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Livro Uniasselvi - Teoria da Literatura I - Unidade 3 - Tópico 1

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147
UNIDADE 3
OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E 
NARRATIVO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir desta unidade você será capaz de:
• Identificar A Especificidade Dos Gêneros Épico E Narrativo;
• Compreender A Relação Entre O Gênero Épico E O Gênero Narrativo;
• Reconhecer As Relações Entre A Literatura E Outras Áreas Do 
Conhecimento;
• Compreender As Relações Da Literatura Com A História E A Sociedade.
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles, você 
terá atividades que vão ajudá-lo a refletir sobre os assuntos abordados.
TÓPICO 1 – O GÊNERO ÉPICO
TÓPICO 2 – O GÊNERO NARRATIVO
TÓPICO 3 – LITERATURA E SUAS RELAÇÕES COM A HISTÓRIA E A 
 SOCIEDADE
148
149
TÓPICO 1
O GÊNERO ÉPICO 
UNIDADE 3
1 INTRODUÇÃO
Você viu na primeira unidade do livro de Teoria da Literatura I que, 
desde a Antiguidade, a literatura se divide em gêneros literários, quais sejam: o 
gênero lírico, o gênero dramático e o gênero épico ou narrativo. Nesta unidade, 
estudaremos mais detidamente os gêneros épico e narrativo.
Todos vivemos envoltos em narrativas, sejam elas reais ou ficcionais. 
Como afirma Antonio Candido (2004, p. 174), não há povo e não há homem que 
possa viver sem fabulação e, assim, a criação ficcional “está presente em cada um 
de nós”. 
Nesta unidade, você conhecerá mais sobre a narrativa, a começar pelo 
mais antigo gênero narrativo. O gênero épico, caracterizado pela presença de 
narrador e de personagens, narrava, misturando eventos históricos e mitológicos, 
os mitos de fundação das nações na Antiguidade. A seguir, você conhecerá os 
modernos gêneros narrativos, que herdaram características do gênero épico, 
especialmente a disposição para a totalidade, pluralidade ou variedade, o que 
explica a consolidação e valorização da prosa narrativa na modernidade. 
Neste tópico, você estudará as relações da literatura, em especial da 
narrativa, com outras áreas do conhecimento, e o gênero épico, suas características 
e a trajetória das epopeias. Ao final deste tópico, você estará ambientado com as 
relações da literatura com outras áreas do conhecimento e com o gênero épico.
Seja bem-vindo!
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
150
2 O GÊNERO NARRATIVO E AS RELAÇÕES DA LITERATURA 
COM OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO
A literatura constitui uma atividade plural que, para se manifestar 
em sua especificidade, assimila uma diversidade de áreas do conhecimento, 
especialmente, mas não exclusivamente, os gêneros narrativos. Roland Barthes 
(2010, p. 18) acentua esse aspecto da literatura, sustentando nele uma defesa da 
literatura diante das outras disciplinas:
A literatura assume muitos saberes. Num romance como Robinson 
Crusoé, há um saber histórico, geográfico, social (colonial), técnico, 
botânico, antropológico (Robinson passa da natureza à cultura). 
Se, por não sei que excesso do socialismo ou de barbárie, todas as 
nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto numa, é 
a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão 
presentes no monumento literário.
Barthes evidencia a relação da literatura com outras áreas do conhecimento, 
e imediatamente escreve:
É nesse sentido que se pode dizer que a literatura, quaisquer que 
sejam as escolas em nome das quais ela se declara, é absolutamente, 
categoricamente realista: ela é a realidade, isto é, o próprio fulgor do 
real. Entretanto, e nisso verdadeiramente enciclopédica, a literatura 
faz girar os saberes, não fixa, não fetichiza nenhum deles; ela lhes dá 
um lugar indireto, e esse indireto é precioso (BARTHES, 2010, p. 18).
“Verdadeiramente enciclopédica, a literatura faz girar os saberes”, afirma 
Barthes (2010, p. 18), confirmando o fato de que “todas as ciências estão presentes 
no monumento literário”, e dinamicamente. E mais: “ela é a realidade”, advoga 
Barthes, sem reduzir a literatura ao realismo de um Zola, por exemplo, que, como 
Barthes, entretanto, acreditava que “as obras-primas do romance contemporâneo 
dizem muito mais sobre o homem e sobre a natureza do que graves obras de 
Filosofia, de História e de Crítica” (COMPAGNON, 2012, p. 7-8). Afinal, a literatura 
abrange, de fato, muitos conhecimentos, especialmente sobre a vida, o homem e o 
mundo. Como confirma Antoine Compagnon (2012, p. 8), “exercício de reflexão 
e experiência de escrita, a literatura responde a um projeto de conhecimento do 
homem e do mundo. Um ensaio de Montaigne, uma tragédia de Racine, um 
poema de Baudelaire, o romance de Proust nos ensinam mais sobre a vida do que 
longos tratados científicos”.
A abrangência da literatura em suas relações com outras áreas do 
conhecimento se revela mais profunda no gênero narrativo, cujas possibilidades 
de representação seriam aprimoradas pelo romance. Afinal, o romance representa 
a “vida cotidiana no seu condicionamento às circunstâncias históricas”, conforme 
Erich Auerbach (2009, p. 499) se refere a Stendhal e Balzac, o que culminaria, ainda 
segundo Auerbach (2009, p. 500) no “realismo moderno, que se desenvolveu desde 
então em formas cada vez mais ricas, correspondendo à realidade em constante 
mutação e ampliação da nossa vida”. 
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
151
NOTA
Honoré de Balzac (1799-1850) foi um escritor francês, considerado o fundador 
do Realismo. Escreveu “A mulher de trinta anos”, “Ilusões perdidas”, entre outras obras. 
Émile Zola (1840- 1902) foi um escritor francês, considerado criador e representante mais 
expressivo do Naturalismo. Escreveu “Germinal”, entre outras. Stendhal (1783-1842) foi um 
escritor francês. Escreveu “O vermelho e o negro”, entre outras.
A esse respeito, Vitor Manuel de Aguiar e Silva (1976, p. 111-112) 
compreende que “a literatura se afirma como meio privilegiado de exploração e 
de conhecimento, não apenas da realidade exterior, mas da realidade interior, do 
eu profundo que as convenções sociais mascaram”.
Conforme Silva (1976, p. 260), desde que o romance se afirma, a partir 
do Romantismo, como uma forma valorizada, “apta a exprimir os multiformes 
aspectos do homem e do mundo”, transforma-se “em penetrante e, por vezes, 
despudorada análise das paixões e dos sentimentos humanos”. “O romance 
assimilara sincreticamente diversos gêneros literários, desde o ensaio e as 
memórias até à crônica de viagens; incorporara múltiplos registros literários, 
revelando-se apto para a representação da vida cotidiana”, explica Silva (1976, 
p. 261), que elenca diferentes classificações que comprovam a abrangência do 
romance e, por conseguinte, suas relações com outras áreas do conhecimento: 
romance psicológico, romance histórico, romance poético e simbólico, romance 
de análise e crítica da realidade social contemporânea etc.
Silva (1976, p. 262) constata que “o século XIX constitui inegavelmente o 
período mais esplendoroso da história do romance”, quando “o romance domina 
a cena literária” e, “com os realistas e naturalistas, em geral, a obra romanesca 
aspira à exatidão da monografia, de estudo científico dos temperamentos e dos 
meios sociais”.
