metabólicos são produzidos e o calor produzido pelo metabolismo de nutrientes expande. Nessas circunstâncias, o corpo requer mais água para excretar resíduos na urina e para contribuir com a termorregulação ( CASE et al., 2011). O tipo e a composição da dieta também podem afetar a ingestão voluntária de água. O aumento do teor de sal da dieta causa um aumento na resposta do consumo em cães e gatos. Quando o nível de sal na dieta de um grupo de felinos aumenta de 1,3% para 4,6%, a ingestão voluntária 84 de água quase dobra. Geralmente, se água fresca e limpa e quantidades adequadas de uma dieta bem balanceada estão disponíveis, a maioria dos animais de estimação saudáveis é capaz de regular com precisão o equilíbrio da água por meio de ingestão hídrica (CASE et al.,2011). Imagem: gato ingerindo água Gratificação, comedouros alternativos, enriquecimento alimentar 85 Dentro do manejo nutricional para gatos, nota-se uma relação direta com enriquecimento ambiental, haja vista que consiste na identificação e na promoção de estímulos que estavam ausentes e que são necessários para o bem-estar físico e psicológico do animal. Nesse sentido, o enriquecimento ambiental é parte de um processo dinâmico que inclui mudanças estruturais no ambiente e no manejo de práticas de incentivo a fim de aumentar oportunidades de escolha de comportamentos específicos da espécie, como afirmou Shepherdson (1998, 2003), podendo ser naturais ou desenvolvidos. Para promover o bem-estar animal, as práticas de enriquecimento ambiental reduzem o estresse causado pelo ambiente cativo, identificando e minimizando recursos que causem estresse crônico e/ou promovendo assistência para que os animais criem habilidades para lidar com estímulos promotores de estresse agudo (Mellen & MacPhee, 2001; Vasconcellos, 2009). Enriquecer o ambiente para felinos em cativeiro, por exemplo, em zoológicos, implica um conhecimento prévio sobre os aspectos desses carnívoros, principalmente os relacionados ao forrageamento baseado na caça e conectado à extensa ocupação territorial (Quirke et al., 2013; Skibiel et al., 2007). Dessa forma, segundo Mellen e Shepherdson (1997), a preparação das técnicas de enriquecimento para felinos devem conter práticas que se assemelham à condições similares às presentes no ambiente natural desses animais, como a introdução de um mesmo tipo de substrato, de vegetação e de áreas elevadas para que os felinos possam escalar e ocupar. Além disso, devem promover oportunidades para os animais receberem alimentos como consequência de suas ações, a partir de técnicas que envolvam a resolução de problemas e, assim, a aprendizagem. As práticas de enriquecimento ambiental podem ser classificadas em cinco categorias: cognitiva (ocupacional), alimentar; sensorial, social e estrutural (físico). Assim, uma maior ênfase será dada à categoria de enriquecimento alimentar, sendo esse o foco neste momento. Felinos são os carnívoros mais especializados, adaptados para serem excelentes predadores, o que significa que os comportamentos relacionados à caça são essenciais para esses animais (Bashaw et al., 2003; Szokalski et al., 2012; Wooster, 1997). Os métodos que incluem a introdução de novos itens, pequenas mudanças na rotina e no fornecimento dos alimentos podem estimular o comportamento de caça, quando são projetados para esse fim (Szokalski et al., 2012). Além de estimular os comportamentos envolvidos na caça, esses enriquecimentos também ajudam a reduzir o estresse e a expressão de comportamentos anormais, bem como a aumentar a atividade e os comportamentos exploratórios (Ellis, 2009). Por fim, outro ponto importante e que pode auxiliar no enriquecimento alimentar é a alternância do tempo de alimentação, o que diminui a previsibilidade do animal, reduzindo assim o Pancing. Pacing, caracterizada pelo andar de um lado para o outro ou em uma mesma rota em alta frequência e sem função aparente, é a estereotipia mais frequente em felinos cativos e pode representar até 23% da atividade destes animais nesse tipo de ambiente (Mohapatra et al., 2014). As estratégias de enriquecimento alimentar são consideradas como as principais e como a categoria de enriquecimento mais utilizada pelas instituições, de acordo com uma pesquisa realizada em 25 zoológicos na Austrália, Nova Zelândia, Cingapura e Reino Unido (Hoy et al., 2010). 