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TEORIA DA LITERATURA II Rio de Janeiro / 2007 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Copyright 2006 Universidade Castelo Branco - UCB Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB. U n3p Universidade Castelo Branco. Teoria da literatura II. – Rio de Janeiro: UCB, 2007. 120 p. ISBN 85-86912-09-3 1. Ensino a Distância. I. Título. CDD – 371.39 Universidade Castelo Branco - UCB Avenida Santa Cruz, 1.631 Rio de Janeiro - RJ 21710-250 Tel. (21) 2406-7700 Fax (21) 2401-9696 www.castelobranco.br ChancelerChancelerChancelerChancelerChanceler Prof.a Vera Costa Gissoni ReitorReitorReitorReitorReitor Prof. Paulo Alcantara Gomes Vice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo DiscenteVice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo DiscenteVice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo DiscenteVice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo DiscenteVice-Reitor de Ensino de Graduação e Corpo Discente Prof. Marcelo Hauaji de Sá Pacheco Vice-Reitor de Planejamento e FinançasVice-Reitor de Planejamento e FinançasVice-Reitor de Planejamento e FinançasVice-Reitor de Planejamento e FinançasVice-Reitor de Planejamento e Finanças Sergio França Freire Filho Vice-Reitor de Gestão Administrativa e DesenvolvimentoVice-Reitor de Gestão Administrativa e DesenvolvimentoVice-Reitor de Gestão Administrativa e DesenvolvimentoVice-Reitor de Gestão Administrativa e DesenvolvimentoVice-Reitor de Gestão Administrativa e Desenvolvimento Marcelo Costa Gissoni Vice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e ExtensãoVice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e ExtensãoVice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e ExtensãoVice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e ExtensãoVice-Reitor de Ensino de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão Prof. Samuel Cruz dos Santos Coordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a DistânciaCoordenadora de Educação a Distância Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli Coordenadores dos Cursos de GraduaçãoCoordenadores dos Cursos de GraduaçãoCoordenadores dos Cursos de GraduaçãoCoordenadores dos Cursos de GraduaçãoCoordenadores dos Cursos de Graduação Ana Cristina Noguerol - Pedagogia Denilson P. Matos - Letras Maurício Magalhães - Ciências Biológicas Sonia Albuquerque - Matemática Responsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material InstrucionalResponsáveis Pela Produção do Material Instrucional Coordenadora de Educação a Distância - CEADCoordenadora de Educação a Distância - CEADCoordenadora de Educação a Distância - CEADCoordenadora de Educação a Distância - CEADCoordenadora de Educação a Distância - CEAD Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli Supervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDISupervisor do Centro Editorial – CEDI Joselmo Botelho ConteudistaConteudistaConteudistaConteudistaConteudista Neuza Maria de Sousa Machado Apresentação Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica. Seja bem-vindo(a)! Paulo Alcantara Gomes Reitor Orientações para o Auto-Estudo O presente instrucional está dividido em quatro unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito. Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares. As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1. Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das quatro unidades. Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todos os conteúdos das Unidades Programáticas 1, 2, 3 e 4. A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso. Bons Estudos! Dicas para o Auto-Estudo 1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo. 2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções. 3 - Não deixe para estudar na última hora. 4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor. 5 - Sempre que tiver dúvidas entre em contato com o seu monitor através do e-mail monitorcead@castelobranco.br. 6 - Não pule etapas. 7 - Faça todas as tarefas propostas. 8 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina. 9 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação. 10 - Não hesite em começar de novo. SUMÁRIO Quadro-síntese do conteúdo programático ..................................................................................................... Contextualização da disciplina ........................................................................................................................... UNIDADE IUNIDADE IUNIDADE IUNIDADE IUNIDADE I NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO 1.1 - A natureza do fenômeno literário................................................................................................................. 1.2 - O texto literário .............................................................................................................................................. 1.3 - Discurso metonímico e discurso metafórico.............................................................................................. 1.4 - Mimésis........................................................................................................................................................... 1.5 - A mimésis no fazer poético (Gênero Lírico)................................................................................................ 1.6 - A mimésis na poesia épica (Gênero Épico / Narrativa épica em versos)................................................. 1.7 - A mimésis no texto teatral (Gênero Dramático).......................................................................................... 1.8 - Do problema do trágico................................................................................................................................. 1.9 - A mimésis na matéria ficcional (Ficção-Arte / Vertical).............................................................................1.10 - A mimésis na matéria ficcional paraliterária (Ficção Linear / Horizontal).............................................. 1.11 - A mimésis na matéria ficcional (Esquema para a compreensão do assunto)........................................ 1.12 - A mimésis na matéria ficcional cinematográfica....................................................................................... 1.13 - Criação literária X Representação cinematográfica............................................................................... 1.14 - Catársis.......................................................................................................................................................... 1.15 - Poiésis, Tèkcne, Mimésis, Mito................................................................................................................. 1.16 - Conceito, função e valor da literatura....................................................................................................... 1.17 - Leitura: “Partida do Audaz Navegante”, de Guimarães Rosa................................................................ 1.18 - Para o entendimento do valor da literatura ficcional de Guimarães Rosa: “Consciência da Linguagem: novo dinamismo psíquico”...................................................................... 1.19 - Leitura: Velhos Marinheiros (trechos), de Jorge Amado....................................................................... 1.20 - Para o entendimento do valor da literatura ficcional de Jorge Amado: “Em defesa de Jorge Amado”................................................................................................................. 1.21 - Leitura: “O Cágado”, de Almada Negreiros.............................................................................................. 1.22 - Análise para a compreensão do conto “O Cágado”............................................................................... 1.23 - Leitura: “Os Laços de Família”, de Clarice Lispector.............................................................................. 1.24 - Leitura: “O Ex-Mágico da Taberna Minhota”, de Murilo Rubião.......................................................... 1.25 - Leitura: “Dôia na Janela”, de Roberto Drummond.................................................................................. 13 14 15 18 16 18 18 19 19 19 19 20 21 22 22 22 24 24 25 29 31 32 36 38 39 42 45 1 1 UNIDUNIDUNIDUNIDUNIDADE IIADE IIADE IIADE IIADE II GÊNEROS LITERÁRIOS 2.1 - A problemática dos Gêneros Literários “Sobre a questão dos Gêneros Literários”........................................................................................... 2.2 - Gêneros Literários: Histórico.................................................................................................................. 2.3 - Gênero Lírico: Fenômenos Estilísticos.................................................................................................. 2.4 - Para o entendimento da Poesia Lírica do Século XX:........................................................................... “Os Instantes Metafísicos do Tempo de Poesia de Edison Moreira”.................................................. 2.5 - Gênero Épico: Fenômenos Estilísticos................................................................................................... 2.6 - O Mito......................................................................................................................................................... 2.7 - Folclore: Ciência do Saber Popular.......................................................................................................... 