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1 Cirurgia Gástrica: Úlcera Péptica Trata-se de uma doença benigna, diferente do câncer gástrico (maligno), que também pode se manifestar de forma ulcerada. Pode acometer tanto o estômago quanto a parte inicial do duodeno (bulbo duodenal), uma região de transição de pH ácido (estômago) para básico (devido a secreção biliar e pancreática). A úlcera é uma erosão gástrica/duodenal (ou solução da continuidade da mucosa), que atinge pelo menos a profundidade da camada muscular da mucosa; as gastrites, por exemplo, são mais superficiais. Uma característica diferencial da úlcera péptica é seu formato ovalado. Epidemiologia Ainda é uma das doenças mais prevalentes do TGI; geram muitos gastos com exames complementares e complicações. Fisiopatologia da UP O estômago é um órgão adaptado ao ambiente ácido (pH: 1 a 2) devido a presença de muco, que reveste a mucosa. Além disso, o bicarbonato presente no estômago também é capaz de neutralizar os íons H+. Outro componente importante são as prostaglandinas, geradas a partir da degradação do ácido araquidônico pela ciclooxigenase (COX): esse componente promove vasodilatação gástrica tanto na camada mucosa quanto submucosa e também estimulam as células parietais a produzirem bicarbonato e muco. Por melhorar a vascularização local, as prostaglandinas também têm um importante papel na regeneração das células da mucosa gástrica. Os antiinflamatórios impedem a produção das prostaglandinas, sendo um importante fator de risco para o desenvolvimento da UP. Tendo isso tudo em mente, sabe-se que o desenvolvimento (ou não) da UP depende do equilíbrio dos fatores protetores e os fatores de risco. Fatores lesivos ● Acidez Gástrica (quanto maior, pior): a Síndrome de Zollinger-Ellison é decorrente de um gastrinoma, um tumor produtor de gastrina. Lembre-se que esse hormônio estimula a produção de ácido clorídrico, formando úlceras. Outra importante causa é o estresse, que através do nervo vago leva ao estímulo das células parietais a produzirem ácido. ● Infecção por Helicobacter pylori: essa bactéria está presente na maioria dos casos de UP (80 a 95% das úlceras gástricas e 75% das úlceras duodenais). ● AINES: inibem a produção de prostaglandinas ao bloquear a COX. ● Álcool: mecanismo de lesão direta. ● Isquemia/idade avançada: a regeneração celular da mucosa gástrica depende de uma boa perfusão, que em indivíduos de idade avançada fica prejudicada. ● Atraso do esvaziamento gástrico: pacientes diabéticos apresentam gastroparesia; algumas medicações também atrasam o esvaziamento gástrico, como Semaglutida (Ozempic), usado para o emagrecimento. 2 Fatores protetores ● Secreção do muco: barreira protetora. ● Produção do bicarbonato: neutraliza os ácidos. ● Fluxo sanguíneo adequado, regeneração celular e produção de prostaglandinas Mecanismo da lesão por H. pylori Essa bactéria coloniza a mucosa gástrica e produz toxinas, como a urease, que lesa a mucosa gástrica pela conversão da ureia em bicarbonato e amônia. Através dessa agressão, ocorre uma resposta imune que gera inflamação local; além disso, ocorre a diminuição da somatostatina, o que leva ao aumento da quantidade de gastrina e, consequentemente, ao aumento da secreção ácida e à destruição progressiva da mucosa. Nota: a H. pylori é uma importante causa de gastrite, úlcera e linfoma MALT. Assim como essa bactéria, os AINES também são os principais causadores de UP. Quadro clínico Dor abdominal. 10% dos pacientes não possuem dor ou outros sintomas, o que leva a um prognóstico ruim, pois muitas vezes são diagnosticados apenas em fases tardias, quando há hemorragias/perfuração. ● Localização: epigástrica ● Tipo: queimação ou “dor de fome” ● Ritmicidade: dói-come-passa (o alimento neutraliza a acidez) ● Periodicidade: pode ser um quadro recente ou arrastado ● Intensidade: variável ● Irradiação: retroesternal ou dorso ○ Atinge o dorso quando a perfuração ocorre no arco duodenal e acomete o pâncreas, simulando pancreatite ● Fatores atenuantes: dieta (dói-come-passa); leite e antiácidos como eno possuem efeito rebote ● Fatores agravantes ● “Clocking”: o indivíduo pode acordar com dor Diagnóstico Endoscopia digestiva alta. Permite o diagnóstico visual da úlcera, mas devemos fazer biópsia para confirmação, pois em alguns casos a úlcera gástrica pode assemelhar a úlcera neoplásica. A biópsia é realizada na borda da úlcera e também deve ser verificada a presença de H. pylori. Nota: as úlceras duodenais, em contrapartida, são em sua maioria benignas (99%). ● A úlcera péptica costuma ter forma ovalada, bordas regulares e fundo fibrinoso; as pregas gástricas confluem em direção da úlcera. ● Nas neoplasias, o fundo costuma ser necrótico ou irregular; as pregas gástricas terminam antes da margem da lesão. 