Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
65 FARMÁCIA CLÍNICA Unidade II 5 PROBLEMAS RELACIONADOS COM OS MEDICAMENTOS (PRM) 5.1 Interações medicamentosas O conhecimento das propriedades de um fármaco e sua ação farmacológica são fundamentais para a farmacoterapêutica racional. Para isso, é preciso considerar a complexidade do organismo em termos estruturais, físico‑químicos e bioquímicos. Nesse contexto, cabe evidenciar que inúmeras substâncias endógenas e exógenas se relacionam no ambiente biológico. Portanto, é necessário conhecer todos os aspectos referentes aos fármacos para alcançar o sucesso farmacoterapêutico, prever e/ou evitar interações que possam comprometer o resultado da terapêutica empregada e diminuir riscos potenciais à integridade física do paciente. 5.1.1 Conceito de interação medicamentosa O conhecimento das propriedades básicas dos fármacos e de sua ação farmacológica é vital para a realização de uma terapêutica adequada, considerando que o corpo humano é um sistema complexo formado por uma infinidade de substâncias que, inevitavelmente, entrarão em contato com os fármacos introduzidos no ambiente biológico. Além disso, é preciso estar ciente da farmacodinâmica dos fármacos envolvidos na terapêutica para evitar interações prejudiciais e possíveis efeitos adversos dos fármacos que aumentem os riscos ao paciente. Interação medicamentosa pode ser definida como a influência recíproca de um medicamento sobre outra substância. Ou seja, quando um fármaco é administrado isoladamente, produz um determinado efeito. Porém, quando ele é associado a medicamentos, alimentos ou outras substâncias (como o tabaco, drogas de abuso ou substâncias diversas com que o paciente possa entrar em contato, como inseticidas, produtos de limpeza, cosméticos etc.), ocorre um efeito diferente do esperado, o que caracteriza uma interação — e pode apresentar efeitos nocivos, diminuindo ou eliminando a ação dos medicamentos. De acordo com a RDC n. 140, de 29 de maio de 2003, temos a seguinte definição de interação medicamentosa: Interação medicamentosa: é uma resposta farmacológica ou clínica, causada pela combinação de medicamentos, diferente dos efeitos de dois medicamentos dados individualmente. O resultado final pode aumentar ou diminuir os efeitos desejados e/ou os eventos adversos. 66 Unidade II Podem ocorrer entre medicamento‑medicamento, medicamento‑alimentos, medicamento‑exames laboratoriais e medicamento‑substâncias químicas. A confiabilidade dos resultados dos exames laboratoriais pode ser afetada por sua interação com medicamentos (ANVISA, 2003). Quando há interação farmacológica entre dois ou mais fármacos, pode ocorrer a interferência de um deles sobre os outros, alterando o efeito esperado, qualitativa ou quantitativamente. Assim, pode‑se obter um sinergismo de ação ou antagonismo (parcial ou total) desses efeitos. Muitos pacientes utilizam dois ou mais medicamentos diariamente. Portanto, a possibilidade de interação medicamentosa tende a ser frequente, favorecendo o aparecimento de PRM (RIBEIRO NETO; COSTA JUNIOR; CROZARA, 2017). Cabe destacar que a polifarmácia — caracterizada pelo uso de quatro ou mais medicamentos — aumenta o risco de reações adversas e interações medicamentosas. Estudos apontam que pacientes que recebem dois medicamentos apresentam risco de 13% de ter interações medicamentosas. Naqueles com quatro medicamentos, esse número passa a ser de 28%, e em indivíduos que recebem sete medicamentos ou mais eleva‑se para 82% (GALLAGHER, 2007 apud RIBEIRO NETO; COSTA JUNIOR; CROZARA, 2017). Tais dados permitem a percepção do impacto das interações medicamentosas na farmacoterapia. Entretanto, as interações medicamentosas podem apresentar efeitos benéficos para o organismo, e até mesmo ser utilizadas com a finalidade de aumentar os efeitos terapêuticos ou reduzir a toxicidade de um determinado fármaco em função da dose necessária para atingir a resposta terapêutica adequada. Temos, então, a adição ou a somação dos efeitos. Na adição, a resposta farmacológica é obtida como resultado dos efeitos combinados de cada fármaco. Nesse caso, os fármacos apresentam o mesmo mecanismo de ação. Por exemplo, podemos citar a associação de dois anti‑inflamatórios não esteroidais (AINEs), como o ácido acetilsalicílico e a dipirona, que têm o mesmo mecanismo de ação — ambos são inibidores da ciclo‑oxigenase. No caso da somação, há a associação de dois fármacos com mecanismos de ação diferentes, mas que levam ao mesmo efeito farmacológico. Por exemplo, na junção de codeína com paracetamol, a codeína, um opioide considerado pró‑fármaco, é metabolizada predominantemente em morfina. Assim, ela ativa os receptores opioides presentes no SNC (sistema nervoso central), e como resultado observa‑se a potencialização da via inibitória da dor, ou seja, analgesia. Já o paracetamol promove a inibição de uma isoforma específica da COX‑1 (ciclo‑oxigenase‑1) presente no SNC, algo que ocasiona a diminuição da síntese de prostaglandinas relacionadas à dor. Veja que nos dois casos há a combinação dos efeitos analgésicos dos fármacos associados. 5.1.2 Classificação das interações medicamentosas As interações medicamentosas são classificadas, quanto à origem, em dois tipos: interações farmacêuticas e interações terapêuticas. 