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JANET MOYLES e colaboradores ENFRENTAND O O DESAFIO M938f Moyles, Janet. Fundamentos da educação infantil : enfrentando o desafio / Janet Moyles ; tradução: Maria Adriana Veríssimo Veronese ; consultoria, supervisão e revisão técnica : Tânia Ramos Fortuna. – Porto Alegre : Artmed, 2010. 320 p. ; 23 cm. ISBN 978-85-363-2179-0 1. Educação infantil. I. Título. CDU 373.2 Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922 58 Janet Moyles e colaboradores questões diferença e diversidade Os quatro estudos de caso ilustram alguns dos desafios e das questões existentes nas instituições de educação infantil, com particular referência à diversidade cultural e de necessidades educacionais especiais, supostas ou evidenciadas. As vinhetas também demonstram que o quadro não é nítido, e que a diversidade não se enquadra em categorias claras de cultura, língua e necessidades educacionais especiais. Em vez disso, a diversidade está cons- tantemente evidente na variação individual em termos de, por exemplo, etni- cidade, língua, cultura, idade, sexo, estilo de vida, e assim por diante. Na educação, todavia, quando falamos em diversidade, e especialmen- te em diversidade cultural, não nos referimos a diferenças individuais, mas apenas àquelas que confrontam e desafiam as normas ou os modelos espera- dos que temos em mente para o nosso grupo de alunos, sua aprendizagem e comportamento (InterGuide, s/d). Nesse sentido, diferenças individuais lin- guísticas, culturais, de capacidade e deficiência podem tornar-se pontos de referência para definir e identificar a diversidade em grupos que, de outra forma, teriam sido considerados homogêneos. A identificação e o reconhecimento da diferença na educação podem ter uma função poderosa e incisiva, emancipatória ou discriminatória (O’Brien, 2005). Por um lado, isso nos impede de criar categorias e agrupamentos de- masiadamente amplos (p. ex., o inglês como uma língua adicional ou uma ne- cessidade educacional especial), em que a inclusão não se justifica, e também nos permite desembrulhar, analisar e interrogar a coesão desses agrupamen- tos – Estudos de Caso 2 e 3 (Gordon, 2005). Por outro lado, isso pode levar Fundamentos da educação infantil 59 à identificação de subcategorias explícitas e rígidas, em que a complexidade das situações reais de vida dos indivíduos é subestimada – Estudos de Caso 2 e 3. Além disso, se essas subcategorias se tornarem o ponto de referência para a ação, é possível que mais pessoas se sintam ou sejam consideradas excluídas ou marginais – Estudo de Caso 1 (Irwin, 2005). As funções do reconhecimento da diferença também podem ser com- preendidas em níveis variados e múltiplos, isto é, em nível ideológico e po- lítico, institucional, estrutural e subcultural. No nível ideológico e político, a diferença é defendida em políticas internacionais e nacionais que, por exem- plo, tratam de direitos da criança, antirracismo, multiculturalismo e inclusão. Nesse nível, o reconhecimento da diferença se justifica em nome de ideais de tratamento imparcial e justiça social para todos. No nível institucional, a diferença é promovida sancionando-se e difundindo-se normas e diretrizes que refletem esses ideais. No nível estrutural e procedural, a diferença é reco- nhecida pelo estabelecimento de estruturas e procedimentos que identificam e desafiam relações de poder. No nível subcultural, a diferença é usada para identificar e contestar sistemas sociais amplos e coesos que solapam a igual- dade de tratamento e oportunidade (Troyna e Hatcher, 1992; Gordon, 2005; Irwin, 2005). Nesse contexto, não surpreende que a frase “celebrar a diversidade” te- nha atualmente se tornado o novo mantra, implicando educação equitativa para todos os alunos, independentemente de sua origem e suas experiências. Entretanto, não está nem um pouco claro o que isso pode significar na prática para os profissionais que não têm experiência pessoal de diversidade e não compreendem bem a iniquidade (King, 2004). Conforme Giroux (1991, p. 72) argumentou, há o “perigo de se afirmar a diferença simplesmente como um fim em si mesma, sem se reconhecer como a diferença é criada, apagada e ressuscitada”. Tomando emprestada a estrutura dual de desigualdade de Gidden (citada em Siraj-Blatchford, 2006), podemos argumentar aqui que a identificação e o reconhecimento da diferença podem ter uma função dual, isto é, ser um meio para práticas sociais e o seu resultado. Por isso, e com base em Rawls (1999), também podemos argumentar que o reconhecimento da diferença e da diversidade só se justifica e só pode ser visto assim quando é usado para a distribuição de recursos a fim de aumentar as vantagens dos grupos menos favorecidos na sociedade. Ponto Para reflexão 5. Como você define diversidade? Qual é o papel da diferença nessa definição? 