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Teoria do Currículo Sumário MÓDULO 1 - CURRÍCULO: DEFINIÇÕES E INDAGAÇÕES 1.1 Currículo: algumas definições 1.2 Breve Histórico do termo Currículo. 1.3 Emergência de uma Teoria do Currículo no campo do saber 1.4 Considerações finais MÓDULO 2 - AS CHAMADAS TEORIAS TRADICIONAIS 1.1 O panorama mundial no início do século XX 1.2 Teorias Tradicionais: a que vieram 1.3 Principais expoentes: 1.3.1 Franklin Bobbitt 1.3.2 Ralph Tyler 1.3.3 John Dewey 1.4 Considerações finais MÓDULO 3 - TEORIAS CRÍTICAS: NEGANDO A NEUTRALIDADE DO CURRÍCULO 1. Anos Rebeldes 2. As Teorias Críticas em educação: delimitando limites e validades 2.1. Na França, os precursores: Althusser, Bordieu e Passeron 2.2. Inglaterra: a Nova Sociologia da Educação 2.3. Estados Unidos: os reconceptualistas 2.4. Brasil: As pedagogias libertadora e crítico-social dos conteúdos 3. O currículo oculto 4. Considerações finais MÓDULO 4 - TEORIAS PÓS-CRÍTICAS: NOVOS ATORES E AGENDAS 1. Um mundo líquido e multirreferenciado 2. As Teorias Pós-Críticas em educação: novos atores e agendas 2.1. O currículo multiculturalista: ênfase na diferença e na identidade 2.2. A construção do gênero e as pedagogias feministas 2.3. Narciso acha estranho o que não é espelho: a teoria queer 2.4. As questões étnicas e raciais 2.5. A teoria pós-colonialista do currículo 2.6. O pós-estruturalismo e a ênfase no discurso 2.7. Os Estudos Culturais: a cultura como campo de significação 2.8. Pedagogia e Cultura: interconexões 3. Considerações finais MÓDULO 5 - O cenário curricular contemporâneo: composições 1. Mas, afinal, o que quer um currículo? 2. O currículo: um campo híbrido 3. Os currículos oficiais: tensões e polêmicas 4. Da disciplinaridade a outras possibilidades de composições 4.1. Disciplinas como campos especializados de saber e cultura escolar 4.2. Propostas de Integração Curricular 4.2.1. Pedagogia de Projetos 4.2.2. Temas Transversais 4.2.3. Transdiciplinaridade 4.2.4. Interdisplinaridade 5. Para além do debate disciplinar 6. Considerações finais CURRÍCULO: DEFINIÇÕES E INDAGAÇÕES Patrícia Helena Ferreira Teoria do Currículo. Módulo 1 – Currículo: Definições e indagações - Faculdade Campos Elíseos (FCE) – São Paulo – 2017. Guia de Estudos – Módulo 1 – Teoria do Currículo 1. Conhecimento 2. Currículo 3. Teoria Orgs.: Cláudia Regina Esteves Faculdade Campos Elíseos Conversa Inicial Caro(a) aluno(a), Bem-vindo(a) à disciplina Teoria do Currículo. No primeiro módulo, Currículo: definições e indagações, discutiremos sobre o significado do termo currículo em suas diversas vertentes. Para tanto, no primeiro momento estudaremos as algumas definições do termo currículo, feitas por diversos autores e fontes institucionais da atualidade. Na segunda parte do módulo recorremos à etimologia da palavra currículo, curriculum em latim, para fazermos uma breve exposição sobre a história do currículo no campo educacional. Por fim, destacaremos a emergência da constituição de teorias no campo curricular, dando ênfase à classificação feita pelo pesquisador brasileiro Tomaz Tadeu da Silva. Agora com a descrição de toda a trajetória, podemos iniciar a nossa jornada de estudos. Ótimo aprendizado! 1.1. Currículo: algumas definições Ao nos depararmos com as palavras acima, poderíamos entender algumas das definições dadas pelo autor como não tão próximas ao que costumamos chamar de currículo e, precisamente, de currículo escolar. À primeira vista, o termo currículo parece ter uma conotação bem mais simples e pragmática. A maioria dos indivíduos que coabitam os séculos XX e XXI se depararam com o termo currículo, pelo menos em duas circunstâncias: - Quando da entrada e permanência na vida escolar; - Na área laboral, ao traçar a qualificação enquanto profissionais aspirantes ao mercado de trabalho. Embora acordada no senso comum a intrínseca relação entre a vida escolar e o mundo do trabalho, não é nossa preocupação, nesta disciplina, discorrermos sobre o curriculum vitae, como é chamado, enquanto passaporte Leia as palavras abaixo, as quais o autor Tomaz Tadeu da Silva define como currículo, e faça uma reflexão: - Documento - Poder - Percurso - Autobiografia (curriculum vitae) - Identidade - Discurso - Texto Tomaz T. da Silva apresentado à sociedade, o qual esmiúça e apresenta, de forma organizada, a vida acadêmica e profissional de um indivíduo, de forma a evidenciar qualidades, pôr em destaque as singularidades e positividades de sua performance. Pretendemos, pois, fazer uma aproximação com o conceito de currículo no âmbito da área educacional, especificamente da educação escolar, mais especificamente o que é denominada teoria curricular, campo de conhecimento específico da educação, o qual teve um investimento maciço em termos de pesquisas e produções a partir do último quartel do século XX até a presente data. Para tal, iniciaremos um debate sobre algumas recorrências acerca das definições de currículo escolar. Geralmente, as ideias mais presentes quando falamos de currículo escolar estão relacionadas às seguintes questões: - “O que ensinar” – questão que nos leva à escolha e problematização dos temas, dos conceitos e conteúdo de ensino; - “Por que ensinar” – relacionada aos objetivos de um ensino e à escolha político- pedagógica que se faz; - “Quando ensinar” – que se refere à distribuição do que foi selecionado pelo tempo que uma etapa educativa dispõe; - “Como ensinar” – refere-se às escolhas em nível de metodologia e estruturação de ações que deem conta de cumprir os objetivos propostos; - “O que, como e quando avaliar o objeto de ensino” – a qual se articula à verificação de todo processo educativo, o ensino e a aprendizagem. Na contemporaneidade diversos autores e instituições têm se preocupado com a questão do currículo escolar e suas implicações na sociedade como um todo. Explanaremos abaixo, a título de exemplificação, algumas análises desenvolvidas por pesquisadores de currículo na atualidade, por órgãos governamentais e formuladores de políticas públicas. Para Gimeno Sacristán, pesquisador espanhol, o currículo, desde sua sistematização, tem por fim e por efeito uma regulação do conteúdo e das práticas pedagógicas, do processo de ensino e de aprendizagem. Ao mesmo tempo que explicita a sua função reguladora, o autor afirma que os usos escolares do conhecimento determinam a formação de uma dada cultura: o conhecimento escolar. Desta feita, expressa o projeto cultural e educacional das instituições educativas. Ali são postos em jogo e ganham expressão as forças, interesses, valores e preferências de uma dada sociedade, de dados setores sociais, de famílias, de grupos políticos etc. (SACRISTÁN, 2013). “Por meio desse projeto institucional são expressadas forças, interesses ou valores e preferências da sociedade, de determinados setores sociais, das famílias, dos grupos políticos, etc.” (SACRISTÁN, 2013, p. 24). Um quadro explicativo do próprio autor sistematiza o poder regulador do currículo: Figura: O poder regulador do currículo Fonte: SACRISTÁN, J.G. O que significa currículo? O pesquisador inglês Ivor Goodson, em seu livro Currículo, teoria e história (1995), entende o currículo não só do ponto de vista prescritivo, mas também como uma construção histórica e social, a qual envolve batalhas em torno de prioridades sociopolíticase discursos de ordem intelectual. Defende, pois, que os currículos atuais só podem ser entendidos a partir da análise das Tudo que em tese é ensinável e possível de aprender O método: esquema da atividade regulada, reproduzível e transmissível. O currículo: como seleção reguladora dos conteúdos que serão ensinados e aprendidos. O ano ou grau: regulador dos conteúdos durante o período de ensinar e de aprender. PRÁTICA DIDÁTICA NO CONTEXTO ESCOLAR suas histórias, dos conflitos envolvidos nas escolhas efetivadas, para que assim as práticas curriculares atuais encontrem um sentido. Jean-Claude Forquin, ao refletir sobre as relações entre escola e cultura , analisa sobre essa premissa, quais conteúdos devem constituir o currículo escolar. Defende a pedagogia intercultural, a qual agrega conteúdo da cultura humana em geral às particularidades de cada povo, local e época. Assevera que a herança da experiência humana deve ser especialmente levada em conta na construção curricular, pois tal universalismo garante às gerações mais jovens a apropriação de disposições e competências que não poderiam ser adquiridas se as mesmas estivessem fora da escola. Cesar Coll, pesquisador espanhol que influenciou a construção dos Parâmetros Curriculares Brasileiros na década de 90 do século XX, define currículo como sendo o projeto que orienta as atividades educativas, explicita as intenções do ato educativo e define guias de ação consideradas adequadas e úteis para os professores, responsáveis, que são estes, pela sua execução” (COLL, 2001). Sua proposta tem notadamente um viés da psicologia, com influência principalmente nas teorias de Piaget e Vigotsky, e está baseada nos princípios construtivistas e psicopedagógicos. Para Michael Young, o currículo constitui o conceito de maior relevância nosestudos educacionais. Campo esse que, como destaca o pesquisador inglês, possui uma história específica e constitui um sistema de relações de poder disposto na arena de relações sociais (YOUNG, 2014), um corpo complexo de conhecimento especializado. O currículo, para Young, pode ser considerado como um conhecimento poderoso, pois é capaz de prover aos alunos recursos para o