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TEORIA DA
LITERATURA II
Rio de Janeiro / 2007
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À
UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO
VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE
COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Copyright 2006 Universidade Castelo Branco - UCB
Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por
quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo
Branco - UCB.
U n3p Universidade Castelo Branco.
 Teoria da literatura II. –
 Rio de Janeiro: UCB, 2007.
 120 p.
 ISBN 85-86912-09-3
 1. Ensino a Distância. I. Título.
 CDD – 371.39
Universidade Castelo Branco - UCB
Avenida Santa Cruz, 1.631
Rio de Janeiro - RJ
21710-250
Tel. (21) 2406-7700 Fax (21) 2401-9696
www.castelobranco.br
ChancelerChancelerChancelerChancelerChanceler
Prof.a Vera Costa Gissoni
ReitorReitorReitorReitorReitor
Prof. Paulo Alcantara Gomes
Vice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo DiscenteVice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo DiscenteVice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo DiscenteVice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo DiscenteVice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo Discente
Prof. Marcelo Hauaji de Sá Pacheco
Vice-Reitor de Planejamento e FinançasVice-Reitor de Planejamento e FinançasVice-Reitor de Planejamento e FinançasVice-Reitor de Planejamento e FinançasVice-Reitor de Planejamento e Finanças
Sergio França Freire Filho
Vice-Reitor de Gestão Administrativa e DesenvolvimentoVice-Reitor de Gestão Administrativa e DesenvolvimentoVice-Reitor de Gestão Administrativa e DesenvolvimentoVice-Reitor de Gestão Administrativa e DesenvolvimentoVice-Reitor de Gestão Administrativa e Desenvolvimento
Marcelo Costa Gissoni
Vice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e ExtensãoVice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e ExtensãoVice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e ExtensãoVice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e ExtensãoVice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão
Prof. Samuel Cruz dos Santos
Coordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a Distância
Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli
Coordenadores dos Cursos de GraduaçãoCoordenadores dos Cursos de GraduaçãoCoordenadores dos Cursos de GraduaçãoCoordenadores dos Cursos de GraduaçãoCoordenadores dos Cursos de Graduação
Ana Cristina Noguerol - Pedagogia
Denilson P. Matos - Letras
Maurício Magalhães - Ciências Biológicas
Sonia Albuquerque - Matemática
Responsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material Instrucional
Coordenadora de Educação a Distância - CEADCoordenadora de Educação a Distância - CEADCoordenadora de Educação a Distância - CEADCoordenadora de Educação a Distância - CEADCoordenadora de Educação a Distância - CEAD
Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli
Supervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDI
Joselmo Botelho
ConteudistaConteudistaConteudistaConteudistaConteudista
Neuza Maria de Sousa Machado
Apresentação
Prezado(a) Aluno(a):
É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação,
na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando
oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente
esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma
estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua.
Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu
conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica.
Seja bem-vindo(a)!
Paulo Alcantara Gomes
Reitor
Orientações para o Auto-Estudo
O presente instrucional está dividido em quatro unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e
conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam
atingidos com êxito.
Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades
complementares.
As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1.
Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das quatro unidades.
Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todos os
conteúdos das Unidades Programáticas 1, 2, 3 e 4.
A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os
horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você
administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros
presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso.
Bons Estudos!
Dicas para o Auto-Estudo
1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja
 disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.
2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite
 interrupções.
3 - Não deixe para estudar na última hora.
4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor.
5 - Sempre que tiver dúvidas entre em contato com o seu monitor através do e-mail
 monitorcead@castelobranco.br.
6 - Não pule etapas.
7 - Faça todas as tarefas propostas.
8 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento
 da disciplina.
9 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação.
10 - Não hesite em começar de novo.
 SUMÁRIO
Quadro-síntese do conteúdo programático .....................................................................................................
Contextualização da disciplina ...........................................................................................................................
UNIDADE IUNIDADE IUNIDADE IUNIDADE IUNIDADE I
NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO
1.1 - A natureza do fenômeno literário.................................................................................................................
1.2 - O texto literário ..............................................................................................................................................
1.3 - Discurso metonímico e discurso metafórico..............................................................................................
1.4 - Mimésis...........................................................................................................................................................
1.5 - A mimésis no fazer poético (Gênero Lírico)................................................................................................
1.6 - A mimésis na poesia épica (Gênero Épico / Narrativa épica em versos).................................................
1.7 - A mimésis no texto teatral (Gênero Dramático)..........................................................................................
1.8 - Do problema do trágico.................................................................................................................................
1.9 - A mimésis na matéria ficcional (Ficção-Arte / Vertical).............................................................................1.10 - A mimésis na matéria ficcional paraliterária (Ficção Linear / Horizontal)..............................................
1.11 - A mimésis na matéria ficcional (Esquema para a compreensão do assunto)........................................
1.12 - A mimésis na matéria ficcional cinematográfica.......................................................................................
1.13 - Criação literária X Representação cinematográfica...............................................................................
1.14 - Catársis..........................................................................................................................................................
1.15 - Poiésis, Tèkcne, Mimésis, Mito.................................................................................................................
1.16 - Conceito, função e valor da literatura.......................................................................................................
1.17 - Leitura: “Partida do Audaz Navegante”, de Guimarães Rosa................................................................
1.18 - Para o entendimento do valor da literatura ficcional de Guimarães Rosa:
 “Consciência da Linguagem: novo dinamismo psíquico”......................................................................
1.19 - Leitura: Velhos Marinheiros (trechos), de Jorge Amado.......................................................................
1.20 - Para o entendimento do valor da literatura ficcional de Jorge Amado:
 “Em defesa de Jorge Amado”.................................................................................................................
1.21 - Leitura: “O Cágado”, de Almada Negreiros..............................................................................................
1.22 - Análise para a compreensão do conto “O Cágado”...............................................................................
1.23 - Leitura: “Os Laços de Família”, de Clarice Lispector..............................................................................
1.24 - Leitura: “O Ex-Mágico da Taberna Minhota”, de Murilo Rubião..........................................................
1.25 - Leitura: “Dôia na Janela”, de Roberto Drummond..................................................................................
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45
1 1
UNIDUNIDUNIDUNIDUNIDADE IIADE IIADE IIADE IIADE II
GÊNEROS LITERÁRIOS
2.1 - A problemática dos Gêneros Literários
 “Sobre a questão dos Gêneros Literários”...........................................................................................
2.2 - Gêneros Literários: Histórico..................................................................................................................
2.3 - Gênero Lírico: Fenômenos Estilísticos..................................................................................................
2.4 - Para o entendimento da Poesia Lírica do Século XX:...........................................................................
 “Os Instantes Metafísicos do Tempo de Poesia de Edison Moreira”..................................................
2.5 - Gênero Épico: Fenômenos Estilísticos...................................................................................................
2.6 - O Mito.........................................................................................................................................................
2.7 - Folclore: Ciência do Saber Popular..........................................................................................................
2.8 - Formas da Poesia Clássica.......................................................................................................................
2 .9 - Gênero Dramático: Fenômenos Estilísticos..........................................................................................
2.10- A Tragédia Grega......................................................................................................................................
2.11- A Comédia Grega.......................................................................................................................................
2.12- Gênero Narrativo Ficcional......................................................................................................................
2.13- Padrões Narrativos...................................................................................................................................
2.14- Estrutura Tradicional da Narrativa de Ficção.......................................................................................
2.15- As inovações Estruturais da Ficção Pós-Moderna..............................................................................
2.16- A Ficção Paraliterária................................................................................................................................
2.17- A Crítica Literária.......................................................................................................................................
2.18- Reavaliando a Atuação da Crítica Literária...........................................................................................
2.19- Literatura Comparada: Sob o olhar crítico - comparativo de Marius François Guiard..................
2.20- Estudo Comparativo: Édipo-Rei, de Sófocles X Antônio Marinheiro, o Édipo de
 Alfama, de Bernardo Santareno............................................................................................................
2.21- Pós-Moderno / Pós-Modernismo pelo ponto de vista de Nicolau Sevcenko..................................
2.22- Pós-Moderno / Pós-Modernismo pelo ponto de vista de Jair Ferreira dos Santos........................
2.23- Pós-Modernos / Narrativas.....................................................................................................................
2.24- Sobre o Marxismo Independente de Georg Lukács como auxiliar nos estudos de
 Literatura pelo ponto de vista de Teofilo Urdanoz..........................................................................
2.25- Imaginação e Mobilidade pelo ponto de vista de Gaston Bachelard................................................
 Referências Bibliográficas...................................................................................................................
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1 2
QUADRO-SÍNTESE DO CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO 1 3
 I - A Natureza do Fenômeno Literário Levar ao aluno informações que definem a
 - Como definir Natureza e Fenômeno? situação do texto literário (Arte Literária),
 - Como avaliar como arte o texto literário? chamando a atenção para os aspectos que
 - Discurso metonímico e discurso metafórico. possam orientar teoricamente e criticamen-
 - A mimésis no fazer poético te suas leituras.
 (Gênero Lírico)
 - A mimésis na poesia épica
 (Gênero épico)
 - A mimésis no texto teatral
 (Gênero Dramático)
 - A mimésis na narrativa ficcional
 (Gênero Narrativo em prosa)
 - A mimésis na matéria ficcional
 cinematográfica
 - Criação Literária X Representação
 Cinematográfica
 - Catársis
 - Poiésis, Tèkcne, Mimésis, Mito
 - Conceito, Função e Valor da Literatura
 - Leituras (de textos literários ficcionais)
 - Leituras (de textos ensaísticos)
 II - Gêneros literários Levar o aluno a reconhecer no texto literá-
 - A Questão dos Gêneros Literários rio a categoria genérica do mesmo.
 - Histórico
 - Gênero Lírico
 - Gênero Épico
 - Gênero Dramático
 - GêneroNarrativo Ficcional
 - Gênero Paraliterário
 - Crítica Literária
 - Literatura Comparada
 - Literatura Pós-Moderna
 - Conceitos marxista X Literatura
 - Filosofia bachelardiana X Imaginação
 Literária
UNIDADEUNIDADEUNIDADEUNIDADEUNIDADE OBJETIVOS ESPECÍFICOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1 4
CONTEXTUALIZAÇÃO DA DISCIPLINA
A disciplina Teoria Literária II visa reafirmar o leque
de informações que foram utilizadas no decorrer do
curso de Teoria Literária I e, ao mesmo tempo,
contribuir com novas orientações teórico-críticas que
possam alargar o conhecimento do aluno, para que
ele possa interagir com as disciplinas afins que se
sucederão, tais como Literatura Brasileira, Literatura
Portuguesa, Literatura Espanhola, Literatura Inglesa
e outras.