67 FARMÁCIA CLÍNICA • Interações farmacêuticas: são interações físico‑químicas que ocorrem fora do paciente, pois entre fármacos diferentes pode haver numerosas incompatibilidades, que levam a reações quando elas são misturadas em infusão intravenosa, frascos ou seringas, podendo ocasionar a inativação dos fármacos em questão. Um exemplo é a precipitação da anfotericina B coloidal quando colocada em solução fisiológica. • Interações terapêuticas: surgem no ambiente biológico, após a administração do medicamento, e podem ser farmacocinéticas ou farmacodinâmicas. •― Interações farmacocinéticas: acontecem durante os processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção dos fármacos. Como exemplo, temos a cimetidina (anti‑histamínico H2), que inibe a biotransformação do paracetamol. •― Interações farmacodinâmicas: ocorrem nos sítios de ação dos fármacos, envolvendo os mecanismos pelos quais os efeitos farmacológicos se processam. Este processo pode ser de dois tipos: interações farmacodinâmicas sinérgicas (com a ação analgésica do paracetamol e da codeína) ou antagônicas (antitussígeno com um xarope expectorante). Outra classificação importante das interações medicamentosas considera a gravidade delas, e o quadro a seguir apresenta como isso funciona. Quadro 5 – Classificação das interações medicamentosas segundo a gravidade Gravidade alta A interação pode oferecer ameaça à vida, sendo necessário tratamento ou intervenção médica para minimizar ou prevenir os efeitos adversos graves. Gravidade moderada A interação pode piorar o quadro clínico do paciente, sendo necessária a alteração da terapia. Gravidade baixa A interação pode comprometer os efeitos clínicos esperados. As manifestações podem aumentar a frequência ou a gravidade dos efeitos adversos, mas geralmente não é necessária a modificação na terapia. Adaptado de: Ribeiro Neto, Costa Junior e Crozara (2017). A combinação das formas de classificar e observar as interações possíveis ou em andamento nos permite condutas mais apropriadas de acompanhamento e seguimento farmacoterapêutico e de definição das relações de causa e efeito. A prescrição racional também se beneficia dessa conduta. Segundo Pivatto Júnior, Bernardi e Barros (2011), há outras maneiras de classificar as interações medicamentosas. São elas: • Conforme o início — Rápido: até 24 horas após a administração do fármaco. — Tardio: mais de 24 horas após a administração do fármaco. 68 Unidade II • Conhecimento sobre a interação medicamentosa — Excelente: estudos fornecem dados confiáveis e estabelecem adequadamente a interação. — Bom: os dados disponíveis sugerem fortemente a existência da interação. Entretanto,são necessários estudos controlados mais apropriados. — Razoável: poucos dados, mas as informações farmacológicas apontam para a suspeita de existência da interação. — Pobre: a documentação é pobre e limitada, levando em consideração apenas relatos de casos, mas pode ser possível. — Improvável: documentação é pobre e carece de mais estudos com embasamento farmacológico. As interações medicamentosas também podem ser classificadas conforme o mecanismo que as originaram. O quadro a seguir contém essa classificação. Quadro 6 – Exemplos de interações maiores, moderadas ou menores Interações Maiores Ácido acetilsalicílico + Heparina Pode resultar em aumento do risco de sangramento Captopril + Morfina Pode resultar em hipercalemia Codeína + Morfina Pode resultar em depressão respiratória aditiva Moderadas Ácido acetilsalicílico + Insulina Pode resultar em hipoglicemia (depressão do SNC, convulsões) Carbamazepina + Sinvastatina Pode resultar em redução da concentração sérica da sinvastatina devido à indução enzimática provocada pela carbamazepina Digoxina + Furosemida Pode resultar em toxicidade digitálica (náuseas, vômitos, arritmias) Menores Ciprofloxacino + Propranolol Pode resultar em bradicardia, hipotensão Furosemida + Hidralazina Pode resultar em aumento da resposta à furosemida Omeprazol + Vitamina B12 Pode resultar em diminuição da absorção da vitamina B12 Adaptado de: Barros e Barros (2011, p. 105). 69 FARMÁCIA CLÍNICA 5.1.3 Interações farmacocinéticas Como pudemos observar, as interações farmacocinéticas ocorrem em um ponto do processo cinético do medicamento no ambiente biológico — ou seja, na absorção, distribuição, metabolização ou excreção. Durante o processo de absorção de um fármaco administrado por via oral, é possível que ocorra alteração na velocidade de absorção e, consequentemente, na concentração plasmática de um medicamento na presença de outros. Sua absorção está diretamente ligada a características físico‑químicas intrínsecas desse fármaco, do ambiente físico‑químico e da porção do trato gastrintestinal no qual ele é absorvido. Dessa maneira, alterações no pH do sistema digestório podem influenciar os processos de dispersão da forma farmacêutica e a dissolução do fármaco no ambiente estomacal ou intestinal. Cabe destacar que, de acordo com os parâmetros cinéticos do medicamento — como pKa, lipossolubilidade e pH do ambiente gastrintestinal —, ele estará predominantemente em sua forma ionizada ou não ionizada (neutra). Para ser absorvido adequadamente, precisará