Depois, no declinar do século XIX e nos primeiros anos do século XX, 
começa a processar-se a crise e a metamorfose do romance moderno, 
relativamente aos modelos, tidos como “clássicos”, do século XIX: 
aparecem os romances de análise psicológica de Marcel Proust e de 
Virginia Woolf; James Joyce cria os seus grandes romances de dimensões 
míticas, construídos em torno das recorrências dos arquétipos (Ulisses 
e Finnegans Wake), Kafka dá a conhecer os seus romances simbólicos 
e alegóricos. Renovam-se os temas, exploram-se novos domínios do 
indivíduo e da sociedade, modificam-se profundamente as técnicas de 
narrar, de construir a intriga, de apresentar as personagens. Sucedem-
se o romance neorrealista, o romance existencialista, o nouveau roman. 
O romance não cessa, enfim, de revestir novas formas e de exprimir 
novos conteúdos numa singular manifestação da perene inquietude 
estética e espiritual do homem (SILVA, 1976,p. 263).
 
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
152
As “possibilidades expressivas” (SILVA, 1976, p. 263) do romance e, em 
geral, do gênero narrativo, contribuem para a caracterização da narrativa como 
totalidade, pluralidade, variedade etc., e como correspondência com a realidade, 
como compreende Auerbach, em suas múltiplas dimensões da vida cotidiana. 
Assim, ao romance se associa a disposição para a totalidade de que trata Georg 
Lukács (2000), as pluralidades constatadas por Mikhail Bakhtin (2002, p. 73), ao 
afirmar que “o romance, tomado como um conjunto, caracteriza-se como um 
fenômeno, pluriestilístico, plurilíngue e plurivocal”, ou o “realismo formal” a que 
corresponde a “forma romance” como reflexo do “realismo filosófico”, segundo 
Ian Watt (1990). Na narrativa se condensam, portanto, como uma disposição para 
a totalidade e para a realidade, outras áreas do conhecimento, como a psicologia, 
a psicanálise, a história, a filosofia, a sociologia, a economia, a antropologia, a 
linguística etc.
Diante da multiplicidade compreendida pela literatura, constituindo, 
enquanto um saber multidimensional, uma estrutura plural que requer estabelecer 
relações com outros saberes, uma cooperação pluridisciplinar, a teoria da literatura 
assume um aspecto interdisciplinar, condizente com a interdisciplinaridade 
constitutiva da literatura:
A Teoria Literária assume um caráter interdisciplinar porque assimila os 
conhecimentos de ciências afins tais como a sociologia, a antropologia, 
a linguística, a história, a psicanálise, todas voltadas igualmente para 
manifestações do ser e do fazer humanos. Este inter-relacionamento 
amplia e enriquece o estudo da Literatura. [...] A crítica, qualquer que 
seja a via de acesso escolhida (sociológica, psicológica, linguística...), 
não pode descartar-se de sua dupla feição: enquanto crítica obedecerá 
a um rigor, que lhe é garantido pelo método de abordagem e, enquanto 
literária, incluirá literariamente o sentido que, na literatura, ultrapassa 
o campo do conhecimento com o qual se articulou, na construção do 
modelo de leitura (SOARES, 1984, p. 90-91).
Nesse sentido, e corroborando com Soares (1984), Jonathan Culler (1997) 
constata que, apesar de ser um legado de teorias críticas formalistas e imanentistas, 
focadas na leitura cerrada do texto literário, a teoria literária seguiu outro 
rumo: os trabalhos de teoria literária estão intimamente relacionados a outros 
textos, dentro de um domínio ainda não nomeado, mas muitas vezes chamado 
“teoria”, para resumir, uma vez que seu objeto não é explicitamente a literatura. 
A heterogeneidade da “teoria” extrapola a moldura disciplinar dentro da qual 
seriam normalmente avaliados: “o que caracteriza os membros desse gênero é 
sua capacidade de funcionar não como demonstrações dentro dos parâmetros de 
uma disciplina, mas como redescrições que desafiam as fronteiras disciplinares”, 
afirma Culler (1997, p. 15), reconhecendo que não há limites aos assuntos que os 
trabalhos de teoria possam abordar. 
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
153
A razão para isso, segundo Culler, não é nenhuma novidade para nós: 
“a literatura”, afirma Culler (1997, p. 17), “tem como matéria toda a experiência 
humana e, particularmente, a ordenação, interpretação e articulação da 
experiência”. Afinal, como vimos, a literatura analisa as relações humanas, ou 
manifestações da psique humana, ou os efeitos das condições materiais sobre a 
experiência individual, de modo que a abrangência da literatura possibilita que 
qualquer teoria seja levada para a teoria literária, abrangendo questões mais gerais 
da racionalidade, da autorreflexão e da significação. Portanto, e não apenas por 
suas relações com outros conhecimentos, mas por constituir um conhecimento 
singular, “é o conhecimento literário que se nos impõe defender”, como proclama 
Compagnon (2012, p. 9) repetindo Barthes (2010).
O mesmo Jonathan Culler que identifica a heterogeneidade da “teoria” 
em virtude das suas relações com outras áreas do conhecimento afirma o seguinte 
a respeito da narrativa, nosso objeto de estudo neste tópico:
Finalmente, a questão básica para a teoria no domínio da narrativa é 
essa: a narrativa é uma forma fundamental de conhecimento (dando 
conhecimento do mundo através de sua busca de sentido) ou é uma 
estrutura retórica que distorce tanto quanto revela? A narrativa é uma 
fonte de conhecimento ou de ilusão? O conhecimento que ela parece 
apresentar é um conhecimento que é o efeito do desejo? (CULLER, 
1999, p. 94).
Culler (1999, p. 94), enfim, pergunta ainda se “os efeitos esclarecedores e 
consoladores das narrativas são ilusórios” e pondera:
Para responder a essas perguntas precisaríamos tanto de conhecimento 
do mundo que seja independente das narrativas quanto de alguma 
base para considerar esse conhecimento mais autorizado do que o que 
as narrativas proporcionam. Mas se existe ou não esse conhecimento 
autorizado separado da narrativa é precisamente o que está em 
questão na pergunta a respeito de se a narrativa é ou não uma fonte 
de conhecimento ou de ilusão. Portanto, parece provável que não 
possamos responder a essa pergunta, se é que, de fato, ela tem uma 
resposta. Ao invés disso, devemos ficar nos movendo para lá e para 
cá entre a consciência da narrativa como uma estrutura retórica que 
produz a ilusão de perspicácia e um estudo da narrativa como o 
principal tipo de busca de sentido à nossa disposição. Afinal de contas, 
mesmo a exposição da narrativa como retórica tem a estrutura de uma 
narrativa: é uma história em que nossa ilusão inicial cede à crua luz 
da verdade e emergimos mais tristes, mas mais sábios; desiludidos, 
mas depurados. Paramos de dançar em círculos e contemplamos o 
segredo. Assim diz a história (CULLER, 1999, p. 94).
A se guiar pelo exposto, parece que não temos muitas alternativas às 
narrativas, em outras palavras: não temos como sair das narrativas. E essa é uma 
boa razão para estudarmos a narrativa, não é verdade? Justamente a isso nos 
propomos nesta unidade, iniciando pelo gênero épico.
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
154
2.1 GÊNERO ÉPICO
O mais antigo gênero narrativo, o gênero épico se caracteriza pela presença 
de narrador e de personagens. Misturando eventos históricos e mitológicos, narra 
os mitos de fundação das nações na Antiguidade, legando aos modernos gêneros 
narrativos a disposição para a totalidade, pluralidade ou variedade, como veremos. 
2.1.1 A origem do gênero épico
A origem da literatura ocidental se encontra intimamente relacionada com 
as epopeias de Homero e, portanto, com a origem do gênero épico. Como observa 
Angélica Soares (2007, p. 39): “A forma épica de narrar [...] tem nas epopeias de 
Homero (meados do século IX a.C.) – a Ilíada e a Odisseia – as suas primeiras 
manifestações. Nelas situam-se também as fontes do gênero narrativo”.