2.8 - Formas da Poesia Clássica....................................................................................................................... 2 .9 - Gênero Dramático: Fenômenos Estilísticos.......................................................................................... 2.10- A Tragédia Grega...................................................................................................................................... 2.11- A Comédia Grega....................................................................................................................................... 2.12- Gênero Narrativo Ficcional...................................................................................................................... 2.13- Padrões Narrativos................................................................................................................................... 2.14- Estrutura Tradicional da Narrativa de Ficção....................................................................................... 2.15- As inovações Estruturais da Ficção Pós-Moderna.............................................................................. 2.16- A Ficção Paraliterária................................................................................................................................ 2.17- A Crítica Literária....................................................................................................................................... 2.18- Reavaliando a Atuação da Crítica Literária........................................................................................... 2.19- Literatura Comparada: Sob o olhar crítico - comparativo de Marius François Guiard.................. 2.20- Estudo Comparativo: Édipo-Rei, de Sófocles X Antônio Marinheiro, o Édipo de Alfama, de Bernardo Santareno............................................................................................................ 2.21- Pós-Moderno / Pós-Modernismo pelo ponto de vista de Nicolau Sevcenko.................................. 2.22- Pós-Moderno / Pós-Modernismo pelo ponto de vista de Jair Ferreira dos Santos........................ 2.23- Pós-Modernos / Narrativas..................................................................................................................... 2.24- Sobre o Marxismo Independente de Georg Lukács como auxiliar nos estudos de Literatura pelo ponto de vista de Teofilo Urdanoz.......................................................................... 2.25- Imaginação e Mobilidade pelo ponto de vista de Gaston Bachelard................................................ Referências Bibliográficas................................................................................................................... 47 51 54 58 58 61 63 65 66 66 67 67 68 69 70 71 71 71 80 88 102 104 106 108 110 111 114 1 2 QUADRO-SÍNTESE DO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 1 3 I - A Natureza do Fenômeno Literário Levar ao aluno informações que definem a - Como definir Natureza e Fenômeno? situação do texto literário (Arte Literária), - Como avaliar como arte o texto literário? chamando a atenção para os aspectos que - Discurso metonímico e discurso metafórico. possam orientar teoricamente e criticamen- - A mimésis no fazer poético te suas leituras. (Gênero Lírico) - A mimésis na poesia épica (Gênero épico) - A mimésis no texto teatral (Gênero Dramático) - A mimésis na narrativa ficcional (Gênero Narrativo em prosa) - A mimésis na matéria ficcional cinematográfica - Criação Literária X Representação Cinematográfica - Catársis - Poiésis, Tèkcne, Mimésis, Mito - Conceito, Função e Valor da Literatura - Leituras (de textos literários ficcionais) - Leituras (de textos ensaísticos) II - Gêneros literários Levar o aluno a reconhecer no texto literá- - A Questão dos Gêneros Literários rio a categoria genérica do mesmo. - Histórico - Gênero Lírico - Gênero Épico - Gênero Dramático - GêneroNarrativo Ficcional - Gênero Paraliterário - Crítica Literária - Literatura Comparada - Literatura Pós-Moderna - Conceitos marxista X Literatura - Filosofia bachelardiana X Imaginação Literária UNIDADEUNIDADEUNIDADEUNIDADEUNIDADE OBJETIVOS ESPECÍFICOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1 4 CONTEXTUALIZAÇÃO DA DISCIPLINA A disciplina Teoria Literária II visa reafirmar o leque de informações que foram utilizadas no decorrer do curso de Teoria Literária I e, ao mesmo tempo, contribuir com novas orientações teórico-críticas que possam alargar o conhecimento do aluno, para que ele possa interagir com as disciplinas afins que se sucederão, tais como Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa, Literatura Espanhola, Literatura Inglesa e outras. Este conhecimento se somará ao conhecimento preliminar do curso anterior, pois, além de explorar todas as possibilidades e fundamentos da Teoria Literária, além do reconhecimento do papel da mímesis no fenômeno literário, o aluno continuará a ter condições de se disciplinar a estudar, agora com maior empenho, e continuar a desenvolver o senso crítico no intuito de prosseguir em estudos posteriores, tais como Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu em Teoria Literária e Literatura propriamente dita, seja ela brasileira ou estrangeira, ou mesmo em Cursos de Pós-Graduação Stricto Sensu, ou seja, um Mestrado e, posteriormente, um Doutorado. As informações, contidas nesta disciplina, tendem a provocar no aluno a continuação do gosto pelo crescimento intelectual e levá-lo a pesquisas posteriores, desenvolvendo e ampliando o seu conhecimento ao longo do tempo. Sem este conhecimento avançado, o aluno não conseguirá atingir o necessário suporte para o seu desenvolvimento intelectual, ético e profissional. 1 5UNIDADE I A NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO Objetivos Específicos: · Levar ao aluno informações teórico-críticas que definem a situação do texto literário, chamando a atenção para aspectos que o tipifiquem e que possam orientar a sua leitura. · Possibilitar ao estudioso da literatura a faculdade de analisar a obra-de-arte literária e reconhecer (fenomenologicamente) a Natureza do Fenômeno Literário. 1.1 - A NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO (Conferir: In.: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. CASTRO, Manuel Antônio de: “A Natureza do Fenômeno Literário”. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 30). NATUREZA è “preocupação de compreender a especificidade do literário” ESPECIFICIDADE è essência, substância, “aquilo que faz com que uma coisa seja aquilo e não outra”. ESPECIFICIDADE DO LITERÁRIO Idade Antiga (Gregos) à “O estudo da literatura era feito através das poéticas e das retóricas, num sentido formal, que não colocava em questão a natureza do conhecimento, pois este problema era do âmbito da filosofia. Daí a infinidade de interpretações do texto aristotélico, porque sua poética, além dos aspectos formais, pressupõe o seu conceito filosófico do conhecimento”. (Manuel Antônio de Castro, Manual de Teoria Literária, op. cit., p. 38) VOCABULÁRIO (Cf.: DICIONÁRIO) POÉTICA ¨ Arte de fazer versos; ¨ Teoria da versificação; ¨ Literatura: Crítica literária que trata da natureza, da forma e das leis da poesia; ¨ Literatura: Estudo ou tratado sobre a poesia ou a estética. ESTÉTICA ¨ Filosofia: Estudo das condições e dos efeitos da criação artística; ¨ Filosofia: Tradicionalmente, estudo racional do belo, quer quanto à possibilidade da sua conceituação, quer quanto à diversidade de emoções e sentimentos que ele suscita no homem; ¨ caráter estético; ¨ beleza (Exemplo: “a estética de um monumento”, “a estética de um gesto”; ¨ beleza física; ¨ plástica (Exemplo: “Ia à praia para apreciar a estética das garotas”). BELO ¨ Que tem forma perfeita e proporções harmônicas (Exemplo: “Sonho o que jamais pude: / – Belo como Davi, forte como Golias...” , Manuel Bandeira, Estrela da vida inteira, p. 29); ¨ Que é agradável aos sentidos; ¨ Elevado; sublime; ¨ Majestoso, grandioso, imponente; ¨ ARTE; ¨ ESTÉTICA; ¨ Estética (Filosofia): Qualidade atribuída a obras humanas – sendo discutível se aplica também à natureza – que por isso são dotadas de caráter estético. [Esta qualidade se anuncia por meio de fatores subjetivos (emoção estética, sentimento e percepção do belo, e todos os fenômenos psicológicos ligados à sua criação) que levam à busca da definição das demonstrações concretas que suscitam (a análise das obras de arte, dos conceitos de gosto, harmonia, equilíbrio, perfeição, etc.). RETÓRICA [do grego rhetoriké (subentende-se téchne), “a arte da retórica”] ¨ Eloqüência; oratória; ¨ Conjunto de regras relativas à eloqüência; ¨ Tratado que encerra essas regras; ¨ Adornos empolados ou pomposos de um discurso; ¨ Discurso de forma primorosa, porém vazio de conteúdo. ELOQÜÊNCIA [do latim eloquentia] ¨ Capacidade de falar ou exprimir-se com facilidade; ¨ A arte e o talento de persuadir, convencer, deleitar ou comover por meio da palavra; ¨ Qualidade de persuasivo, expressivo, convincente, eloqüente. Ex.: “a eloqüência do olhar”); 1 6 ¨ Retórica: a arte de bem falar. ORATÓRIA [do latim oratoria] ¨ Arte de falar ao público. ESPECIFICIDADE DO LITERÁRIO “A conceituação da palavra especificidade (do literário) pelo ponto de vista cientificista, analisando apenas as linhas do texto, impõe ao estudioso da literatura um entendimento fechado, estático, formal. A literatura (literatura-arte) torna-se simplesmente um objeto, não há como desenvolver uma apreciação reflexiva que revele o lado oculto do texto, elimina-se a idéia de compreensão das camadas profundas do texto (texto-arte ou texto-obra) uma vez que o analista se vê obrigado a analisar apenas as camadas expressivas do discurso literário. Pelo ponto de vista fenomenológico, observa-se a literatura-arte como um fenômeno, em princípio, estático, como é visto pelos cientificistas, mas, logo a seguir, tal fenômeno torna-se dinâmico, graças à compreensão e ao conhecimento do leitor, quando este empreende um estudo consciente das mensagens interlineares, mensagens reveladoras, produtoras de novos conhecimentos, mensagens que estarão sempre e sempre se renovando, pois, com o passar do tempo, novos leitores estarão em comunhão anímica com tais textos (textos-arte, que fique bem entendido), desenvolvendo renovados diálogos ao longo dos séculos (pelo menos, enquanto tais textos existirem).” (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo) FENÔMENO - è aquilo que se manifesta [o já manifestado (estático) e o que ainda está se manifestando (dinâmico)] 1.2 - O TEXTO LITERÁRIO Objeto da Teoria e da Crítica - LITERA TURA Objeto da Literatura - TEXTO ) O que é um texto? 