pensamento, embora, muitas vezes, o conhecimento poderoso tenha sido tratado somente como conhecimento dos “poderosos”. O documento Glossário de Terminologia Curricular (UNESCO, 2016), indica que “currículo é uma descrição do que, por que, como e quão bem os estudantes devem aprender, sistemática e intencionalmente. O currículo não é um fim em si, mas um meio para fomentar uma aprendizagem de qualidade” (UNESCO, 2016, p. 30). No mesmo documento há diversas outras definições de currículo e ainda são dispostos os outros termos que dão a ver a polissemia no campo dessa teorização: currículo aberto, currículo aprendido, currículo formal, currículo nacional, currículo oculto etc. No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (BRASIL, 2013, p. 24) conceituam currículo como “o conjunto de valores e práticas que proporcionam a produção e a socialização de significados no espaço social e que contribuem, intensamente, para a construção de identidades sociais e culturais dos estudantes”. Tal documento ainda afirma que cabe à instituição escolar: [...] difundir os valores fundamentais do interesse social, dos direitos e deveres dos cidadãos, do respeito ao bem comum e à ordem democrática, bem como considerar as condições de escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento, a orientação para o trabalho, a promoção de práticas educativas formais e não-formais (BRASIL, 2013, p. 24). Antonio Flávio Moreira e Vera Candau, pesquisadores da área, analisam que as produções sobre currículo acabam por incorporar estudos que abarcam os conhecimentos escolares, as experiências e os procedimentos que se desdobram em torno dos conhecimentos considerados como válidos ou necessários, as intenções educativas e os seus efeitos, as transformações que se deseja inculcar, culminando na construção de uma determinada identidade que ultrapassa o domínio do escolar. Os autores acima aludidos referem-se a currículo como sendo o “coração da escola” (MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 19), pois o mesmo é o locus de atuação de todos que estão na escola, e por isso mesmo, espaço de responsabilidade compartilhada. O currículo ocupa, para os pesquisadores, um papel de relevância na escola e na sociedade em geral, pois pode capacitar os indivíduos para compreenderem seu papel na mudança dos seus contextos imediatos por meio da aquisição de conhecimentos relevantes, que contribuam para formar cidadãos críticos e criativos. Por fim, Moreira e Candau chamam a atenção para o que se costuma chamar de conhecimento escolar: uma produção própria do âmbito educativo, o qual possui características próprias que a diferenciam de outros tipos de conhecimento. O conhecimento escolar tem como âmbitos de referência as universidades e os centros de produção científica, o mundo do trabalho, o campo da tecnologia, das artes, da medicina e saúde, dos movimentos sociais e muitos outros, que acabam influenciando sobre as escolhas que serão feitas no nível macro (das políticas públicas educativas) e micro (das unidades escolares). O conhecimento escolar é fruto da influência desses âmbitos e para funcionar como tal sofre incialmente um processo de descontextualização para, finalmente, ser recontextualizado na esfera da unidade escolar. De acordo com Alice Casemiro Lopes e Elisabeth Macedo (2011), os estudos curriculares têm conceituado o termo currículo das mais variadas formas: grade curricular, conjunto de ementas de uma disciplina, experiências vividas pelos alunos nas instituições educativas etc. O que todas essas interpretações têm em comum “é a ideia de organização, prévia ou não, de experiências/situações de aprendizagem realizada por docentes/redes de ensino de forma a levar a cabo um processo educativo” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 19). Ainda no campo de pesquisas nacionais podemos destacar as contribuições de Tomaz Tadeu da Silva, o qual recorreremos para a desenvolvermos uma análise sobre as teorias de currículo existentes e Sandra Mara Corazza, como alguns dos expoentes em termos de pesquisa curricular com forte influência do pós-estruturalismo e dos estudos de Michel Foucault. Sintetizando..... O campo dos estudos curriculares em educação desenvolveu-se em larga escala a partir da segunda metade do século XX, estando atrelado às questões histórico-sociais e à influência da Academia. Não há uma definição única de currículo, mas a maioria delas atrela- o ao conjunto de experiências escolares que são propostas em torno do conhecimento. 1.2. Breve histórico do termo currículo Para iniciarmos nossa conversa recorreremos à etimologia da palavra currículo: provém do latim curriculum, derivada de currere, que remete à noção de tempo corrido, caminho, trajeto, percurso, pista de corrida, ou seja, indica um processo mais do que um estado per se. Vê-se, portanto, que a palavra não tinha, originalmente, relação intrínseca com o campo educativo, até devido à época de seu surgimento (provavelmente remonta à Antiguidade). José Gimeno Sacristán (2013) relata que na Roma Antiga falava-se muito do cursus honorum, ou seja, das honras que um cidadão ia acumulando em sua carreira, mais especificamente nas áreas legislativa e judicial. Na Idade Média, o que chamamos hoje de currículo, era composto nas universidades pelo trivium (gramática, retórica e dialética) e quadrivium (astronomia, geometria, aritmética e música). Essas artes podem ser consideradas uma das primeiras organizações do conhecimento e tal organização perdurou por séculos. O termo currículo, aplicado à educação, temsuas origens no cenário anglo-saxão do século XVI, quando aparece, em 1582 nos registros da Universidade de Leiden e, em 1633, nos registros da Universidade de Glasgow (HAMILTON, 1992). Importante lembrar que nessa época, conhecida como Mercantilismo, grandes transformações ocorreram na sociedade, que começam a exigir um novo perfil de homem: o indivíduo moderno. Nesse contexto ocorre a passagem do ensino com características individualizadas, com a presença isolada do mestre e do aluno, para o ensino organizado em classes e instituições específicas. David Hamilton, pesquisador da área, assevera que o surgimento desse estudo organizado em classes e com uma estruturação específica, está relacionado ao surgimento do protestantismo, pois tanto a Universidade de Glasgow, quanto a de Leiden, tinham o propósito de formar pregadores protestantes. O currículo começa a ser então associado ao percurso educacional que o educando teria que percorrer durante sua passagem na instituição educativa. Embora tenha-se percebido, nesse tipo de organização do ensino, aproximações do conceito de currículo da época com o dos dias atuais, é importante ressaltar que a mudança efetiva e a sistematização de uma teoria curricular só aconteceram no início do século XX, como veremos adiante. Os estudos sobre o que, como, quando e por que ensinar, eram ainda incipientes. Assim, por exemplo, concebia-se, na segunda metade do século XIX) que as disciplinas teriam conteúdos e atividades que lhes seriam próprios e que a especificidade de cada disciplina teria uma utilidade própria no desenvolvimento de determinadas faculdades da mente, dentre as quais o raciocínio lógico e a memória. Essa era a lógica que regia a composição curricular do ensino tradicional, jesuítico (LOPES; MACEDO, 2011). Foi somente com despontar dos anos 1900, principalmente nos Estados Unidos, que se iniciam os estudos curriculares. Importante destacar que as pesquisas no campo do currículo tomaram corpo no momento que a escola toma novas responsabilidades frente ao processo de industrialização emergente, tornando-se necessário um repensar dos problemas sociais gerados pelas mudanças da sociedade. A velha noção da utilidade per se do campo de saber agora é substituída pela utilidade dos conhecimentos frente aos novos desafios sociais. A definição do que vai ser útil, o porquê dessa utilidade e sobre a organização e sequenciação formal dos conhecimentos, acompanhada dos debates políticos em torno de uma determinada concepção de sociedade, educação e homem, é que irá gerar diferentes compreensões e textos acerca do que é currículo: as diferentes teorias curriculares. Uma devida observação se faz necessária, como assevera Sacristán (1999, p. 205). A educação, conclamada agora como direito de todo cidadão, exige uma nova compreensão de currículo. O educador espanhol efetiva um breve recuo histórico em suas análises para melhor posicionar as definições que nos tempos atuais são tomadas como naturais. Recobra que as bases da noção de currículo da modernidade está assentada na concepção da paideia ateniense: um modelo elitista que visava a formação dos grupos dominantes da sociedade e que esse protótipo de currículo assimilou, ainda, o legado do humanismo renascentista. Nos séculos XVII e XVIII, tal herança é subsumida pela emergência de uma orientação realista, advinda do desenvolvimento da ciência moderna. Com a circulação dos ideais da Revolução Francesa, e um pouco mais tare, dos movimentos revolucionários dos séculos XIX e XX, são incorporados ao discurso pedagógico as dimensões moral e democrática, sob uma perspectiva em que a educação teria um papel redentor dos homens, cultivando- os para o sucesso de uma nova sociedade, mirando a formação de cidadãos. Consoante essa razão, a educação deveria ser universal e acessível a todos É nesse período, o início do século XX, com o advento da escola de massas, que podemos falar então da constituição de teorias curriculares. Nosso próximo tópico começará a dar forma à construção do pensamento sistematizado no campo do currículo. 