NOTA
Homero: Poeta épico da Grécia antiga, a quem se atribui a autoria das epopeias 
Ilíada e Odisseia.
FONTE: Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/importancia-
dos-poemas-homero-na-educacao-grega.htm>. Acesso em: 10 out. 2017.
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
155
Aristóteles, que considera a epopeia como uma das artes mais elevadas, 
julga Homero o modelo a ser buscado. “Digno de louvor por muitos motivos” 
(ARISTÓTELES, 2008, p. 94). Homero “era o maior autor de obras elevadas” 
para Aristóteles (2008, p. 44), que, ao se referir aos elementos constitutivos da 
epopeia, afirma: “Tudo isso Homero usou em primeiro lugar e na perfeição. 
Assim, na verdade, compôs ele cada um dos seus poemas: a Ilíada, simples e de 
sofrimento, e a Odisseia, complexa (com reconhecimentos ao longo de todo o 
poema) e de caráter. E, além disso, superou todos na elocução e no pensamento” 
(ARISTÓTELES, 2008, p. 93). A esse respeito, Paulo Martins (2009, p. 91) corrobora 
o julgamento de Aristóteles:
Realmente, não há como negar que as epopeias homéricas – Ilíada 
e Odisseia – comofrutos e flores de uma civilização são marcos 
incontestes do mundo grego, afinal, até mesmo Platão, séculos depois 
da composição desses dois poemas, afirmara, tratando de Homero em 
seu livro A República, que “este poeta ensinou a Grécia”. 
Ao confirmar a importância das epopeias de Homero, retomando, 
inclusive, uma passagem em que Platão, antes de Aristóteles, afirma que Homero 
“ensinou a Grécia”, Paulo Martins assinala um aspecto importante do gênero 
épico, ou seja, a sua função de narração mítica e histórica da fundação das antigas 
civilizações. Martins (2009, p. 91) observa ainda: “Se o poeta grego é o cerne da 
civilização helênica, também o seria para os romanos e, por consequência, para 
nós, ocidentais”. E, ao constatar o legado da poesia grega homérica para toda a 
tradição ocidental do gênero épico, Martins evidencia nas epopeias de Homero 
uma “característica importante e diferenciada”, qual seja, a oralidade:
Isto é, aquela poesia foi composta entre os séculos IX e VIII a.C. 
e transmitida oralmente por cantores (os aedos) antes de ser 
consignada pela escrita a partir do século VII a.C. Tal propriedade é 
importantíssima, pois determina características formais no poema, 
a saber: as repetições sistemáticas, a presença de epítetos (aspectos 
exemplares das personagens), as formulações lapidares que percorrem 
os milhares de versos das obras. Assim, se por um lado Homero 
é semelhante a Camões, por outro ele se distancia gravemente do 
mesmo, uma vez que o meio pelo qual seus poemas são transmitidos 
era diverso: o primeiro pela voz; o segundo, pela escrita (MARTINS, 
2009, p. 91).
Em suas origens, portanto, o gênero épico era transmitido oralmente, 
o que, como constata Martins, tem implicações formais. Vejamos, então, mais 
detidamente as características do gênero épico.
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
156
NOTA
A Ilíada narra a conquista de Ílion ou Troia, na Guerra de Troia, motivada pela 
ira de Aquiles. Um dos personagens, o grego Odisseu ou Ulisses, é o protagonista da 
Odisseia. A Odisseia, por sua vez, narra a acidentada viagem de Ulisses de volta para casa 
ao fim da guerra.
2.1.2 Características do gênero épico
As características do gênero épico, como vimos breve e antecipadamente 
na unidade anterior, foram primeiramente descritas por Platão e Aristóteles. 
Relembremos: a épica, para Platão (2001, p. 110), é um gênero misto, pois 
na epopeia “é o próprio poeta que fala”, mas, em determinados momentos, o 
personagem fala “como se fosse ele mesmo”, momentos estes em que o poeta 
“faz um discurso como se se tratasse de outra pessoa”. Como podemos perceber, 
Platão constata, portanto, no gênero épico uma mistura dos outros dois gêneros 
literários, o gênero lírico, em que “é o próprio poeta que fala”, e o gênero 
dramático, em que o personagem fala “como se fosse ele mesmo”. E com isso 
Platão (2001, p. 112) conclui que a epopeia é “formada da combinação das duas 
precedentes”, escreve se referindo aos gêneros lírico e dramático.
Vejamos um exemplo de Homero, em que Platão se fundamenta para 
caracterizar o gênero épico. Observe este fragmento do Livro 1, da Odisseia, na 
tradução portuguesa de Manuel Odorico Mendes:
NOTA
Manuel Odorico Mendes (1799-1864) foi um tradutor e poeta brasileiro, 
conhecido por ser autor das primeiras traduções portuguesas em versos das obras de 
Homero e Virgílio, sendo precursor da moderna tradução criativa.
FONTE: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Odorico_Mendes>. Acesso em: 10 out. 2017.
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
157
Da guerra e do mar sevo recolhidos
Os que eram salvos, um por seu consorte
Calipso, ninfa augusta, apetecendo,
Separava-o da esposa em cava gruta.
O céu, porém, traçou, volvendo-se anos,
De Ítaca reduzi-lo ao seio amigo,
Onde novos trabalhos o aguardavam:
De Ulisses condoíam-se as deidades;
Mas, sempre infenso, obstava-lhe Netuno,
Este era entre os Etíopes longínquos,
Do oriente e ocidente últimos homens,
Num de touros e ovelhas sacrifício
A deleitar-se; e estavam já no alcáçar
Do Olimpo os habitantes em concílio.
O soberano, a recordar Egisto
Do Agamenônio Orestes imolado,
Principia: “Os mortais ah! nos imputam,
Os males seus, que ao fado e à própria incúria
Devem somente. Contra o fado mesmo,
Do porvir não cuidoso, há pouco Egisto,
Em seu regresso o Atrida assassinando,
Esposou-lhe a mulher, bem que enviado
O Argicida sutil o dissuadisse:
— De o matar foge e poluir seu leito;
Senão, tem de vingá-lo, adolescente
Sendo investido no seu reino Orestes. —
Mercúrio o amoestou, mas surdo Egisto,
Os delitos por junto expia agora”.
 A quem Minerva: “Sumo pai Satúrnio,
Jaz com razão punido esse perverso;
Todo que o imitar, com ele acabe!
Mas a aflição de Ulisses me compunge,
Que, há tanto longe dos amenos lares,
Em ilha está circúnflua e nemorosa,
Lá no embigo do mar; onde é retido
Pela filha de Atlante onisciente,
Que o salso abismo sonda, o peso atura
Das colunas que a terra e o céu demarcam.
A deusa com blandícias o acarinha;
De Ítaca ele saudoso, o pátrio fumo
Ver deseja e morrer. Não te comoves?
Irritou-te faltando, em sua amada
E em Troia, com ofertas e holocaustos?”
 E o Junta-nuvens: “Que proferes, filha,
Do encerro dessa boca? eu deslembrar-me
Do mortal mais sisudo, o mais devoto,
Aos celícolas pio e dadivoso!
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
158
Da terra o abarcador é quem o avexa,
Por ter do olho privado a Polifemo,
O mor Ciclope, que, num antro unida
A Netuno, pariu Toosa, estirpe
De Fórcis deus do pego insemeável.
O Enosigeu d’então lhe poupa a vida,
Mas de Ítaca o arreda. Provejamos
Na vinda sua; aplaque-se Netuno:
Só contra todos contender não pode”.