1o ) Texto vem do verbo tecer = entrelaçamento de linhas (orações, períodos); 2o ) TEXTO / FORMATO - A disposição das linhas e seu entrelaçamento; - a ocupação e disposição espacial. FORMATO - (diferente) - FORMA FORMATO - É diagramação; ilustração è harmonia. Exemplo: Literatura Infantil. - É a obra enquanto APRESENTAÇÃO . - É APRESENTAÇÃO DA OBRA / TEXT O- FORMATO: “surge como um esforço de integração entre as facetas do formato e da forma”. FORMA É o TEXTO propriamente dito 3o) TEXTO = TECIDO DE SIGNOS è “expressa a relação do homem com as realidades e dos homens entre si”. 1 7 AÇÃO SIGNIFICATIVA TEXTO TRABALHO Ação humana: “ao elaborar (o texto como trabalho) o homem colabora (pressupõe o outro, socializa-se) Ação humana: “o homem, textualizando, significando o real se significa”. TEXTO = HOMEM + REALIDADE + EXPRESSÃO “Há inúmeras correntes teórico-críticas formalizando idéias de como interagir com o texto literário; há formas teórico-críticas cientificistas de como recortar o texto, seja ele paraliterário ou texto-arte, e deter-seem um dos referentes, para investigá-lo, mas, subentendido, os outros dois sempre estarão presentes. É importante que os três referentes estejam sempre interligados, para que o leitor possa desenvolver uma análise consciente do que se encontra visível no objeto de sua investigação (ponto de vista cientificista). Mas, o entendimento e/ou reconhecimento das entrelinhas (o que se encontra invisível no texto-arte), desenvolvido por intermédio do CONHECIMENTO particular de cada leitor (ponto de vista fenomenológico), é algo que a investigação cientificista não poderá alcançar.” (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo) TODO TEXTO É O RESULTADO DE UMA LEITURA LEITOR + TEXTO = relação objetiva e subjetiva. LEITURA = PRODUTIVIDADE (enquanto modalidade de relação radical do homem com a realidade) TEXTO = elaboração humana, trabalho TRABALHO = ação humana (pela qual o homem textualizando, significando o real se significa) Por um lado: Esta elaboração humana só encontra sua plenitude na medida em que ao elaborar ele colabora (pressupõe o outro, socializa) 1 8 LEITURA - “supõe colaboração, porque o texto não se lê, o instrumento não se lê”; - “pressupõe o outro”; - “pressupõe colaboração”. Por outro lado: Tal noção evidencia que o texto não se limita ao escrito, implicando sobretudo o oral. Uma fotografia, uma estátua, um instrumento, etc., é um texto / expressa uma relação do homem com o real. Entre tantas modalidades de texto, quando um texto é especificamente literário ? (LITERÁRIO = LITERATURA - ARTE) 1.3 - DISCURSO METONÍMICO E DISCURSO METAFÓRICO Discurso: Qualquer manifestação concreta da língua; qualquer manifestação por meio da linguagem, em que há predomínio da função poética; etc. Discurso Metonímico: Discurso próprio de um tropo que consiste em designar um objeto por uma palavra designativa doutro objeto que tem com o primeiro uma relação de causa e efeito. Por ex.: trabalho por obra; copo por bebida, etc. Discurso Metafórico: Discurso figurado. Discurso próprio de um tropo que consiste na transferência de uma palavra para um âmbito semântico que não é o do objeto que ela designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado. Por exemplo: Chamar uma pessoa astuta de raposa; nomear a juventude como primavera da vida, etc. Tr opo: Emprego figurado de palavra; figura de linguagem. 1.4 - MIMÉSIS “A mimésis é um termo grego geralmente traduzido como imitação. Imitação em que sentido? Até hoje são controvertidas as interpretações. E isso não é tão difícil de entender, uma vez que é um conceito que faz parte dos dois maiores sistemas filosóficos gregos: o platônico e o aristotélico. Assim sendo, qualquer interpretação implica sempre um determinado posicionamento a respeito e dentro de tais sistemas. Não é um conceito literário, porém um conceito filosófico para explicar a arte.” (Conferir: CASTRO, Manuel Antônio de Castro. In.: SAMUEL, Rogel. Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 56-57) “A mimésis inventa, na ambigüidade do literário, uma problematização profunda sobre o que seja verdade. Em outras palavras, põe uma relação inseparável entre discurso e espaço: o mundo. (...) As chamadas proposições elementares descrevem o mundo e a totalidade dos fatos. O que aparece e o que o possibilita. O mundo totalmente descrito nos estados de coisas, a mimese. O fato (o que ocorre) existe nos estados de coisas, compreendidos como ligações entre coisas. Põe a realidade inteira e possibilita qualquer realidade. O mundo se constitui pelos fatos e se descrê pelas proposições, mas, por outro lado, as proposições constroem o mundo com a ajuda da “forma lógica”. A totalidade dos fatos empíricos se representa como estado de coisas, ou conjunturas, no espaço lógico pelos outros fatos do discurso. Esta “forma lógica” é a capacidade mimética do discurso.” (Conferir: CASTRO, Manuel Antônio de Castro. In.: SAMUEL, Rogel. Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 16) 1.5 - A MIMÉSIS NO FAZER POÉTICO (GÊNERO LÍRICO) “A mimésis está estreitamente ligada à metáfora como núcleo do fazer poético. O poeta, ao elaborar suas obras, mais do que ninguém, sabe que a matéria que ele molda é a palavra. Como ele trabalha a palavra? São muitas as maneiras de moldar os signos verbais, de tal maneira que não há um só grande poeta que no todo da sua obra não reserve explicitamente um espaço a este problema, não dê uma forma teórica, discursiva, porém, através de poemas cujo tema é poetar (ver, por exemplo, em Carlos Drummond de Andrade “O Lutador”, “Procura da poesia”, em Cecília Meireles “Motivo”, etc.). É um equívoco reduzir tal fazer à chamada metalinguagem. Realmente, é uma reflexão poética sobre a natureza e alcance da mimésis. Por que a mimésis é a imitação de quê? O poeta, consciente do seu fazer, no e pelo poetar, pergunta-se sempre com que imita? (...) O problema mimésis diz portanto, respeito a quem imita, com que imita, o que imita e em que circunstâncias. Se fizemos alusão a uma poética explícita, devemos, agora, afirmar que, ao considerar todas essas dimensões da mimésis, toda obra realmente literária [literatura-arte] é uma completa e total poética implícita.” (Conferir: CASTRO, Manuel Antônio de Castro. In.: SAMUEL, Rogel. Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 16) 1 9 1.6 - A MIMÉSIS NA POESIA ÉPICA (GÊNERO ÉPICO / NARRATIVA ÉPICA) “A mimésis na poesia épica (ou narrativa em versos) só poderá ser reconhecida pelos postulados platônicos, ou seja, a mimésis como reprodução (cópia) das duas realidades conhecidas pelos antigos gregos: a histórica e a mítica (ambas lineares). A idéia de mimésis como recriação da realidade, ou de realidades, um conceito moderno, só começou a ser aventada a partir do surgimento do Gênero Narrativo Ficcional, um fenômeno da Era Moderna (outros nomes que designam o Gênero Narrativo Ficcional: narrativa em prosa, narrativa vertical, narrativa complexa).” (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo) 1.7 - A MIMÉSIS NO TEXTO TEATRAL (GÊNERO DRAMÁTICO) “A mimese no texto do escritor teatral (dramaturgos, comediógrafos), considerado pelos críticos como texto-arte (mimese como recriação da realidade), só poderá ser detectada no texto escrito, ao relacionar- se com a catarse indireta (compreensão do leitor). Os textos teatrais necessitam, ao se trasladarem para o palco, do auxílio dos atores (os quais vão interpretar o texto do escritor dramático, seja uma tragédia ou uma comédia, por meio do diálogo e das expressões corporais), para, com isto, alcançar a compreensão do espectador (catarse direta, aquela que ocorre instantaneamente, entendimento imediato do que se passa no palco).” (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo) 1. 