estar na forma não ionizada, de modo que seja possível a travessia das barreiras de natureza lipofílica. Assim, substâncias que alterem as condições físico‑químicas do sítio de absorção podem comprometer a absorção de outros fármacos quando associados. Como exemplo, podemos citar o uso de antiácidos, inibidores da bomba de prótons ou bloqueadores H2, que são capazes de interferir na absorção de fármacos de caráter ácido, que são, preferencialmente, absorvidos no estômago. É o caso do cetoconazol, cuja absorção será reduzida quando associado à cimetidina, pois o aumento do pH gástrico leva à diminuição da absorção do cetoconazol. Outro exemplo é o hidróxido de magnésio, que reduz a absorção estomacal do pentobarbital, que apresenta caráter ácido. Além das condições físico‑químicas, temos que considerar a motilidade do trato gastrintestinal. Assim, o tempo do trânsito pode interferir na absorção. Dependendo da substância utilizada, podemos ter aumento ou diminuição da motilidade, e o resultado dessa interação dependerá de quais substâncias estão associadas. Como exemplos, podemos citar a associação de metoclopramida e paracetamol em uma terapêutica combinada. A metoclopramida aumenta a velocidade de esvaziamento gástrico e, por consequência, eleva a absorção do paracetamol, que é absorvido predominantemente no intestino. Outro caso que pode ser observado é o uso de metoclopramida e digoxina, em que o aumento da velocidade do processo de esvaziamento gástrico leva à redução da absorção da digoxina. Outro mecanismo digno de nota é a formação de complexos insolúveis. Esse fenômeno não tem relação com a ação farmacológica dos envolvidos, mas com as características químicas das substâncias. Nesse caso, dois fármacos interagem de tal forma que ocorre comprometimento e, até mesmo, inibição da absorção dessas substâncias. É a clássica situação da administração de tetraciclina com leite. Na presença de metais bivalentes, no caso, o cálcio (Ca2+), ocorre a formação de um complexo insolúvel que diminui a absorção de ambos. Temos ainda a ciprofloxacina na presença de cálcio ou ferro, nela também ocorre a formação de um complexo insolúvel que reduz a absorção do fármaco e dos metais. 70 Unidade II Isso explica por que muitos medicamentos precisam ser administrados em horários distantes das refeições — por exemplo, uma hora antes ou duas horas depois —, ou esquemas que determinam intervalos específicos entre a administração de duas ou mais substâncias. Em relação à distribuição, há a preocupação no que se refere à ligação com as proteínas plasmáticas, principalmente a albumina. Para que o fármaco proporcione a sua resposta, ele deverá estar na sua forma livre a fim de atravessar barreiras e interagir com seu alvo molecular. Entretanto, é fundamental que as proporções entre fármaco livre e fármaco ligado às proteínas plasmáticas sejam adequadas para que não haja aumento ou diminuição da fração livre do fármaco, alterando o efeito farmacológico desejado ou elevando sua toxicidade. Verificamos que medicamentos distintos podem competir pelas proteínas plasmáticas e, dependendo da maior ou menor afinidade pelas proteínas, alterar as proporções individuais de fármaco livre e fármaco ligado à proteína plasmática. Observe o equilíbrio cinético entre as concentrações de fármaco livre (Flivre), proteína plasmática (Pplasmática) e fármaco ligado à proteína plasmática (FP). [ FP ] ↔ [Flivre] + [Pplasmática] Nota‑se que fármacos que se ligam extensamente e apresentam baixo volume de distribuição podem levar ao deslocamento da ligação às proteínas. É o caso, por exemplo, da varfarina ou fenitoína. A varfarina, quando utilizada com a fenilbutazona, sofre deslocamento e, por consequência, tem sua fração livre aumentada; o resultado é o crescimento do risco de hemorragia. Quando associadas ao metotrexato em um esquema terapêutico, as sulfonamidas deslocam o metotrexato; nesse caso, pode ocorrer aumento da toxicidade atribuída ao metotrexato. Em termos de metabolismo, é possível observar uma parcela importante das interações medicamentosas, uma vez que a maioria dos fármacos é metabolizados no fígado. Um medicamento pode interferir na metabolização de outro, aumentando ou diminuindo sua taxa de metabolização. Isso acontece por indução enzimática ou inibição enzimática. No caso da indução enzimática, observa‑se aumento da atividade do citocromo P‑450. O citocromo P‑450 ou CYP‑450, localizado no retículo endoplasmático do hepatócito, caracteriza‑se por uma superfamília de enzimas envolvidas no metabolismo de uma grande variedade de substâncias, inclusive fármacos. Dessa forma, o crescimento da atividade enzimática pode levar à metabolização mais rápida e comprometer as concentrações adequadas do fármaco que permitem a resposta farmacoterapêutica apropriada. Como indutores enzimáticos, podemos citar barbitúricos, carbamazepina ou rifampicina. Como exemplos de interações podemos citar o fenobarbital, que por indução enzimática leva à diminuição das concentrações séricas da varfarina, ou de carbamazepina e fenitoína, que reduzem os níveis séricos de corticoides, também por indução enzimática. 