1.3. Emergência de uma Teoria do Currículo no campo do saber É muito comum ouvirmos, nos dias atuais, que prática e teoria são dois conceitos que costumam não se conversar, quase como excludentes. São comuns as expressões: “na prática a teoria é outra coisa”, “isso está no campo da teoria”, “necessitamos olhar para nossas práticas e não para as concepções” etc. Teoria e prática são, de fato, opostas? Como fomos levados a pensar tal oposição? A teoria seria então hierarquicamente superior à prática? Por conta Segundo o pesquisador Michel Foucault a teoria é produzida no próprio mundo, graças a múltiplas coerções, produzindo efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade sua política geral de verdade. O que tal afirmação se aproxima às questões relacionadas às teorias curriculares? dessa suposição poderíamos dizer que a primeira seria prerrogativa dos intelectuais e a segunda do restante dos indivíduos? Tais afirmações fazem parte do pensamento do senso comum desenvolvido desde a antiguidade platônica e é necessário desenvolver uma discussão sobre as bases epistemológicas que fizeram com que desenvolvêssemos tal pensamento dual e conflituoso em diversas áreas. Essa é uma primeira questão que precisa ser questionada. Consoante postula Alain Touraine (2009), não é pertinente desdobrar um discurso de separação entre o vivido e o construído, entre a prática e a teoria. Tal cisão, destitui de sentido tanto o pensamento quanto a vida e os sistemas de pensamento. O autor, nesse pequeno trecho, dá-nos uma outra ideia da relação teoria e prática, enquanto elementos constitutivos de uma mesma construção discursiva. Retomando à etimologia, a palavra teoria deriva da forma latina theoria, cujo primeiro sentido está associado à parte especulativa de um conhecimento. A theoria, por sua vez, provém do grego theóros, que está relacionada à mirada, visão. Segundo Alfredo Veiga-Neto (2015) a palavra teoria aponta para uma forma de enxergar de forma mais apurada o que conhecemos, com o pensamento e com a razão. “Para dizer de outra maneira, a teoria nos leva a ver melhor e, assim, melhora o nosso conhecimento” (VEIGA-NETO, 2015, p. 121). A menção à teorização no campo do currículo deve levar em conta o explicitado acima por Alfredo Veiga-Neto, no sentido de entendermos a teoria como uma “caixa de ferramentas” (FOUCAULT, 2006, p. 249) que nos sãos apresentadas como práticas discursivas. A teoria pode servir como instrumento que pode explicitar uma certa lógica das lutas e das relações de poder que em torno delas se dão. Em seu livro Teorias de Currículo Alice Casemiro Lopes e Elizabeth Macedo entendem que pensar sobre a história intelectual do campo do currículo não descarta a existência de várias histórias. “Apenas consideramos que há sentidos compartilhados pelos sujeitos que o constituem. [...] porque isso a que chamamos compartilhamento é apenas a tentativa de fixação de uma suposta história comum, uma tradição, que, já sabemos, não passa de uma ficção” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 10). As pesquisadoras defendem a análise da história intelectual do campo para que a comunicação dentro dele próprio e com outros campos se efetive, de modo que favoreça o avanço das análises e pesquisas. Um dos expoentes da teorização curricular no Brasil é o pesquisador gaúcho Tomaz Tadeu da Silva. O autor tem uma vasta produção intelectual no campo do currículo, dos quais podemos destacar, dentre outros, os livros O currículo como fetiche, Territórios Contestados, Alienígenas na sala de aula, O sujeito da Educação, Identidades Terminais e Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do Currículo. Esteúltimo livro, lançado no final da década de 90 do século XX, é uma das referências para pensarmos a história intelectual do campo. Quando apresenta a história da teorização curricular, o autor deixa claro que o conhecimento corporificado no currículo é um artefato social e histórico, o qual está em constante fluxo (SILVA, 1996). Não há um currículo fixo, pois. Embora tal conhecimento esteja em constante alteração não se pode falar num processo evolutivo de contínuo aperfeiçoamento, pois todo processo histórico é formado de “rupturas e disjunturas” (SILVA, 1996, p. 78), interessando ao pesquisador não somente descrever como o conhecimento se organizava no passado, mas também em escrutinar os porquês do estabelecimento de determinadas formas de organização do currículo, em detrimento de outras, do estabelecimento de determinadas concepções e escolhas de determinados conceitos de matemática, por exemplo, e não outros. Ou seja, porque determinadas formas e saberes acabam por serem consideradas válidas e legítimas. Assim, Tomaz T. da Silva dá a ver que o currículo é resultado de uma construção que se dá em meio a conflitos e lutas entre diferentes tradições e concepções sociais, não se constituindo, pois, num mero processo de processo supostamente necessário de transmissão de valores, conhecimento e habilidades. Tendo como inspiração teórica o pós-estruturalismo, ao iniciar uma conversa sobre teoria do currículo, Tomaz Tadeu da Silva deixa claro que não entende teoria como representação de algo já existente, sustentando que é impossível separar “a descrição simbólica, linguística da realidade – isto é, a teoria – de seus ‘efeitos de realidade’” (SILVA, 2001, p. 11). O pesquisador entende que a teoria, ao descrever a realidade, está, ao mesmo tempo, produzindo-a: “o objeto que a teoria supostamente descreve é, efetivamente, um produto de sua criação” (SILVA, 2001, p. 11). Embora acredite que o termo discurso é o mais indicado quando se trata de analisar a história do campo, Silva utiliza o termo teoria, guardando as devidas considerações acima expostas. A perspectiva adotada pelo autor é muito menos ontológica e mais histórica, na tentativa de captar como em diferentes momentos e em diferentes teorias o currículo foi sendo definido, a partir de que lutas e buscas de sentido. Algumas questões centrais, segundo o autor, servem de pano de fundo para as teorias de currículo: • O que os alunos devem saber? Tal questão tem a ver com discussões acerca das concepções de natureza humana, aprendizagem, conhecimento e sociedade; • Qual conhecimento é considerado válido? O currículo será sempre uma seleção, um recorte de um universo maior. Nesse âmbito entram as justificativas das escolhas realizadas; • O que os alunos devem se tornar? Essa é a pergunta central, pois o currículo pretende modificar pessoas, formar identidades e subjetividades. No curso do currículo, “acabamos por nos tornar o que somos” (SILVA, 2001, p. 15). Diante de todas essas questões é fundamental que se tenha em consideração que o currículo está intrinsicamente às relações de poder. A aparente neutralidade do currículo não existe, pois, ao selecionar os conhecimentos que serão considerados válidos para um dado tipo de sociedade em dado período histórico, o currículo acaba por postar e transmitir visões sociais particulares e interessadas (SILVA, 1996), pois está atrelado às questões históricas de formação e organização das sociedades e, por consequência, dos ideais de educação. “As teorias de currículo estão, segundo palavras do pesquisador gaúcho, situadas num campo epistemológico social, no epicentro de um território contestado. (SILVA, 2001). A classificação das diferentes teorias de currículo apresentadas pelo autor segue as questões acima explicitadas. De uma forma mais organizativa, Tomaz Tadeu da Silva divide as teorias do currículo em três grandes grupos: As Teorias Tradicionais – nascidas no início do século XX, as teorias tradicionais são investidas como sendo “neutras”, científicas, cujos objetivos estão estritamente ligados à questão educativa, valorizando questões ligadas à técnica e à eficiência.; As Teorias Críticas – que nascem por volta da década de 60 do século passado, questionando o caráter técnico das teorias tradicionais e enfatizando a estreita ligação entre currículo, ideologia e poder; As teorias Pós-Críticas – as quais incorporam, além da relação currículo-poder, as questões ligadas à identidade e subjetividade. Para cada grupo teórico o autor enfatiza um conjunto de conceitos que as mesmas utilizam para dispor a realidade. Observe, no quadro abaixo, conceitos dispostos conforme abordado pelo autor: TEORIAS TRADICIONAIS CRÍTICAS PÓS-CRÍTICAS CONCEITOS Ensino Ideologia Identidade, alteridade, diferença Aprendizagem Reprodução cultural e social Subjetividade Avaliação Poder Significação e discurso Metodologia Classe social Saber-poder Didática Capitalismo Representação Organização Relações sociais de Produção Cultura Planejamento Conscientização Gênero, raça e etnia Eficiência Emancipação e libertação Multiculturalismo Objetivos Currículo Oculto Resistência Síntese O termo currículo tem sua raiz no latim curriculum, derivada de currere, que remete à noção de tempo corrido, caminho, trajeto, percurso, pista de corrida. Aplicado à educação, o termo tem suas origens no cenário anglo-saxão do século XVII, mas pode-se dizer que é no início do século XX, apenas, que há uma sistematização intelectual do campo em termos de teorização. Um dos expoentes da teorização curricular no Brasil é o pesquisador gaúcho Tomaz Tadeu da Silva. O autor considera o currículo como um artefato histórico e social, o qual se encontra em constante fluxo. O