86 De acordo com o Manual de Boas Práticas na Criação de Animais de Estimação, a alimentação fracionada é fundamental, principalmente em comparação a um pote transbordando de ração, que pode deixar a ração do fundo velha e com perda de palatabilidade, o que desestimula a alimentação e é um fator para o desenvolvimento da obesidade. Assim, para que o enriquecimento ambiental seja o mais efetivo, a distribuição das porções do alimentoem vários potes distribuídos no ambiente, é de extrema importância. O mesmo deve ser feito com a água, mas esta deve ser oferecida de forma irrestrita e de boa qualidade. O uso de potes interativos que estimulam atividades no animal durante a alimentação são recomendados, de acordo com o Manual citado anteriormente. Dessa forma, a dieta pode ser oferecida em quatro porções diárias, diminuindo assim o “tédio” e criando uma expectativa no animal para o momento da alimentação que, consequentemente, ocasionará um aumento na satisfação do animal ao se alimentar e promoverá uma diversidade de comportamentos. Logo, alimentos e água em locais altos são considerados os preferidos dos felinos. Imagem: gato interagindo com alimentadores quebra-cabeça 87 88 Enriquecimento ambiental e bem-estar animal O enriquecimento ambiental foi apresentado originalmente em zoológicos com o intuito de aumentar a qualidade de vida dos animais em cativeiro. Esse objetivo se manteve, porém, com o crescimento da quantidade de animais domésticos e de animais de companhia, que ocasionou também o aumento de uma demanda por parte dos tutores de melhorar o bem-estar animal, sobretudo, por meio do enriquecimento ambiental. Nesse sentido, um dos pilares principais do enriquecimento relaciona-se ao comportamento natural da espécie, uma vez que é imprescindível para a melhor escolha das adaptações ao ambiente. O enriquecimento ambiental alimentar tem como objetivo fornecer o alimento, ou novos tipos de alimentos, de forma que o comportamento natural do animal seja estimulado, o que pode melhorar a experiência da alimentação. Como exemplos, pode-se fazer alterações nas escalas de alimentação, de modo que o animal não consiga prever temporalmente e espacialmente esse momento, ou seja, não crie a antecipação "pré- alimentação''. Assim, o enriquecimento ambiental alimentar é um dos mais utilizados, visto que é mais aceito pelos gatos. Ademais, outras formas de enriquecimento também são de extrema importância, como o uso de incentivos para estimular os sentidos do animal pela aplicação de cheiros, sons, texturas e imagens com o objetivo de estimular o olfato, a audição, o tato, e a visão, respectivamente. Outro ponto importante está no enriquecimento cognitivo, o qual envolve problemas que induzem o animal a resolvê-los e, assim, a exercitarem-se mentalmente, promovendo, posteriormente, premiações e recompensas que estimulem o comportamento. O enriquecimento ambiental social relaciona-se com a integração entre os indivíduos, o qual pode ser interespecífico, com indivíduos de outras espécies, ou intraespecífico, com indivíduos da mesma espécie. Por fim, tem-se o enriquecimento ambiental físico, o qual consiste na modificação estrutural do ambiente de forma temporária ou permanente. 89 Nos carnívoros domésticos, principalmente no gato, apesar de não possuir a necessidade de caçar para suprir suas demandas alimentares e energéticas, o padrão de alimentação possui características relacionadas à caça. A caça para os felinos domésticos ocorre por estímulo, e não é associada unicamente ao estado de saciedade do indivíduo, ou seja, a saciedade não inibe o comportamento de caça, sobretudo quando se relaciona à fase consumatória - realização da ação. No entanto, a fome é um fator facilitador, uma vez que estimula a fase apetitiva, de acordo com Mentzel (2013). Os gatos são caracterizados como carnívoros estritos, por isso, há necessidade de um requerimento proteico maior em comparação a outros felinos. Além disso, possuem uma menor capacidade mastigatória, o que faz com que a textura do alimento torne-se algo importante para a aceitação do animal. Os gatos são caçadores solitários de pequenas presas e seu paladar é pouco desenvolvido em comparação com o dos seres humanos, devido a um número menor de papilas gustativas. Como preferência alimentar, os gatos preferem alimentos em temperaturas de 30°C, o que se aproxima do comportamento natural desses em consumir presas recém-mortas, haja vista que o aquecimento deixa a presa com um sabor mais agradável e aumenta a liberação de ácidos graxos voláteis. NECESSIDADES AMBIENTAIS Os gatos precisam de oportunidades para exibir comportamentos lúdicos e predatórios, o que faz com que necessitem de uma rotina com brincadeiras curtas e frequentes. Há também a necessidade de brinquedos com que possam brincar sozinhos, além daqueles que dependem da interação com os humanos. Em relação aos comportamentos predatórios naturais, a alimentação pode ser feita de forma que estimule o animal a mimetizar a caça, utilizando da exploração, perseguição, tocaia, captura e do consumo de alimentos (Ramos, 2014). Ainda, é preciso que o ambiente seja seguro, com áreas privativas, protegidas, reclusas e altas. Isso tanto para os ambientes internos quanto externos, de forma que se passe a impressão de segurança e isolamento ao animal, de maneira que o gato possa monitorar o espaço, fazer o controle do ambiente, manter a preservação da sua individualidade, relaxar e descansar. Por fim, é de extrema importância que se tenha ambientes com