8 - DO PROBLEMA DO TRÁGICO “Sendo de natureza complexa, o trágico, segundo Lesky, é difícil de ser definido. O problema se apresentou, na tragédia grega, porque, por mais vastos que foram os espaços, atingidos pelos tragediógrafos da época, os mesmos partiam sempre do fenômeno da tragédia ática e a ela se voltava. As manifestações mais antigas do saber trágico têm sua gênese em Homero, nas Edas (edas = narrativas mitológicas dos povos nórdicos), nas Sagas dos islandeses, nas lendas heróicas de todos os povos do Ocidente à China. No cerne dessas manifestações, observa-se sempre a figura do herói inabalável, radioso, vencedor, repleto de glória, ostentando suas armas (geralmente mágicas) e proezas incontáveis, jamais vistas. Por tudo isto, o que poderemos dizer, a respeito do problema do trágico, é que as tragédias antigas (que foram escritas para serem representadas em palcos, para platéias específicas, e serem apreciadas apenas pelos espectadores daquela época, uma vez que, tais textos, ao se trasladarem para o palco, ficaram vinculados à realidade daquele momento)se originaram de uma fusão entre os Gêneros Épico e Lírico. Enquanto Poesia Trágica (hoje, se diz Gênero Dramático modalidade tragédia, para diferenciarmos do Gênero Dramático modalidade comédia), o herói trágico guarda uma certa semelhança com o herói épico (matéria épica), mas resguardando também uma grande influência de alguns dos fenômenos estilísticos da matéria lírica. A poesia trágica, aquela que foi representada por atores antigos, em antigos palcos da Grécia e de Roma, ficou imobilizada no passado dos gregos e romanos, só a conhecemos por meio de leituras, ao lermos, por exemplo, o Édipo Rei de Sófocles e outros textos de tragediógrafos famosos. Mas, ao desenvolvermos tais leituras, a catarse (que faz parte da mimese do literário) que se sobressai é a da criação ficcional, catarse indireta, já que se vale da leitura, da compreensão e do conhecimento do leitor. Aqui, vale lembrar que a verdadeira catarse do Gênero Dramático é direta, pois deve ocorrer instantaneamente no espectador, graças à tensão acumulada ao longo da apresentação teatral.” (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo) (Conferir também: LESKY, Albin. A Tragédia Grega. São Paulo: Perspectiva, 1971.) 1.9 - A MIMÉSIS NA MATÉRIA FICCIONAL / FICÇÃO-ARTE (FICÇÃO VERTICAL): Para responder afirmativamente, não podemos separar os três pólos de referência: quem imita, com que imita, o que imita. Também não podemos separar o imitador, a imitação, o imitado. Porque tal denominação e percepção é já o resultado do processo mimético, ou seja, entender o que imita é penetrar na ação do imitador imitando, é compreender que o homem se revela revelando o real em realidades significadas: a força deste processo revelador é a mimésis. Tal fazer opera- se no processo de metaforização. Releve-se que o que imita nem sempre e nem só diz respeito ao que é externo ao homem. Ele revela igualmente as realidades internas e inconscientes do homem. Por isso não podemos confundir realidades, sejam externas, sejam internas, com o real. O real é a verdade da ficção, como não pode ser dita, revela-se fingida, quando então ela é mais verdadeira. (...) O momento histórico, com seus problemas e dados, as estratificações sociais sedimentadas pela tradição, as relações de produção bem como os impulsos, as manifestações dos desejos, o sistema de produção de relações ancorado na 2 0 repressão socialmente aberta ou camuflada e inconsciente, tudo isso é o material dado, com o qual o autor exerce a força da mimésis. Quando o literário rompe todo esse cerco, esse limite, então o ilimitado, a mimésis aconteceu. Acontecer é deixar o real se revelar. O vigor de manifestação é a mimésis. O meio de manifestação é a metáfora e a mimésis, o seu vigor. Nesse fazer, o poeta [e/ou o ficcionista] se exerce historicamente, manifestando a sua historicidade. (Castro, Manuel Antônio de. Op. Cit. p. 58-59) 1.10 - A MIMÉSIS NA MATÉRIA FICCIONAL PARALITERÁRIA (HORIZONTAL) O processo paraliterário se constituiria por uma operação imitativa do processo literário. Imitando o processo literário de criação da realidade ficcional, o processo paraliterário procura o fundamento semiológico que lhe permitirá converter-se em discurso. Uma vez convertido em discurso, o processo paraliterário assumiria a lógica significante literária através do investimento semiológico do espaço, do personagem, do acontecimento. Mas ao invés da elaboração no nível do imaginário para a criação de uma matéria romanesca, o discurso paraliterário reduplica a estrutura ficcional ao nível da realidade objetiva. Desse modo, preenchendo a estrutura ficcional com as relações concretas do mundo, simula uma ficção da estrutura de realidade. Inserindo a realidade objetiva na estrutura ficcional, o discurso paraliterário atrela o relato a uma estrutura romanesca. (Conf.: SILVA, Anazildo Vasconcelos da. “Cultura de Massa e Cultura Popular”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999. Pp. 170 - 171) Se imita o já revelado, o já culturalmente instituído, o que já denominamos como realidades, então não imita, mas repete ou copia. (Conferir: Manuel Antônio de Castro, “A Natureza do Fenômeno Literário”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 58) “Portanto, a mimese na matéria ficcional paraliterária só poderá ser reconhecida de acordo com os postulados platônicos, postulados antigos, os quais ainda estavam presos à idéia de mimese como reprodução da realidade, ou seja, como cópia da realidade. Como exemplo, poderemos repensar os textos das novelas da televisão e/ou do cinema, os quais dependem também das imagens televisivas, para reforçarem o texto paraliterário. Assim, é bom esclarecer, desde já, que as grandes obras literárias, de autores reconhecidos pela crítica literária, ao se trasladarem para a televisão e/ou o cinema, exigem que sejam adaptadas, ou seja, necessitam de pessoas especializadas em adaptação de grandes obras literárias, e, com isto, tornam-se lineares, são banalizadas, propensas, inclusive, a perderem o valor artístico, se por ventura, no futuro, os textos originais forem perdidos.” (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo) 2 1 1.11 - A MIMÉSIS NA MATÉRIA FICCIONAL (ESQUEMA DE NEUZA MACHADO PARA O ENTENDIMENTO DO ASSUNTO) PLANO REAL = FÍSICO (ou seja, A CRIAÇÃO FICCIONAL no âmbito da realidade) MIMÉSIS: - PLANO DA CRIAÇÃO = MUNDO DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA = MUNDO IDEALIZADO CATÁRSIS: - CATÁRSIS INDIRETA: PLANO DA VERDADE MANIFESTATIVA DA ARTE FICCIONAL (diferente da Catársis Direta, privilégio do Gênero Dramático/Palco); - ROMPIMENTO DAS BARREIRAS DO IMAGINÁRIO (grau mais acabado da libertação promovida pela Criação Artística Ficcional); APOGEU DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA FICCIONAL = NASCIMENTO / ARTE LITERÁRIA PLANO DA CRIAÇÃO /NARRATIVA FICCIONAL = GÊNERO NARRATIVO FICCIONAL MIMÉSIS = CRIAR = NARRATIVA FICCIONAL /ARTE: - TENSÃO (com respeito aos Fonemas e à Semântica, ao nexo, ao som, ao sentido) - ESPAÇO DO IMAGINÁRIO (DINÂMICO) ‘“ imaginação (banal, sem criatividade); - ESPAÇO METAFÓRICO; - ESPAÇO DE GESTAÇÃO (criatividade em alto nível); IMAGINAÇÃO PRODUTIVA X PERCEPÇÃO ESTÉTICA MANIFESTAÇÃO DA ARTE FICCIONAL (único plano visível / camada visível) MANIFESTAÇÃO DA LITERATURA (em todos os graus, do paraliterário ao artístico) A MANIFESTAÇÃO DEPENDE DA FORMA (texto escrito): - PLANO DA LINGUAGEM, DO TEXTO, DO ARTISTA, DO LEITOR; - ÚNICO PLANO VISÍVEL; - PLANO DA MANIFESTAÇÃO DA ARTE LITERÁRIA (ou não); - PLANO DO TEXTO (artístico ou técnico). PLANO DA REPRODUÇÃO /NARRATIVA FICCIONAL = GÊNERO PARALITERÁRIO MIMÉSIS = RECOPIAR = NARRATIVA FICCIONAL PARALITERÁRIA (LINEAR) - TENSÃO (entre Matéria e Forma); - DESREALIZAÇÃO OPERADA PELA LINGUAGEM (cujo propósito é criar um mundo de possibilidades e experiências alternativas); - PLANO DA IMAGINAÇÃO (imaginação reprodutiva; cópia da realidade; percepção cotidiana); - ESPAÇO DA CONCEPÇÃO (seja da Ficção-Arte, seja da Ficção Paraliterária; Ambas dependem do Plano da Reprodução. Na Ficção-Arte sempre constará a presença do Plano da Reprodução. A Ficção Paraliterária não alcança o Plano da Criação. - ESPAÇO DO TEXTO TÉCNICO (Paraliteratura = Literatura de Informação e Literatura de Imaginação) PLANO DA MATÉRIA = PLANO DA REALIDADE OBJETIVA/ Suporte material do Ficcionista - PLANO DA REALIDADE OBJETIVA (interna e externa); - PLANO DA LÍNGUA (matéria cultural, pois que criada pela sociedade). OBSERVAÇÃO : Recomenda-se ao analista e/ou intérprete observar o esquema de baixo para cima. 2 2 1.12 - A MIMÉSIS NA MATÉRIA FICCIONAL CINEMATOGRÁFICA “A mimese, nos textos ficcionais escritos para serem, posteriormente, transformados em películas cinematográficas, poderá ser descrita pelo ponto de vista platônico, ou seja, a literatura, ali embutida, será sempre linear,horizontal. Jamais, os textos cinematográficos, aqueles adaptados única e exclusivamente para a tela de cinema, no que se refere à arte propriamente dita, poderão alcançar, no futuro, o reconhecimento como Arte Literária. Isto, porque o cinema visa o reconhecimento no presente, pelo espectador do presente. As películas cinematográficas só alcançam impacto (catársis direta) no momento em que são lançadas ao público, uma vez que foram direcionadas ao espectador da época de sua atuação. Com o passar dos anos, os filmes perdem o impacto produzido em suas épocas e passam a serem vistos como reminiscências, como reproduções de realidades cinematográficas do passado, mesmo de um passado próximo. Por exemplo, os filmes americanos dos anos trinta do século XX já não causam impacto aos espectadores atuais, quando muito, são cultuados, por alguns aficcionados por cinema, como peças raras do repertório cinematográfico. (Ver os filmes de Charles Chaplin, O Gordo e o Magro, os filmes do faroeste americano, os filmes de Elvis Presley, os filmes de Ingmar Bergman, etc.).” (Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, 2007, no prelo) 1.13 - CRIAÇÃO LITERÁRIA X REPRESENTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA INTERIORIDADE X EXTERIORIDADE EU X OUTRO A VIDA X A CONTINUAÇÃO DA VIDA Cada época prioriza uma forma e um gênero, na multiplicidade de opções que se lhe oferecem, para exprimir a sua angústia e a sua visão das coisas. CINEMA: 1a FASE A linguagem cinematográfica, criada no século XIX, expressa um determinado momento da sociedade. IDADE ANTIGA: palavra + imagem = SAGRADO SOCIEDADE BURGUESA (comércio e indústria) Serviu-se da pintura e da literatura. FINAL DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX 1a FASE DO CINEMA - IRMÃOS GONCOURT SOCIEDADE DAS TRANSFORMAÇÕES Momento da tecnologia da captação e da reprodução da imagem CINEMA - momento de transição? FIM - COMEÇO PARA O ENTENDIMENTO DO ASSUNTO ATENÇÃO!!! CINEMA: ATENDE A DEMANDA DA SOCIEDADE DE CADA MOMENTO 1.14 - CATÁRSIS CASTRO, Manuel Antônio de Castro. “A Natureza do Fenômeno Literário”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. 