Este conhecimento se somará ao conhecimento
preliminar do curso anterior, pois, além de explorar
todas as possibilidades e fundamentos da Teoria
Literária, além do reconhecimento do papel da mímesis
no fenômeno literário, o aluno continuará a ter
condições de se disciplinar a estudar, agora com maior
empenho, e continuar a desenvolver o senso crítico
no intuito de prosseguir em estudos posteriores, tais
como Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu em Teoria
Literária e Literatura propriamente dita, seja ela brasileira
ou estrangeira, ou mesmo em Cursos de Pós-Graduação
Stricto Sensu, ou seja, um Mestrado e, posteriormente,
um Doutorado.
As informações, contidas nesta disciplina, tendem a
provocar no aluno a continuação do gosto pelo
crescimento intelectual e levá-lo a pesquisas
posteriores, desenvolvendo e ampliando o seu
conhecimento ao longo do tempo. Sem este
conhecimento avançado, o aluno não conseguirá atingir
o necessário suporte para o seu desenvolvimento
intelectual, ético e profissional.
1 5UNIDADE I
A NATUREZA DO
FENÔMENO LITERÁRIO
Objetivos Específicos:
· Levar ao aluno informações teórico-críticas que
definem a situação do texto literário, chamando a
atenção para aspectos que o tipifiquem e que possam
orientar a sua leitura.
· Possibilitar ao estudioso da literatura a faculdade de
analisar a obra-de-arte literária e reconhecer
(fenomenologicamente) a Natureza do Fenômeno
Literário.
1.1 - A NATUREZA DO FENÔMENO
LITERÁRIO
 (Conferir: In.: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de
Teoria Literária. CASTRO, Manuel Antônio de: “A
Natureza do Fenômeno Literário”. Petrópolis: Vozes,
1999, p. 30).
NATUREZA è “preocupação de compreender a
especificidade do literário”
ESPECIFICIDADE è essência, substância, “aquilo
que faz com que uma coisa seja aquilo e não outra”.
ESPECIFICIDADE DO LITERÁRIO
Idade Antiga (Gregos) à “O estudo da literatura era
feito através das poéticas e das retóricas, num sentido
formal, que não colocava em questão a natureza do
conhecimento, pois este problema era do âmbito da
filosofia. Daí a infinidade de interpretações do texto
aristotélico, porque sua poética, além dos aspectos
formais, pressupõe o seu conceito filosófico do
conhecimento”. (Manuel Antônio de Castro, Manual
de Teoria Literária, op. cit., p. 38)
VOCABULÁRIO (Cf.: DICIONÁRIO)
POÉTICA
¨ Arte de fazer versos;
¨ Teoria da versificação;
¨ Literatura: Crítica literária que trata da natureza,
da forma e das leis da poesia;
¨ Literatura: Estudo ou tratado sobre a poesia ou a
estética.
ESTÉTICA
¨ Filosofia: Estudo das condições e dos efeitos da
criação artística;
¨ Filosofia: Tradicionalmente, estudo racional do
belo, quer quanto à possibilidade da sua
conceituação, quer quanto à diversidade de emoções
e sentimentos que ele suscita no homem;
¨ caráter estético;
¨ beleza (Exemplo: “a estética de um monumento”, “a
estética de um gesto”;
¨ beleza física;
¨ plástica (Exemplo: “Ia à praia para apreciar a estética
das garotas”).
BELO
¨ Que tem forma perfeita e proporções harmônicas
(Exemplo: “Sonho o que jamais pude: / – Belo como
Davi, forte como Golias...” , Manuel Bandeira, Estrela
da vida inteira, p. 29);
¨ Que é agradável aos sentidos;
¨ Elevado; sublime;
¨ Majestoso, grandioso, imponente;
¨ ARTE;
¨ ESTÉTICA;
¨ Estética (Filosofia): Qualidade atribuída a obras
humanas – sendo discutível se aplica também à
natureza – que por isso são dotadas de caráter estético.
[Esta qualidade se anuncia por meio de fatores
subjetivos (emoção estética, sentimento e percepção
do belo, e todos os fenômenos psicológicos ligados à
sua criação) que levam à busca da definição das
demonstrações concretas que suscitam (a análise das
obras de arte, dos conceitos de gosto, harmonia,
equilíbrio, perfeição, etc.).
RETÓRICA [do grego rhetoriké (subentende-se
téchne), “a arte da retórica”]
¨ Eloqüência; oratória;
¨ Conjunto de regras relativas à eloqüência;
¨ Tratado que encerra essas regras;
¨ Adornos empolados ou pomposos de um discurso;
¨ Discurso de forma primorosa, porém vazio de
conteúdo.
ELOQÜÊNCIA [do latim eloquentia]
¨ Capacidade de falar ou exprimir-se com facilidade;
¨ A arte e o talento de persuadir, convencer, deleitar
ou comover por meio da palavra;
¨ Qualidade de persuasivo, expressivo, convincente,
eloqüente. Ex.: “a eloqüência do olhar”);
1 6
¨ Retórica: a arte de bem falar.
 ORATÓRIA [do latim oratoria]
¨ Arte de falar ao público.
 ESPECIFICIDADE DO LITERÁRIO
 “A conceituação da palavra especificidade (do
literário) pelo ponto de vista cientificista, analisando
apenas as linhas do texto, impõe ao estudioso da
literatura um entendimento fechado, estático, formal.
A literatura (literatura-arte) torna-se simplesmente um
objeto, não há como desenvolver uma apreciação
reflexiva que revele o lado oculto do texto, elimina-se
a idéia de compreensão das camadas profundas do
texto (texto-arte ou texto-obra) uma vez que o analista
se vê obrigado a analisar apenas as camadas
expressivas do discurso literário.
 Pelo ponto de vista fenomenológico, observa-se a
literatura-arte como um fenômeno, em princípio,
estático, como é visto pelos cientificistas, mas, logo
a seguir, tal fenômeno torna-se dinâmico, graças à
compreensão e ao conhecimento do leitor, quando
este empreende um estudo consciente das mensagens
interlineares, mensagens reveladoras, produtoras de
novos conhecimentos, mensagens que estarão
sempre e sempre se renovando, pois, com o passar
do tempo, novos leitores estarão em comunhão
anímica com tais textos (textos-arte, que fique bem
entendido), desenvolvendo renovados diálogos ao
longo dos séculos (pelo menos, enquanto tais textos
existirem).”
 (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria
Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo)
FENÔMENO - è aquilo que se manifesta [o já
manifestado (estático) e o que ainda está se
manifestando (dinâmico)]
1.2 - O TEXTO LITERÁRIO
 Objeto da Teoria e da Crítica - LITERA TURA
 Objeto da Literatura - TEXTO )
O que é um texto?
1o ) Texto vem do verbo tecer = entrelaçamento de
linhas (orações, períodos);
2o ) TEXTO / FORMATO
 - A disposição das linhas e seu entrelaçamento;
 - a ocupação e disposição espacial.
 FORMATO - (diferente) - FORMA
FORMATO
 - É diagramação; ilustração è harmonia. Exemplo:
Literatura Infantil.
 - É a obra enquanto APRESENTAÇÃO .
 - É APRESENTAÇÃO DA OBRA / TEXT O-
FORMATO: “surge como um esforço de integração
entre as facetas do formato e da forma”.
FORMA
 É o TEXTO propriamente dito
3o) TEXTO = TECIDO DE SIGNOS è “expressa a
relação do homem com as realidades e dos homens
entre si”.
1 7
AÇÃO SIGNIFICATIVA
TEXTO
TRABALHO
Ação humana: “ao elaborar (o texto como trabalho)
o homem colabora (pressupõe o outro, socializa-se)
Ação humana: “o homem, textualizando,
significando o real se significa”.
TEXTO = HOMEM + REALIDADE + EXPRESSÃO
“Há inúmeras correntes teórico-críticas formalizando
idéias de como interagir com o texto literário; há formas
teórico-críticas cientificistas de como recortar o texto,
seja ele paraliterário ou texto-arte, e deter-seem um
dos referentes, para investigá-lo, mas, subentendido,
os outros dois sempre estarão presentes. É importante
que os três referentes estejam sempre interligados, para
que o leitor possa desenvolver uma análise consciente
do que se encontra visível no objeto de sua
investigação (ponto de vista cientificista). Mas, o
entendimento e/ou reconhecimento das entrelinhas (o
que se encontra invisível no texto-arte), desenvolvido
por intermédio do CONHECIMENTO particular de
cada leitor (ponto de vista fenomenológico), é algo
que a investigação cientificista não poderá alcançar.”
 (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria
Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo)
TODO TEXTO É O RESULTADO DE UMA LEITURA
LEITOR + TEXTO = relação objetiva e subjetiva.
LEITURA = PRODUTIVIDADE (enquanto
modalidade de relação radical do homem com a
realidade)
TEXTO = elaboração humana, trabalho
TRABALHO = ação humana (pela qual o homem
textualizando, significando o real se significa)
Por um lado:
Esta elaboração humana só encontra sua plenitude
na medida em que ao elaborar ele colabora (pressupõe
o outro, socializa)
1 8
LEITURA
- “supõe colaboração, porque o texto não se lê, o
instrumento não se lê”;
- “pressupõe o outro”;
- “pressupõe colaboração”.
 Por outro lado:
 Tal noção evidencia que o texto não se limita ao
escrito, implicando sobretudo o oral.
 Uma fotografia, uma estátua, um instrumento, etc.,
é um texto / expressa uma relação do homem com o
real.
Entre tantas modalidades de texto, quando um texto
é especificamente literário ?
(LITERÁRIO = LITERATURA - ARTE)
1.3 - DISCURSO METONÍMICO E
DISCURSO METAFÓRICO
Discurso: Qualquer manifestação concreta da
língua; qualquer manifestação por meio da
linguagem, em que há predomínio da função poética;
etc.