 A Olhicerúlea: “Ó padre, ó rei supremo,
Se vos praz que à família torne Ulisses,
Da ínsula Ogígia à ninfa emadeixada
Mercúrio o intime, o herói prudente parta.
A Ítaca baixo a confortar o filho:
Os comantes Argeus convoque ousado;
Suste aos vorazes procos a carnagem
De flexípedes bois e ovelhas pingues.
Dali, na Esparta e na arenosa Pilos,
Do amado genitor se informe e indague,
E entre humanos obtenha ilustre fama” (HOMERO, 2009b, p. 13-14).
Você percebeu, neste fragmento da epopeia e, portanto, do gênero épico, a 
mistura dos outros dois gêneros literários de que fala Platão? Note que nos primeiros 
versos “é o próprio poeta que fala”, como diria Platão. Em passagens como:
Da guerra e do mar sevo recolhidos
Os que eram salvos, um por seu consorte
Calipso, ninfa augusta, apetecendo,
Separava-o da esposa em cava gruta (HOMERO, 2009b, p. 13).
Temos, portanto, um narrador que narra as ações dos personagens da 
epopeia. Por outro lado, em passagens como:
Do Olimpo os habitantes em concílio.
O soberano, a recordar Egisto
Do Agamenônio Orestes imolado,
Principia: “Os mortais ah! nos imputam,
Os males seus, que ao fado e à própria incúria
Devem somente... (HOMERO, 2009b, p. 13).
O narrador deixa o personagem falar, de modo que o personagem fala 
“como se fosse ele mesmo”, como diria Platão. A partir do momento em que 
“o soberano [...] principia”, dizendo “Os mortais ah! nos imputam”, o narrador 
desaparece para deixar falar o personagem. O mesmo ocorre, a seguir, com o 
Argicida, com Minerva, com o Junta-nuvens, que dialoga, inclusive, com Minerva: 
“Que proferes, filha, do encerro dessa boca?”, e assim por diante.
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
159
NOTA
As epopeias de Homero receberam diversas adaptações para o cinema. Troia 
(EUA, 2004), dirigido por Wolfgang Petersen, A ira de Aquiles (Itália, 1962), dirigido por Marino 
Girolami, A Guerra de Troia (Itália, 1961), dirigido por Giorgio Ferroni, e Helena de Troia (EUA, 
1956), dirigido por Robert Wise, são adaptações da Ilíada.
FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-47357/>; <http://
www.benitomovieposter.com/catalog/lira-di-achille-p-124149.html?language=en>; <https://
www.allmovie.com/movie/la-guerra-di-troia-v114510>; <http://dvdtonyrocha.blogspot.com.
br/2015/03/filmes-epico-hercules-e-maciste.html>. Acesso em: 10out. 2017.
O seriado A Odisseia (1997), dirigido por Andrei Konchalovsky, e o filme Ulisses (Itália, 1954), 
dirigido por Mario Camerini, são inspirados, por sua vez, em Odisseia.
FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-206991/
creditos/>; <http://www.cliografia.com/2013/09/16/ulysses-o-filme/>. Acesso em: 
10 out. 2017.
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
160
Ao descrever o gênero épico, Aristóteles (2008), por sua vez, afirma que 
a epopeia imita com palavras em verso. Adiante, Aristóteles (2008, p. 47) reitera 
esse aspecto, associando a epopeia com a narrativa, ao observar que a epopeia se 
caracteriza por “ter um metro uniforme e por ser uma narrativa”. E ao comparar 
a epopeia e a tragédia, constata: 
A epopeia tem uma característica particular muito importante para 
aumentar a extensão, uma vez que, na tragédia, não é possível imitar 
muitas partes da ação que se desenrolam ao mesmo tempo, mas 
apenas a parte representada em cena pelos atores. Em contrapartida, 
na epopeia, por ser uma narração, é possível apresentar muitas 
ações realizadas simultaneamente, através das quais, desde que 
sejam apropriadas ao assunto, se aumenta a elevação do poema. Este 
privilégio contribui, assim, para dar grandiosidade, proporcionar uma 
mudança ao ouvinte e introduzir variedade com episódios diversos 
(ARISTÓTELES, 2008, p. 93-94).
Como podemos ver, Aristóteles identifica na epopeia a possibilidade de 
apresentar “muitas ações realizadas simultaneamente”, justamente por meio da 
narração. A vantagem da epopeia se encontra, portanto, na sua “variedade”, de 
modo que o épico, para Aristóteles, define-se pela pluralidade: “por épico entendo 
com pluralidade de histórias”, explica Aristóteles (2008, p. 76). 
ATENCAO
O aspecto da variedade ou da pluralidade caracteriza aqui a epopeia como 
narração fundamental, como veremos adiante, à futura compreensão do romance, forma 
narrativa, enquanto totalidade.
Com relação ao modo de imitar, como diria Aristóteles, da epopeia, Anatol 
Rosenfeld (2014) observa que o que caracteriza o gênero épico é fundamentalmente 
a presença de um narrador, que, ao comunicar um evento passado, estabelece 
uma distância entre o narrador e o mundo narrado: “É sobretudo fundamental 
na narração o desdobramento em sujeito (narrador) e objeto (mundo narrado)”, 
conclui Rosenfeld (2014, p. 25). No entanto, Aristóteles menciona ainda a extensão 
da epopeia, característica retomada por Emil Staiger (1975) para diferenciar o 
substantivo epopeia do adjetivo épica: “E o que se dá com a epopeia?”, pergunta 
Staiger (1975, p. 97), que responde: “Denomina-se epopeia uma longa narrativa 
em versos. Toda longa narrativa em versos é épica? Não!”. A questão colocada 
por Staiger, diferenciando a epopeia e a épica, interessa na medida em que aponta 
para a especificidade dos gêneros narrativos, que estudaremos a seguir, como 
o romance, que se considera uma transformação da epopeia, permanecendo 
associada com a épica:
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
161
Por outro lado, chamamos também o romance de obra épica, embora 
ele não seja nenhuma narrativa em versos e também nenhuma epopeia 
propriamente. Aqui há uma situação de impasse. Uma epopeia é 
uma narrativa em versos. Nem toda narrativa em versos é épica. Um 
romance não é uma narrativa em versos, portanto não é uma epopeia, 
mas é ainda assim uma obra épica (STAIGER, 1975, p. 97-98).
Essa distinção seria analisada por Hegel, que fundamentaria, por sua 
vez, a teoria do romance de György Lukács e, por extensão, uma infinidade de 
autores que teorizam o romance, como Mikhail Bakhtin, Erich Auerbach, Ian Watt, 
Antonio Candido, Roberto Schwarz, Franco Moretti, entre outros, considerando o 
aspecto da variedade ou pluralidade, constatado desde Aristóteles, que permite 
compreender a complexidade da realidade. Aprofundaremos essa questão 
adiante, quando estudarmos os gêneros narrativos. Por ora, concentremos 
nossa atenção nas características da epopeia clássica. O que, então, caracteriza a 
epopeia, ao lado dos aspectos que vimos, associados com o modo de narração? 
Para respondermos a essa questão, vejamos como Massaud Moisés resume as 
demais características do gênero épico:
A poesia épica deve girar em torno de assunto ilustre, sublime, solene, 
especialmente vinculado a cometimentos bélicos; deve prender-se 
a acontecimentos históricos, ocorridos há muito tempo, para que 
o lendário se forme ou/e permita que o poeta lhe acrescente com 
liberdade o produto da sua fantasia; o protagonista da ação há de ser 
um herói de superior força física e psíquica, embora de constituição 
simples, instintivo, natural; o amor pode inserir-se na trama heroica, 
mas em forma de episódios isolados; e, sendo terno e magnânimo, 
complementar harmonicamente as façanhas de guerra (MOISÉS, 1999, 
p. 184).