71 FARMÁCIA CLÍNICA A rifampicina, também um indutor enzimático, diminui os níveis séricos dos contraceptivos orais. Em contrapartida, temos a inibição enzimática. Nesse processo, observa‑se a redução da metabolização de um ou mais fármacos e, comoresultado, o aumento do tempo de meia‑vida plasmática cuja biotransformação foi inibida. A cimetidina e a eritromicina são inibidores enzimáticos, assim como cloranfenicol, corticoides, fluconazol, cetoconazol, ciprofloxacina, inibidores da monoamina oxidase (MAO), entre outros. O cetoconazol, por exemplo, por inibição enzimática, aumenta os níveis plasmáticos de bloqueadores de canais de cálcio, carbamazepina e ciclosporina. Interações também podem ocorrer no processo de excreção. Nesse caso, elas acontecem predominantemente nos rins, principal órgão de eliminação. Observa‑se que a competição pela secreção tubular representa o principal mecanismo de alterações por interação na eliminação de fármacos. O verapamil inibe a secreção tubular da digoxina; como consequência, ocorre aumento das concentrações séricas da digoxina, podendo elevar sua toxicidade. No caso do lítio, sua excreção estará aumentada na presença de diuréticos osmóticos; já na presença de inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) ocorre aumento na reabsorção tubular, com crescimento das concentrações séricas do lítio. 5.1.4 Interações farmacodinâmicas As interações farmacodinâmicas caracterizam‑se por modificação na resposta farmacológica. Podem ser consideradas diretas (a interação ocorre no alvo molecular, ou seja, no sítio receptor) e indiretas (a interação ocorre entre fármacos que apresentam mecanismos de ação distintos). Em geral, a maioria das interações farmacodinâmicas se dão de maneira indireta. Nas interações farmacodinâmicas diretas, os fármacos envolvidos estão competindo por determinados receptores. Um exemplo é a interação entre salbutamol (agonista β2) e os β‑bloqueadores não seletivos, como o propranolol ou timolol. Cabe considerar, então, que a administração de fármacos com mecanismo de ação e efeitos farmacológicos semelhantes pode resultar em diversos tipos de respostas. Isso pode ser útil ou deletério em termos farmacoterapêuticos. A resposta farmacológica será considerada aditiva quando o efeito da combinação dos fármacos for igual à soma dos efeitos proporcionados por cada substância, quando comparada com as respostas proporcionadas pelos medicamentos empregados isoladamente, podendo ser terapêutica ou tóxica. Nas interações farmacodinâmicas em que se observa uma resposta farmacológica potencializada, temos um efeito final maior que a somatória dos efeitos farmacológicos esperados das substâncias envolvidas. Como exemplo, podemos citar a interação do álcool com benzodiazepínicos. Nesse caso, pode‑se observar maior efeito depressivo sobre o SNC se comparado ao efeito esperado das substâncias utilizadas isoladamente. 72 Unidade II A potencialização pode ser interessante no planejamento racional de um esquema farmacoterapêutico combinado, pois permite que a dose do fármaco considerado mais tóxico seja reduzida sem que haja comprometimento no resultado terapêutico do paciente. Em contrapartida, alguns fármacos, ao serem empregados em combinação, podem comprometer de forma negativa a resposta farmacológica deles próprios e de outros fármacos. Destaca‑se o caso do uso concomitante de fármacos hipoglicemiantes e glicocorticoides. Os glicocorticoides interferem no metabolismo da glicose, aumentando a glicose sérica e o glicogênio hepático. Observa‑se também intolerância à glicose e resistência à insulina. Assim, quando eles estão indicados para pacientes diabéticos que usam hipoglicemiantes, pode ser necessário o ajuste de dose do hipoglicemiante. Desse modo, os profissionais de saúde precisam conhecer e ter acesso às informações sobre interações medicamentosas, pois isso permite acompanhar e planejar adequadamente a terapêutica medicamentosa. Lembrete As interações medicamentosas podem comprometer de forma importante o tratamento do paciente. Também é fundamental informar o prescritor sobre o uso concomitante de fármacos que possam causar problemas clínicos ou ser potencialmente perigosos. O paciente ainda deve participar de maneira ativa, relatando todo e qualquer sinal e sintoma que aponte a uma reação adversa. Outros pontos vitais são acompanhamento e seguimento farmacoterapêutico, que propiciam uma intervenção de tal forma que medidas de contenção e controle sejam instituídas com a maior brevidade, minimizando danos e riscos ao paciente. Contudo, o planejamento racional permite antever as possíveis interações, o que proporciona uma farmacoterapia mais segura. Saiba mais A fim de compreender melhor o uso de fitoterápicos e os potenciais riscos de interações medicamentosas, leia o seguinte artigo: DIAS, E. C. et al. Uso de fitoterápicos e potenciais riscos de interações medicamentosas: reflexões para prática segura. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 41, n. 2, p. 297‑307, abr./jun. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3c1M7QA. Acesso em: 30 jun. 2022. 