Discurso Metonímico: Discurso próprio de um tropo
que consiste em designar um objeto por uma palavra
designativa doutro objeto que tem com o primeiro
uma relação de causa e efeito. Por ex.: trabalho por
obra; copo por bebida, etc.
Discurso Metafórico: Discurso figurado. Discurso
próprio de um tropo que consiste na transferência
de uma palavra para um âmbito semântico que não é
o do objeto que ela designa, e que se fundamenta
numa relação de semelhança subentendida entre o
sentido próprio e o figurado. Por exemplo: Chamar
uma pessoa astuta de raposa; nomear a juventude
como primavera da vida, etc.
Tr opo: Emprego figurado de palavra; figura de
linguagem.
1.4 - MIMÉSIS
“A mimésis é um termo grego geralmente traduzido
como imitação. Imitação em que sentido? Até hoje
são controvertidas as interpretações. E isso não é
tão difícil de entender, uma vez que é um conceito
que faz parte dos dois maiores sistemas filosóficos
gregos: o platônico e o aristotélico. Assim sendo,
qualquer interpretação implica sempre um
determinado posicionamento a respeito e dentro de tais
sistemas. Não é um conceito literário, porém um conceito
filosófico para explicar a arte.” (Conferir: CASTRO,
Manuel Antônio de Castro. In.: SAMUEL, Rogel.
Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999, p.
56-57)
“A mimésis inventa, na ambigüidade do literário, uma
problematização profunda sobre o que seja verdade.
Em outras palavras, põe uma relação inseparável entre
discurso e espaço: o mundo. (...) As chamadas
proposições elementares descrevem o mundo e a
totalidade dos fatos. O que aparece e o que o possibilita.
O mundo totalmente descrito nos estados de coisas, a
mimese. O fato (o que ocorre) existe nos estados de
coisas, compreendidos como ligações entre coisas. Põe
a realidade inteira e possibilita qualquer realidade. O
mundo se constitui pelos fatos e se descrê pelas
proposições, mas, por outro lado, as proposições
constroem o mundo com a ajuda da “forma lógica”. A
totalidade dos fatos empíricos se representa como
estado de coisas, ou conjunturas, no espaço lógico
pelos outros fatos do discurso. Esta “forma lógica” é a
capacidade mimética do discurso.” (Conferir: CASTRO,
Manuel Antônio de Castro. In.: SAMUEL, Rogel.
Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999, p.
16)
1.5 - A MIMÉSIS NO FAZER POÉTICO
(GÊNERO LÍRICO)
 “A mimésis está estreitamente ligada à metáfora como
núcleo do fazer poético. O poeta, ao elaborar suas obras,
mais do que ninguém, sabe que a matéria que ele molda
é a palavra. Como ele trabalha a palavra? São muitas as
maneiras de moldar os signos verbais, de tal maneira
que não há um só grande poeta que no todo da sua
obra não reserve explicitamente um espaço a este
problema, não dê uma forma teórica, discursiva, porém,
através de poemas cujo tema é poetar (ver, por exemplo,
em Carlos Drummond de Andrade “O Lutador”,
“Procura da poesia”, em Cecília Meireles “Motivo”,
etc.). É um equívoco reduzir tal fazer à chamada
metalinguagem. Realmente, é uma reflexão poética sobre
a natureza e alcance da mimésis. Por que a mimésis é a
imitação de quê? O poeta, consciente do seu fazer, no e
pelo poetar, pergunta-se sempre com que imita? (...) O
problema mimésis diz portanto, respeito a quem imita,
com que imita, o que imita e em que circunstâncias. Se
fizemos alusão a uma poética explícita, devemos, agora,
afirmar que, ao considerar todas essas dimensões da
mimésis, toda obra realmente literária [literatura-arte] é
uma completa e total poética implícita.” (Conferir:
CASTRO, Manuel Antônio de Castro. In.: SAMUEL,
Rogel. Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes,
1999, p. 16)
1 9
1.6 - A MIMÉSIS NA POESIA ÉPICA
(GÊNERO ÉPICO / NARRATIVA ÉPICA)
“A mimésis na poesia épica (ou narrativa em versos)
só poderá ser reconhecida pelos postulados
platônicos, ou seja, a mimésis como reprodução
(cópia) das duas realidades conhecidas pelos antigos
gregos: a histórica e a mítica (ambas lineares). A idéia
de mimésis como recriação da realidade, ou de
realidades, um conceito moderno, só começou a ser
aventada a partir do surgimento do Gênero Narrativo
Ficcional, um fenômeno da Era Moderna (outros
nomes que designam o Gênero Narrativo Ficcional:
narrativa em prosa, narrativa vertical, narrativa
complexa).” (Neuza Machado, Apontamentos de
Teoria Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo)
1.7 - A MIMÉSIS NO TEXTO
TEATRAL (GÊNERO DRAMÁTICO)
“A mimese no texto do escritor teatral (dramaturgos,
comediógrafos), considerado pelos críticos como
texto-arte (mimese como recriação da realidade), só
poderá ser detectada no texto escrito, ao relacionar-
se com a catarse indireta (compreensão do leitor). Os
textos teatrais necessitam, ao se trasladarem para o
palco, do auxílio dos atores (os quais vão interpretar
o texto do escritor dramático, seja uma tragédia ou
uma comédia, por meio do diálogo e das expressões
corporais), para, com isto, alcançar a compreensão
do espectador (catarse direta, aquela que ocorre
instantaneamente, entendimento imediato do que se
passa no palco).”
 (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria
Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo)
1. 8 - DO PROBLEMA DO TRÁGICO
“Sendo de natureza complexa, o trágico, segundo
Lesky, é difícil de ser definido. O problema se
apresentou, na tragédia grega, porque, por mais
vastos que foram os espaços, atingidos pelos
tragediógrafos da época, os mesmos partiam sempre
do fenômeno da tragédia ática e a ela se voltava. As
manifestações mais antigas do saber trágico têm sua
gênese em Homero, nas Edas (edas = narrativas
mitológicas dos povos nórdicos), nas Sagas dos
islandeses, nas lendas heróicas de todos os povos
do Ocidente à China. No cerne dessas manifestações,
observa-se sempre a figura do herói inabalável,
radioso, vencedor, repleto de glória, ostentando suas
armas (geralmente mágicas) e proezas incontáveis,
jamais vistas. Por tudo isto, o que poderemos dizer, a
respeito do problema do trágico, é que as tragédias
antigas (que foram escritas para serem representadas
em palcos, para platéias específicas, e serem apreciadas
apenas pelos espectadores daquela época, uma vez
que, tais textos, ao se trasladarem para o palco, ficaram
vinculados à realidade daquele momento)se originaram
de uma fusão entre os Gêneros Épico e Lírico. Enquanto
Poesia Trágica (hoje, se diz Gênero Dramático
modalidade tragédia, para diferenciarmos do Gênero
Dramático modalidade comédia), o herói trágico guarda
uma certa semelhança com o herói épico (matéria épica),
mas resguardando também uma grande influência de
alguns dos fenômenos estilísticos da matéria lírica. A
poesia trágica, aquela que foi representada por atores
antigos, em antigos palcos da Grécia e de Roma, ficou
imobilizada no passado dos gregos e romanos, só a
conhecemos por meio de leituras, ao lermos, por
exemplo, o Édipo Rei de Sófocles e outros textos de
tragediógrafos famosos. Mas, ao desenvolvermos tais
leituras, a catarse (que faz parte da mimese do literário)
que se sobressai é a da criação ficcional, catarse
indireta, já que se vale da leitura, da compreensão e do
conhecimento do leitor. Aqui, vale lembrar que a
verdadeira catarse do Gênero Dramático é direta, pois
deve ocorrer instantaneamente no espectador, graças
à tensão acumulada ao longo da apresentação teatral.”
 (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria
Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo)
 (Conferir também: LESKY, Albin. A Tragédia
Grega. São Paulo: Perspectiva, 1971.)
1.9 - A MIMÉSIS NA MATÉRIA
FICCIONAL / FICÇÃO-ARTE (FICÇÃO
VERTICAL):
Para responder afirmativamente, não podemos separar
os três pólos de referência: quem imita, com que imita,
o que imita. Também não podemos separar o imitador, a
imitação, o imitado. Porque tal denominação e
percepção é já o resultado do processo mimético, ou
seja, entender o que imita é penetrar na ação do imitador
imitando, é compreender que o homem se revela
revelando o real em realidades significadas: a força
deste processo revelador é a mimésis. Tal fazer opera-
se no processo de metaforização. Releve-se que o que
imita nem sempre e nem só diz respeito ao que é externo
ao homem. Ele revela igualmente as realidades internas
e inconscientes do homem. Por isso não podemos
confundir realidades, sejam externas, sejam internas,
com o real. O real é a verdade da ficção, como não pode
ser dita, revela-se fingida, quando então ela é mais
verdadeira. (...) O momento histórico, com seus
problemas e dados, as estratificações sociais
sedimentadas pela tradição, as relações de produção
bem como os impulsos, as manifestações dos desejos,
o sistema de produção de relações ancorado na
2 0
repressão socialmente aberta ou camuflada e
inconsciente, tudo isso é o material dado, com o qual
o autor exerce a força da mimésis. Quando o literário
rompe todo esse cerco, esse limite, então o ilimitado, a
mimésis aconteceu. Acontecer é deixar o real se revelar.
O vigor de manifestação é a mimésis. O meio de
manifestação é a metáfora e a mimésis, o seu vigor.
Nesse fazer, o poeta [e/ou o ficcionista] se exerce
historicamente, manifestando a sua historicidade.
(Castro, Manuel Antônio de. Op. Cit. p. 58-59)
1.10 - A MIMÉSIS NA MATÉRIA FICCIONAL
PARALITERÁRIA (HORIZONTAL)
O processo paraliterário se constituiria por uma
operação imitativa do processo literário. Imitando o
processo literário de criação da realidade ficcional,
o processo paraliterário procura o fundamento
semiológico que lhe permitirá converter-se em
discurso. Uma vez convertido em discurso, o processo
paraliterário assumiria a lógica significante
literária através do investimento semiológico do
espaço, do personagem, do acontecimento. Mas ao
invés da elaboração no nível do imaginário para a
criação de uma matéria romanesca, o discurso
paraliterário reduplica a estrutura ficcional ao nível
da realidade objetiva. Desse modo, preenchendo a
estrutura ficcional com as relações concretas do
mundo, simula uma ficção da estrutura de realidade.