12.ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 59-61. “A catársis está profundamente relacionada com a mimésis, daí também ser uma questão controvertida e com múltiplas interpretações. O problema surge quando Aristóteles na Poética, ao definir a tragédia, alude aos efeitos que ela produz nos espectadores: “A tragédia é uma imitação da ação, elevada e completa, dotada de extensão, numa linguagem temperada, com formas diferentes em cada parte, atuando os personagens, e não mediante narração, e que, por meio da compaixão e do temor, provoca a purificação de tais paixões” (Aristóteles, 1974: 145). Como o efeito da catársis se dá no leitor, tende-se a encaminhar o seu entendimento por esse referente. Ora, para que produza algum efeito, a catársis deve necessariamente fazer parte da natureza do fenômeno literário e como tal deve ser pensada. Normalmente, tal não acontece. Se a transformação se opera no leitor, tende-se a examinar o caráter de suas reações e assim definir a catársis. Tal processo cria uma dicotomia entre o fenômeno literário e a catársis. O inconveniente de tal separação é querer pautar o fenômeno literário pelos valores morais ou, inversamente, atribuir ao literário determinados valores a serem concretizados ideologicamente, isto é, valores moralistas. (...) A catársis não pode ser conceituada apenas pela ótica do leitor, pois ela faz parte da natureza do fenômeno literário, estando intimamente ligada à mimésis na manifestação da poiésis. Quando a mimésis está inteiramente desabrochada, há catársis, ela é a experiência operada pela arte, de totalidade, no sentido subjetivo e objetivo. Catársis é a mimésis na plenitude 2 3 de seus elementos, agindo em seu grau máximo de estruturação, é vencer e ultrapassar os limites dos elementos. “O grau máximo mais acabado de libertação promovida pela criação artística ? onde a mimésis instaura o valor, que constitui um apelo de todos os homens ?, Aristóteles chama de catársis” (Portella, 1973: 34). A tragédia, como modalidade do drama, tematiza tensionalmente em situação limite, daí podendo decorrer mais nitidamente a catársis. Porém, toda arte opera a catársis, pois ela enche o homem de um prazer (paz) tal cujo nome é plenitude.” CATÁRSIS = PURIFICAÇÃO (conceito já desatualizado) IDADE ANTIGA “Aristóteles (Poética), ao definir a tragédia, alude aos efeitos que ela produz nos espectadores.” “A tragédia é uma imitação da ação, elevada e completa, dotada de extensão, numa linguagem temperada, com formas diferentes em cada parte, atuando os personagens e não mediante narração, e que, por meio da compaixão e do temor, provoca a purificação de tais paixões.” (Castro, op. cit. p. 59-60) CATÁRSIS RELACIONADA COM A MIMÉSIS - OCORRE NO LEITOR CATÁRSIS - “como o efeito se dá no leitor [na tragédia, no espectador], tende-se a encaminhar o seu entendimento por esse referente (o leitor).” (CASTRO, op. cit., p. 59-60) CATÁRSIS: faz parte do FENÔMENO LITERÁRIO e como tal deve ser pensada. CATÁRSIS FORA DO LITERÁRIO (se dá no leitor) DENTRO DO LITERÁRIO (o literário produz algo no leitor) CATÁRSIS / RENASCIMENTO (POSIÇÃO ERRADA) MORALISTA (TRAGÉDIA: purificação, mera lição de moral – conceito desatualizado) RACIONALISTA (conceito desatualizado) - opera a clarificação racional das paixões levada a cabo pela poesia trágica; - o espectador, vendo o que se passa no palco, racionaliza sua sujeição às mesmas desventuras, preparando o espírito em conformidade com semelhantes coisas. - conduziria o homem ao equilíbrio da vida iluminada pela razão (ILUMINISMO) CATÁRSIS TRAGÉDIA (Renascimento) è DICOTOMIA (POSIÇÃO ERRADA) centralizada no espectador: purificação, alívio (identificação) fora do espectador: purificação, alívio (não-identificação) TRAGÉDIA CATÁRSIS 2 4 CATÁRSIS - termo técnico usado pela medicina do tempo de Aristóteles, significando purgação; - na linguagem religiosa, no tempo de Aristóteles, significava expiação, purificação; - com o passar do tempo, houve entrelaçamento semântico. Ex.: purgar os pecados (PURGATÓRIO) CATÁRSIS: POSIÇÃO ATUAL: “Não pode ser conceituada apenas pela ótica do leitor, pois ela faz parte da natureza do fenômeno literário, estando intimamente ligada à mimésis na manifestação da poiésis.” (Cf.: CASTRO, op. cit., p. 61) 1.15 - POIÉSIS, TÉKCNE, MIMÉSIS, MITO POIÉSIS = Produção, criação, passagem do estado de não ser para o estado de ser. POIÉSIS (HISTÓRICO): Para os gregos antigos, a poiésis não era produção de algo a partir do nada (o que era desconhecido para eles), mas uma transformação de algo em alguma coisa, que assume uma forma, um aspecto novo, como uma pedra transforma-se em estátua. TÉCKNE = Produção (sabe o porquê do que faz ou produz). Espécie de poiésis com o conhecimento das razões daquilo que produz. Exemplo: o escultor dá forma à matéria. MIMÉSIS E MIT O = Elementos da Arte. MIMÉSIS = Revelar, representar, imitação da ação. MITO (Etimologia latim mÿthos ou mÿthus; grego mûthos) Fábula; // História // Relato; // Discurso; //Palavra Relato fantástico de tradição oral, geralmente protagonizado por seres que encarnam, sob forma simbólica, as forças da natureza e os aspectos gerais da condição humana (por exemplo, as lendas dos índios do Xingu); Lenda, // fábula, // mitologia; Narrativa acerca dos tempos heróicos que, geralmente, guarda um fundo de verdade (por exemplo, o mito dos argonautas e o velocino de ouro); Relato simbólico, passado de geração em geração dentro de um grupo, que narra e explica a origem de determinado fenômeno, ser vivo, acidente geográfico, instituição, costume social, etc. (por exemplo, o mito da criação do mundo); Representação de fatos e/ou personagens históricos, freqüentemente deformados, amplificados através do imaginário coletivo e de longas tradições literáriasorais ou escritas (por exemplo, o mito em torno de Tiradentes); Exposição alegórica de uma idéia qualquer, de uma doutrina ou teoria filosófica; // fábula; // alegoria (p. ex., o mito da utopia, de More; o mito da caverna, de Platão); Construção mental de algo idealizado, sem comprovação prática; // idéia; // estereótipo (por exemplo, o mito do detetive infalível; o mito do bom selvagem); Representação idealizada do estado da humanidade, no passado ou no futuro ou moral questionável, porém decisivo para o comportamento dos grupos humanos em determinada época (por exemplo, o mito da virgindade; o mito do negro de alma branca; e outros); Afirmação fantasiosa, inverídica, que é disseminada com fins de dominação, difamatórios, propagandísticos, como guerra psicológica ou ideológica (por exemplo, o mito do comunista que come criancinhas; o mito da inferioridade mental dos negros); Afirmação ou narrativa inverídica, inventada, que é sintoma de distúrbio mental; // fabulação (por ex., sua idéia de que está sendo perseguido não passa de um mito). 1.16 - CONCEITO, FUNÇÃO E VALOR DA LITERATURA Conceito [do latim conceptu] = Representação de um objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais (Filosofia) // Ação de formular uma idéia por meio de palavras; definição, caracterização. Exemplo: “O professor deu-nos um conceito de beleza absolutamente subjetivo”. // Pensamento, idéia, opinião. Exemplo: “Emitiu conceitos reveladores de grande competência”. // Noção, idéia, concepção. Exemplo: “Seu conceito de elegância está ultrapassado”. // Apreciação, julgamento, avaliação, opinião. Exemplos: “Não tenho conceito formado sobre 2 5 este assunto”. “Com sua atitude correta na questão ele subiu no meu conceito”. // Avaliação de conduta e/ou aproveitamento escolar // Ponto de vista, opinião. Exemplo: “No meu conceito, a família agiu mal com o rapaz”; etc. Conceito absoluto = Conceito de algo (qualidade ou relação) não submetido às condições limitativas do sujeito em que se realiza; conceito abstrato. Conceito abstrato = Conceito absoluto Conceito indefinido = Conceito que exprime uma essência indeterminada (Lógica). Exemplo: “não- homem” Conceituação = Ato ou efeito de conceituar Conceituar = Formular conceito (de ou acerca de). Exemplo: “Freud conceituou o inconsciente” // Formar conceito acerca de; julgar, avaliar. Exemplo: “É pessoa indicada para melhor conceituar os candidatos”. // Fazer conceito; formar opinião de; classificar; avaliar; ajuizar. Exemplo: ‘Sabe conceituar dos homens e das coisas”. Função [Do latim functione] = Utilidade, uso, serventia. Ex.: “Esta caixa não tem função” // Liter. Cada uma das finalidades que se atribuem aos enunciados; etc. Qual é a finalidade (função) da literatura? Qual é a finalidade da literatura técnica? Como conceituar literatura-arte? Valor [Do latim valore] = Qualidade de quem tem força; audácia, coragem, valentia, vigor. Ex.: “Grande o valor dos bandeirantes que desbravaram nossas terras”. // Qualidade pela qual determinada pessoa ou coisa é estimável em maior ou menor grau; mérito ou merecimento intrínseco; valia. Ex.: “É profissional de alto valor”, “O empreendimento tem seu valor”. // Importância de determinada coisa estabelecida ou arbitrada de antemão. Ex.: “Qual o valor do valete no pôquer”. // Validade. Ex.: “Seu argumento não tem valor”; o valor da literatura ficcional. Ex.: Grande Sertão: Veredas, narrativa ficcional de João Guimarães Rosa, publicada em 1956, será valorizada também pelos leitores do século XXI; etc. Literatura [Do latim litteratura] = Arte de compor trabalhos artísticos em prosa ou verso // O conjunto de trabalhos literários de um país ou de uma época. 