pesquisador possui uma produção importante no campo do currículo, sendo que podemos destacar, de sua obra, o livro Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do Currículo. Neste livro há uma classificação das teorias curriculares em tradicionais, críticas e pós-críticas. Considerações Finais Chegamos ao fim do Módulo 1, “Currículo: definições e indagações”. Neste segmento iniciamos nossa conversa sobre currículo perpassando alguns discursos sobre a teorização curricular na sociedade atual, nós voltamos à etimologia da palavra currículo, fazendo um breve panorama do nascimento do campo, destacando a produção do pesquisador Tomaz Tadeu da Silva acerca das teorias curriculares, numa perspectiva pós-estruturalista. Esperamos que esse início de conversa sirva como plataforma para os módulos posteriores, os quais adensarão as questões abordadas inicialmente e focarão nas análises das teorias curriculares. Não se esqueçam de aprofundar seus estudos consultando as referências bibliográficas e a indicação de leitura suplementar. Por fim, lançaremos modos de conversa com todos alunos a partir do nosso fórum, onde será lançada uma questão para debate. Até o próximo encontro!!! AS CHAMADAS TEORIAS TRADICIONAIS Patrícia Helena Ferreira Teoria do Currículo. Módulo 2 – As chamadas Teorias Tradicionais - Faculdade Campos Elíseos (FCE) – São Paulo – 2017. Guia de Estudos – Módulo 2 – Teoria do Currículo 1. Currículo 2. Planejamento 3. Tecnicismo Orgs.: Cláudia Regina Esteves Faculdade Campos Elíseos Conversa Inicial Caro(a) aluno(a), Iniciamos o módulo 2 da disciplina Teoria do Currículo. No primeiro módulo analisamos o significado do termo currículo em suas diversas vertentes e fizemos uma breve exposição sobre a emergência da constituição de teoriasno campo curricular, com ênfase à classificação feita pelo pesquisador brasileiro Tomaz Tadeu da Silva. Neste módulo, As Chamadas Teorias Tradicionais, iniciaremos com um panorama da sociedade no início do século XX, destacando os fenômenos do taylorismo e fordismo para aportarmos à educação com inspiração cientificista e com ênfase no planejamento e nos resultados. Para tal, daremos destaque aos principais nomes da teoria curricular da época: Franklin Bobbitt, Ralph Tyler e John Dewey. Iniciaremos então nossa jornada de estudos. A todos um ótimo aprendizado! 1.1. O panorama mundial no início do século XX Fonte: http://lounge.obviousmag.org/palavras_desconcertantes/2014 As imagens acima retratadas fazem parte das cenas de um filme produzido em 1936, o qual retrata em forma de comédia e drama o panorama social do início do século XX. Antes de falarmos um pouco sobre o mesmo, gostaríamos que prestássemos atenção às cenas e nos demorássemos em alguns detalhes. O que tais cenas retratam? Qual a possível relação entre as mesmas? O que têm a ver com a configuração mundial do início do século XX? Pois bem, agora que já nos demoramos nos detalhes podemos contar um pouco da história do filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, um clássico do cinema mundial, rodado na década de 30 do século XX, o qual conta a história das desventuras de um empregado de uma fábrica em suas tentativas de se adaptar ao sistema fabril. As imagens acima são as primeiras cenas do filme, quando logo após mostrar um rebanho de ovelhas sendo conduzido provavelmente ao matadouro, o filme destaca a saída de milhares de funcionários que deixam uma estação do metrô, em direção aos seus respectivos trabalhos, numa clara analogia à vida “de gado” da primeira imagem. http://lounge.obviousmag.org/palavras_desconcertantes/2014 Tal crítica está relacionada ao modo de produção capitalista, incrementado agora pelas “conquistas” da segunda Revolução Industrial. Esta, por sua vez, caracteriza-se pela complexificação da produção e a introdução de novas tecnologias, como a energia elétrica e o motor à explosão substituindo o vapor, a metalurgia e o surgimento de telégrafo, dentre outros. Tais técnicas possibilitaram que as indústrias tivessem maiores lucros, mas ao mesmo tempo necessitavam de uma nova organização do trabalho e da produção. Desdobramentos políticos turbulentos, mudanças sociais, avanços técnicos e descobertas científicas, guerras e tensões políticas, levaram a uma mudança na visão de mundo vigente, transformando as éticas predominantes. Na sociedade, é acentuada a distinção entre os mais ricos e os mais pobres, surgindo os primeiros movimentos sindicais que iniciam uma luta pelos direitos dos trabalhadores. No início do século XX eclode a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a qual advém das disputas territoriais e políticas dos países que compõem o bloco europeu. Regimes totalitários, como o fascismo e o nazismo, despontam e tomam vultos extraordinários, gerando conflitos ainda maiores entre as nações, culminando na Segunda Guerra Mundial. Neste início de século conturbado cresce o número de pesquisas relacionadas às tecnologias de guerra e de sobrevivência e há necessidade de adaptar os indivíduos e as famílias a um ritmo de vida cada vez mais intenso, rápido e especializado. Invenções como o rádio, o telefone, o carro, o avião, davam uma noção de que o século que nascia seria muito diferente dos anteriores. Nesse palco dominado até então pelos países europeus uma nova nação se insere: Os Estados Unidos da América. Segundo Moreira e Silva (1994), após a Guerra Civil (1861-1865) a economia americana passou a ser dominada pelo capital industrial. É a época dos grandes monopólios. Nesse sentido, começa-se a produzir não mais em números reduzidos, mas em grande escala e, para isso, seria necessário mecanizar e autonomizar as instalações e equipamentos e contratar mais empregados, em um sistema de trabalho cooperativo. Não mais só os cidadãos americanos, mas também os imigrantes seriam necessários para construir uma nova nação que surgia, a qual deveria ter um projeto nacional comum, diminuindo as diferenças e organizando uma moral nacional. Para dar conta da necessidade de produtividade em massa e agilidade no sistema uma nova racionalidade das formas de organização de trabalho foi criada: o taylorismo. Concebido pelo Engenheiro F. Taylor, tal modelo de administração, também chamada de administração científica, tem marcadamente uma ênfase nas tarefas. Esse sistema consiste basicamente na divisão do trabalho e especialização da mão-de-obra, de modo a garantir a eficiência e a rapidez na produção. Esse modo acaba barateando o preço dos produtos industrializados, dando a impressão que todos poderiam ter acesso aos mesmos. O paradigma de um bom trabalhador foi modificado: agora ele deveria ser flexível, rápido, controlado e, de certa forma, passivo para aceitar toda uma estrutura estafante e desgastante, a qual cobrava níveis máximos de produtividade. Do ponto de vista do empregado, a especialização criava uma alienação mental já que o mesmo não tinha o controle completo do processo de produção, ficando sujeito ao cumprimento de jornadas de trabalho estafantes e uma produtividade cada vez maior. A aplicabilidade do taylorismo na indústria se deu pelo fordismo, cujo idealizador, Henry Ford, introduziu linhas de montagem em sua fábrica automobilística. A grande inovação da época se deu por uma maquinaria que hoje pode ser considerada banal: a esteira rolante. O produto fabricado se deslocava de um setor de montagem ao outro por meio dessas esteiras e cabia ao funcionário esperar pelo mesmo, executando tarefas bem específicas e compartimentalizadas. Vê-se aqui que as máquinas, e não o homem, ditavam o ritmo de trabalho. Tal expressão foi muito bem captada por Charles Chaplin em Tempos Modernos. Os dois modelos acima descritos, aliados às crescentes mudanças ocorridas no que diz à nova distribuição territorial e imperialista, ensejaram uma reviravolta nos modos de ensinar e aprender. Os Estados Unidos, tiveram, nesse sentido, destaque no início de sistematização da educação de massas e formação de um campo especializado no estudo do currículo. Segundo Silva (2001), algumas condições foram fundamentais para que tal processo se desse: a. A formação de uma burocracia estatal ligada ao campo educacional; b. A consideração da educação como um campo de estudos científicos; c. A expansão da rede institucional educacional às camadas da população mais pobres; d. O processo de industrialização e urbanização do país; e. A necessidade da formação de uma identidade nacional, uma vez que o país recebeu milhares de imigrantes para trabalhar nesse novo parque industrial. A esse respeito, é válida a análise de Moreira e Silva (2006) acerca do papel da escola: a mesma teve um papel importante na nacionalização dessas novas gerações, por meio de um currículo que estabelecesse o controle social, inculcando “os valores, as condutas e os ‘hábitos’ adequados” (2006, p.10). 