Essas são, portanto, as principais características da epopeia clássica que, 
além de conter um narrador e personagens que se enunciam em discurso direto, 
ser uma narrativa longa, escrita em versos, apresenta, como observa Moisés, um 
caráter elevado e solene, assunto bélico, heróis subordinados, em sua ação, a 
deuses e forças sobrenaturais, em que acontecimentos históricos se misturam com 
a mitologia. Angélica Soares (2007, p. 39), por sua vez, resume as características 
da epopeia desta forma:
Sendo a epopeia uma longa narrativa literária de caráter heroico, 
grandioso e de interesse nacional e social, ela apresenta, juntamente com 
todos os elementos narrativos (o narrador, o narratário, personagens, 
tema, enredo, espaço e tempo), uma atmosfera maravilhosa que, em 
torno de acontecimentos históricos passados, reúne mitos, heróis e 
deuses, podendo se apresentar em prosa (como as canções de gesta 
medievais) ou em verso (como Os lusíadas).
Você percebeu que, como observa Soares, a epopeia apresenta os 
elementos narrativos, como narrador, narratário, personagens, tema, enredo, 
espaço e tempo? Estudaremos a seguir os elementos que os gêneros narrativos 
herdaram da epopeia. Vejamos agora como se estruturam as epopeias clássicas:
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
162
Do ponto de vista da estrutura, o poema épico se desdobraria em três 
partes autônomas: a proposição, ou seja, o apelo aos deuses para que 
auxiliem o poeta na sua empreitada criadora; a narração, parte central 
e mais extensa, que contém o relato minucioso da ação executada pelo 
herói; a narração deve obedecer a uma sequência lógica; entretanto, 
à ordem cronológica seria preferível a artificial, que surpreende a 
ação em meio (in media res); o epílogo, fecho da ação, deve guardar 
um imprevisto, mas ser verossímil e coerente, além de conter um final 
feliz (MOISÉS, 1999, p. 184).
Massaud Moisés divide a estrutura da epopeia, como podemos ver, em 
três partes: a proposição, a narração e o epílogo. A essas três partes, Angélica 
Soares (ano, p. 39) inclui outras duas: “Toda epopeia deveria constituir-se de 
cinco partes”, afirma a autora. Assim, a estrutura da epopeia pode ser organizada, 
conforme Soares, desta forma:
1) Proposição
2) Invocação
3) Dedicatória
4) Narração
5) Remate, epílogo ou desfecho
Com relação à estrutura, destaquemos a proposição ou, como explica 
Moisés (1999, p. 184), “o apelo aos deuses para que auxiliem o poeta na sua 
empreitada criadora”, pois ela pode contribuir para compreendermos a trajetória 
das epopeias que estudaremos a seguir. Observe os primeiros versos da Ilíada, 
de Homero, que compõem a proposição da epopeia, na tradução em versos de 
Manuel Odorico Mendes:
Canta-me, ó deusa, do Peleio Aquiles
A ira tenaz, que, lutuosa aos Gregos,
Verdes no Orco lançou mil fortes almas,
Corpos de heróis a cães e abutres pasto:
Lei foi de Jove, em rixa ao discordarem
O de homens chefe e o Mirmidon divino (HOMERO, 2009a, p. 65).
Note que o poeta invoca a deusa, solicitando que cante “do Peleio Aquiles 
a ira tenaz”, ou seja, que inspire o poeta em sua criação sobre a ira ou a luta de 
Aquiles.Na proposição, o poeta revela, como podemos ver, o tema da epopeia, 
neste caso, a Guerra de Troia ou, mais propriamente, as ações heroicas de Aquiles 
na Guerra de Troia.
Observe agora os primeiros versos da Odisseia, de Homero:
Canta, ó Musa, o varão que astucioso,
Rasa Ílion santa, errou de clima em clima,
Viu de muitas nações costumes vários.
Mil transes padeceu no equóreo ponto,
Por segurar a vida e aos seus a volta;
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
163
Baldo afã! pereceram, tendo insanos
Ao claro Hiperiônio os bois comido,
Que não quis para a pátria alumiá-los.
Tudo, ó prole Dial, me aponta e lembra (HOMERO, 2009b, p. 13).
 
Note, agora, que na proposição da Odisseia o poeta solicita que a Musa, a 
entidade da mitologia grega que inspira a criação, cante “o varão que astucioso, 
rasa Ílion santa, errou”, ou seja, que cante “tudo”, “aponta e lembra”, pede o 
poeta, sobre o homem, o “varão”, Ulisses e sua viagem de retorno à ilha de Ítaca, 
sua casa, e a Penélope, sua esposa, depois de finda a Guerra de Troia. Vejamos, 
finalmente, como as proposições das duas epopeias de Homero podem contribuir 
para compreendermos a trajetória das epopeias.
2.1.3 A trajetória das epopeias
Vimos que as epopeias de Homero, a Ilíada e a Odisseia, originam o gênero 
épico. E vimos que suas proposições revelam o tema de cada epopeia, a luta de 
Aquiles e a viagem de Ulisses, respectivamente. Observe agora a proposição da 
Eneida, de Virgílio, na tradução em verso de Manuel Odorico Mendes:
NOTA
Virgílio (70 – 19 a.C.): poeta nacional do Império Romano, considerado o 
maior dos poetas latinos, iniciou em 29 a.C. a escrita da epopeia Eneida por solicitação de 
Augusto, tendo trabalhado nela por 10 anos. Como autor de poesia lírica, escreveu Bucólicas 
e Geórgicas.
FONTE: Disponível em: <https://sites.google.com/site/literaturalatinansn/la-poesia/
poesia-epica/virgilio>. Acesso em: 10 out. 2017.
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
164
Eu, que entoava na delgada avena
Rudes canções, e egresso das florestas,
Fiz que as vizinhas lavras contentassem
A avidez do colono, empresa grata
Aos aldeões; de Marte ora as horríveis
Armas canto, à Itália e de Lavino às praias
Trouxe-o primeiro fado. Em mar e em terra
Muito o agitou violenta mão suprema,
E o lembrado rancor da seva Juno;
Muito em guerras sofreu, na Ausônia quando
Funda a cidade e lhe introduz os deuses:
Donde a nação latina e albanos padres,
E os muros vêm da sublimada Roma.
Musa, as causas me aponta, o ofenso nume,
Ou por que mágoa a soberana deia
Compeliu na piedade o herói famoso
A lances tais passar, volver tais casos.
Pois tantas iras em celestes peitos! (VIRGÍLIO, 2005, p. 15).
Você percebeu que o poeta canta as “armas” e o “fado” de Eneias, o troiano 
que “funda a cidade” de Roma, a “nação latina”? Comparemos a tradução em 
versos com a tradução em prosa de Tassilo Orpheu Spalding:
Canto os combates e o herói que, por primeiro, fugindo do destino, 
veio das plagas de Troia para a Itália e para as praias de Lavínio. Longo 
tempo foi o joguete, sobre a terra e sobre o mar, do poder dos deuses 
superiores, por causa da ira da cruel Juno; durante muito tempo, 
também, sofreu os males da guerra, antes de fundar uma cidade e de 
transportar seus deuses para o Lácio: daí surgiu a raça latina e os pais 
albanos e as muralhas da soberba Roma (VIRGÍLIO, 1985, p. 11).
Você pode encontrar ainda a tradução em versos no metro original da 
Eneida, de Virgílio, de Carlos Alberto Nunes, de que se seguem os primeiros versos: 
As armas canto e o varão que, fugindo das plagas de Troia 
por injunções do Destino, instalou-se na Itália primeiro 
e de Lavínio nas praias. A impulso dos deuses por muito 
tempo nos mares e em terras vagou sob as iras de Juno, 
guerras sem fim sustentou para as bases lançar da Cidade 
e ao Lácio os deuses trazer — o começo da gente latina, 
dos pais albanos primevos e os muros de Roma altanados (VIRGÍLIO, 
1983, p. 9).