73 FARMÁCIA CLÍNICA 5.2 Reações adversas a medicamentos (RAM) Conforme a OMS (WHO, 1969, p. 6), as RAM (reações adversas a medicamentos) podem ser definidas como “qualquer evento nocivo e não intencional que ocorreu na vigência do uso de medicamentos em doses normalmente usadas em humanos com finalidade terapêutica, profilática ou diagnóstica”. As RAM também são conhecidas como efeito indesejável ou doença iatrogênica (iatrogenia). Sobredose (overdose) e abuso de drogas ilícitas não fazem parte desse conceito, assim como reações indesejáveis determinadas por falha terapêutica, erros de administração e não adesão ao tratamento. É importante destacar que fatores relacionados ao paciente, como características genéticas, comorbidades, sedentarismo etc., podem não apenas influenciar a resposta farmacológica de um fármaco como as reações adversas. As RAM têm relação direta entre morbidade e mortalidade de uma população, impactando os serviços de saúde. 5.2.1 Classificação das reações adversas Existem diversas formas de classificar as reações adversas, mas a mais aceita atualmente e citada por diversos autores é a proposta por Rawlins e Thompson (RAWLINS, 1981). Nessa classificação, podemos observar dois grupos de reações, as do tipo A e as do tipo B, também chamadas de imprevisíveis. Nas reações adversas do tipo A, temos uma resposta exacerbada de um determinado fármaco como resultado de seu mecanismo de ação primário. Em geral, são previsíveis e ocorrem depois da administração de doses preconizadas do fármaco. Podemos citar como exemplo a hemorragia na vigência de um tratamento com anticoagulantes. Ainda como reações do tipo A, existe a resposta farmacológica secundária, que pode ser vista na manifestação de cefaleia durante o uso de vasodilatadores. Eventualmente, observa‑se a ação do fármaco em outros sítios de ação. É possível verificar isso com o haloperidol, que pode causar efeito extrapiramidal em alguns pacientes. A classificação das reações adversas do tipo A também pode levar em consideração as causas das reações. Temos, então: • Causas farmacêuticas: relacionadas à qualidade dos produtos farmacêuticos no que se refere a teor do princípio ativo na forma farmacêutica, características físicas, tamanho de partículas, qualidade e quantidade dos excipientes etc. • Causas farmacocinéticas: relacionadas aos processos cinéticos que podem interferir nas concentrações do fármaco e, por consequência, na resposta farmacológica. Parte desse processo pode estar relacionada a interações medicamentosas ou características do próprio indivíduo (polimorfismo genético). 74 Unidade II • Causas farmacodinâmicas: ocorrem nos sítios de ação dos fármacos, envolvendo os mecanismos pelos quais os efeitos farmacológicos se processam. Ou seja, a resposta do alvo ao fármaco é modificada pela ação de um segundo fármaco, por exemplo, por competição pelo mesmo receptor específico. Reações adversas do tipo A podem ser, em geral, controladas com ajustes de dose ou substituição do fármaco empregado. As reações adversas do tipo B são classificadas como bizarras,inesperadas em relação à ação farmacológica do medicamento. Não são comuns, independem da dose administrada e ocorrem em alguns indivíduos. Nessa categoria observamos a hipersensibilidade alérgica, idiossincrasia, intolerância, problemas de degradação dos componentes da formulação, presença de impurezas ou contaminantes e adjuvantes farmacotécnicos. Segundo Aronson e Ferner (2003), a classificação das reações adversas tem sido ampliada de forma a incluir o tipo C (reações dependentes da dose e do tempo), tipo D (reações tardias), tipo E (síndromes de retirada) e tipo F (reações que levam à falha terapêutica). Barros e Barros (2011) ainda citam os tipos G (genotoxicidade), H (por ativação do sistema imune) e U (não classificadas). Infelizmente, nem sempre existe a possibilidade de estabelecer uma relação de causalidade, ou seja, causa e efeito entre uma determinada reação adversa e o uso de um medicamento. A dificuldade torna‑se também maior no caso do paciente que utiliza concomitantemente mais de um medicamento, como no caso da polifarmácia. Assim, conforme Barros e Barros (2011), é possível classificar as reações adversas em relação à causalidade da seguinte forma: • Definida: observa‑se com maior clareza a relação de causalidade, pois existe uma sequência de eventos cronologicamente identificável. Verifica‑se melhora das manifestações adversas ao suspender o tratamento e retorno das manifestações ao reintroduzir o medicamento. • Provável: observa‑se uma sequência cronológica nas manifestações adversas. Podemos enxergar o aparecimento durante a utilização do medicamento e, ao suspender o tratamento, o desaparecimento das manifestações. Entretanto, no caso, o medicamento não é reintroduzido. • Condicional: observa‑se uma sequência cronológica nas manifestações, não se conhece uma resposta‑padrão e a reação adversa pode ser explicada pelos aspectos já conhecidos do fármaco. • Duvidosa: qualquer reação que não pode ser explicada e/ou atribuída às situações citadas anteriormente. 