3 Pesquisa de H. pylori (teste rápido da urease) É feita a biópsia da mucosa gástrica e esse fragmento é colocado em um meio rico em uréia. Se a uréia for convertida de bicarbonato e amônia (ação da urease), o meio mudará de cor. Classificação endoscópica [não cai na prova] A célula parietal e a produção do ácido clorídrico O tratamento clínico deve ser focado em diminuir a produção do ácido clorídrico para que a cicatrização da mucosa ocorra. A célula parietal possui receptores de gastrina, histamina (H2) e acetilcolina (M3) – a acetilcolina é estimulada a partir da alimentação ou visualização dos alimentos. Os anti-histamínicos bloqueiam os receptores H2. Já os IBP bloqueiam diretamente a bomba de prótons, impedindo a produção do ácido clorídrico. Se há presença de bactéria, devemos erradicá-la. Se o paciente usa AINES, deve cessar ou buscar por alternativas. Tratamento clínico Medicamentoso ● IBP: omeprazol ● Erradicação da H. pylori: esquema tríplice ○ Amoxicilina, claritromicina e inibidor de bomba Comportamental e dietético Evitar estresse, tabagismo, álcool, refrigerantes e alimentos gordurosos/processados. 4 Indicações cirúrgicas – UP complicada ● Hemorragia sem controle endoscópico Quando a úlcera atinge vasos, o paciente pode apresentar anemia (podendo ou não ser acompanhada de palidez), hematêmese, melena (fezes escuras com sangue digerido) ou enterorragia (sangue nas fezes, porém vivo). Essa complicação acontece entre 10 a 15% dos pacientes com UP. No pior cenário, o paciente pode ter choque hemorrágico (um tipo de choque hipovolêmico) com consequente hipotensão. Classificação de Forrest Em jato (Ia), sangramento ativo lento (Ib), vaso visível (IIa), coágulo (IIb), hematina (IIIc) e base limpa III. A endoscopia permite a tentativa de contenção da hemorragia: ● Nos sangramentos ativos (Forrest I), podemos fazer a esclerose ou clipagem do vaso rompido. ○ A injeção de adrenalina (1:10.000) no local do sangramento promove vasoconstrição intensa e esclerose ● No Forrest IIa e IIb, também pode ser feita a clipagem e retirada do coágulo (IIb). Após o diagnóstico clínico, podemos solicitar exames laboratoriais como hemograma e coagulograma. O paciente deve ser estabilizado hemodinamicamente e receber transfusão sanguínea, se necessário. Também pode ser feita uma sonda nasogástrica para lavagem gástrica e retirada do sangue/coágulo para facilitar e endoscopia (para fazer esclerose ou clipagem). Nesse momento, o uso de IBP deve ser iniciado em bolus, seguido do esquema tríplice para erradicação da bactéria. 5 Se o sangramento não cessar com a endoscopia, podemos tentar angiografia com embolização; caso também não parar ou não for disponível, serão feitos tratamentos cirúrgicos – ligadura do vaso. Úlcera na parede posterior do duodeno Se a úlcera atingir essa região, a artéria gastroduodenal pode ser atingida; trata-se de uma artéria de grande calibre (ramo da artéria hepática comum, podendo levar a uma hemorragia mais intensa. Nesse caso, muitas vezes o cirurgião não consegue esclerosar ou clipar esse vaso, necessitando de cirurgia. É feita a duodenotomia horizontal e ligadura da artéria gastroduodenal. ● Úlcera perfurada O quadro clínico desse pacienteé de dor abdominal intensa e súbita, apresentando o abdome em tábua pela irritação do peritônio com o conteúdo gástrico. Trata-se de um abdome agudo perfurativo, no qual após algumas horas o paciente pode desenvolver peritonite pela ação bacteriana. A percussão no hipocôndrio direito, que normalmente é maciça, torna-se timpânica pela presença de pneumoperitônio (Sinal de Jobert); mortalidade de 15%. Para confirmar o quadro, pode ser feito um “RX rotina de abdome agudo”, sendo possível observar na RX de tórax PA em ortostase a presença de ar (hipertransparente) entre a cúpula diafragmática direita e fígado. O tratamento é uma cirurgia de urgência denominada ulcerorrafia com patch de omento, diminuindo a chance de ocorrer deiscências. Após o tratamento de urgência, realizar a erradicação do H. pylori com o esquema tríplice. ● Obstrução pilórica Pode ser consequência de um tratamento incompleto, onde a úlcera começa a cicatrizar, depois recidiva e assim por diante. Conforme isso acontece, ocorre estenose do canal pilórico. Ocorre em 2% dos pacientes. Pode apresentar sinal de vela no exame de imagem. O quadro clínico inclui muitos vômitos, retardo do esvaziamento gástrico, perda de apetite, desidratação e alcalose metabólica. Através da endoscopia é possível fazer a dilatação da área estenosada com um balão. Além disso, devemos fazer a erradicação da bactéria. Cirurgia ● Úlcera de duodeno ● Úlcera pré-pilórica 6 O procedimento cirúrgico pode ser uma gastrectomia com vagotomia associada – tratamento curativo. A realização de uma gastrectomia parcial (ou antrectomia) também pode ser uma indicação porque um estímulo muito importante para a produção de ácido clorídrico é através da gastrina, produzida pelas células G, que se localizam predominantemente no antro. A vagotomia diminui o estímulo da acetilcolina, produzindo ainda menos ácido estomacal. Para reconstituir o órgão após a cirurgia é necessária a anastomose com o próprio duodeno (Billroth I) ou com o jejuno (Billroth II). Recomendação de tratamento cirúrgico ● Intratabilidade ● Hemorragia – sutura do vaso sangrante e tratamento para H. pylori ● Perfuração – rafia com patch de omento e tratamento para H. pylori ● Obstrução – afastar malignidade e gastrojejunostomia com tratamento para H. pylori