1.2. As Teorias Tradicionais: a que vieram Sala de aula feminina da Escola Caetano de Campos, São Paulo – fim do século XIX http://caetanistas78.blogspot.com.br/2011/11/o-feminino-e-o-masculino-na-escola.html http://caetanistas78.blogspot.com.br/2011/11/o-feminino-e-o-masculino-na-escola.html A sala de aula fotografada acima, repleta de alunas, revela o início do investimento na educação de massas no Brasil. A disposição das carteiras e a posição da mestra em muito lembram as atuais classes de muitas de nossas escolas. Nesse exemplo específico, tratava-se de uma aula de caligrafia. Meninos e meninas estudavam separados e tinham currículos diversosem algumas áreas. A disciplina Economia Doméstica, destinada às meninas, tinha aulas de cozinha, vestuário, bordado, limpeza, dentre outras. Já na disciplina Economia Política, que cabia aos meninos, eram ensinadas noções básicas de economia e contabilidade, causas dos conflitos entre patrões e empregados, consumo em geral, caridade e previdência etc. No Colégio Caetano de Campos havia uma organização precisa dos espaços, definindo os locais destinados às salas de aula, laboratórios, oficinas, salas dos professores, diretoria, banheiros, pátios, de forma a dar uma aparência de organicidade ao espaço escolar. O exemplo descrito anteriormente demonstra que o Brasil, em especial as cidades que formavam os primeiros polos industriais, como São Paulo, já iniciava uma preocupação com a organização das instituições de ensino, revelando uma influência dos estudos realizados na Europa e, principalmente, nos Estados Unidos. No campo pedagógico, dois movimentos surgem: o eficientismo social e o progressivismo. Tais movimentos têm características próprias, as quais resumiremos a seguir. O eficientismo, segundo Lopes e Macedo (2011) tem como base a administração científica de Taylor, defendendo um currículo científico, baseado em conceitos como eficácia, eficiência e controle. A preocupação com a eficácia faz com que um grupo de experts reúna e identifique as tarefas desejáveis para um cidadão do século XX. O ensino vocacional é desenvolvido nesses princípios e há uma divisão entre os tipos de formação desejada. “A partir da identificação dos componentes particulares de bons profissionais, compõe-se um programa de treinamento, com objetivos selecionados por seu valor funcional, sua capacidade de resolver problemas práticos” (LOPES; MACEDO, 2011, p.22). O foco do eficientismo está nos objetivos, nas tarefas e na técnica, e as disciplinas formam um currículo voltado para o controle e a eficácia, que desenvolve os aspectos desejáveis de uma personalidade adulta. Seus principais expoentes são Franklin Bobbitt e Ralph Tyler, os quais serão apresentados posteriormente. Já o progressivismo, cujo maior expoente é John Dewey, tem uma teoria elaborada acerca da educação e do currículo. No que diz respeito a esse último, podemos dizer que os princípios de elaboração curricular estão ancorados nos conceitos de inteligência social e mudança (LOPES; MACEDO, 2011). Diferentemente do eficientismo, o foco do currículo é a experiência direta da criança, enfatizando seus interesses e conquistas. A aprendizagem não está voltada para a vida adulta, como na abordagem anterior, mas sim na própria vida presente. Para o progressivismo a resolução dos problemas sociais é central na construção curricular, de forma que se recrie o ambiente social em classe, com objetivo de estimular a criança a agir de forma democrática e cooperativa na resolução dos problemas. Tal movimento ainda tem como representantes William Kilpatrick, o qual foi um dos responsáveis pela sistematização do método de projetos, mesclando ideias de Dewey com princípios do comportamentalismo. No Brasil os princípios do progressivismo estão associados a uma importante vertente educativa da primeira metade do século XX, o escolanovismo, cujos principais representantes são Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Importante destacar, nesse período, a escrita do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, elucidado no quadro ao lado. Resumidamente, pode-se dizer que as Teorias Tradicionais, em suas diferentes vertentes, surgiram como uma reação ao currículo humanista e clássico, herdeiro das artes liberais da Antiguidade Clássica, cuja sistematização por meio do trivium e quadrivium se deu na Idade Média. O currículo que O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova Foi organizado por Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, em 1932. Tal manifesto era uma reação à educação com forte caráter religioso e confessional e tinha como base uma crença no poder da ciência e na modernidade dos métodos. Também enaltece a educação pública, a escola única, a laicidade, gratuidade e obrigatoriedade da educação. vigorava até então, embora não sistematizado e teorizado, tinha como princípios a formação de uma elite letrada, com objetivo de “introduzir os estudantes ao repertório das grandes obras literárias e artísticas das heranças clássicas grega e latina” (SILVA, 2001, p.26). Esse tipo de organização curricular foi substituído, em sua grande maioria, pelo currículo tecnicista (eficientismo) e progressista do século XX, sobrevivido somente em algumas escolas secundárias voltadas para a formação da elite. A configuração de uma teoria curricular tradicional foi hegemônica até o início da década de 70 do século XX, quando vários movimentos de contestação social surgiram, tanto nos Estados Unidos, quanto na Europa, trazendo também desdobramentos para o Brasil. Síntese Podemos dizer que, em termos de organização e sistematização de um corpus de conhecimento, somente no início do século XX podemos falar sobre teorização curricular. As teorias tradicionais, cujas principais vertentes são o eficientismo e o progressivismo, surgem nos Estados Unidos, como forma de reação a um currículo voltado para as artes liberais. Tais teorias têm, cada uma com características diferentes, como objetivo a introdução de uma educação voltada para a questão de uma nova sociedade, baseada nos princípios do cientificismo, da tecnologia e da democracia. Retomamos os principais conceitos que emergem dessas teorias: - ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência, objetivos. 1.3. Principais Expoentes O início do século XX pode ser considerado como um marco em termos de preocupações em torno da educação de massas, por parte dos países que emergiam como fortes potências do mundo industrializado. Na educação, as preocupações giravam em torno das finalidades e dos contornos de um currículo que abarcasse não somente os filhos das classes de elite, mas agora também as classes trabalhadoras. A primeira questão que se colocava era: quais eram os objetivos da educação escolarizada? Dela derivavam várias outras, como: • O que se deve ensinar? • Quais eram as principais fontes de conhecimento? • O que deveria ser o foco central do ensino? • Qual deveria ser a finalidade social da escola? Adequar o indivíduo ou transformá-los para uma sociedade mais democrática? Essas e outras perguntas, segundo as teorias tradicionais, tinham derivações diferentes conforme as vertentes eficientista ou progressivista. Destacaremos três principais expoentes das teorias tradicionais, pela sua importância e contribuição teórica: - Na vertente do eficientismo, traremos Franklin Bobbitt e Ralph Tyler; - Na vertente progressivista, daremos destaque à John Dewey. 1.3.1. Franklin Bobbitt Franklin Bobbitt (1876 – 1956) foi professor de Administração Educacional da Universidade de Chicago e teve um papel de liderança no campo curricular durante as três primeiras décadas do século XX. Seus estudos enfatizaram a necessidade de estabelecer o campo curricular com um ramo de estudos organizado e sistematizado. Juntamente com W. W. Charters, Ross Finney, Charles C. Peters e David Snedden, Bobbitt deu vida ao chamado movimento do eficientismo em educação. Para tal movimento, a educação tinha um papel importante nas transformações necessárias à nova sociedade do início do século XX: uma sociedade urbana, industrializada e necessariamente escolarizada. As principais obras de Franklin Bobbitt são The Curriculum (1918) e How to make a curriculum (1924), livros onde procura construir uma teoria curricular, tomando emprestados osprincípios da administração científica de Taylor. Os procedimentos do plano curricular de Bobbitt foram adaptados da teoria da administração de Taylor. Neste novo modelo seria necessário, primeiramente, identificar as habilidades que um adulto deveria ter na área ocupacional, como cidadão, na família e em outras funções sociais. Para Bobbitt o currículo compreendia as experiências escolares que os educadores construíam para fazer com que as crianças alcançassem esses objetivos. Alguns desses objetivos estavam ligados à preparação das crianças como futuros cidadãos, outros para atuação grupal em torno do bem comum. Especificamente alguns objetivos se tratavam de habilidades necessárias para as diversas ocupações da modernidade, tendo um vínculo direto com a especialização vocacional. Essa especialização levaria à construção de trilhas curriculares adequadas à cada função da nova sociedade. “A partir da identificação dos componentes particulares da atividade de bons profissionais, compõe-se um programa de treinamento, com objetivos selecionados por seu valor funcional” (LOPES; MACEDO, 2011, p.22). Bobbitt formulou cinco passos para produção de um currículo: a. Análise da experiência humana nos mais variados campos; b. Análise do mundo do trabalho – dividir os campos em atividades mais específicas; c. Formulação de objetivos que estejam ligados às habilidades requeridas para o mundo que estamos; d. Seleção dos objetivos que mais se adequem como base de um plano curricular; e. Planejamento detalhado – detalhar os tipos de atividades e experiências necessárias para atingir tais objetivos. Há, portanto, uma clara aproximação do campo curricular ao cientificismo em voga na época, tornando também o currículo como um instrumento de controle e regulação social porque, a partir dele, os cidadãos construiriam sua trilha profissional e o futuro de uma nação. As