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
165
Observe que a Eneida, de Virgílio, narra a história da viagem de Eneias, 
príncipe troiano salvo da guerra para fundar a nova Troia, ou seja, Roma, e das 
lutas que travou no Lácio, região da Itália Central na qual Roma foi fundada. 
Como esclarece Zélia de Almeida Cardoso (1989, p. 20):
Compondo-se de doze cantos, ou livros, num total de 9.826 versos, 
a Eneida é, a um tempo, um poema mitológico e histórico. A lenda 
narrada no correr do texto – a história da acidentada viagem de Eneias, 
príncipe troiano salvo da guerra para fundar a nova Troia, e das duras 
lutas que travou no Lácio – é mero pretexto para a exaltação de Roma 
e de Augusto, para a valorização do romano e de seus feitos remotos e 
recentes, para a demonstração de vasta erudição em todas as áreas do 
conhecimento, para a sugestão de uma linha filosófica que sintetiza, 
praticamente, as correntes de pensamento então difundidas em Roma.
Baseando-se nas epopeias homéricas, mas utilizando-se de várias 
outras fontes – os trágicos gregos, a lírica alexandrina, a história 
e a epopeia latinas –, Virgílio compôs um texto em que se aliam 
a grandeza da poesia da Grécia clássica e a sofisticação das formas 
literárias modernas, desenvolvidas no requinte do ambiente cultural 
de Alexandria.
NOTA
Augusto (63 a.C. – 14 d.C.): fundador do Império Romano e seu primeiro 
imperador, reinou entre 27 a.C. – 14 d.C.
FONTE: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ot%C3%A1vio_Augusto>. 
Acesso em: 10 out. 2017.
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
166
Assim, a Eneida, conforme os preceitos clássicos da imitação (imitatio) e 
emulação (aemulatio), consiste em um decalque das epopeias de Homero, Ilíada e 
Odisseia e, portanto, uma contaminação (contaminatio) daquelas epopeias. Desse 
modo, dos doze cantos, seis imitam e emulam a Odisseia, e outros seis, a Ilíada. 
Como podemos perceber, se a Odisseia narra a viagem de Ulisses e a Ilíada a luta 
de Aquiles, como vimos, o primeiro verso da Eneida anuncia a contaminação das 
epopeias de Homero: “Arma vir um que cano, Troia e qui primus ab oris...”.
Da mesma maneira que, conforme o princípio da imitação e da emulação, 
Virgílio se espelha em Homero, o poeta latino se torna modelo no Baixo Império, 
na Idade Média e na Renascença, como o comprovam os mais famosos épicos 
modernos, “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri (1265-1321), e “Os Lusíadas”, 
de Luís Vaz de Camões (1524-1580), ambos influenciados pela Eneida, de Virgílio. 
Observe as seguintes estrofes de A Divina Comédia, de Dante:
Quando ao vale eu já ia baquear-me
Alguém fraco de voz diviso perto,
Que após largo silêncio quer falar-me.
Tanto que o vejo nesse grão deserto,
- “Tem compaixão de mim” – bradei transido –
“Quem quer que sejas, sombra ou homem certo!”
“Homem não sou” tornou-me – “mas hei sido,
Pais lombardos eu tive; sempre amada
Mântua lhes foi; haviam lá nascido.
“Nasci de Júlio em era retardada,
Vivi em Roma sob o bom Augusto,
Quando em deuses havia a crença errada.
“Poeta, decantei feitos do justo
Filho de Anquíses, que de Tróia veio,
Depois que Ílion soberbo foi combusto.
“Mas por que tornas da tristeza ao meio?
Por que não vais ao deleitoso monte,
Que o prazer todo encerra no seu seio?”
“- Oh! Virgílio, tu és aquela fonte
Donde em rio caudal brota a eloquência?”
Falei, curvando vergonhoso a fronte. –
“Ó dos poetas lustre, honra, eminência!
Valham-me o longo estudo, o amor profundo
Com que em teu livro procurei ciência!
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
167
“És meu mestre, o modelo sem segundo;
Unicamente és tu que hás-me ensinado;
O belo estilo que honra-me no mundo” (ALIGHIERI, 2003, p. 20-21). 
NOTA
Dante Alighieri (1265-1321) foi um escritor e poeta florentino. Considerado o 
primeiro e maior poeta italiano.
FONTE: Disponível em: <https://www.pinterest.co.kr/goth/dante-alighieri/>. Acesso 
em: 10 out. 2017.
Você percebeu como o poeta se refere a Virgílio como um modelo, como 
uma influência? Em suas palavras, como uma “fonte donde em rio caudal brota 
a eloquência”?Como o poeta reconhece em Virgílio um “mestre, o modelo sem 
segundo”? Observe agora as primeiras estrofes de Os Lusíadas, de Camões: 
As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valorosos
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
168
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se levanta (CAMÕES, 1979, p. 29-31).
NOTA
Luís Vaz de Camões (1524-1580) foi um poeta português. Escreveu poesia épica, 
lírica e dramática. Considerado um dos maiores escritores da tradição ocidental.
FONTE: Disponível em: <http://simoesdealmeida.weebly.com/escultura.html>. 
Acesso em: 10 out. 2017.
Apesar de Camões conclamar que “Cessem do sábio Grego e do Troiano 
as navegações grandes que fizeram” e reiterar: “Cesse tudo o que a Musa antiga 
canta, que outro valor mais alto se levanta”, como uma forma de exaltação da 
nacionalidade portuguesa e da empresa colonialista de Portugal, você notou que 
os primeiros versos de Os Lusíadas praticamente repetem os primeiros versos da 
Eneida, de Virgílio? 
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
169
É ainda a Eneida, de Virgílio, que, no século XVIII, veremos figurar na 
epígrafe de O Uraguai (1769), de Basílio da Gama (1740-1795), epopeia colonial 
do Arcadismo brasileiro: 
At specus, et Caci detecta apparuit ingens
Regia et umbrosae penitus patuere cavernae
O texto latino narra o momento em que se conta para Eneias 
como Hércules matou o gigante Caco, que oprimia os povos nativos da 
Arcádia. Traduzidos: 
Mas a caverna, e o imenso reino de Caco apareceu
descoberto, e o sombrio inferno se abriu por completo
Os versos de Virgílio permitem compreender, em confronto com a epopeia 
de Basílio da Gama, o sentido da epígrafe enquanto metáfora da opressão dos 
povos indígenas, uma vez que O Uraguai narra a disputa entre índios, jesuítas e 
europeus nos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul. Vejamos os primeiros 
versos de O Uraguai:
Fumam ainda nas desertas praias
Lagos de sangue tépidos e impuros
Em que ondeiam cadáveres despidos,
Pasto de corvos. Dura inda nos vales
O rouco som da irada artilheria.
MUSA, honremos o Herói que o povo rude
Subjugou do Uraguai, e no seu sangue
Dos decretos reais lavou a afronta.
Ai tanto custas, ambição de império!