75 FARMÁCIA CLÍNICA Observação Devemos considerar como sequência cronológica o tempo transcorrido entre o início do tratamento medicamentoso e o aparecimento das primeiras manifestações de uma reação adversa. Outra forma de classificar as reações adversas aos medicamentos é segundo a intensidade/gravidade da reação adversa. Essa classificação também considera as medidas a serem tomadas em cada caso. Nesse contexto, faz‑se a categorização pela intensidade/gravidade: • Leve: quando não requer tratamento específico e não leva à suspensão do fármaco. • Moderada: quando exige modificação da terapêutica, sem suspensão do fármaco. Pode exigir tratamento específico. • Grave: quando ameaça a vida do paciente. É potencialmente fatal, requer interrupção do tratamento, prolongamento da permanência hospitalar, hospitalização. Requer intervenção para prevenção de incapacidade ou dano permanente. • Letal: quando contribui direta ou indiretamente para a morte do paciente. A frequência de aparecimento também é um parâmetro importante na classificação das reações adversas. Isso nos permite observar, estatisticamente, a ocorrência dessas manifestações na população‑alvo do medicamento em questão. O Cioms, abreviação de Council for International Organizations of Medical Sciences, considera que existe a dificuldade de estimar a incidência de reações adversas em função de incertezas inerentes ao processo, no caso, subnotificações. Entretanto, uma estimativa de frequência é importante e deve ser fornecida de forma padronizada. O quadro a seguir apresenta as categorias de frequências padronizadas recomendadas pelo Cioms. Quadro 7 – Classificação quanto à frequência Muito comum ≥ 1/10 (≥ 10%) Comum ou frequente ≥ 1/100 e ≤ 1/10 Incomum ≥ 1/1000 e < 1/100 Rara ≥ 1/10000 e < 1/1000 Muito rara < 1/10000 (< 0,01%) Adaptado de: Cioms (1999). 76 Unidade II Em 2003, Aronson e Ferner propuseram um novo sistema de classificação das reações adversas. Ele é baseado em uma relação entre dose, tempo e suscetibilidade do paciente e conhecido como classificação DoTS (tratamento diretamente observado). Observe a seguir cada um desses parâmetros. • Relação de dose: visa observar a dose empregada com a qual ocorre a reação adversa. Ou seja, a reação adversa está relacionada com a dose utilizada no tratamento farmacológico. • Relação temporal: considera dois padrões distintos de evolução temporal das reações adversas: reações independentes do tempo e reações dependentes do tempo. Vejamos na sequência. —― Reações independentes do tempo: podem ocorrer a qualquer momento durante o tratamento medicamentoso e de forma independente do tempo. Elas podem acontecer com ou sem alteração das concentrações do fármaco. —― Reações dependentes do tempo: são seis os seus tipos. Na sequência estão cada uma delas. ‑ Rápidas: em geral, ocorrem quando um medicamento é administrado rapidamente. ‑ Primeira dose: ocorrem ao administrar a primeira dose e podem acontecer após as doses subsequentes. ‑ Precoce ou imediatas/iniciais: ocorrem no início do tratamento e diminuem ao longo do processo. ‑ Intermediárias: ocorrem após um determinado período subsequentemente ao tratamento com o medicamento ter sido iniciado e o risco de existência diminui com o uso contínuo. ‑ Reações tardias: raramente ocorrem ao se iniciar um tratamento com determinado fármaco. Entretanto, o risco da reação adversa aumenta se a exposição ao fármaco for contínua ou repetida. ‑ Atrasadas: ocorrem após um período de exposição ao fármaco, mesmo subsequentemente à descontinuação do uso da substância. • Suscetibilidade: apresenta relação com características próprias do indivíduo, como fatores genéticos, idade, sexo, doenças e alterações fisiológicas. Podemos observar uma reação adversa oriunda da mudança na concentração do fármaco em razão da piora da função renal. Assim, há diminuição na taxa de eliminação do fármaco em questão, aumentando sua concentração. Como exemplo, temos a toxicidade da digoxina devido à piora da função renal do paciente. 77 FARMÁCIA CLÍNICA Como discutido, a reação adversa é capaz de se manifestar sem a alteração na concentração do fármaco. Podemos citar, novamente, a toxicidade atribuída à digoxina manifestando‑se graças à depleção de potássio, que pode ocorrer por diversos motivos, como o uso de furosemida. Uma vez que as RAM constituem um dos principais alvos da farmacovigilância, fica nítida a importância de se conhecer seus mecanismos, classificação, modo de identificação, medidas preventivas e corretivas, principais tipos e possíveis desfechos. O quadro a seguir apresenta algumas reações adversas de interesse em farmacovigilância. Quadro 8 – Reações adversas de interesse em farmacovigilância Reações adversas a medicamentos Agranulocitose Alveolite Anafilaxia Anemia aplástica Cegueira Fibrilação atrial Fibrose pulmonar Focomelia Hipertermia maligna Insuficiência hepática Lúpus eritematoso sistêmico Miocardite Necrólise epidérmica tóxica Necrose hepática Nefrite intersticial Rabdomiólise Síndrome de Reye Síndrome maligna neuroléptica Síndrome óculo‑mucocutânea Síndrome de Stevens‑Johnson Adaptado de: Storpirtis et al. (2008, p. 49). Cabe destacar que alguns fármacos podem aumentar o risco de manifestação de reações adversas. A seguir, constam alguns de seus exemplos conforme suas características próprias. • Fármacos com baixo índice terapêutico: digoxina, varfarina, lítio. • Inibidores do citocromo P‑450 (inibidores enzimáticos): cetoconazol, claritromicina, eritromicina, itraconazol, ritonavir, sertralina. • Indutores do citocromo P‑450 (indutores enzimáticos): carbamazepina, fenitoína, fenobarbital, rifampicina. É