60 Janet Moyles e colaboradores Políticas de inclusão O importante discurso e defesa de Rawls (1999) da diferença e diversi- dade está incorporado nas políticas e debates sobre a inclusão introduzidos nos ambientes de ensino e atendimento nos últimos 15 anos. As políticas de inclusão incentivam e requerem que as escolas e instituições modifiquem sua estrutura, abordagem pedagógica, métodos de avaliação e ambientes de aprendizagem para atender às necessidades diversas de todos os alunos e garantir sua participação efetiva no processo de aprendizagem (Wade, 1999; Farell, 2003). Isso significa que todos os alunos, independentemente de suas necessidades educacionais especiais, deveriam ser ensinados nos contextos locais, e não em escolas especiais (DfEE, 1997), e ter acesso às mesmas ativi- dades curriculares e participar delas. Em termos de inclusão, a variedade de capacidades e interesses dos alunos é vista como um enriquecimento para a escola e a comunidade (Booth e Ainscow, 1998). Embora, inicialmente, a inclusão nas escolas tenha sido introduzida como uma alternativa à integração para crianças com necessidades especiais, agora ela é vista como possuindo encaminhamento e foco mais amplos. Se- gundo o Office for Standard in Education (OfSTED, 2000), a inclusão não tem a ver apenas com grupos de alunos com necessidades educacionais espe- ciais e/ou com aqueles que são excluídos da escola, mas se refere à igualdade de oportunidades para todos os alunos, independentemente de sua etnicida- de, cultura, língua, capacidade, desempenho, idade ou gênero. A inclusão é uma luta contra modelos de déficit e injustiça social associadas a qualquer um desses grupos. É uma luta política e ideológica contra atitudes, sistemas, estruturas e abordagens de exclusão (Barton, 1995; Ballard, 1995; Slee, ci- tado por Farell, 2003). É um direito baseado no tratamento equitativo e na justiça social para todos (Evans, 2000). Como tal, o foco da inclusão tem sido especialmente em como as estruturas e os procedimentos de gerenciamento escolar produzem políticas inclusivas, e criam culturas e práticas inclusivas para permitir que alunos com necessidades e capacidades muito variadas par- ticipem do processo de educação (Booth et al., 2000). A limitação e, mais importante, a redução das políticas de inclusão a um exercício burocrático e a documentos arquivados foram explicitamente reco- nhecidas no documento Removing Barriers to Achievement (DfES, 2004), em que é feito um firme compromisso de agir contra essa situação. O documento também reconhece a necessidade de melhorar a prática em sala de aula. No entanto, grande parte de suas recomendações é relativa à retórica da melhora de habilidades e competências e a uma sólida liderança (voltadas para direto- res, Special Educational Needs Coordinators (SENCOs) e outros profissionais de nível qualificado). Fundamentos da educação infantil 61 Pedagogia Quando o ensino informado por políticas toma o lugar da pedagogia e a categorização determina a ação, existe o risco de os profissionais reagirem às situações em vez delidarem ativamente com necessidades complexas e diversas. Se a professora, em primeiro lugar, não tivesse categorizado e visto o desempenho variável de George em termos de seu meio linguístico e, em se- gundo lugar, suposto/esperado que a política de inclusão da escola estivesse funcionando eficientemente, ela poderia ter buscado explicações alternativas. Pode ser argumentado, aqui, que a ênfase colocada na diferença, como uma categoria de ação, e a implementação gerencial da inclusão levaram muitos profissionais a buscar e adotar dicas de como ensinar, em vez de ocupar-se com afinco da pedagogia (Epstein, 1993). A pedagogia é frequentemente definida como ensino, ou considerada um sinônimo de ensino. Mas essa é uma definição muito limitada (Levine, ci- tado por Meek, 1996). Ensino é o ato e o desempenho de apresentar matérias do currículo, enquanto pedagogia é tanto ato quanto discurso (Alexander, 2000). Pedagogia envolve o ensino e o pensamento por trás do ensino e as ações do profissional (Lewis e Norwich, 2005). Segundo Alexander (2000, p. 540), A pedagogia abrange o desempenho do ensino, juntamente com as teo- rias, crenças, políticas e controvérsias que o informam e lhe dão forma [...] A pedagogia une o ato de ensinar, aparentemente independente e autossuficiente, com a cultura, a estrutura e os mecanismos de controle social. Com sua ênfase no desempenho, o ensino impulsionado pelas políticas, por sua vez, passou a ser estimulado por políticas e currículos e centrado neles. A pedagogia, por outro lado, ao se concentrar na existência e na expe- riência das pessoas envolvidas no processo de aprendizagem (tanto o aluno quanto o professor), assume uma dimensão ontológica e passa a ser centrada na pessoa. Ela reconhece, considera e critica o conhecimento existente (ma- térias e a aprendizagem de teorias específicas); reflete sobre a experiência e teorias populares ou de senso comum; investe nos relacionamentos dialéticos Ponto Para reflexão 6. Você concorda com a ideia de que as políticas de inclusão se tornaram excessiva- mente burocráticas? Como essa situação poderia ser melhorada? 