propostas de Bobbitt, segundo Silva (2001), eram notadamente conservadoras pois atrelavam a escola a uma função de manutenção da sociedade, nos moldes fabris. O viés econômico e a eficiência eram balizadores de um bom trabalho educativo. A organização e a técnica eram valorizadas. A influência que o autor teve na época pode ser detectada até os dias atuais nos currículos voltados especialmente para o mundo do trabalho e para manutenção do status quo. 1.3.2. Ralph Tyler Se a Franklin Bobbitt coube a introdução do modelo eficientista em educação, Ralph Tyler foi o responsável pela sua sistematização ampla e expansão mundial. A partir de uma abordagem mais diversificada, Tyler articula o eficientismo com o progressivismo, com ênfase no primeiro, centrando seus estudos nas questões de organização e desenvolvimento. Seu principal livro, lançado em 1949, Princípios Básicos de Currículo e Instrução, influenciou gerações de curriculistas no mundo inteiro, incluindo o Brasil. Afirma Tyler, nesse trabalho, que a construção de um currículo deve responder a quatro questões básicas? a. Que fins educacionais a escola tem que atingir? b. Quais as experiências educacionais que devem ser fornecidas para atingir esses fins? c. Como essas experiências educacionais devem ser, efetivamente, organizadas? d. Como podemos determinar se estes fins estão sendo atingidos? Segundo Silva (2001), tais perguntas correspondem à divisão tradicional da atividade educacional: currículo, ensino e instrução e avaliação. Tyler tem uma análise mais demorada na questão dos objetivos educacionais. Considera que as fontes para os objetivos educacionais são os estudos sobre a natureza dos alunos, estudos sobre a vida contemporânea, além dos estudos de especialistas acerca da organização do conhecimento. Tyler ainda define filtros que devem adequar os objetivos às capacidades das crianças (filtro psicológico) e aos valores da sociedade (filtro sociológico). É este último que está ligado à questão da manutenção da sociedade. Outra preocupação do autor era a formulação dos objetivos, os quais deveriam estar relacionados diretamente a uma mudança comportamental nos alunos. “Todo objetivo tem, para Tyler, que definir um comportamento e um conteúdo a que ele se aplicam, evitando generalizações.” (LOPES; MACEDO, 2011, p.46). Tyler indica que seria muito positivo que se estabelecesse um conjunto de poucos comportamentos que pudessem estar relacionados a vários conteúdos. Exemplificando: COMPORTAMENTOS CONTEÚDOS Compreender fatos e princípios Aplicar princípios Demonstrar atitudes sociais Demonstrar solidariedade com questões sociais 1 x x x 2 x x 3 x x x x * Adaptação feita pela autora do quadro apresentado por LOPES e CASEMIRO (2011, p. 47). Quanto à seleção das experiências de aprendizagem Tyler seguia alguns princípios gerais: ✓ O aluno deveria ser levado a praticar o comportamento desejado, notadamente também em relação aos conteúdos; ✓ A experiência realizada pelo aluno deveria ter êxito; ✓ As experiências deveriam ser diversificadas; ✓ As experiências podem produzir resultados diversos, por isso deve-se descartar as que produzem resultados indesejáveis. As experiências também deveriam ser organizadas horizontal e verticalmente, tendo continuidade, sequência e integração, garantindo uma complexificação gradual. Para garantir tal organização e integração Tyler sugere que especialistas procedam à seleção de conceitos fundamentais “que podem ser trabalhados em diferentes níveis de aprofundamento ao longo de toda a etapa de escolarização e em diferentes disciplinas” (LOPES; MACEDO, 2011, p.49). Por fim, a avaliação da aprendizagem é a última etapa do planejamento curricular, sendo realizada por instrumentos que verificam a consecução dos objetivos educacionais, isto é, se as experiências educacionais foram eficazes e, ao fim e ao cabo, se o comportamento dos alunos foi modificado. Para tal, diversos instrumentos avaliativos devem ser propostos, em diferentes momentos do processo educacional. A orientação comportamentalista iria se radicalizar, nos Estados Unidos, na década de 60, com o estudo de Robert Mager, A análise dos objetivos. Até os dias atuais podemos perceber a grande influência que Tyler tem nos estudos curriculares, sendo desdobrados em diversos trabalhos, como a taxonomia dos objetivos educacionais de Bloom, dividida em três domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor. O estudo das competências educacionais, os quais tiveram grande êxito nas propostas curriculares oficiais, também bebem na fonte do modelo de Tyler, pendendo para a preparação para o mercado de trabalho, enfatizando porém competências mais gerais, como saber-aprender, saber-fazer e saber- ser, próximas às exigências do mundo contemporâneo. Outro modelo importante surgido na Europa, na década de 80 do século XX, foi o proposto por César Coll, cuja obra mais conhecida é Psicologia e Currículo. Segundo Lopes e Macedo (2011, p.59) “seu modelo de elaboração curricular tem por horizonte um projeto curricular para a escolarização obrigatória a ser implementado nacionalmente por um poder central”. O modelo oferecido por Coll, influenciado pela racionalidade tylerana e pelas psicologias de Vygotsky e Ausubel, teve ampla divulgação no Brasil e foi fonte para construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais, na década de 90. 1.3.3. John Dewey Anteriormente ao sucesso conquistado pelos modelos de Bobbitt e Tyler, outro educador norte americano se destacou no campo educacional geral, influenciando também a construção de modelos curriculares: John Dewey. Dewey foi um teórico da educação preocupado com a questão da construção da democracia, escrevendo vários livros, dentre os quais podemos citar: A escola e a sociedade (1899), A criança e o currículo (1902) eDemocracia e educação (1916), Segundo o historiador da educação Franco Cambi, Dewey foi o maior pedagogo do século XX: “o teórico mais orgânico de um novo modelo de pedagogia [...]; o experimentalista mais crítico da educação nova [...]; o intelectual mais sensível ao papel político da pedagogia e da educação, vistas como chaves mestras de uma sociedade democrática” (CAMBI, 1999, p.546). Com forte influência do evolucionismo e do hegelianismo desenvolve uma filosofia da educação centrada na noção de experiência. As principais características da pedagogia de Dewey são: a. O pragmatismo, que dá ao fazer do aluno um papel central na aprendizagem; b. A ligação com as ciências experimentais, em especial a psicologia e a sociologia; c. O atrelamento entre educação e política, na construção de uma sociedade democrática. O pensamento de Dewey, precursor do progressivismo, inspirou diversos modelos da chamada escola ativa, com ramificações nos Estados Unidos, Europa e América do Sul. Ancorada nesses princípios, a educação deveria focar o método científico e a formação intelectual e moral. Os princípios da elaboração curricular residem sobre os conceitos de inteligência social e mudança. Para tal, o centro do currículo é a experiência direta da criança, tendo essa um valor imediato e não um fim somente na vida adulta. Inspirado também nos valores da democracia, o currículo proposto por Dewey focaliza a questão da resolução dos problemas sociais. A escola é organizada de tal forma que a criança se depare com problemas (tal qual como a sociedade) e tente resolvê-los por meio da cooperação e do agir democrático. Os assuntos escolares advém de necessidades práticas e de temas sociais, como saúde, cidadania etc e assumem formas mais abstratas à medida do crescimento e amadurecimento dos alunos. O currículo, para Dewey, apresenta três núcleos: ✓ As ocupações sociais; ✓ Os estudos naturais; ✓ A língua. Tal perspectiva pragmática considera que o conhecimento deve estar embasado nas experiências dos indivíduos, dando ênfase à dimensão psicológica do conhecimento inicialmente para somente depois atender aos princípios lógicos do conhecimento. “O conhecimento escolar deve levar em conta o desenvolvimento e a maturidade dos alunos, suas experiências e atividades” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 76). Síntese Considerações Finais Chegamos ao fim do Módulo 2, “As chamadas Teorias Tradicionais”. Neste módulo demos destaque à contextualização histórica do início do século XX, a qual influenciou o crescimento da educação de massas e a necessidade de organização curricular, de modo que as escolas pudessem oferecer um currículo que preparasse o cidadão da modernidade. Nascem, dessa forma, o campo teórico curricular, com as chamadas teorias curriculares tradicionais. Na sociedade industrial do início do século XX era necessário repensar o modelo de educação das massas. Representantes do eficientismo, Franklin Bobbitt e Ralph Tyler, e do progressivismo, John Dewey, tiveram grande influência na construção de modelos curriculares que dessem conta de uma nova configuração social. Tais pensadores ainda são referência na educação contemporânea e seus modelos de construção curricular influenciam as políticas curriculares mais amplas até os dias de hoje. As mesmas preocupam-se muito mais com questões de planejamento, organização e método, do que na finalidade educativa, podendo ser divididas em duas principais vertentes: o eficientismo, cujos principais representantes são Franklin Bobbitt e Ralph Tyler, e o progressivismo, com John Dewey como precursor. As teorias tradicionais iniciaram o nosso diálogo sobre as principais vertentes teóricas no campo curricular