Observe o tom de denúncia contra a ambição imperial: “Ai tanto custas, 
ambição de império!”, lamenta o poeta diante dos horrores da guerra que 
descreve. A epopeia O Uraguai, de Basílio da Gama, como explica Angélica 
Soares (2007, p. 38-39):
É um poema épico, composto em cinco cantos (conjuntos de estrofes) 
de versos brancos e estrofação livre, no qual é narrada a expedição 
de espanhóis e portugueses contra os índios e jesuítas habitantes da 
Colônia de Sete Povos das Missões, do Uruguai. Segundo o Tratado de 
Madri, de 1750, aquele território deveria passar a pertencer a Portugal, 
em troca da Colônia do Santíssimo Sacramento, possessão portuguesa 
situada em domínios espanhóis. Como os índios e os jesuítas se 
recusassem a ser súditos portugueses, Portugal e Espanha, em 1752, 
iniciam a expedição de conquista. O poema de Basílio da Gama versa 
sobre a última fase desse fato histórico.
https://pt.wikipedia.org/wiki/H%C3%A9rcules
https://pt.wikipedia.org/wiki/Gigante
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
170
A outra famosa epopeia do Arcadismo brasileiro é Caramuru (1781), de 
Frei Santa Rita Durão (1722-1784), cuja primeira estrofe do primeiro canto, que 
apresenta a proposição da epopeia, evidencia a imitação e emulação das epopeias 
latinas, deixando entrever ecos da Eneida e de Os Lusíadas:
De um varão em mil casos agitado,
Que as praias discorrendo do Ocidente,
Descobriu o Recôncavo afamado
Da capital brasílica potente:
Do Filho do Trovão denominado,
Que o peito domar soube à fera gente;
O valor cantarei na adversa sorte,
Pois só conheço herói quem nela é forte.
A respeito do poema épico de Frei Santa Rita Durão, Antonio Candido 
(2002, p. 8) observa que:
O Caramuru pode ser considerado uma epopeia do tipo que se 
chamaria hoje colonialista, porque glorifica métodos e ideologias que 
censuramos até no passado. Mas que ainda são aceitos recomendados 
e praticados pelos amigos da ordem a todo preço, entre os quais 
se alinharia o nosso velho Durão, que era filho de um repressor de 
quilombos e hoje talvez se situasse entre os reacionários, com todo o 
seu talento, cultura e paixão.
Tendo identificado a posição socioideológica do autor de Caramuru, 
Frei Santa Rita Durão, Candido (2002, p. 8) constata a diferença entre as duas 
epopeias brasileiras mencionadas: “Como sabemos, o Caramuru é uma resposta 
ao O Uraguai, cujo pombalismo ilustrado estava mais perto daquilo que no 
tempo era progresso. Mesmo sendo progresso de déspota esclarecido, useiro da 
brutalidade e do arbítrio” (CANDIDO, 2002, p. 8). O autor ainda descreve Frei 
Santa Rita Durão como um “poeta da guerra e da imposição cultural”, ao passo 
que Basílio da Gama, segundo Candido, “não simpatiza” com a guerra que narra, 
“lamentando a necessidade cruel da razão de Estado”: 
Como se sabe, a finalidade expressa do Caramuru é descrever o início da 
colonização da Bahia, por obra sobretudo de Diogo Álvares Correia e sua 
mulher, Paraguaçu. Simultaneamente, há um desígnio mais 
importante para o poeta: a redenção do índio pela conversão. Mas na 
perspectiva de hoje o resultado final se traduz no choque das culturas, 
que caracteriza o processo colonizador, justificado pelos dois desígnios 
(CANDIDO, 2002, p. 11-12).
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
171
DICAS
Caramuru, personagem histórico batizado Diogo Álvares Correia (1475-1557), 
um náufrago português que viveu entre os índios brasileiros, e que é o protagonista do 
poema épico de Frei Santa Rita Durão, é o personagem do filme de comédia “Caramuru – A 
invenção do Brasil” (2001), dirigido por Guel Arraes.
FONTE: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Caramuru_-_A_Inven%C3%A7%C3%A3o_
do_Brasil>. Acesso em: 10 out. 2017.
Podemos, portanto, identificar nas epopeias coloniais brasileiras as 
características da poesia épica elencadas por Moisés (1999, p. 184), tais como 
o tema bélico, os acontecimentos históricos, o heroísmo, bem como o “caráter 
heroico, grandioso e de interesse nacional e social”, confirmado por Soares 
(2007), como vimos antes. Essas características da poesia épica, associadas com 
a sua função de exaltação nacional e imperial, nesse caso, da empresa colonial 
portuguesa, são relativizadas por Antonio Candido ao mesmo tempo que 
reconhece nelas uma contribuição para a configuração da literatura brasileira 
por meio da incorporação de peculiaridades locais, como o nativismo e o que, 
posteriormente, com o Romantismo, seria denominado indianismo. Podemos 
perceber a perspectiva de Antonio Candido nesta passagem a respeito do trecho 
que denomina “Sono de Paraguaçu”, de Caramuru:
Este trecho exemplifica uma das contribuições dos poetas daquele tempo 
para a configuração da nossa literatura: inserir as peculiaridades 
locais num sistema expressivo tradicional, que as incorporasse à 
civilização colonizadora. Foi o que fizeram o Uraguai e o Caramuru. 
O índio e a natureza, tratados literariamente, importavam numa 
espécie de integração do mundo americano à expressão culta das 
fontes civilizadoras, sublimando o esmagamento das culturaslocais. 
Ao mesmo tempo importavam em renovar os símbolos cansados 
da tradição de origem clássica, levando ao patrimônio comum da 
literatura ocidental a perspectiva de um temário novo e uma nova 
forma (CANDIDO, 2002, p. 17).
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
172
O Romantismo, a propósito, desempenha um papel importante na 
trajetória do gênero épico, uma vez que, como observa Vitor Manuel de Aguiar 
e Silva (1976, p. 260), “quando o romantismo se revela nas literaturas europeias, 
já o romance conquistara, por direito próprio, a sua alforria e já era lícito falar de 
uma tradição romanesca”: 
Com o romantismo, por conseguinte, a narrativa romanesca afirma-
se decisivamente como uma grande forma literária, apta a exprimir 
os multiformes aspectos do homem e do mundo: quer como romance 
psicológico, confissão e análise das almas [...], quer como romance 
histórico, ressurreição e interpretação de épocas pretéritas [...], quer 
como romance poético e simbólico [...], quer como romance de análise 
e crítica da realidade social contemporânea (SILVA, 1976, p. 261).
É justamente nesse contexto que G. W. F. Hegel (2010, p. 490), ao propor 
uma evolução histórica do gênero épico, compreende o romance, que denomina 
como a “epopeia burguesa moderna”, como uma ramificação do gênero épico. O 
que define o “caráter épico”, o “tom épico”, em conformidade com a variedade 
e pluralidade constatada por Aristóteles, como vimos antes, é a “totalidade”, ou 
seja, o épico apresenta “uma esfera definida da vida real, com os aspectos, as 
direções, os acontecimentos, os deveres etc. que comporta”, retirando seus temas 
“da natureza e da vida humana”, de modo a promover uma “união mais estreita 
da poesia com a realidade”: “É portanto o conjunto da concepção do mundo e 
da vida de uma nação que, apresentado sob a forma objetiva dos acontecimentos 
reais, constitui o conteúdo e determina a forma do épico propriamente dito”, 
conclui Hegel (2010, p. 442-443).