Inserindo a realidade objetiva na estrutura ficcional,
o discurso paraliterário atrela o relato a uma
estrutura romanesca.
(Conf.: SILVA, Anazildo Vasconcelos da. “Cultura de
Massa e Cultura Popular”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.).
Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999.
Pp. 170 - 171)
Se imita o já revelado, o já culturalmente instituído,
o que já denominamos como realidades, então não
imita, mas repete ou copia.
(Conferir: Manuel Antônio de Castro, “A Natureza
do Fenômeno Literário”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.).
Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 58)
“Portanto, a mimese na matéria ficcional paraliterária
só poderá ser reconhecida de acordo com os
postulados platônicos, postulados antigos, os quais
ainda estavam presos à idéia de mimese como
reprodução da realidade, ou seja, como cópia da
realidade. Como exemplo, poderemos repensar os
textos das novelas da televisão e/ou do cinema, os
quais dependem também das imagens televisivas, para
reforçarem o texto paraliterário. Assim, é bom esclarecer,
desde já, que as grandes obras literárias, de autores
reconhecidos pela crítica literária, ao se trasladarem
para a televisão e/ou o cinema, exigem que sejam
adaptadas, ou seja, necessitam de pessoas
especializadas em adaptação de grandes obras
literárias, e, com isto, tornam-se lineares, são
banalizadas, propensas, inclusive, a perderem o valor
artístico, se por ventura, no futuro, os textos originais
forem perdidos.”
 (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária
e Crítica Literária, 2007, no prelo)
2 1
1.11 - A MIMÉSIS NA MATÉRIA FICCIONAL
 (ESQUEMA DE NEUZA MACHADO PARA O ENTENDIMENTO
DO ASSUNTO)
PLANO REAL = FÍSICO (ou seja, A CRIAÇÃO FICCIONAL no âmbito da realidade)
 MIMÉSIS:
- PLANO DA CRIAÇÃO = MUNDO DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA = MUNDO IDEALIZADO
CATÁRSIS:
- CATÁRSIS INDIRETA: PLANO DA VERDADE MANIFESTATIVA DA ARTE FICCIONAL (diferente
da Catársis Direta, privilégio do Gênero Dramático/Palco);
- ROMPIMENTO DAS BARREIRAS DO IMAGINÁRIO (grau mais acabado da libertação promovida
pela Criação Artística Ficcional);
APOGEU DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA FICCIONAL = NASCIMENTO / ARTE LITERÁRIA
PLANO DA CRIAÇÃO /NARRATIVA FICCIONAL = GÊNERO NARRATIVO FICCIONAL
 MIMÉSIS = CRIAR = NARRATIVA FICCIONAL /ARTE:
- TENSÃO (com respeito aos Fonemas e à Semântica, ao nexo, ao som, ao sentido)
- ESPAÇO DO IMAGINÁRIO (DINÂMICO) ‘“ imaginação (banal, sem criatividade);
- ESPAÇO METAFÓRICO;
- ESPAÇO DE GESTAÇÃO (criatividade em alto nível);
IMAGINAÇÃO PRODUTIVA X PERCEPÇÃO ESTÉTICA
 MANIFESTAÇÃO DA ARTE FICCIONAL (único plano visível / camada visível)
 MANIFESTAÇÃO DA LITERATURA (em todos os graus, do paraliterário ao artístico)
 A MANIFESTAÇÃO DEPENDE DA FORMA (texto escrito):
- PLANO DA LINGUAGEM, DO TEXTO, DO ARTISTA, DO LEITOR;
- ÚNICO PLANO VISÍVEL;
- PLANO DA MANIFESTAÇÃO DA ARTE LITERÁRIA (ou não);
- PLANO DO TEXTO (artístico ou técnico).
 PLANO DA REPRODUÇÃO /NARRATIVA FICCIONAL = GÊNERO PARALITERÁRIO
 MIMÉSIS = RECOPIAR = NARRATIVA FICCIONAL PARALITERÁRIA (LINEAR)
- TENSÃO (entre Matéria e Forma);
- DESREALIZAÇÃO OPERADA PELA LINGUAGEM (cujo propósito é criar um
mundo de possibilidades e experiências alternativas);
- PLANO DA IMAGINAÇÃO (imaginação reprodutiva; cópia da realidade;
percepção cotidiana);
- ESPAÇO DA CONCEPÇÃO (seja da Ficção-Arte, seja da Ficção Paraliterária;
Ambas dependem do Plano da Reprodução. Na Ficção-Arte sempre constará a presença
do Plano da Reprodução. A Ficção Paraliterária não alcança o Plano da Criação.
- ESPAÇO DO TEXTO TÉCNICO (Paraliteratura = Literatura de Informação e
 Literatura de Imaginação)
 PLANO DA MATÉRIA = PLANO DA REALIDADE OBJETIVA/ Suporte material do Ficcionista
- PLANO DA REALIDADE OBJETIVA (interna e externa);
- PLANO DA LÍNGUA (matéria cultural, pois que criada pela sociedade).
OBSERVAÇÃO : Recomenda-se ao analista e/ou intérprete observar o esquema de baixo para cima.
2 2
1.12 - A MIMÉSIS NA MATÉRIA
FICCIONAL CINEMATOGRÁFICA
“A mimese, nos textos ficcionais escritos para serem,
posteriormente, transformados em películas
cinematográficas, poderá ser descrita pelo ponto de
vista platônico, ou seja, a literatura, ali embutida, será
sempre linear,horizontal. Jamais, os textos
cinematográficos, aqueles adaptados única e
exclusivamente para a tela de cinema, no que se refere
à arte propriamente dita, poderão alcançar, no futuro, o
reconhecimento como Arte Literária. Isto, porque o
cinema visa o reconhecimento no presente, pelo
espectador do presente. As películas cinematográficas
só alcançam impacto (catársis direta) no momento em
que são lançadas ao público, uma vez que foram
direcionadas ao espectador da época de sua atuação.
Com o passar dos anos, os filmes perdem o impacto
produzido em suas épocas e passam a serem vistos
como reminiscências, como reproduções de realidades
cinematográficas do passado, mesmo de um passado
próximo. Por exemplo, os filmes americanos dos anos
trinta do século XX já não causam impacto aos
espectadores atuais, quando muito, são cultuados, por
alguns aficcionados por cinema, como peças raras do
repertório cinematográfico. (Ver os filmes de Charles
Chaplin, O Gordo e o Magro, os filmes do faroeste
americano, os filmes de Elvis Presley, os filmes de
Ingmar Bergman, etc.).”
 (Neuza Machado, Apontamentos de
Teoria Literária e Crítica Literária, 2007, no
prelo)
1.13 - CRIAÇÃO LITERÁRIA X
REPRESENTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA
INTERIORIDADE X EXTERIORIDADE
EU X OUTRO
A VIDA X A CONTINUAÇÃO DA VIDA
Cada época prioriza uma forma e um gênero, na
multiplicidade de opções que se lhe oferecem, para
exprimir a sua angústia e a sua visão das coisas.
CINEMA: 1a FASE
A linguagem cinematográfica, criada no século XIX,
expressa um determinado momento da sociedade.
IDADE ANTIGA: palavra + imagem = SAGRADO
SOCIEDADE BURGUESA (comércio e indústria)
 Serviu-se da pintura e da literatura.
FINAL DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX
 1a FASE DO CINEMA - IRMÃOS GONCOURT
SOCIEDADE DAS TRANSFORMAÇÕES
 Momento da tecnologia da captação e da reprodução
da imagem
CINEMA - momento de transição?
FIM - COMEÇO
PARA O ENTENDIMENTO DO ASSUNTO
ATENÇÃO!!!
CINEMA: ATENDE A DEMANDA DA SOCIEDADE
DE CADA MOMENTO
1.14 - CATÁRSIS
CASTRO, Manuel Antônio de Castro. “A Natureza
do Fenômeno Literário”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.).
Manual de Teoria Literária. 12.ed. Petrópolis: Vozes,
2001, p. 59-61.
“A catársis está profundamente relacionada com
a mimésis, daí também ser uma questão
controvertida e com múltiplas interpretações.
O problema surge quando Aristóteles na Poética, ao
definir a tragédia, alude aos efeitos que ela produz
nos espectadores: “A tragédia é uma imitação da ação,
elevada e completa, dotada de extensão, numa
linguagem temperada, com formas diferentes em cada
parte, atuando os personagens, e não mediante
narração, e que, por meio da compaixão e do temor,
provoca a purificação de tais paixões” (Aristóteles,
1974: 145).
Como o efeito da catársis se dá no leitor, tende-se a
encaminhar o seu entendimento por esse referente.
Ora, para que produza algum efeito, a catársis deve
necessariamente fazer parte da natureza do fenômeno
literário e como tal deve ser pensada. Normalmente,
tal não acontece. Se a transformação se opera no leitor,
tende-se a examinar o caráter de suas reações e assim
definir a catársis. Tal processo cria uma dicotomia
entre o fenômeno literário e a catársis. O inconveniente
de tal separação é querer pautar o fenômeno literário
pelos valores morais ou, inversamente, atribuir ao
literário determinados valores a serem concretizados
ideologicamente, isto é, valores moralistas. (...)
A catársis não pode ser conceituada apenas pela ótica
do leitor, pois ela faz parte da natureza do fenômeno
literário, estando intimamente ligada à mimésis na
manifestação da poiésis. Quando a mimésis está
inteiramente desabrochada, há catársis, ela é a
experiência operada pela arte, de totalidade, no sentido
subjetivo e objetivo. Catársis é a mimésis na plenitude
2 3
de seus elementos, agindo em seu grau máximo de
estruturação, é vencer e ultrapassar os limites dos
elementos. “O grau máximo mais acabado de libertação
promovida pela criação artística ? onde a mimésis
instaura o valor, que constitui um apelo de todos os
homens ?, Aristóteles chama de catársis” (Portella,
1973: 34). A tragédia, como modalidade do drama,
tematiza tensionalmente em situação limite, daí
podendo decorrer mais nitidamente a catársis. Porém,
toda arte opera a catársis, pois ela enche o homem de
um prazer (paz) tal cujo nome é plenitude.”