e introduziram questões importantes para a continuidade dos módulos posteriores, em especial sobre as teorias críticas e pós-críticas. As referências bibliográficas e a indicação de leitura suplementar são instrumentos importantes para que você se aproprie ainda mais estudado, além da sua participação no fórum, local onde todos poderão se expressar acerca de questões pertinentes ao módulo e sua articulação com a educação moderna. Até o próximo encontro!!! TEORIAS CRÍTICAS: NEGANDO A NEUTRALIDADE DO CURRÍCULO Patrícia Helena Ferreira Teoria do Currículo. Módulo 3 – Teorias Críticas: negando a neutralidade do Currículo - Faculdade Campos Elíseos (FCE) – São Paulo – 2017. Guia de Estudos – Módulo 3 – Teoria do Currículo 1. Currículo 2. Poder 3. Ideologia Orgs.: Cláudia Regina Esteves Faculdade Campos Elíseos Conversa Inicial Caro(a) aluno(a), Chegamos ao módulo 3 da disciplina “Teoria do Currículo”. No módulo 2, As Chamadas Teorias Tradicionais, destacamos os fenômenos do taylorismo e fordismo como fomentadores, na educação, de uma teoria curricular com inspiração cientificista e com ênfase no planejamento e nos resultados. Destacamos os principais pesquisadores de currículo da época: Franklin Bobbitt, Ralph Tyler e John Dewey. No presente módulo 3, Teorias críticas: negando a neutralidade do currículo, pretendemos mostrar como a hegemonia da teoria tradicional deu por fim, a partir do momento que transformações na sociedade da segunda metade do século XX começaram a questionar uma suposta neutralidade do currículo e o articularam às questões macro de poder e ideologia. Para tal, iniciaremos com a contextualização desse período conturbado e efervescente para depois destacarmos as primeiras discussões que atrelam educação, currículo e poder, capitaneadas por Louis Althusser e Pierre Bourdieu. Por fim, aportaremos em alguns dos principais pesquisadores do currículo da época, como Michael Apple, Henry Giroux, Michael Young, Basil Bernstein e os brasileiros Paulo Freire, Dermeval Saviani e José Carlos Libâneo. Iniciaremos então nossa jornada de estudos. A todos um ótimo aprendizado! 1. Anos Rebeldes Fontes das imagens: http://osmovimentosestudantis.blogspot.com.br/2008/10/dcada-de-60.html http://proddigital.com.br/musica/tropicalismo/ http://www.historiaegeografia.com/a-guerra-fria-o-periodo-conhecido-como- meio-seculo-de-rivalidades/a-guerra-fria/ https://super.abril.com.br/ciencia/o-homem-nunca-pisou-na-lua/ http://www.hardware.com.br/guias/historia-informatica/super- computadores.html http://osmovimentosestudantis.blogspot.com.br/2008/10/dcada-de-60.html http://proddigital.com.br/musica/tropicalismo/ http://www.historiaegeografia.com/a-guerra-fria-o-periodo-conhecido-como-meio-seculo-de-rivalidades/a-guerra-fria/ http://www.historiaegeografia.com/a-guerra-fria-o-periodo-conhecido-como-meio-seculo-de-rivalidades/a-guerra-fria/ https://super.abril.com.br/ciencia/o-homem-nunca-pisou-na-lua/ http://www.hardware.com.br/guias/historia-informatica/super-computadores.html http://www.hardware.com.br/guias/historia-informatica/super-computadores.html Anos 60. Um mosaico de acontecimentos povoa a década que é considerada como uma das mais importantes do século XX: a Corrida Armamentista e a Guerra Fria, os Movimentos Estudantis, a Contracultura, a chegada do homem à Lua, os primeiros chips para computadores, as Ditaduras Militares no terceiro mundo, o Tropicalismo no Brasil. “Caminhando pelo vento, sem lenço, nem documento”. As certezas de um século próspero, inigualável e insuperável começaram a ser abaladas. Seria o século XX o último da civilização humana? Com uma bagagem de duas guerras mundiais, findadas com o perigo atômico, nada mais era como antes. Era preciso que a sociedade revisitasse muitos de seus conceitos e buscassenovos caminhos. A seguir, um pequeno sobrevoo ao arco temporal acima referido. Logo após a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria foi o confronto ideológico, político e militar entre os dois blocos formados, por um lado, pelos Estados unidos e, por outro, pela União Soviética. Tal confronto acirrou ideologicamente e militarmente vários países que se posicionavam em nome de uma ideologia capitalista ou socialista. Decorrentes dessa situação vários conflitos ocorreram, dentre os quais podemos citar a Guerra da Coreia, do Vietnã e a construção do Muro de Berlim, que dividiu a Alemanha em um bloco capitalista e outro socialista. Embora não tenha ocorrido um grande confronto bélico (o qual poderia exterminar a população do planeta), a Guerra Fria causou no mundo um estado de constante vigília e medo e acirrou a corrida tecnológica, principalmente entre os dois países líderes. Tal é o exemplo da sofisticação dos sistemas de computação e da corrida à Lua, a qual culminou, em sua primeira fase, com a chegada dos americanos no planeta, significando, de alguma forma, o poderio norte americano sobre a economia e a política mundial. Ao mesmo tempo, o regime comunista se espalha em alguns países mais afastados de Moscou, como a China e Cuba, além do Vietnã e Coreia do Norte. Na África e Ásia houve um processo de descolonização e vários países conseguiram seu processo de independência com o enfraquecimento das nações imperialistas. Na América Latina houve o estabelecimento de diversas ditaduras militares, as quais tiveram o apoio dos Estados Unidos, com o objetivo de impedir o avanço do socialismo, suprimindo liberdades democráticas e instaurando um clima de terror e tortura aos que dela se opunham. No Brasil, entre o Estado Novo e a Ditadura Militar, o país viveu uma conturbada democracia, marcada por governos populistas, tentativas de golpe e tensão entre conservadores e progressistas. O Golpe de 1964 foi caracterizado pela ruptura do regime democrático, pelo centralismo e autoritarismo, pela cassação dos direitos políticos e pela violação das liberdades individuais (veja quadro ao lado). Todos esses acontecimentos geraram, mundialmente, movimentos que fizeram frente a essa nova organização mundial. Alguns tiveram um caráter mais pacifista e simbólico, como o Movimento Hippie, um dos movimentos da chamada contracultura, o qual pregava, sob o slogan “Paz e Amor”, a ampliação dos direitos civis, o fim das guerras e contestava os valores tradicionais e o poderio militar e econômico. Podemos ainda citar o movimento feminista, o de liberação sexual e o Black Power, movimento pela garantia dos direitos dos negros americanos. Outros, como o levante de Maio de 68, ocorrido na cidade de Paris, foi uma grande onda de protestos que iniciou com manifestações estudantis e cresceu com o apoio dos trabalhadores. Frases como “é proibido proibir” e “a imaginação no poder” ficaram famosas no mundo inteiro. Tal movimento teve ampla Os Atos Institucionais Os A.I.s foram uma série de normas editadas à época do regime de exceção instalado pelos militares no Brasil em 1964, com objetivo de controlar e cercear os direitos políticos e civis. Tais medidas eram aprovadas sem qualquer consulta popular ou legislativa. Dos 17 Atos desse período podemos destacar: AI 2 (1965) – estabeleceu a eleição indireta para presidente, extinguiu partidos políticos e permitiu ao Executivo cassar mandatos. AI 3 (1966) – estabeleceu eleições indiretas para governador e prefeito. AI 4 (1966) – fechou o Congresso e determinou as regras para nova Constituição. AI 5 (1968) – deu ao presidente plenos poderes para cassar mandatos, suspender direitos políticos, acabou com o habeas corpus, e endureceu a repressão policial e militar. participação da intelectualidade europeia e culminou na produção de uma ampla variedade de estudos críticos, em diversas áreas, com destaque às humanidades e, dentro elas, a educação. Surgiram então teorizações, livros, ensaios que colocavam em xeque a educação e a estrutura educacional da época (SILVA, 2001). 2. As Teorias Críticas em educação: delimitando limites e validades Ao mesmo tempo que foi o apogeu das ideias tecnicistas em educação, por meio da difusão de um currículo cientificista, fundado na ideia de organização e planejamento, a década de 70 do século XX foi palco de manifestações questionando os ditames de um capitalismo de caráter eminentemente exploratório e alienante, em prol da liberdade expressão e de manifestação. A canção Deus lhe pague, de Chico Buarque de Holanda, escrita em 1971, Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir Deus lhe pague Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir Pela fumaça e a desgraça que a gente tem que tossir Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair Deus lhe pague Chico Buarque de Holanda exemplifica tal período, em que são questionados valores e um modo de vida que expropria muitos em favor de poucos. Um movimento de questionamento às formas de organização societárias iniciada principalmente na Alemanha (pela chamada Escola de Frankfurt) começa a se desdobrar em diversos campos. A esse movimento costumamos chamar de Teoria Crítica, a qual correspondeu a “uma tentativa de pensamento face à relação entre a cultura, formas de dominação e sociedade” (APPLE, 2001, p. 13) Esse foi o contexto para o surgimento, no campo teórico, de muitos trabalhos que questionavam o papel da escola e, especificamente, a defesa de um currículo neutro. Segundo Silva (2001), houve um espraiamento de pesquisadores de vários países, dentre os quais podemos exemplificar França, Inglaterra e Estados Unidos, que afetados pelo clima intelectual da época, produziram uma literatura densa e vasta contestando a teorização educacional tradicional e trazendo para o cenário novas percepções acerca da relação Educação-Sociedade. No Brasil, podemos também enfatizar a formação de um campo de pesquisas sobre educação e currículo de importância nacional e internacional, com destaque para o educador Paulo Freire. Os estudos educacionais críticos são uma categoria abrangente que abarcam a vertente marxista, neomarxista, os estudos relacionados à Escola de Frankfurt, além de análise feminista, e dos estudos culturais críticos. Pesquisadores da área iniciam uma produção intensa, a qual irá repercutir nos modos de pensar e viver a educação. A seguir, apresentaremos alguns estudiosos críticos do currículo e suas principais ideias, sem a pretensão de esgotarmos todas as questões abordadas pelos mesmos. Importante destacar, antes de iniciarmos nosso percurso, o corpo teórico que une a todos, qual seja, o questionamento aos pressupostos educacionais tradicionais: As teorias críticas desconfiam do status quo, responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais. As teorias tradicionais eram teorias da aceitação, ajuste e adaptação. As teorias críticas são teorias da desconfiança, questionamento e transformação radical. Para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz (SILVA, 2001, p. 30). 