1.17 – LEITURA: “PARTIDA DO AUDAZ NAVEGANTE”, DE GUIMARÃES ROSA PARTIDA DO AUDAZ NAVEGANTE Guimarães Rosa Na manhã de um dia em que brumava e chuviscava, parecia não acontecer coisa nenhuma. Estava-se perto do fogo familiar, na cozinha, aberta, de alpendre, atrás da pequena casa. No campo, é bom; é assim. mamãe, ainda de roupão, mandava Maria Eva estrelar ovos com torresmos e descascar os mamões maduros. Mamãe, a mais bela, a melhor. Seus pés podiam calçar as chinelas de Pele. Seus cabelos davam o louro silencioso. Suas meninas-dos-olhos brincavam com bonecas. Ciganinha, Pele e Brejeirinha % elas brotavam nun galho. Só o Zito, este, era de fora; só primo. Meia- manhã chuvosa entre verdes: o fúfio fino borrifo, e a gente fica quase presos, alojados, na cozinha ou na casa, no centro de muitas lamas. Sempre se enxergam o barranco, o galinheiro, o cajueiro grande de variados entortamentos, um pedaço de um morro % e o longe. Nurka, negra, dormia. Mamãe cuida com orgulhos e olhares as três meninas e o menino. Da Brejeirinha, menor, muito mais. Porque Brejeirinha, às vezes, formava muitas artes. Nesta hora, não. Brejeirinha se instituíra, um azougue de quieta, sentada no caixote de batatas. Toda cruzadinha, traçada as pernocas, ocupava-se com a caixa de fósforos. A gente via Brejeirinha: primeiro, os cabelos, compridos, lisos, louro-cobre; e, no meio deles, coisicas diminutas: a carinha não-comprida, o perfilzinho agudo, um narizinho que-carícia. Aos tantos, não parava, andorinhava, espiava agora % o xixixi e o empapar-se da paisagem % as pestanas til-til. Porém, disse-se-dizia ela, pouco se vê, pelos entrefios: %”Tanto chove que me gela!” Aí, esticou-se para cima, dando com os pés em diversos objetos. %”Ui, ui-te” % rolara nos cachos de bananas, seu umbigo sempre aparecendo. Pele ajudava-a a se endireitar. %”E o cajueiro ainda faz flores...” % acrescentou, observava da árvore não se interromper mesmo assim, com essas aguaceirices, de durante dias, a chuvinha no bruaar e a pálida manhã do céu. Mamãe dosava açúcares e farinhas, para um bolo. Pele tentava ajudar, diligentil. Ciganinha lia um livro; para ler ela não precisava virar página. Ciganinha e Zito nem muito um do outro se aproximava, antes paravam meio brigados, de da véspera, de uma briguinha grande e feia. Pele é que era a morena, com notáveis olhos. Ciganinha, a menina linda no mundo: retrato miúdo da Mamãe. Zito 2 6 perpensava assuntos de não ousar dizer, coisas de ciumoso, ele abrira-se à espécie de ciúmes sem motivo de quê ou quem. Brejeirinha pulou, por pirueta. % “Eu sei porque é que o ovo se parece com um espeto!” %; ela vivia em álgebra. Mas não ia contar a ninguém. Brejeirinha é assim, não de siso débil; seus segredos são sem acabar. Tem porém infimículas inquietações: %”Eu hoje estou com a cabeça muito quente % isto, por não querer estudar. Então, ajunta: %”Eu vou saber geografia.” Ou: %”Eu queria saber o amor...” Pele foi quem deu risada. Ciganinha e Zito erguem olhos, só quase assustados. Quase, quase, se entrefitaram, num não encontrar-se. Mas, Ciganinha, que se crê com a razão, muxoxa. Zito, também, não quer durar mais brigado, viera ao ponto de não agüentar. Se, à socapa, mirava Ciganinha, ela de repente mais linda, se envoava. %”Sem saber o amor, a gente pode ler os romances grandes?” % Brejeirinha especulava. %”É, hem? Você não sabe ler nem o catecismo...” Pele lambava-lhe um tico de desdém; mas Pele não perdia de boazinha e beliscava em doce, sorria sempre na voz. Brejeirinha rebica, picuíca: %”Engraçada!... Pois eu li as 35 palavras no rótulo da caixa de fósforos...” Por isso, queria avançar afirmações, com superior modo e calor de expressão, deduzidos de babinhas. %”Zito, tubarão é desvairado, ou é explícito ou demagogo?” Porque gostava, poetisa, de importar desses sérios nomes, que lampejam longo clarão no escuro de nossa ignorância. Zito não respondia, desesperado de repente, controversioso-culposo, sonhava ir-se embora, teatral, debaixo de chuva que chuva, ele estalava numa raiva. Mas Brejeirinha tinha o Dom de apreender as tenuidades: delas apropriava-se e refletia- as em si % a coisa das coisas e a pessoa das pessoas. %”Zito, você podia ser o pirata inglório marujo, num navio muito intacto, para longe, lo-õ-onge no mar, navegante que onunca-mais, de todos?” Zito sorri, feito um ar forte. Ciganinha estremecera, e segurou com mais dedos o livro, hesitada. Mamãe dera a Pele a terrina, para ela bater os ovos. Mas Brejeirinha punha a mão em rosto, agora ela mesma empolgada, não detendo em si o jacto de contar: %”O Aldaz Navegante, que foi descobrir os outros lugares valetudinário. Ele foi num navio, também, falcatruas. Foi de sozinho. Os lugares eram longe, e o mar. O Aldaz Navegante estava com saudade, antes, da mãe dele, dos irmãos, do pai. Ele não chorava. Ele precisava respectivo de ir. Disse: %” Vocês vão se esquecer muito de mim?” O navio dele, chegou o dia de ir. O Aldaz Navegante ficou batendo o lenço branco, extrínseco, dentro do indo-se embora do navio. O navio foi saindo do perto para o longe, mas o Aldaz Navegante não dava as costas para a gente, para trás. A gente também inclusive batia os lenços brancos. Por fim, não tinha mais navio para se ver, só tinha o resto de mar. Então, um pensou e disse: %” Ele vai descobrir os lugares, que nós não vamos nunca descobrir...” Então e então, outro disse: %” Ele vai descobrir os lugares, depois ele nunca vai voltar...” Então, mais, outro pensou, pensou, esférico, e disse: %” Ele deve de ter, então, a alguma raiva de nós, dentro dele, sem saber...” Então, todos choraram, muitíssimos, e voltaram tristes para casa, para jantar...” Pele levantou a colher: %”Você é uma analfabetinha “aldaz”. %”Falsa a beatinha é tu!” % Brejeirinha se malcriou. %”Por que você inventa essa história de de tolice, boba, boba?” % e Ciganinha se feria em zanga. %”Porque depois pode ficar bonito, uê!” Nurka latira. Mamãe também estava brava? Porque Brejeirinha topara o pé em cafeteiras, e outras. Disse ainda, reflexiva: %”Antes falar bobagens, que calar besteiras...” Agora, fechou os olhos que verdes, solene arrependida de seu desalinho de conduta. Só ouvirá o rumorejo da chuvinha, que estarão fritando. A manhã é uma esponja. Decerto, porém, Pele rezara os dez responsos a Santo Antônio, tãoquanto batia os ovos. Porque estourou manso o milagre. O tempo temperou. Só era março % compondo suas chuvas ordinárias. Ciganinha e Zito se suspiravam. Soltavam- se as galinhas do galinheiro, e o peru. Saía-se, ao largo, Nurka. O céu tornava a azul? Mamãe ia visitar a doente, a mulher do colono Zé Pavio. %”Ah, e você vai conosco ou sem-nosco?” % Brejeirinha perguntava. Mamãe, por não rir nem se dar de alheada, desferia chufas meigas: %”Que nossa vergonha!...” % e a dela era uma voz de vogais doçuras. A manhã se faz de flores. Então, pediu-se licença de ir espiar o riachinho cheio. Mamãe deixava, elas não eram mais meninas de agarra-a-saia. De impulso, se alegraram. Só que alguém teria de junto ir, para não se esquecerem de não chegar perto das águas perigosas. O rio, ali, é assaz. Se o Zito não seria, próprio, essa pessoa de acompanhar, um meiozinho-homem, leal de responsabilidades? Cessou-se a cerração do ar. mas tinham de vestir outras roupas quentes. %”Oh, as grogolas!” Brejeirinha de alegria ante todas, feliz como se, se, se: menina só ave. %”Vão com Deus!” % Mamãe disse, profetisa, com aquela voz voável. Ela falava, e choviam era bátegas de bênçãos. A gentezinha separou-se. A ir lá, o caminho primeiro subia, subvexo, a ladeirinha do combro, colinola. Tão mesmo assim, os dois guarda- chuvas. Num % avante % Brejeirinha e Pele. Debaixo do outro, Zito e Ciganinha. Só os restos da chuva, chuvinha se segredando. Nurka corria, negramente, e enfim voltava, cachorra destapada ditosa. Se a gente se virava, via-se a casa, branquinha com a lista verde- azul, a mais pequenina e linda, de todas, todas. Zito dando o braço a Ciganinha, por vezes, muito, as mãos 2 7 se encontravam. Pele se crescia, elegante. E ágil ia a Brejeirinha, com seu casaquinho coleóptero. Ela andava pés-para-dentro, feito um periquitinho, impávido. No transcenso da colineta, Zito e Ciganinha colavam-se, muito às tortas, nos comovidos não- falares. Sim, já se estavam em pé de paz, fazendo sua experiência de felicidade; para eles, o passeio era um fato sentimental. Descia-se agora a outra ladeira, pegando cuidado, pelo enlameável e escorregoso, poças, mas também para não pisar no que Brejeirinha chamava de “o bovino” % altas rodelas de esterco cogumeleiro. Ali, com efeito, andavam bois: “o boi, beiçudo”; aí, Brejeirinha levou tombo. Ela disse que Mamãe tinha dito que eles precisavam de ter: coragem com juízo. Mas, isso, era mentirinhas. E, o que pois: %”Agora, já me sujei, então agora posso não ter cuidado...” Correu, com Nurka, pela encosta inferior, no verdinho pasto. Pele ainda ralhou: %”Você vai buscar um audaz navegante?” Mas, mais. Entanto, à úmida, à luz, o plano capim % e floriu-se: estendem- se, entremunhadas, as margaridinhas, todas se rodeiam de pálpebras. O que se queria, aqui, era a pequena angra, onde