CATÁRSIS = PURIFICAÇÃO (conceito já
desatualizado)
IDADE ANTIGA
“Aristóteles (Poética), ao definir a tragédia, alude aos
efeitos que ela produz nos espectadores.”
“A tragédia é uma imitação da ação, elevada e
completa, dotada de extensão, numa linguagem
temperada, com formas diferentes em cada
parte, atuando os personagens e não mediante
narração, e que, por meio da compaixão e do
temor, provoca a purificação de tais paixões.”
(Castro, op. cit. p. 59-60)
CATÁRSIS RELACIONADA COM A MIMÉSIS
 - OCORRE NO LEITOR
CATÁRSIS - “como o efeito se dá no leitor [na
tragédia, no espectador], tende-se a encaminhar o
seu entendimento por esse referente (o leitor).”
(CASTRO, op. cit., p. 59-60)
CATÁRSIS: faz parte do FENÔMENO LITERÁRIO e
como tal deve ser pensada.
CATÁRSIS
FORA DO LITERÁRIO
 (se dá no leitor)
DENTRO DO LITERÁRIO
(o literário produz algo no leitor)
CATÁRSIS / RENASCIMENTO (POSIÇÃO
ERRADA)
MORALISTA
(TRAGÉDIA: purificação, mera lição
de moral – conceito desatualizado)
RACIONALISTA
(conceito desatualizado)
- opera a clarificação racional das
paixões levada a cabo pela poesia trágica;
- o espectador, vendo o que se passa
no palco, racionaliza sua sujeição às
mesmas desventuras, preparando o espírito
em conformidade com semelhantes coisas.
- conduziria o homem ao equilíbrio
da vida iluminada pela razão (ILUMINISMO)
CATÁRSIS
TRAGÉDIA (Renascimento) è DICOTOMIA
(POSIÇÃO ERRADA)
centralizada no espectador:
purificação, alívio (identificação)
fora do espectador: purificação,
alívio (não-identificação)
TRAGÉDIA
 CATÁRSIS
2 4
CATÁRSIS
 - termo técnico usado pela medicina do tempo de
Aristóteles, significando purgação;
- na linguagem religiosa, no tempo de Aristóteles,
significava expiação, purificação;
- com o passar do tempo, houve entrelaçamento
semântico. Ex.: purgar os pecados
 (PURGATÓRIO)
CATÁRSIS: POSIÇÃO ATUAL:
“Não pode ser conceituada apenas pela ótica do leitor,
pois ela faz parte da natureza do fenômeno literário,
estando intimamente ligada à mimésis na
manifestação da poiésis.”
 (Cf.: CASTRO, op. cit., p. 61)
1.15 - POIÉSIS, TÉKCNE, MIMÉSIS, MITO
POIÉSIS = Produção, criação, passagem do estado
de não ser para o estado de ser.
POIÉSIS (HISTÓRICO): Para os gregos antigos, a
poiésis não era produção de algo a partir do nada (o
que era desconhecido para eles), mas uma
transformação de algo em alguma coisa, que assume
uma forma, um aspecto novo, como uma pedra
transforma-se em estátua.
TÉCKNE = Produção (sabe o porquê do que faz ou
produz). Espécie de poiésis com o conhecimento das
razões daquilo que produz. Exemplo: o escultor dá
forma à matéria.
MIMÉSIS E MIT O = Elementos da Arte.
MIMÉSIS = Revelar, representar, imitação da ação.
MITO (Etimologia latim mÿthos ou mÿthus; grego
mûthos)
Fábula; // História // Relato; // Discurso; //Palavra
Relato fantástico de tradição oral, geralmente
protagonizado por seres que encarnam, sob forma
simbólica, as forças da natureza e os aspectos gerais
da condição humana (por exemplo, as lendas dos
índios do Xingu);
Lenda, // fábula, // mitologia;
Narrativa acerca dos tempos heróicos que,
geralmente, guarda um fundo de verdade (por exemplo,
o mito dos argonautas e o velocino de ouro);
Relato simbólico, passado de geração em geração
dentro de um grupo, que narra e explica a origem de
determinado fenômeno, ser vivo, acidente geográfico,
instituição, costume social, etc. (por exemplo, o mito
da criação do mundo);
Representação de fatos e/ou personagens históricos,
freqüentemente deformados, amplificados através do
imaginário coletivo e de longas tradições literáriasorais
ou escritas (por exemplo, o mito em torno de
Tiradentes);
Exposição alegórica de uma idéia qualquer, de uma
doutrina ou teoria filosófica; // fábula; // alegoria (p.
ex., o mito da utopia, de More; o mito da caverna, de
Platão);
Construção mental de algo idealizado, sem
comprovação prática; // idéia; // estereótipo (por
exemplo, o mito do detetive infalível; o mito do bom
selvagem);
Representação idealizada do estado da humanidade,
no passado ou no futuro ou moral questionável, porém
decisivo para o comportamento dos grupos humanos
em determinada época (por exemplo, o mito da
virgindade; o mito do negro de alma branca; e outros);
Afirmação fantasiosa, inverídica, que é disseminada
com fins de dominação, difamatórios,
propagandísticos, como guerra psicológica ou
ideológica (por exemplo, o mito do comunista que come
criancinhas; o mito da inferioridade mental dos negros);
Afirmação ou narrativa inverídica, inventada, que é
sintoma de distúrbio mental; // fabulação (por ex., sua
idéia de que está sendo perseguido não passa de um
mito).
1.16 - CONCEITO, FUNÇÃO E VALOR
DA LITERATURA
Conceito [do latim conceptu] = Representação de um
objeto pelo pensamento, por meio de suas
características gerais (Filosofia) // Ação de formular
uma idéia por meio de palavras; definição,
caracterização. Exemplo: “O professor deu-nos um
conceito de beleza absolutamente subjetivo”. //
Pensamento, idéia, opinião. Exemplo: “Emitiu conceitos
reveladores de grande competência”. // Noção, idéia,
concepção. Exemplo: “Seu conceito de elegância está
ultrapassado”. // Apreciação, julgamento, avaliação,
opinião. Exemplos: “Não tenho conceito formado sobre
2 5
este assunto”. “Com sua atitude correta na questão
ele subiu no meu conceito”. // Avaliação de conduta
e/ou aproveitamento escolar // Ponto de vista, opinião.
Exemplo: “No meu conceito, a família agiu mal com o
rapaz”; etc.
Conceito absoluto = Conceito de algo (qualidade ou
relação) não submetido às condições limitativas do
sujeito em que se realiza; conceito abstrato.
Conceito abstrato = Conceito absoluto
Conceito indefinido = Conceito que exprime uma
essência indeterminada (Lógica). Exemplo: “não-
homem”
Conceituação = Ato ou efeito de conceituar
Conceituar = Formular conceito (de ou acerca de).
Exemplo: “Freud conceituou o inconsciente” //
Formar conceito acerca de; julgar, avaliar. Exemplo: “É
pessoa indicada para melhor conceituar os
candidatos”. // Fazer conceito; formar opinião de;
classificar; avaliar; ajuizar. Exemplo: ‘Sabe conceituar
dos homens e das coisas”.
Função [Do latim functione] = Utilidade, uso,
serventia. Ex.: “Esta caixa não tem função” // Liter.
Cada uma das finalidades que se atribuem aos
enunciados; etc.
Qual é a finalidade (função) da literatura?
Qual é a finalidade da literatura técnica?
Como conceituar literatura-arte?
Valor [Do latim valore] = Qualidade de quem tem força;
audácia, coragem, valentia, vigor. Ex.: “Grande o valor
dos bandeirantes que desbravaram nossas terras”. //
Qualidade pela qual determinada pessoa ou coisa é
estimável em maior ou menor grau; mérito ou
merecimento intrínseco; valia. Ex.: “É profissional de
alto valor”, “O empreendimento tem seu valor”. //
Importância de determinada coisa estabelecida ou
arbitrada de antemão. Ex.: “Qual o valor do valete no
pôquer”. // Validade. Ex.: “Seu argumento não tem
valor”; o valor da literatura ficcional. Ex.: Grande
Sertão: Veredas, narrativa ficcional de João Guimarães
Rosa, publicada em 1956, será valorizada também pelos
leitores do século XXI; etc.
Literatura [Do latim litteratura] = Arte de compor
trabalhos artísticos em prosa ou verso // O conjunto
de trabalhos literários de um país ou de uma época.
1.17 – LEITURA: “PARTIDA DO AUDAZ
NAVEGANTE”, DE GUIMARÃES ROSA
PARTIDA DO AUDAZ NAVEGANTE
Guimarães Rosa
Na manhã de um dia em que brumava e chuviscava,
parecia não acontecer coisa nenhuma. Estava-se perto
do fogo familiar, na cozinha, aberta, de alpendre, atrás
da pequena casa. No campo, é bom; é assim. mamãe,
ainda de roupão, mandava Maria Eva estrelar ovos
com torresmos e descascar os mamões maduros.
Mamãe, a mais bela, a melhor. Seus pés podiam calçar
as chinelas de Pele. Seus cabelos davam o louro
silencioso. Suas meninas-dos-olhos brincavam com
bonecas. Ciganinha, Pele e Brejeirinha % elas brotavam
nun galho. Só o Zito, este, era de fora; só primo. Meia-
manhã chuvosa entre verdes: o fúfio fino borrifo, e a
gente fica quase presos, alojados, na cozinha ou na
casa, no centro de muitas lamas. Sempre se enxergam
o barranco, o galinheiro, o cajueiro grande de variados
entortamentos, um pedaço de um morro % e o longe.
Nurka, negra, dormia. Mamãe cuida com orgulhos e
olhares as três meninas e o menino. Da Brejeirinha,
menor, muito mais. Porque Brejeirinha, às vezes,
formava muitas artes.
Nesta hora, não. Brejeirinha se instituíra, um azougue
de quieta, sentada no caixote de batatas. Toda
cruzadinha, traçada as pernocas, ocupava-se com a
caixa de fósforos. A gente via Brejeirinha: primeiro, os
cabelos, compridos, lisos, louro-cobre; e, no meio
deles, coisicas diminutas: a carinha não-comprida, o
perfilzinho agudo, um narizinho que-carícia. Aos
tantos, não parava, andorinhava, espiava agora % o
xixixi e o empapar-se da paisagem % as pestanas til-til.