Assim, Hegel (2010, p. 450) resume a obra épica como “uma ação cujas 
ramificações se confundem com a totalidade da sua época e da vida nacional; 
portanto, uma ação que só pode ser concebida mergulhada no seio de um mundo 
amplo e que comporta, por conseguinte, a descrição de toda a realidade de que 
faz parte”. Como podemos perceber, para Hegel (2010, p. 477), a obra épica se 
caracteriza, pois, por uma “multiplicidade” subordinada a uma “unidade concreta”, 
uma vez que “o conteúdo de uma obra épica é o todo de um mundo em que se 
realiza uma ação individual”, e são as transformações sociais que, diminuindo a 
extensão da ação individual, inviabilizariam a epopeia no mundo moderno:
As condições da vida moral, os laços familiares, a solidariedade do 
povo, enquanto nação, na guerra e na paz, devem já existir, e ter 
mesmo atingido um certo grau de desenvolvimento, sem ter ainda 
assumido inteiramente a forma de preceitos, deveres e leis de caráter 
geral desprovidos de toda a particularidade subjetiva e mantendo a 
sua autoridade perante a vontade individual. Pelo contrário, são o 
sentimento do direito e da justiça, a moralidade dos costumes, a alma e 
o caráter que devem estar na origem de tudo e servir de suporte à vida 
familiar, social e política, antes que ela tenha adquirido a forma de uma 
realidade prosaica, capaz de se opor à maneira de pensar e sentir dos 
indivíduos. Uma constituição demasiado sólida do Estado, com leis 
minuciosamente elaboradas, com uma justiça presente por toda parte, 
uma administração bem organizada, com ministérios, chancelarias, 
polícia etc., não pode ministrar temas compatíveis com a poesia épica. 
TÓPICO 1 | O GÊNERO ÉPICO 
173
É certo que as condições da moralidade e do direito devem estar bem 
consolidadas, mas só pelos próprios indivíduos ativos e pelo seu 
caráter, e não de um modo geral e sob uma forma que pretende ter 
em si mesma a sua justaposição. Assim encontramos na poesia épica 
não só a identidade substancial da vida e da atividade objetivas, mas 
também a liberdade nas manifestações desta vida e desta atividade, 
liberdade que as faz parecer uma emanação da vontade subjetiva dos 
indivíduos (HEGEL, 2010, p. 450-451).
Com a “organização do Estado moderno” e “as maneiras de pensar 
individuais”, segundo Hegel, não há lugar para o herói tipicamente épico. No 
entanto, a “totalidade”, que unifica a variedade e multiplicidade da realidade 
representada, o aspecto regular e unificado da epopeia que depende, segundo 
Hegel (2010, p. 490), da “visão total do mundo”, permanece nos gêneros 
narrativos. Afinal, a “objetividade” do gênero épico se estende a outros “gêneros 
secundários”, enquanto “ramificações” do gênero épico, a exemplo do romance, 
a “epopeia burguesa moderna”, nas palavras de Hegel (2010, p. 490). Segundo 
Hegel (2010, p. 492), no romance “vemos reaparecer a riqueza e a variedade de 
interesses, de estado, de caracteres, de condições de vida, assim como todo o 
plano de fundo de um mundo total e a descrição épica de acontecimentos”. O 
romance descreve, como a epopeia, “uma visão total do mundo e da vida”, mas 
pressupõe “uma realidade já prosaica”.
Essa perspectiva que, como vimos antes, influencia a teoria do romance 
de Lukács, é assinalada por Angélica Soares (2007, p. 42):
A epopeia que, segundo Lukács, corresponde a um tempo anterior 
ao da consciência individual e, portanto, voltado para o destino de 
uma coletividade, não se manteve em nossa época, que se caracteriza 
sobretudo pelo individualismo e pelo investimento nos domínios do 
inconsciente humano. O sentido do épico, no entanto, se manifesta 
toda vez que se tem a intenção de abarcar a multiplicidade dinâmica 
da realidade em uma só obra, criando-se uma unidade.
Nesse sentido, Hegel (2010, p. 509) identifica o épico nos tempos modernos 
não mais na epopeia:
Se pretendemos encontrar nos tempos modernos obras 
verdadeiramente épicas, devemos procurá-las numa esfera diferente 
da epopeia propriamente dita. O estado do mundo moderno é, com 
efeito, de tal prosaísmo que o opõe uma recusa absoluta às condições 
que, segundo nós, a verdadeira poesia épica deve preencher. 
 
Por isso, como sugere Hegel (2010, p. 509), “a poesia épica, renunciando 
aos grandes acontecimentos nacionais, refugiou-se na esfera mais estreita e 
limitada dos acontecimentos domésticos, no campo e nas pequenas cidades, 
para nela encontrar temas próprios para uma exposição épica”. E, finalmente, 
Hegel (2010, p. 510) conclui constatando que “nas outras esferas da vida nacional 
e social dos nossos dias abriu-se um campo ilimitado, no domínio épico, para o 
romance, o conto e a novela”.
UNIDADE 3 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: ÉPICO E NARRATIVO
174
NOTA
No romance moderno, o Ulisses, de James Joyce, indica um sintoma do 
processo descrito por Hegel. O romance de Joyce recria a epopeia Odisseia, de Homero, 
condensando as aventuras de Ulisses em algumas horas da vida do agente de publicidade 
Leopold Bloom, protagonista de Ulisses.
175
Neste tópico, você aprendeu que:
• O gênero épico surge na Antiguidade grega com as epopeias de Homero.
• O gênero épico se caracteriza pela narração, definida pela enunciação de um 
narrador e de personagens.
• O gênero épico se caracteriza por sua longa extensão e pelo caráter elevado e 
solene.
• O gênero épico narra temas heroicos, míticos e históricos, que representam os 
mitos de fundação das nações.
• A epopeia se estrutura em proposição, invocação, dedicatória, narração e 
remate, ou simplesmente em proposição, narração e epílogo.
• O épico compreende a complexidade do mundo e da vida que narra, tendo 
legado essa característica aos gêneros narrativos, especialmente o romance.
RESUMO DO TÓPICO 1
176
1 Assista ao filme Terra estrangeira (1996), dirigido por Walter Salles e Daniela 
Thomas, e reflita sobre a permanência intertextual de elementos narrativos, 
tais como motivos, imagens e temas provenientes das epopeias, como 
as viagens, o retorno para casa, os navios como metáforasdas nações, a 
expansão imperial, a colonização e a exploração e assim por diante. Qual o 
significado de tais elementos a partir de sua perspectiva?
2 “A poesia épica deve girar em torno de assunto ilustre, sublime, solene, 
especialmente vinculado a cometimentos bélicos; deve prender-se a 
acontecimentos históricos, ocorridos há muito tempo, para que o lendário 
se forme ou/e permita que o poeta lhe acrescente com liberdade o produto 
da sua fantasia; o protagonista da ação há de ser um herói de superior força 
física e psíquica, embora de constituição simples, instintivo, natural; o amor 
pode inserir-se na trama heroica, mas em forma de episódios isolados; e, 
sendo terno e magnânimo, complementar harmonicamente as façanhas de 
guerra” (MOISÉS, 1999, p. 184).
Considerando as explicações do texto acima, avalie os fragmentos a 
seguir que se configuram como poesia épica:
I- Musa, as causas me aponta, o ofenso nume,/ Ou por que mágoa a soberana 
deia/ Compeliu na piedade o herói famoso/ A lances tais passar, volver tais 
casos./ Pois tantas iras em celestes peitos! 
II- Eu agora — que desfecho! / Já nem penso mais em ti… / Mas será que nunca 
deixo/ De lembrar que te esqueci?
III- Canta, ó Musa, o varão que astucioso,/ Rasa Ílion santa, errou de clima em 
clima,/ Viu de muitas nações costumes vários.
IV- Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. 
Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. 
Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante 
na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que 
procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através 
dos galhos pelados da catinga rala.
V- As armas e os Barões assinalados/ Que da Ocidental praia Lusitana/ Por 
mares nunca de antes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana,/ Em 
perigos e guerras esforçados/ Mais do que prometia a força humana,/ E entre 
gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram.
São poemas épicos os fragmentos em:
a) ( ) I e II
b) ( ) II e IV
c) ( ) I, III e V
d) ( ) II, IV e V
e) ( ) III e IV
AUTOATIVIDADE

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