importante lembrarmos que o etanol é um indutor enzimático, assim como a nicotina. Dessa forma, essas substâncias podem interferir no comportamento de outras substâncias e fármacos. Para Franken et al. (1996), a nicotina, substância ativa presenteno tabaco, pode causar interações farmacocinéticas por interferir na metabolização hepática e na excreção de alguns fármacos, como benzodiazepínicos, opioides, insulina, bloqueadores H2, nitratos, bloqueadores de canais de Ca2+, furosemida etc. Logo, é extremamente importante a monitoração do uso dos medicamentos, 78 Unidade II permitindo a detecção das reações adversas e, consequentemente, garantindo estudos e avaliações pós‑comercialização continuados, de forma que seja possível proporcionar o uso mais seguro e eficaz dos fármacos. 5.2.2 Prevenção de reações adversas oriundas de interações medicamentosas O processo farmacoterapêutico pode ser considerado de alta complexidade por abarcar uma série de fatores inerentes ao próprio processo e a todos os envolvidos — isso ao mencionarmos o emprego de um único fármaco. Contudo, ao considerarmos o uso concomitante de vários deles, o cenário fica ainda mais complexo, e diversos pontos críticos devem ser observados pelos profissionais de saúde. Dessa maneira, o objetivo de otimizar e tornar seguro o processo farmacoterapêutico exige do profissional não apenas conhecimentos técnicos, mas a habilidade de prever e detectar problemas referentes ao uso dos medicamentos. Ao pensar as prescrições, é fundamental analisar as necessidades que atendam à meta terapêutica, bem como se o paciente já utiliza medicamentos isentos de prescrição, fitoterápicos, terapêuticas complementares, chás ou, eventualmente, medicamentos por conta própria. Isso possibilita uma avaliação melhor e mais segura nos momentos de prescrição e acompanhamento dos resultados do tratamento instituído. Na ocorrência de reações inesperadas ou falha terapêutica, de posse dessas informações, será possível compreender melhor o que está ocorrendo para justificar o problema e, com isso, tomar decisões mais seguras e racionais. Ao se suspeitar de interações medicamentosas, é necessário suspender os fármacos desnecessários, ajustar a dose daqueles que forem suspeitos e, no caso de reações adversas graves, descontinuar ou trocar o fármaco. A monitoração plasmática não é rotineiramente realizada. Todavia, trata‑se de uma ferramenta muito útil ao lidar com fármacos de índice terapêutico estreito e que não podem ser suspensos ou substituídos. Isso permite verificar os níveis séricos e ajuda a avaliar a adesão do paciente ao tratamento, as reações adversas e a toxicidade — e possibilita, sobretudo, o ajuste de dose de maneira mais segura. Segundo Pivatto Júnior, Bernardi e Barros (2011), como não é possível memorizar todas as interações medicamentosas, é importante ter em mente alguns princípios gerais. Observe os seus principais: • Monitoramento de fármacos com índice terapêutico estreito, como anticoagulantes, citotóxicos, digitálicos, imunossupressores, anticonvulsivantes. • Atenção aos fármacos indutores enzimáticos, como carbamazepina, barbitúricos, rifampicina e fenitoína, além dos inibidores enzimáticos. 79 FARMÁCIA CLÍNICA • Exposição aumentada ao risco de interação medicamentosa de idosos, em função da senescência. • Garantia de informações fundamentais quanto aos hábitos do paciente quando a anamnese é bem conduzida, principalmente de medicamentos ou substâncias usadas por conta própria. Saiba mais Dada a importância do acompanhamento e seguimento farmacoterapêutico em idosos, leia o artigo a seguir: REIS, A. M. et al. Reação adversa a medicamentos como fator contribuinte para a internação hospitalar de idosos. Revista Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde, v. 8, n. 3, p. 8‑13, jul./set. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3c5O8LJ. Acesso em: 30 jun. de 2022. 5.3 Erro relacionado aos medicamentos O erro relacionado aos medicamentos é considerado um PRM. Trata‑se de um evento com causas multifatoriais e multidisciplinares que pode levar a agravos à saúde dos pacientes nos mais diversos graus. Devemos considerar ainda implicações econômicas ou sociais do problema (OTERO; DOMÍNGUEZ‑GIL, 2000), observamos então aumento do tempo de internação, complicações no tratamento, óbitos, crescimento dos custos para o sistema de saúde, processos e indenizações. Assim, é essencial considerar a severidade dos erros relacionados aos medicamentos em termos éticos, econômicos e sociais. O erro pode ser definido como uma falha no plano farmacoterapêutico a ser realizado como proposta, isto é, temos o erro de execução, ou o uso de um plano errado para alcançar o objetivo proposto, sendo ele considerado erro de planejamento. Em geral, na utilização de medicamentos, são observados erros na prescrição, dispensação e/ou administração. Cabe destacar que o erro pode ocorrer em um ou mais pontos na farmacoterapêutica. Observe que cada etapa dessa cadeia apresenta uma série de pontos críticos característicos do processo, daí considerarmos que o erro relacionado ao uso de medicamentos é um evento com causas multifatoriais e multidisciplinares. Isso se deve ao fato das diversas etapas e/ou processos e fatores humanos envolvidos. Portanto, conforme Brasil (2019a), os erros de medicação podem ser considerados um problema grave de saúde pública, como já comentado, sendo fundamental a execução de monitoramentos e relatos contínuos. 