Porém, disse-se-dizia ela, pouco se vê, pelos entrefios:
%”Tanto chove que me gela!” Aí, esticou-se para cima,
dando com os pés em diversos objetos. %”Ui, ui-te”
% rolara nos cachos de bananas, seu umbigo sempre
aparecendo. Pele ajudava-a a se endireitar. %”E o
cajueiro ainda faz flores...” % acrescentou, observava
da árvore não se interromper mesmo assim, com essas
aguaceirices, de durante dias, a chuvinha no bruaar e
a pálida manhã do céu. Mamãe dosava açúcares e
farinhas, para um bolo. Pele tentava ajudar, diligentil.
Ciganinha lia um livro; para ler ela não precisava virar
página.
Ciganinha e Zito nem muito um do outro se
aproximava, antes paravam meio brigados, de da
véspera, de uma briguinha grande e feia. Pele é que
era a morena, com notáveis olhos. Ciganinha, a menina
linda no mundo: retrato miúdo da Mamãe. Zito
2 6
perpensava assuntos de não ousar dizer, coisas de
ciumoso, ele abrira-se à espécie de ciúmes sem motivo
de quê ou quem. Brejeirinha pulou, por pirueta. % “Eu
sei porque é que o ovo se parece com um espeto!” %;
ela vivia em álgebra. Mas não ia contar a ninguém.
Brejeirinha é assim, não de siso débil; seus segredos
são sem acabar. Tem porém infimículas inquietações:
%”Eu hoje estou com a cabeça muito quente % isto,
por não querer estudar. Então, ajunta: %”Eu vou saber
geografia.” Ou: %”Eu queria saber o amor...” Pele
foi quem deu risada. Ciganinha e Zito erguem olhos,
só quase assustados. Quase, quase, se entrefitaram,
num não encontrar-se. Mas, Ciganinha, que se crê com
a razão, muxoxa. Zito, também, não quer durar mais
brigado, viera ao ponto de não agüentar. Se, à socapa,
mirava Ciganinha, ela de repente mais linda, se envoava.
%”Sem saber o amor, a gente pode ler os romances
grandes?” % Brejeirinha especulava. %”É, hem? Você
não sabe ler nem o catecismo...” Pele lambava-lhe um
tico de desdém; mas Pele não perdia de boazinha e
beliscava em doce, sorria sempre na voz. Brejeirinha
rebica, picuíca: %”Engraçada!... Pois eu li as 35
palavras no rótulo da caixa de fósforos...” Por isso,
queria avançar afirmações, com superior modo e calor
de expressão, deduzidos de babinhas. %”Zito, tubarão
é desvairado, ou é explícito ou demagogo?” Porque
gostava, poetisa, de importar desses sérios nomes,
que lampejam longo clarão no escuro de nossa
ignorância. Zito não respondia, desesperado de
repente, controversioso-culposo, sonhava ir-se
embora, teatral, debaixo de chuva que chuva, ele
estalava numa raiva. Mas Brejeirinha tinha o Dom de
apreender as tenuidades: delas apropriava-se e refletia-
as em si % a coisa das coisas e a pessoa das pessoas.
%”Zito, você podia ser o pirata inglório marujo, num
navio muito intacto, para longe, lo-õ-onge no mar,
navegante que onunca-mais, de todos?” Zito sorri,
feito um ar forte. Ciganinha estremecera, e segurou
com mais dedos o livro, hesitada. Mamãe dera a Pele a
terrina, para ela bater os ovos.
Mas Brejeirinha punha a mão em rosto, agora ela
mesma empolgada, não detendo em si o jacto de contar:
%”O Aldaz Navegante, que foi descobrir os outros
lugares valetudinário. Ele foi num navio, também,
falcatruas. Foi de sozinho. Os lugares eram longe, e
o mar. O Aldaz Navegante estava com saudade, antes,
da mãe dele, dos irmãos, do pai. Ele não chorava. Ele
precisava respectivo de ir. Disse: %” Vocês vão se
esquecer muito de mim?” O navio dele, chegou o dia
de ir. O Aldaz Navegante ficou batendo o lenço branco,
extrínseco, dentro do indo-se embora do navio. O navio
foi saindo do perto para o longe, mas o Aldaz Navegante
não dava as costas para a gente, para trás. A gente
também inclusive batia os lenços brancos. Por fim,
não tinha mais navio para se ver, só tinha o resto de
mar. Então, um pensou e disse: %” Ele vai descobrir
os lugares, que nós não vamos nunca descobrir...”
Então e então, outro disse: %” Ele vai descobrir os
lugares, depois ele nunca vai voltar...” Então, mais,
outro pensou, pensou, esférico, e disse: %” Ele deve
de ter, então, a alguma raiva de nós, dentro dele, sem
saber...” Então, todos choraram, muitíssimos, e
voltaram tristes para casa, para jantar...”
Pele levantou a colher: %”Você é uma analfabetinha
“aldaz”. %”Falsa a beatinha é tu!” % Brejeirinha se
malcriou. %”Por que você inventa essa história de de
tolice, boba, boba?” % e Ciganinha se feria em zanga.
%”Porque depois pode ficar bonito, uê!” Nurka latira.
Mamãe também estava brava? Porque Brejeirinha
topara o pé em cafeteiras, e outras. Disse ainda,
reflexiva: %”Antes falar bobagens, que calar
besteiras...” Agora, fechou os olhos que verdes,
solene arrependida de seu desalinho de conduta. Só
ouvirá o rumorejo da chuvinha, que estarão fritando.
A manhã é uma esponja. Decerto, porém, Pele rezara
os dez responsos a Santo Antônio, tãoquanto batia
os ovos. Porque estourou manso o milagre. O tempo
temperou. Só era março % compondo suas chuvas
ordinárias. Ciganinha e Zito se suspiravam. Soltavam-
se as galinhas do galinheiro, e o peru. Saía-se, ao largo,
Nurka. O céu tornava a azul?
Mamãe ia visitar a doente, a mulher do colono Zé
Pavio. %”Ah, e você vai conosco ou sem-nosco?” %
Brejeirinha perguntava. Mamãe, por não rir nem se dar
de alheada, desferia chufas meigas: %”Que nossa
vergonha!...” % e a dela era uma voz de vogais doçuras.
A manhã se faz de flores. Então, pediu-se licença de ir
espiar o riachinho cheio. Mamãe deixava, elas não eram
mais meninas de agarra-a-saia. De impulso, se
alegraram. Só que alguém teria de junto ir, para não se
esquecerem de não chegar perto das águas perigosas.
O rio, ali, é assaz. Se o Zito não seria, próprio, essa
pessoa de acompanhar, um meiozinho-homem, leal de
responsabilidades? Cessou-se a cerração do ar. mas
tinham de vestir outras roupas quentes. %”Oh, as
grogolas!” Brejeirinha de alegria ante todas, feliz como
se, se, se: menina só ave. %”Vão com Deus!” %
Mamãe disse, profetisa, com aquela voz voável. Ela
falava, e choviam era bátegas de bênçãos. A
gentezinha separou-se.
A ir lá, o caminho primeiro subia, subvexo, a ladeirinha
do combro, colinola. Tão mesmo assim, os dois guarda-
chuvas. Num % avante % Brejeirinha e Pele. Debaixo
do outro, Zito e Ciganinha. Só os restos da chuva,
chuvinha se segredando. Nurka corria, negramente, e
enfim voltava, cachorra destapada ditosa. Se a gente
se virava, via-se a casa, branquinha com a lista verde-
azul, a mais pequenina e linda, de todas, todas. Zito
dando o braço a Ciganinha, por vezes, muito, as mãos
2 7
se encontravam. Pele se crescia, elegante. E ágil ia a
Brejeirinha, com seu casaquinho coleóptero. Ela
andava pés-para-dentro, feito um periquitinho,
impávido.
No transcenso da colineta, Zito e Ciganinha
colavam-se, muito às tortas, nos comovidos não-
falares. Sim, já se estavam em pé de paz, fazendo sua
experiência de felicidade; para eles, o passeio era um
fato sentimental. Descia-se agora a outra ladeira,
pegando cuidado, pelo enlameável e escorregoso,
poças, mas também para não pisar no que Brejeirinha
chamava de “o bovino” % altas rodelas de esterco
cogumeleiro. Ali, com efeito, andavam bois: “o boi,
beiçudo”; aí, Brejeirinha levou tombo. Ela disse que
Mamãe tinha dito que eles precisavam de ter: coragem
com juízo. Mas, isso, era mentirinhas. E, o que pois:
%”Agora, já me sujei, então agora posso não ter
cuidado...” Correu, com Nurka, pela encosta inferior,
no verdinho pasto. Pele ainda ralhou: %”Você vai
buscar um audaz navegante?” Mas, mais. Entanto, à
úmida, à luz, o plano capim % e floriu-se: estendem-
se, entremunhadas, as margaridinhas, todas se
rodeiam de pálpebras.
O que se queria, aqui, era a pequena angra, onde o
riachinho faz foz. Abaixo, aos bons bambus, e às
pedreiras de beira-rio, ouvindo o ronco, o bufo
d’água. Porque, o rio, grossoso, se descomporta, e o
riachinho porém também, seu estuário já feio cheio,
refuso, represado, encapelado % pororoqueja.
%”Bochechudo!” % grita-lhe Brejeirinha. Sumiu-se
a última areiínha dele, sob baile de um atoalhado de
espumas, no belo despropositar-se, o bulir de bolhas.
Brejeirinha já olhou tudo de cor. Cravou varetas de
bambu, marcando pontos, para medir a água em se
crescer, mudando de lugar. Porém, o fervor daquilo
impunha-lhe recordações, Brejeirinha não gostando
de mar: %”O mar não tem desenho. O vento não deixa.
O tamanho...” Lamentava-se de não ter trazido pão
para os peixes. %”Peixe, assim, a esta hora?” %
Pele duvidava. Divagava Brejeirinha: %”A
cachoeirinha é uma parede de água...” Falou que
aquela, ali, no rio, em frente, era a Ilhazinha dos
Jacarés. %”Você já viu jacaré lá?” % caçoava Pele.