62 Janet Moyles e colaboradores entre aprendiz e professor e reconhece os contextos cultural, social e estrutu- ral específicos em que ocorrem esses relacionamentos. Em última análise, a pedagogia resume conceitos não reconhecidos do que significa ensinar (Levi- ne, citado por Meek, 1996). A pedagogia da infância inicial tem alguns princípios distintos que se refletem no discurso e debate a respeito do profissionalismo na educação in- fantil. Eles incluem reflexão, inclusão, responsividade e afetividade; extrema consciência, envolvimento empático e pessoal com as crianças, suas famílias e a comunidade; e crenças, sentimentos e comprometimento firme com a proteção e o apoio das crianças. A base da pedagogia da infância inicial é um comprometimento apaixonado (Osgood, 2006). Entretanto, a emotividade da pedagogia da infância inicial é vista como a limitação profissional das pessoas que trabalham com educação infantil (Moyles, 2001). Essa limitação pode ser negativamente neutralizada por uma prática “de cima para baixo”, prescritiva e informada por políticas, em que contam as consequências e os resultados (Ball, citado por Osgood, 2006). Na verdade, embora os profissionais de educação infantil sejam extremamente comprometidos com essa pedagogia, quando se trata da prática eles recorrem a abordagens didáticas e centradas no professor, seguindo a orientação nacio- nal (p. ex., ver Capítulo 17), e à crença de que essas abordagens serão satisfa- tórias para os inspetores (BERA; Early Years Special Interest Group, 2003). Os profissionais de educação infantil, então, deparam-se com o desafio de reivindicar e afirmar a pedagogia da infância inicial baseada no conheci- mento existente acumulado de muitas disciplinas e em sua sabedoria profis- sional. Ponto Para reflexão 7. Como você entende o termo “pedagogia” e quais são as implicações dele para a sua prática do dia a dia? rumo a uma relação dialética entre política e pedagogia A introdução de padrões e de uma orientação estatutária prescritiva in- fluenciou diretamente e, com frequência, determinou as práticas em sala de aula. Mas essa é uma abordagem de cima para baixo bastante limitada e taca- nha, que pode refletir e procurar impor os valores e ideais da maioria (e das seções dominantes?) da sociedade. Uma relação dialética e dinâmica entre: 1. diretrizes, requerimentos e orientação estatutária; Fundamentos da educação infantil 63 2. estruturas, procedimentos e processos; 3. prática em sala de aula, mediada pela pedagogia, que permitiria maior coerência e coesão contextual na práxis educacional (Figura 3.1). A pedagogia oferece as lentes e os filtros através dos quais as diretrizes, regulação e orientação estatutária, e a prática podem ser criticamente exami- nadas, criticadas, questionadas e adequadas para atenderem às necessidades de cada criança. Ao mesmo tempo, a pedagogia também é informada e mol- dada por essa relação dialética. Tomando emprestado de Bronfenbrenner (1999), os princípios peda- gógicos propostos na orientação para uma boa prática – por exemplo, Key Elements for Effective Practice (DfES 2005a) e The Common Core Skills and Knowledge (DfES, 2005b) – seriam: figura 3.1 A relação dialética e dinâmica entre diretrizes, prática e pedagogia. 64 Janet Moyles e colaboradores • centrados na pessoa, isto é, baseados no conhecimento sobre a criança, sua família, o profissional de educação infantil e outros profissio- nais; • centrados no processo, isto é, baseados no conhecimento sobre relacio- namentos, comunicação e processos de engajamento e colaboração com todas as pessoas envolvidas na prática educacional; • específicos do contexto, isto é, baseados no conhecimento sobre o contexto mais amplo de diretrizes internacionais e nacionais; regula- mentos e orientações estatutárias; diretrizes, ambiente e prática da instituição imediata de educação infantil; • dependentes do momento, isto é, baseados no reconhecimento de que pessoas, processos e contexto não são estáticos, mas estão em constante evolução, dependendo da experiência, dos avanços no conhecimento existente e da modificação nas políticas. Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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