o riachinho faz foz. Abaixo, aos bons bambus, e às pedreiras de beira-rio, ouvindo o ronco, o bufo d’água. Porque, o rio, grossoso, se descomporta, e o riachinho porém também, seu estuário já feio cheio, refuso, represado, encapelado % pororoqueja. %”Bochechudo!” % grita-lhe Brejeirinha. Sumiu-se a última areiínha dele, sob baile de um atoalhado de espumas, no belo despropositar-se, o bulir de bolhas. Brejeirinha já olhou tudo de cor. Cravou varetas de bambu, marcando pontos, para medir a água em se crescer, mudando de lugar. Porém, o fervor daquilo impunha-lhe recordações, Brejeirinha não gostando de mar: %”O mar não tem desenho. O vento não deixa. O tamanho...” Lamentava-se de não ter trazido pão para os peixes. %”Peixe, assim, a esta hora?” % Pele duvidava. Divagava Brejeirinha: %”A cachoeirinha é uma parede de água...” Falou que aquela, ali, no rio, em frente, era a Ilhazinha dos Jacarés. %”Você já viu jacaré lá?” % caçoava Pele. %”Não. Mas você também nunca viu o jacaré-não- estar-lá. Você vê é a ilha, só. Então, o jacaré pode estar ou não estar...” Mas, Brejerinha, Nurka ao lado, já vira tudo, em pé em volta, seu par de olhos passarinhos. Demorava-se, aliás, o subir e alargar-se da água, com os mil-e-um movimentos supérfluos. A gente se sentava, perto, não no chão nem em tronco caído, por causa do chovido do molhado. Ciganinha e Zito, numa pedra, que dava só para dois, podiam horas infinitas; apenas, conversando ainda feito gente trivial. Pele saíra a colher um feixe de flores. Mais não chuviscava. Brejeirinha já pulando de novo. Disse: que o dia estava muito recitado. Voltava-se para a contramargem, das mais verdes, e jogava pedras, o longe possível, para Nurka correndo ir buscar. Depois, se acocora, de entreter-se, parece que já está até calçada com um sapatinho só. Mas, sem se desgachar, logo gira nos pezinhos, quer Ciganinha e Zito para ouvirem. Olha- os. %”O Aldaz Navegante não gostava de mar! Ele tinha assim mesmo de partir? Ele amava uma moça, magra. Mas o mar veio, em vento, e levou o navio dele, com ele dentro, escrutínio. O Aldaz Navegante não podia nada, só o mar, danado de ao redor, preliminar. O Aldaz Navegante se lembrava muito da moça. O amor é original...” Ciganinha e Zito sorriram. Riram juntos. %”Nossa! O assunto ainda não parou?” % era Pele voltada, numa porção de flores se escudando. Brejeirinha careteou um “ah!” e quis que continuou: %”...Envém a tripulação...Então, não. Depois, choveu, choveu. O mar se encheu, o esquema, amestrador... O Aldaz Navegante não tinha caminho para correr e fugir, perante, e o navio espedaçado. O navio parambolava... Ele , com o medo, intacto, quase nem tinha tempo de tornar a pensar demais na moça que amava, circunspectos. Ele só a prevaricar... O amor é singular...” % “E daí?” %”A moça estava paralela, lá, longe, sozinha, ficada, inclusive, eles dois estavam nas duas pontinhas da saudade... O amor, isto é... O Aldaz Navegante, o perigo era total, titular ... não tinha salvação... O Aldaz... O Aldaz...” % “Sim. E agora? E daí?” % Pele intimava-a. % “Aí? Então... então... Vou fazer explicação! Pronto. Então, ele acendeu a luz do mar. E pronto. Ele estava combinado com o homemdo farol... Pronto. E...” % “Nã-ão. Não vale! Não pode inventar personagem novo, no fim da estória, fu! E % olha o seu “aldaz Navegante”, ali. É aquele...” Olhou-se. Era: aquele % a coisa vacum, atamanhada, embatumada, semi-ressequida, obra pastoril no chão de limugem, e às pontas dos capins % chato, deixado. Sobre sua eminência, crescera um cogumelo de haste fina e flexuosa, muito longa: o chapeuzinho branco, lá em cima, petulante se bamboleava. O embate e orla da água, enchente, já o atingiam, quase. Brejeirinha fez careta. Mas, nisso, o ramilhete de Pele se desmanchou, caindo no chão umas flores. % “Ah! Pois é, é mesmo!” % e Brejeirinha saltava e agia, rápida no valer-se das ocasiões. Apanhara aquelas florinhas amarelas % josés-moleques, douradinhas e margaridinhas % e veio espetá-las no concrôo do objeto. 2 8 % “Hoje não tem nenhuma flor azul?” % ainda indagou. A risada foi de todos, Ciganinha e Zito bateram palmas. %”Pr onto. É o Aldaz Navegante...” % e Brejeirinha crivava-o de mais coisas % folhas de bambu, raminhos, gravetos. Já aquela matéria, o “bovino”, se transformava. Deu-se, aí, porém, longe rumor: um trovão arrasta seus trastes. Brejeirinha teme demais os trovões. Vem para perto de Zito e Ciganinha. E de Pele. Pele, a meiga. Que: %”Então? A estória não vai mais? Mixou?” %”Então, pr onto. Vou tornar a começar. O Aldaz Navegante, ele amava a moça, recomeçado. Pronto. Ele, de repente, se envergonhou de ter medo, deu um valor, desasssustado. Deu um pulo onipotente... Agarrou, de longe, a moça, em seus abraços... Então, pronto. O mar foi que se aparvalhou-se. Arr es! O Aldaz navegante, pronto. Agora, acabou-se, mesmo: eu escrevi %”Fim”!” De fato, a água já se acerca do “Aldaz Navegante”, seu primeiro chofre golpeava-o. %”Ele vai para o mar?” % perguntava, ansiosa, Brejeirinha. Ficara muito de pé. Um ventinho faz nela bilo-bilo % acarinha- lhe o rosto, os lábios, sim, e os ouvidos, os cabelos. A chuva, longe, adiada. Segredando-se, Ciganinha e Zito se consideram, nas pontinhas da realidade. %”Hoje está tão bonito, não é? Tudo, todos, tão bem, a gente alegre... Eu gosto deste tempo...” E: %”Eu também, Zito. Você vai voltar sempre aqui, muitas vezes?” E: %”Se Deus quiser, eu venho...” E: %”Zito, você era capaz de fazer como o Audaz Navegante? Ir descobrir os outros lugares? E: %”Ele foi, porque os outros lugares ainda são mais bonitos, quem sabe?...” Eles se disseram, assim eles dois, coisas grandes em palavras pequenas, ti a mim, me a ti, e tanto. Contudo, e felizes, alguma outra coisa se agitava neles, confusa % assim rosa-amor-espinhos- saudade. Mas, o “Aldaz Navegante”, agora a água se apressa, no vir e ir, seu espumitar chega-lhe já re-em-redor, começando a ensopação. Ei-lo circunavegável, conquanto em firme terrestreidade: o chão ainda o amarrava de romper e partir. Brejeirinha aumenta-lhe os adornos. Até Ciganinha e Zito pegam a ajudar. E Pele. Ele é outro, colorido, estrambótico, folhas, flores. %”Ele vai descobrir os outros lugares...” “%Não, Brejeirinha. Não brinca com coisas sérias!” “%Uê? O quê?” Então, Ciganinha, cismosa, propõe: %”Vamos mandar, por ele, um recado?” Enviar, por ora, uma coisa, para o mar. Isso, todos querem. Zito põe uma moeda. Ciganinha, um grampo. Pele, um chicle. Brejeirinha % um cuspinho; é o “seu estilo”. E a estória? Haverá, ainda, tempo para recontar a verdadeira estória? Pois: “%Agora, eu sei. o Aldaz Navegante não foi sozinho; pronto! Mas ele embarcou com a moça que ele amavam- se, entraram no navio, estricto. E pronto. O mar foi indo com eles, estético. Eles iam sem sozinhos, no navio, que ficando cada vez mais bonito, mais bonito, o navio... pronto: e virou vagalumes...” Pronto. O trovão, terrível, este em céus e terra, invencível. Carregou. Brejeirinha e o trovão se engasgam. Ela iria cair num abismo “intacto” % o vão do trovão? Nurka latiu, em seu socorro. Ciganinha, e Pele e Zito, também, vêm para a amparar. Antes, porém, outra fada, inesperada, surgia, ali, de contraflor. “%Mamãe!” Deitou-se-lhe ao pescoço. Mamãe aparava-lhe a cabecinha, como um esquilo pega uma noz. Brejeirinha ri sem til. E, Pele: “%Olha! Agora! Lá se vai o “Aldaz Navegante”!” “%EI!” “%Ah!” O Aldaz! Ele partia. Oscilado, só se dançandoando, espumas e águas o levavam, ao Aldaz Navegante, para sempre, viabundo, abaixo, abaixo. Suas folhagens, suas flores e o airoso cogumelo, comprido, que uma gota orvalha, uma gotinha, que perluz % no pináculo de uma trampa seca de vaca. Brejeirinha se comove também. No descomover-se, porém, é que diz: “%Mamãe, agora eu sei, mais: que o ovo só se parece, mesmo, é com um espeto!” De novo, a chuva dá. De modo que se abriram, asados, os guarda-chuvas. (Conferir: ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. 5.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969:115- 123) VOCABULÁRIO : azougue = pessoa muito viva e esperta; socapa = disfarce, fantasia tenuidades = delicadezas, sutilezas extrínseco = exterior; não pertencente à essência de uma coisa assaz = bastante, suficientemente bátegas = aguaceiro forte e grosso subvexo = sub + vexo = molestado, maltratado, humilhado, afligido combro = corruptela: calombo coleóptero = insetos, larvas, pragas dos vegetais 2 9 transcenso = superior, excedido refuso = refundido, transformado escrutínio = exame atento, minucioso, apuramento vacum = gado vacum embatumada = acumulada, enchida demais eminência = elevação, altura concrôo = talvez, corruptela de “concretude” (ou “no alto” do objeto = lugar de coroação) estricto = estrito = rigoroso, exato viabundo = via (caminho) + vagabundo (Recomendamos leituras dos livros de Guimarães Rosa aos alunos de Teoria da Literatura II) 1.18 - PARA O ENTENDIMENTO DO VALOR DA LITERATURA FICCIONAL DE GUIMARÃES ROSA CONSCIÊNCIA DA LINGUAGEM: NOVO DINAMISMO PSÍQUICO* Neuza Machado* Uma imagem literária imitada perde a sua virtude de animação. A literatura deve surpreender. Certamente, as imagens literárias podem explorar imagens fundamentais – e nosso trabalho geral consiste em classificar essas imagens fundamentais –, mas cada uma das imagens que surgem sob a pena de um escritor deve ter a sua diferencial de novidade. Uma imagem literária diz o que nunca será imaginado duas vezes. Pode-se ter algum mérito em recopiar um quadro. Não se terá nenhum em repetir uma imagem literária.1 Em meados do século XX, o escritor mineiro Guimarães Rosa surpreendeu os meios intelectuais brasileiros, valendo-se