%”Não. Mas você também nunca viu o jacaré-não-
estar-lá. Você vê é a ilha, só. Então, o jacaré pode
estar ou não estar...” Mas, Brejerinha, Nurka ao lado,
já vira tudo, em pé em volta, seu par de olhos
passarinhos. Demorava-se, aliás, o subir e alargar-se
da água, com os mil-e-um movimentos supérfluos.
A gente se sentava, perto, não no chão nem em tronco
caído, por causa do chovido do molhado. Ciganinha
e Zito, numa pedra, que dava só para dois, podiam
horas infinitas; apenas, conversando ainda feito
gente trivial. Pele saíra a colher um feixe de flores.
Mais não chuviscava. Brejeirinha já pulando de novo.
Disse: que o dia estava muito recitado. Voltava-se para
a contramargem, das mais verdes, e jogava pedras, o
longe possível, para Nurka correndo ir buscar. Depois,
se acocora, de entreter-se, parece que já está até calçada
com um sapatinho só. Mas, sem se desgachar, logo gira
nos pezinhos, quer Ciganinha e Zito para ouvirem. Olha-
os.
%”O Aldaz Navegante não gostava de mar! Ele tinha
assim mesmo de partir? Ele amava uma moça, magra.
Mas o mar veio, em vento, e levou o navio dele, com ele
dentro, escrutínio. O Aldaz Navegante não podia nada,
só o mar, danado de ao redor, preliminar. O Aldaz
Navegante se lembrava muito da moça. O amor é
original...”
Ciganinha e Zito sorriram. Riram juntos. %”Nossa! O
assunto ainda não parou?” % era Pele voltada, numa
porção de flores se escudando. Brejeirinha careteou
um “ah!” e quis que continuou: %”...Envém a
tripulação...Então, não. Depois, choveu, choveu. O mar
se encheu, o esquema, amestrador... O Aldaz Navegante
não tinha caminho para correr e fugir, perante, e o
navio espedaçado. O navio parambolava... Ele , com o
medo, intacto, quase nem tinha tempo de tornar a pensar
demais na moça que amava, circunspectos. Ele só a
prevaricar... O amor é singular...”
% “E daí?”
%”A moça estava paralela, lá, longe, sozinha, ficada,
inclusive, eles dois estavam nas duas pontinhas da
saudade... O amor, isto é... O Aldaz Navegante, o perigo
era total, titular ... não tinha salvação... O Aldaz... O
Aldaz...”
% “Sim. E agora? E daí?” % Pele intimava-a.
% “Aí? Então... então... Vou fazer explicação! Pronto.
Então, ele acendeu a luz do mar. E pronto. Ele estava
combinado com o homemdo farol... Pronto. E...”
% “Nã-ão. Não vale! Não pode inventar personagem
novo, no fim da estória, fu! E % olha o seu “aldaz
Navegante”, ali. É aquele...”
Olhou-se. Era: aquele % a coisa vacum, atamanhada,
embatumada, semi-ressequida, obra pastoril no chão
de limugem, e às pontas dos capins % chato, deixado.
Sobre sua eminência, crescera um cogumelo de haste
fina e flexuosa, muito longa: o chapeuzinho branco, lá
em cima, petulante se bamboleava. O embate e orla da
água, enchente, já o atingiam, quase.
Brejeirinha fez careta. Mas, nisso, o ramilhete de Pele
se desmanchou, caindo no chão umas flores. % “Ah!
Pois é, é mesmo!” % e Brejeirinha saltava e agia, rápida
no valer-se das ocasiões. Apanhara aquelas florinhas
amarelas % josés-moleques, douradinhas e
margaridinhas % e veio espetá-las no concrôo do objeto.
2 8
% “Hoje não tem nenhuma flor azul?” % ainda
indagou. A risada foi de todos, Ciganinha e Zito bateram
palmas. %”Pr onto. É o Aldaz Navegante...” % e
Brejeirinha crivava-o de mais coisas % folhas de
bambu, raminhos, gravetos. Já aquela matéria, o
“bovino”, se transformava.
Deu-se, aí, porém, longe rumor: um trovão arrasta seus
trastes. Brejeirinha teme demais os trovões. Vem para
perto de Zito e Ciganinha. E de Pele. Pele, a meiga.
Que: %”Então? A estória não vai mais? Mixou?”
%”Então, pr onto. Vou tornar a começar. O Aldaz
Navegante, ele amava a moça, recomeçado. Pronto. Ele,
de repente, se envergonhou de ter medo, deu um valor,
desasssustado. Deu um pulo onipotente... Agarrou, de
longe, a moça, em seus abraços... Então, pronto. O
mar foi que se aparvalhou-se. Arr es! O Aldaz
navegante, pronto. Agora, acabou-se, mesmo: eu
escrevi %”Fim”!”
De fato, a água já se acerca do “Aldaz Navegante”,
seu primeiro chofre golpeava-o. %”Ele vai para o
mar?” % perguntava, ansiosa, Brejeirinha. Ficara
muito de pé. Um ventinho faz nela bilo-bilo % acarinha-
lhe o rosto, os lábios, sim, e os ouvidos, os cabelos. A
chuva, longe, adiada.
Segredando-se, Ciganinha e Zito se consideram, nas
pontinhas da realidade. %”Hoje está tão bonito, não
é? Tudo, todos, tão bem, a gente alegre... Eu gosto deste
tempo...” E: %”Eu também, Zito. Você vai voltar sempre
aqui, muitas vezes?” E: %”Se Deus quiser, eu
venho...” E: %”Zito, você era capaz de fazer como o
Audaz Navegante? Ir descobrir os outros lugares? E:
%”Ele foi, porque os outros lugares ainda são mais
bonitos, quem sabe?...” Eles se disseram, assim eles
dois, coisas grandes em palavras pequenas, ti a mim,
me a ti, e tanto. Contudo, e felizes, alguma outra coisa
se agitava neles, confusa % assim rosa-amor-espinhos-
saudade.
Mas, o “Aldaz Navegante”, agora a água se apressa,
no vir e ir, seu espumitar chega-lhe já re-em-redor,
começando a ensopação. Ei-lo circunavegável,
conquanto em firme terrestreidade: o chão ainda o
amarrava de romper e partir. Brejeirinha aumenta-lhe
os adornos. Até Ciganinha e Zito pegam a ajudar. E
Pele. Ele é outro, colorido, estrambótico, folhas, flores.
%”Ele vai descobrir os outros lugares...” “%Não,
Brejeirinha. Não brinca com coisas sérias!” “%Uê?
O quê?” Então, Ciganinha, cismosa, propõe: %”Vamos
mandar, por ele, um recado?” Enviar, por ora, uma
coisa, para o mar. Isso, todos querem. Zito põe uma
moeda. Ciganinha, um grampo. Pele, um chicle.
Brejeirinha % um cuspinho; é o “seu estilo”. E a estória?
Haverá, ainda, tempo para recontar a verdadeira
estória? Pois:
“%Agora, eu sei. o Aldaz Navegante não foi sozinho;
pronto! Mas ele embarcou com a moça que ele amavam-
se, entraram no navio, estricto. E pronto. O mar foi
indo com eles, estético. Eles iam sem sozinhos, no
navio, que ficando cada vez mais bonito, mais bonito,
o navio... pronto: e virou vagalumes...”
Pronto. O trovão, terrível, este em céus e terra,
invencível. Carregou. Brejeirinha e o trovão se
engasgam. Ela iria cair num abismo “intacto” % o vão
do trovão? Nurka latiu, em seu socorro. Ciganinha, e
Pele e Zito, também, vêm para a amparar. Antes, porém,
outra fada, inesperada, surgia, ali, de contraflor.
“%Mamãe!”
Deitou-se-lhe ao pescoço. Mamãe aparava-lhe a
cabecinha, como um esquilo pega uma noz. Brejeirinha
ri sem til. E, Pele:
“%Olha! Agora! Lá se vai o “Aldaz Navegante”!”
“%EI!”
“%Ah!”
O Aldaz! Ele partia. Oscilado, só se dançandoando,
espumas e águas o levavam, ao Aldaz Navegante, para
sempre, viabundo, abaixo, abaixo. Suas folhagens,
suas flores e o airoso cogumelo, comprido, que uma
gota orvalha, uma gotinha, que perluz % no pináculo
de uma trampa seca de vaca.
Brejeirinha se comove também. No descomover-se,
porém, é que diz: “%Mamãe, agora eu sei, mais: que
o ovo só se parece, mesmo, é com um espeto!”
De novo, a chuva dá.
De modo que se abriram, asados, os guarda-chuvas.
(Conferir: ROSA, João Guimarães. Primeiras
Estórias. 5.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969:115-
123)
VOCABULÁRIO :
azougue = pessoa muito viva e esperta;
socapa = disfarce, fantasia
tenuidades = delicadezas, sutilezas
extrínseco = exterior; não pertencente à essência de
uma coisa
assaz = bastante, suficientemente
bátegas = aguaceiro forte e grosso
subvexo = sub + vexo = molestado, maltratado,
humilhado, afligido
combro = corruptela: calombo
coleóptero = insetos, larvas, pragas dos vegetais
2 9
transcenso = superior, excedido
refuso = refundido, transformado
escrutínio = exame atento, minucioso, apuramento
vacum = gado vacum
embatumada = acumulada, enchida demais
eminência = elevação, altura
concrôo = talvez, corruptela de “concretude” (ou “no
alto” do objeto = lugar de coroação)
estricto = estrito = rigoroso, exato
viabundo = via (caminho) + vagabundo
(Recomendamos leituras dos livros de Guimarães Rosa
aos alunos de Teoria da Literatura II)
1.18 - PARA O ENTENDIMENTO DO
VALOR DA LITERATURA FICCIONAL DE
GUIMARÃES ROSA
CONSCIÊNCIA DA LINGUAGEM: NOVO
DINAMISMO PSÍQUICO* Neuza Machado*
Uma imagem literária imitada perde a sua virtude de
animação. A literatura deve surpreender. Certamente,
as imagens literárias podem explorar imagens
fundamentais – e nosso trabalho geral consiste em
classificar essas imagens fundamentais –, mas cada
uma das imagens que surgem sob a pena de um escritor
deve ter a sua diferencial de novidade. Uma imagem
literária diz o que nunca será imaginado duas vezes.