recursos múltiplos e separados, como alimento, água, caixa sanitária, pontos para observação, brinquedos e arranhadores nos ambientes internos e externos; tanto para gatos que vivem sozinhos, quanto para gatos que vivem em grupos. Assim, ocorre a promoção das interações positivas, regulares, consistentes, previsíveis, além de um ambiente compatível às capacidades sensoriais do gato, como a olfação, audição, visão ou detecção de feromônios (Ramos, 2014). APLICAÇÕES PRÁTICAS DO ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL PARA GATOS 90 Enriquecimento alimentar 1. Adição de carne na dieta Utilização de pedaços de carne cozidos sem sal nem temperos, são uma boa opção de enriquecimento ambiental alimentar para gatos, assim como pedaços congelados. Um ponto importante é a checagem da procedência da carne que será oferecida e da data de validade. Com o oferecimento da carne na dieta, torna-se imprescindível o cálculo correto da quantidade de ração para que essa seja dada em quantidades adequadas. O uso de rações úmidas aumenta a ingestão de água e aproxima os gatos de um comportamento natural: consumo de pequenas presas, que são fontes de muita água. A temperatura é um fator que aumenta a palatabilidade e o consumo do alimento uma vez que o torna mais prazeroso para os felinos. Os gatos são apreciadores de superfícies altas, como prateleiras e estantes, e gostam de se alimentar sobre determinada altura, aumentando o consumo. 2. Uso de ração úmida 3. Alimento aquecido 4. Alimento e água em superfícies elevadas O alimento jogado ou escondido no ambiente induz o animal à caça, estimulando-o mentalmente e fisicamente. O uso de brinquedos estimula o gato nesse momento também. Os gatos comem vegetais, sobretudo grama, a fim de reporem fibras. Dessa forma, é interessante deixar um vaso disponível com grama ou outra variedade de vegetal em um local que o animal tenha acesso e possa consumir. Os gatos são caçadores solitários, o que faz com que tenham uma maior cautela na hora de ingerir algum tipo de líquido. Isso explica um menor consumo em potes que a água não é constantemente renovada porque não a consideram como uma água fresca, parecendo assim, inapta para o consumo. Assim, o uso de fontes de água são uma alternativa para a resolução da problemática, uma vez que quando os gatos se deparam com a água corrente, o consumo de água é maior. A explicação da água corrente se dá porque na natureza essa é mais limpa por estar em constante movimentação e renovação. 5. Alimento escondido e/ou jogado no ambiente 6. Vegetais: 7. Fontes de água 91 Enriquecimento sensorial O enriquecimento sensorial para os felinos pode ser feito a partir do uso de brinquedos texturizados e por meio de barulhos, cheiros e gostos variados. No entanto, é preciso notar que os gatos possuem a sua individualidade e, portanto, reagem de forma diferente a essesestímulos. Brinquedos com cheiro e gosto de alimentos ou brinquedos que produzem sons, por exemplo, são uma maneira de mimetizar uma presa na natureza. Imagem: arranhador para gatos O uso de arranhadores é algo indispensável, e estão presentes no mercado em diversos tamanhos, formatos e com diferentes texturas. A diferença de terrenos é algo favorável ao desenvolvimento tátil, uma vez que os coxins têm contato com superfícies variadas. Por fim, o uso de feromônios também geram satisfação aos gatos, como exemplos tem-se o Feliway, Felifriend, dentre outros. Enriquecimento cognitivo Jogos, como tabuleiros e peças nas quais é possível esconder petiscos e estimular o gato a realizar ações, como abrir gavetas, retirar peças, dentre outros, a fim de ter acesso ao petisco. Brincadeiras, com o uso de brinquedos, como ratinhos de diversos materiais, bolinhas com guizo, penas que simulam voo de pássaros, laser, dentre outros. Imagem: ratinhos de brinquedo Imagem: tabuleiro usado como forma de enriquecimento ambiental cognitivo. 92 Enriquecimento social Este tipo de enriquecimento deve ser realizado desde a infância do animal, de maneira a criar um hábito de convivência com outros animais. Consiste na interação do gato com outras espécies de animais, assim como com outros gatos. Essas interações precisam ocorrer com tranquilidade e calma, sempre associadas a estímulos positivos, de forma a amenizar o estresse. É uma forma de estimulação cognitiva também, uma vez que o animal estará mantendo contato com outros animais. Imagem: interação entre cão e gato 93 Enriquecimento físico A fim de suprir as demandas comportamentais e características da espécie felina, pode-se utilizar estantes fixas, de forma que criem um ambiente para que o gato possa ter o comportamento de isolar-se. Uso de tocas pelo ambiente, a fim de aumentar a segurança dos animais. Uso de múltiplas caixas de areia, comedouros, fontes de água, arranhadores em diversos cômodos e ambientes contribuem para o sucesso do enriquecimento ambiental físico. Imagem: toca para gato 94 ANOTAÇÕES