de uma linguagem fora dos padrões habituais para desenvolver a sua arte literária. Naquele momento, Guimarães Rosa conseguiu a sua diferencial de novidade, recriando a antiga técnica de contar estórias exemplares, à moda do sertão de Minas, mas, retiradas criativamente de seu imaginário particular, singularíssimo. Graças a essa diferente forma de narrar, extraiu das recordações íntimas o aspecto altivo do homem sertanejo, sustentado pelo primitivismo de uma existência alheada dos valores modernos. O escritor, de origem sertaneja, rejeitando os valores da modernidade, as regras lingüísticas formais, as imagens mascaradas (limitadas), e buscando o linguajar primordial (provocador), a imaginação material (reprodutora) aliada à imaginação criadora (dinâmica), tornou-se um ativo modelador de um universo diferente2. Não quis apenas contemplar o sertão da infância, recriou-o, domou a matéria terra, e venceu a natureza. Guimarães Rosa, em suas primeiras narrativas, uniu terra e água em uma massa perfeita. Às vezes, sobressaindo-se mais a terra, outras, a água. Mas, se tivesse registrado apenas o seu ato de modelar o sertão da infância, por intermédio da imaginação reprodutora, não teria legado aos pósteros a sua indiscutível arte ficcional. Ele explorou as imagens reprodutoras, desenvolvendo, inicialmente, o ato de bem ver a realidade sertaneja, mas soube atingir o domínio de uma imaginação fundamentalmente criadora, quando rejeitou a cultura realista e passou a bem sonhar o seu passado inesquecível, permanecendo fiel ao onirismo dos arquétipos que[estavam] enraizados [em seu] inconsciente.3 Nas recordações da infância, momentos de pura inspiração o impelem à modelação de trechos narrativos de alta criatividade. Por exemplo, reconstituindo as façanhas infantis de um grupo de crianças, em “A partida do audaz navegante”4 , propicia-nos um retorno ao regaço materno, seja qual for a significação que queiramos dar a esta expressão: retorno ao útero materno, retorno aos braços carinhosos da mãe, retorno às origens, ou, mesmo, retomada dos valores puros da terra/sertão. Bachelard nos alerta: Afastar a criança da cozinha é condená-la a um exílio que a aparta dos sonhos que nunca conhecerá. Os valores oníricos dos alimentos ativam-se ao se acompanhar a preparação. Quando estudarmos os sonhos da casa natal, veremos a persistência dos sonhos da cozinha. Esses sonhos mergulham num feliz arcaísmo. Feliz o homem que, em criança, “rodou em volta” da dona da casa.5 (Footnotes) * Ler, para o entendimento do assunto, a coletânea de contos de Guimarães Rosa, Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975. * Neuza Machado é Doutora e Mestre em Ciência da Literatura / Teoria Literária pela Faculdade de Letras da UFRJ. 3 0 Nesta narrativa, que assinala um dos mais inspirados momentos criativos de Guimarães Rosa, há um retorno ao regaço materno, revelando o homem que, em criança, conheceu as delícias feitas em fogão de lenha. O sertão roseano é o invólucro do sonho da casa natal, repleno de lembranças e recordações. Assim, por exemplo, uma certa manhã de chuva (água) mistura-se à terra, formando a massa de lembranças imperecíveis. Desse composto de água e terra, evola-se ? ficcionalmente ? o cheiro dos alimentos de outrora somado às recordações do passado infantil, no qual o menino de então observava sua mamãe mandando Maria Eva estrelar ovos com torresmos e descascar os mamões maduros (op. cit., p. 115). Os sonhos da cozinha estão presentes e vivos nas lembranças (matéria ficcional) e recordações (matéria lírica) do narrador de antigas experiências infantis. Mas, o sonhador das vivências inesquecíveis, agora, já se aliou definitivamente à imaginação criadora e consegue transmitir ficcionalmente os inumeráveis planos de sua consciência singular. Nos sonhos da casa natal, terra, chuva, cozinha e lama se misturam, para realçar a figura materna. Num meio repleto de primitividade, mamãe é a mais bela, a melhor, e cuida com orgulhos e olhares as três meninas e o menino (Op. cit., p. 115). O Artista ? aquele que saiu do sertão dos valores primitivos e adquiriu inúmeros talentos na moderna sociedade brasileira ? remodela a figura materna por intermédio de um olhar infantil. Não estaríamos violando regras teórico-críticas, apoiados que estamos na idéia de compreensão do texto literário ? fenomenologia ?, se afirmássemos que é ele ? o Artista Ficcional Guimarães Rosa ? o menino que admira a mãe, e que esta admiração só se revelará valiosa mediante a percepção infantil aliada à criatividade do adulto. Graças à percepção infantil, aquecida pelo fogo familiar permanentemente aceso nas lembranças do passado, iluminando as recordações do adulto, a voz de mamãe se transforma em uma voz de vogais doçuras e a manhã se faz de flores (Op. cit., p. 118). No início, o elemento fogo se sobressai, para o cozimento da massa formada pela terra e pela água. Na cozinha das recordações, os alimentos se tornam saborosos, e a doce voz materna também se transforma em alimento, nutrindo a criança, oferecendo-lhe condições de desenvolver o corpo e os sonhos. A cozinha é o gineceu do sertão roseano, e a sua criação ficcional só foi possível graças a essa íntima e doce convivência com a terra e a água. Em seus devaneios de dilatação da massa que irá ao forno da criação literária, o criador de um mundo ficcional (sustentado pelas lembranças de uma infância feliz), onde os valores poéticos se sobressaem, registra a imagem da mãe dosando açúcares e farinhas, para a feitura de um bolo, enquanto as crianças entrefiam a estória do audaz navegante, descobridor de lugares além do cotidiano. Esta narrativa, oriunda dos sonhos dilatados do amanhecer ? dos devaneios da vontade de um sonhador-modelador, que sabe trabalhar sua criatividade ficcional ?, é uma massa de palavras bem dosadas. O estilo inconfundível de Guimarães Rosa se faz presente nesta aparentemente simples narrativa, mas, em suas camadas ocultas, há uma profunda natureza complexa. As verdadeiras fontes do estilo são fontes oníricas. Um estilo pessoal é o próprio sonho do ser.6 Sob a proteção do olhar infantil, o narrador acompanha os movimentos de mamãe, transforma Pele ? a irmã ? em uma criança diligentil, além de dar forma a uma imagem ímpar: Ciganinha ? a outra irmã ? lendo um livro sem virar a página (p. 16). Percebe-se, neste discurso inovador, os valores imaginários da criança em seu mais alto grau. A massa perfeita encontrou seu elemento individualizador, pode transformar o audaz navegante e seu navio ? núcleo de uma sub-estória dentro da narrativa ? numa coisa vacum, atamanhada, embatumada, semi- ressequida, obra pastoril no chão de limugem, e às pontas dos capins-chato deixado (Op. cit., p. 120-121). Um cogumelo branco se transforma no audaz navegante, bamboleando em cima da tal coisa ? o navio ?, que está prestes a ser tragada pela enchente produzida pela chuva anterior. O escritor, agora vivenciando o cogito(3) da consciência singular7, possui total conhecimento da linguagem infantil. Graças à nova convivência com um plano de difícil acesso, próximo das inconseqüências quânticas8, a narrativa de um dia de chuva atrelado ao universo infantil transmite um novo dinamismo psíquico9. A imaginação material ? matéria terrestre: o sertão das pedras, madeiras, metais e gomas ? associa-se à imaginação das matérias inconsistentes e móveis ? a água, o fogo, o ar ?, reprodutora da percepção e da memória. Desta associação, surge a imaginação criadora do Ficcionista, retirada de sua solidão de homem há muito apartado dos valores primários. O Criador Literário refaz a imaginação infantil, uma imaginação intermediária entre as pulsões inconscientes e as primeiras imagens que afloram na consciência. Surge, assim, um discurso diferente, insólito, renovando os arquétipos inconscientes da criança, aquela que repensa o itinerário de aventuras do Audaz Navegante. Inspirado pela linguagem inerente à criança, ele remodela a linguagem ficcional, enriquecendo-a com as recordações da infância. A narrativa surpreende e encanta, porque o leitor refaz também os primórdios de seu próprio passado. Todas as mamães se transformam em fadas, surgindo inesperadamente ? de contra-flor ?, para socorrerem seus filhinhos 3 1 (ROSA, op. cit., p. 122). O sonhador de um imaculado sertão (perfeição = matéria épica digladiando com a forma ficcional do século XX ), distante temporalmente de sua realidade imediata, reinventa seu passado inesquecível, as possibilidades perdidas, os sonhos revividos nos momentos de solidão. No sonho, as palavras reencontram amiúde o seu sentido antropomórfico profundo. Aliás, pode-se observar que a modelagem inconsciente não é coisista; é animalista. A criança entregue a si mesma modela a galinha ou o coelho. Cria vida.10 As palavras remodelam o homem e a vida, refazem as imagens do inconsciente, dão substância aos pensamentos e, aqui, dão substância aos pensamentos de um criador ficcional que se apossa criativamente do universo infantil. A modelagem inconsciente, retirada dos sonhos da infância, faz o leitor-eleito retornar às alegrias primeiras da descoberta da vida. Nessa região psíquica, entre as pulsões inconscientes e as primeiras imagens da consciência infantil, o narrador-mirim de um sertão imaculado, avatar do narrador moderno (submetido diariamente a experiências comunitárias conflitantes), recria seu antigo mundo familiar, transformando uma manhã de chuva normal em uma narrativa onírica e poética, propulsora de profundas meditações para esse mesmo leitor. (Texto registrado de Neuza Machado. Este
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