Pode-se ter algum mérito em recopiar um quadro. Não
se terá nenhum em repetir uma imagem literária.1
Em meados do século XX, o escritor mineiro
Guimarães Rosa surpreendeu os meios intelectuais
brasileiros, valendo-se de uma linguagem fora dos
padrões habituais para desenvolver a sua arte literária.
Naquele momento, Guimarães Rosa conseguiu a sua
diferencial de novidade, recriando a antiga técnica
de contar estórias exemplares, à moda do sertão de
Minas, mas, retiradas criativamente de seu imaginário
particular, singularíssimo. Graças a essa diferente forma
de narrar, extraiu das recordações íntimas o aspecto
altivo do homem sertanejo, sustentado pelo
primitivismo de uma existência alheada dos valores
modernos. O escritor, de origem sertaneja, rejeitando
os valores da modernidade, as regras lingüísticas
formais, as imagens mascaradas (limitadas), e
buscando o linguajar primordial (provocador), a
imaginação material (reprodutora) aliada à
imaginação criadora (dinâmica), tornou-se um ativo
modelador de um universo diferente2. Não quis apenas
contemplar o sertão da infância, recriou-o, domou a
matéria terra, e venceu a natureza.
Guimarães Rosa, em suas primeiras
narrativas, uniu terra e água em uma massa perfeita.
Às vezes, sobressaindo-se mais a terra, outras, a água.
Mas, se tivesse registrado apenas o seu ato de
modelar o sertão da infância, por intermédio da
imaginação reprodutora, não teria legado aos
pósteros a sua indiscutível arte ficcional. Ele explorou
as imagens reprodutoras, desenvolvendo,
inicialmente, o ato de bem ver a realidade sertaneja,
mas soube atingir o domínio de uma imaginação
fundamentalmente criadora, quando rejeitou a cultura
realista e passou a bem sonhar o seu passado
inesquecível, permanecendo fiel ao onirismo dos
arquétipos que[estavam] enraizados [em seu]
inconsciente.3
Nas recordações da infância, momentos de
pura inspiração o impelem à modelação de trechos
narrativos de alta criatividade. Por exemplo,
reconstituindo as façanhas infantis de um grupo de
crianças, em “A partida do audaz navegante”4 ,
propicia-nos um retorno ao regaço materno, seja qual
for a significação que queiramos dar a esta expressão:
retorno ao útero materno, retorno aos braços
carinhosos da mãe, retorno às origens, ou, mesmo,
retomada dos valores puros da terra/sertão.
Bachelard nos alerta:
Afastar a criança da cozinha é condená-la a um exílio
que a aparta dos sonhos que nunca conhecerá. Os
valores oníricos dos alimentos ativam-se ao se
acompanhar a preparação. Quando estudarmos os
sonhos da casa natal, veremos a persistência dos
sonhos da cozinha. Esses sonhos mergulham num feliz
arcaísmo. Feliz o homem que, em criança, “rodou em
volta” da dona da casa.5
(Footnotes)
* Ler, para o entendimento do assunto, a coletânea de
contos de Guimarães Rosa, Primeiras Estórias. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1975.
* Neuza Machado é Doutora e Mestre em Ciência da
Literatura / Teoria Literária pela Faculdade de Letras
da UFRJ.
3 0
Nesta narrativa, que assinala um dos mais inspirados
momentos criativos de Guimarães Rosa, há um retorno
ao regaço materno, revelando o homem que, em
criança, conheceu as delícias feitas em fogão de lenha.
O sertão roseano é o invólucro do sonho da casa natal,
repleno de lembranças e recordações. Assim, por
exemplo, uma certa manhã de chuva (água) mistura-se
à terra, formando a massa de lembranças imperecíveis.
Desse composto de água e terra, evola-se ?
ficcionalmente ? o cheiro dos alimentos de outrora
somado às recordações do passado infantil, no qual o
menino de então observava sua mamãe mandando
Maria Eva estrelar ovos com torresmos e descascar
os mamões maduros (op. cit., p. 115). Os sonhos da
cozinha estão presentes e vivos nas lembranças
(matéria ficcional) e recordações (matéria lírica) do
narrador de antigas experiências infantis. Mas, o
sonhador das vivências inesquecíveis, agora, já se
aliou definitivamente à imaginação criadora e
consegue transmitir ficcionalmente os inumeráveis
planos de sua consciência singular.
Nos sonhos da casa natal, terra, chuva, cozinha e
lama se misturam, para realçar a figura materna. Num
meio repleto de primitividade, mamãe é a mais bela, a
melhor, e cuida com orgulhos e olhares as três
meninas e o menino (Op. cit., p. 115).
O Artista ? aquele que saiu do sertão dos valores
primitivos e adquiriu inúmeros talentos na moderna
sociedade brasileira ? remodela a figura materna por
intermédio de um olhar infantil. Não estaríamos
violando regras teórico-críticas, apoiados que estamos
na idéia de compreensão do texto literário ?
fenomenologia ?, se afirmássemos que é ele ? o Artista
Ficcional Guimarães Rosa ? o menino que admira a
mãe, e que esta admiração só se revelará valiosa
mediante a percepção infantil aliada à criatividade do
adulto. Graças à percepção infantil, aquecida pelo fogo
familiar permanentemente aceso nas lembranças do
passado, iluminando as recordações do adulto, a voz
de mamãe se transforma em uma voz de vogais doçuras
e a manhã se faz de flores (Op. cit., p. 118).
No início, o elemento fogo se sobressai, para o
cozimento da massa formada pela terra e pela água.
Na cozinha das recordações, os alimentos se tornam
saborosos, e a doce voz materna também se transforma
em alimento, nutrindo a criança, oferecendo-lhe
condições de desenvolver o corpo e os sonhos.
A cozinha é o gineceu do sertão roseano, e a sua
criação ficcional só foi possível graças a essa íntima e
doce convivência com a terra e a água. Em seus
devaneios de dilatação da massa que irá ao forno da
criação literária, o criador de um mundo ficcional
(sustentado pelas lembranças de uma infância feliz),
onde os valores poéticos se sobressaem, registra a
imagem da mãe dosando açúcares e farinhas, para a
feitura de um bolo, enquanto as crianças entrefiam a
estória do audaz navegante, descobridor de lugares
além do cotidiano.
Esta narrativa, oriunda dos sonhos dilatados do
amanhecer ? dos devaneios da vontade de um
sonhador-modelador, que sabe trabalhar sua
criatividade ficcional ?, é uma massa de palavras bem
dosadas. O estilo inconfundível de Guimarães Rosa
se faz presente nesta aparentemente simples narrativa,
mas, em suas camadas ocultas, há uma profunda
natureza complexa. As verdadeiras fontes do estilo
são fontes oníricas. Um estilo pessoal é o próprio
sonho do ser.6 Sob a proteção do olhar infantil, o
narrador acompanha os movimentos de mamãe,
transforma Pele ? a irmã ? em uma criança diligentil,
além de dar forma a uma imagem ímpar: Ciganinha ? a
outra irmã ? lendo um livro sem virar a página (p. 16).
Percebe-se, neste discurso inovador, os valores
imaginários da criança em seu mais alto grau. A massa
perfeita encontrou seu elemento individualizador,
pode transformar o audaz navegante e seu navio ?
núcleo de uma sub-estória dentro da narrativa ? numa
coisa vacum, atamanhada, embatumada, semi-
ressequida, obra pastoril no chão de limugem, e às
pontas dos capins-chato deixado (Op. cit., p. 120-121).
Um cogumelo branco se transforma no audaz
navegante, bamboleando em cima da tal coisa ? o
navio ?, que está prestes a ser tragada pela enchente
produzida pela chuva anterior.
O escritor, agora vivenciando o cogito(3) da
consciência singular7, possui total conhecimento da
linguagem infantil. Graças à nova convivência com
um plano de difícil acesso, próximo das
inconseqüências quânticas8, a narrativa de um dia de
chuva atrelado ao universo infantil transmite um novo
dinamismo psíquico9. A imaginação material ? matéria
terrestre: o sertão das pedras, madeiras, metais e gomas
? associa-se à imaginação das matérias inconsistentes
e móveis ? a água, o fogo, o ar ?, reprodutora da
percepção e da memória. Desta associação, surge a
imaginação criadora do Ficcionista, retirada de sua
solidão de homem há muito apartado dos valores
primários. O Criador Literário refaz a imaginação
infantil, uma imaginação intermediária entre as pulsões
inconscientes e as primeiras imagens que afloram na
consciência. Surge, assim, um discurso diferente,
insólito, renovando os arquétipos inconscientes da
criança, aquela que repensa o itinerário de aventuras
do Audaz Navegante.
Inspirado pela linguagem inerente à criança, ele
remodela a linguagem ficcional, enriquecendo-a com
as recordações da infância. A narrativa surpreende e
encanta, porque o leitor refaz também os primórdios
de seu próprio passado. Todas as mamães se
transformam em fadas, surgindo inesperadamente ?
de contra-flor ?, para socorrerem seus filhinhos
3 1
(ROSA, op. cit., p. 122).
O sonhador de um imaculado sertão (perfeição
= matéria épica digladiando com a forma ficcional do
século XX ), distante temporalmente de sua realidade
imediata, reinventa seu passado inesquecível, as
possibilidades perdidas, os sonhos revividos nos
momentos de solidão.
 No sonho, as palavras reencontram amiúde o seu
sentido antropomórfico profundo. Aliás, pode-se
observar que a modelagem inconsciente não é coisista;
é animalista. A criança entregue a si mesma modela a
galinha ou o coelho. Cria vida.10
As palavras remodelam o homem e a vida, refazem as
imagens do inconsciente, dão substância aos
pensamentos e, aqui, dão substância aos pensamentos
de um criador ficcional que se apossa criativamente do
universo infantil. A modelagem inconsciente, retirada dos
sonhos da infância, faz o leitor-eleito retornar às alegrias
primeiras da descoberta da vida. Nessa região psíquica,
entre as pulsões inconscientes e as primeiras imagens
da consciência infantil, o narrador-mirim de um sertão
imaculado, avatar do narrador moderno (submetido
diariamente a experiências comunitárias conflitantes),
recria seu antigo mundo familiar, transformando uma
manhã de chuva normal em uma narrativa onírica e
poética, propulsora de profundas meditações para esse
mesmo leitor.
(Texto registrado de Neuza Machado. Este

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