2.1. Na França, os precursores: Althusser, Bordieu e Passeron Pode-se dizer que a França teve um papel importantíssimo na reflexão crítica sobre educação e currículo no último quartel do século XX. Louis Althusser, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron foram os teóricos que lançaram as bases para um movimento crítico na educação, utilizando para tal o referencial marxista.Louis Althusser publica, em 1970, A ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado, livro que o lança mundialmente no campo dos estudos marxistas e que influenciará as demais pesquisas de viés crítico na educação. Embora não escreva somente sobre educação, Althusser destaca o papel que a mesma tem para a manutenção/reprodução do modo de produção capitalista. Para o autor, as formações sociais que se apresentam são decorrência de um modo de produção dominante o qual, para sobreviver, necessita reproduzir suas condições de produção (meios de produção, forças produtivas e relações de produção*). Para que isso * Para entender um pouco mais.... Existem alguns conceitos centrais do marxismo e do materialismo histórico, os quais os teóricos críticos se baseiam. São eles: - Forças produtivas - são as forças usadas para transformar a natureza, objetivando a produção de bens materiais. Representam, assim, a combinação da força de trabalho do homem com os meios de produção. - Meios de produção - considerados como todos os instrumentos e materiais de trabalho. - Relações de produção - são a efetivação do modo como o homem se organiza para a produção dos bens: como retira os bens da natureza e divide o trabalho para a consecução de sua subsistência. - Modo de produção – é constituído pelas forças produtivas mais as relações de produção. Podemos destacar o modo de produção feudal e o modo de produção capitalista. se dê, o Estado utiliza de aparelhos, que têm por função legitimar e consolidar seu poder: são eles o aparelho repressivo do Estado (representado pelo governo, pela polícia, tribunais, forças armadas e prisões) e os aparelhos ideológicos do Estado (a religião, as escolas, as leis, os sindicatos, a cultura etc). Todos os aparelhos do Estado, segundo Althusser, funcionam por repressão e pela ideologia, com ênfases diferentes. Os aparelhos ideológicos asseguram, de certa forma, a ideologia da classe dominante, tendo como principal representante, o aparelho escolar. A escola atua ideologicamente por meio do currículo (na forma como as disciplinas são apresentadas), inclinando as os indivíduos das classes subalternas à submissão e à obediência. Como destaque, podemos dizer que a análise do autor busca relacionar a educação à produção, a escola à economia. Seguindo uma linha que ultrapassa a análise economicista de Althusser, Bourdieu e Passeron publicam, também em 1970, A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. A abordagem dos autores, menos determinista que a análise anterior, está centrada nos mecanismos de reprodução social, mas com enfoque na cultura. Para os autores, as classes dominantes detêm o que chamam de capital cultural, ou seja, um capital advindo do contato da classe dominante com o conhecimento historicamente produzido (por meio das artes, da literatura, do teatro e outras formas de expressão), que transforma a cultura em instrumento de dominação e poder. A escola reproduz, segundo os autores, a cultura das classes dominantes, privilegiando aqueles que já tiveram contato com esse próprio capital e atuando com mecanismos de eliminação e seleção. “A ação pedagógica é descrita como uma violência simbólica que busca produzir uma forma durável (habitus) com efeito de inculcação ou reprodução” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 28). Dessa forma, o capital cultural das classes dominantes acaba por fortalecer as desigualdades sociais, mas de uma maneira subliminar, pois acredita-se que todos os indivíduos têm as mesmas chances, distinguindo- se somente pelo mérito e dedicação. Como forma de possibilitar o contato das classes subalternas com tal capital cultural, Bourdieu e Passeron, propõem um currículo que possibilite às crianças o contato com as experiências culturais das classes dominantes, de modo a dirimir tal diferenciação. As duas obras descritas anteriormente foram as precursoras de uma série de estudos que se desenvolveu nos anos seguintes na Europa e na América. As análises que surgiram posteriormente refinaram as questões abordadas pelos pesquisadores franceses, afastando-se de um determinismo econômico para estabelecer outras relações entre a escola e a sociedade. 2.2. Inglaterra: a Nova Sociologia da Educação O movimento de ressignificação curricular passou, na Inglaterra, pelo crivo da Sociologia e trouxe inúmeras questões para o debate educativo. Segundo Moreira e Silva (2006), a sociologia inglesa libertou-se, a partir da década de 60 do século XX, dos padrões funcionalistas da sociologia americana, tomando rumos outros. No que se refere à sociologia da educação, esta libertou- se de alguns temas recorrentes da década de 50 (ênfase no desperdício e na disfunção), estabelecendo como principal objeto de estudo o currículo escolar. A ênfase recai agora no “processamento de pessoas” (SILVA, 2001, p. 65). Dos diversos nomes de pesquisadores da área, destacaremos dois deles, os quais tiveram importância relevada para discussão da temática, influenciando pesquisadores de outros países. São eles Michael Young e Basil Bernstein. Em 1971 Michael Young organiza, junto a outros autores da época, Knowledge and control: new directions for the sociology of education (Conhecimento e controle: novas direções para sociologia da educação), livro em que se são lançadas as bases da NSE (Nova Sociologia da Educação). Os autores do livro questionam como o conhecimento é selecionado e organizado, estabelecendo uma clara associação entre currículo e poder. Segundo Tomaz Tadeu da Silva, a principal contribuição da NSE seria pôr em questão algumas categorias já dadas sobre conhecimento e currículo, denunciando seu “caráter histórico, social, contingente e arbitrário” (SILVA, 2001, p. 66). O currículo passa a ser considerado como uma invenção social, a partir de um longo processo de disputas sobre o tipo de conhecimento que deveria fazer parte do mesmo. Uma pergunta decorrente dessa reflexão seria: por que algumas disciplinas têm mais prestígio do que outras? Quais seriam os interesses envolvidos na estruturação dos currículos? Young denunciava assim uma estreita relação entre currículo e poder, por meio da legitimação de algumas culturas e o desprestígio de outras. No mesmo ano de publicação do livro organizado por Young (1971), Basil Bernstein lança Classes, códigos e controle, obra que teve ampla repercussão nos meios educacionais. O pesquisador foi um dos mais importantes sociolinguistas da época. Bernstein trabalha com alguns conceitos fundamentais durante sua obra para tentar analisar as relações entre os diferentes tipos de conhecimento que constituem o currículo: currículo coleção e currículo integrado, classificação de um currículo (fortemente ou fracamente classificado), enquadramento, poder e controle, dentre outros. Todos esses conceitos são desenvolvidos com objetivo de estabelecer relações estruturais entre os currículos numa perspectiva de poder. A questão central que o autor pretendia estudar estava ligada à internalização das posições de classe entre os indivíduos e, para tal, elabora o conceito de código: “o código é a gramática implícita e diferencialmente adquirida pelas pessoas das diferentes classes” (SILVA, 2001, p. 74), que faz com que haja uma interligação entre o macrocosmo e o microcosmo. O que Bernstein quer chamar a atenção é a interrelação entre a posição social e o tipo de código aprendido (um aspecto acaba por retroalimentar o outro). Para tal faz distinção entre dois tipos de código: o código restrito (aquele que depende fortemente do contexto) e o código elaborado (aquele que tem certa independência do contexto). Os lugares onde estes códigos são aprendidos são as diversas instâncias sociais, destacando-se a escola e a família. Percebe-se que
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