80 Unidade II Lembrete O erro pode ser definido como uma falha no plano farmacoterapêutico a ser realizado como proposta, ou seja, há o erro de execução. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre janeiro e outubro de 2019, a entidade recebeu cerca de 2.771 notificações relacionadas a erros de medicação. Segundo a mesma fonte, estudos realizados em hospitais brasileiros detectaram que a maior parte dos erros de medicação tem relação com o horário de administração, além de erros relacionados à prescrição, preparo e administração dos medicamentos (BRASIL, 2020a). Esse tipo de informação também aponta a necessidade de treinamento, educação continuada e conscientização de todos os profissionais envolvidos no processo de prescrição, dispensação e administração dos medicamentos. Podemos considerar como condutas importantes a serem estabelecidas: compromisso institucional com todos os envolvidos, cultura de segurança, promover a notificação e garantir um ambiente não punitivo (LÓPEZ, 2004). De acordo com Cohen apud Anacleto et al. (2010), o ambiente não punitivo não significa tolerar e/ou ignorar os problemas, mas garantir a observação das regras e protocolos de segurança na utilização dos medicamentos, sempre objetivando melhorar a segurança e perceber que os sistemas podem ser vulneráveis às falhas humanas. Assim, prevenção é a melhor ferramenta (STORPIRTIS et al., 2008). 5.3.1 Classificação dos erros de medicação Diversas formas de classificação dos erros de medicação são observadas na literatura. Mas não podemos deixar de comentar que uma de suas maneiras não exclui outra. Muitas vezes, adaptações são necessárias para atender particularidades e realidades distintas. No Brasil, sabemos que há inúmeros problemas relacionados às notificações de erros de medicamentos. E, nem sempre, elas se adequam à realidade nacional. Entretanto, são ferramentas fundamentais no desenvolvimento dos trabalhos relacionados com a segurança do paciente. Em 1998, o National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention (NCCMERP) publicou uma taxonomia de erros de medicação, classificando‑os em diferentes tipos e subtipos e, em 2002, um grupo de farmacêuticos hospitalares da Espanha criou uma adaptação à classificação. Depois, em 2008, ela foi atualizada. Ela pode ser observada do quadro a seguir. 81 FARMÁCIA CLÍNICA Quadro 9 – Tipos de erros de mediação Tipos e subtipos de erros 1 Medicamento errado 1.1 Prescrição inadequada do medicamento 1.1.1 Medicamento não indicado/não apropriado para o diagnóstico que se pretende tratar 1.1.2 História prévia de alergia ou reação adversa similar 1.1.3 Medicamento inadequado para o paciente por causa da idade,situação clínica, entre outros. 1.1.4 Medicamento contraindicado 1.1.5 Interação medicamento‑medicamento 1.1.6 Interação medicamento‑alimento 1.1.7 Duplicidade terapêutica 1.1.8 Medicamento desnecessário 1.2 Transcrição/dispensação/administração de um medicamento diferente do prescrito 2 Omissão de dose ou medicamento 2.1 Falta de prescrição de um medicamento necessário 2.2 Omissão na transcrição 2.3 Omissão na dispensação 2.4 Omissão na administração 3 Dose errada 3.1 Dose maior 3.2 Dose menor 3.3 Dose extra 4 Frequência de administração errada 5 Forma farmacêutica errada 6 Erro de preparo, manipulação e/ou acondicionamento 7 Técnica de administração errada 8 Via de administração errada 9 Velocidade de administração errada 10 Horário errado de administração 11 Paciente errado 12 Duração do tratamento errada 12.1 Duração maior 12.2 Duração menor 13 Monitorização insuficiente do tratamento 13.1 Falta de revisão clínica 13.2 Falta de controles analíticos 14 Medicamento deteriorado 15. Falta de adesão do paciente 16 Outros tipos 17 Não se aplica Adaptado de: López et al. (2008). 82 Unidade II 5.3.2 Tipos de erros Erro de prescrição O erro de prescrição está relacionado com a elaboração da prescrição farmacoterapêutica e tem importante impacto clínico. Pode ser um erro relacionado à decisão equivocada na tomada de decisão sobre os fármacos a serem prescritos e/ou esquema posológico apropriado, além de estar associada à redação da prescrição. Tal erro é capaz de comprometer em maior ou menor grau a efetividade do tratamento do paciente, inclusive, expondo‑o a riscos clínicos. Erro de dispensação No erro de dispensação, observa‑se o atendimento não condizente da ordem farmacoterapêutica, ou seja, da prescrição. Ocorre no ponto de dispensação de medicamentos por funcionários e/ou farmacêuticos de farmácias e drogarias e pode acontecer, inclusive, no ambiente hospitalar. Cabe destacar que, por obrigação, a prescrição deverá ser adequadamente redigida ou digitada para que esteja clara e legível. Muitos erros de dispensação têm relação com a baixa legibilidade em função da grafia. Infelizmente, casos de prescrições cuja grafia do prescritor são de difícil leitura são muito comuns. Neles, observamos aumento da probabilidade de a dispensação ser comprometida por dificuldade e/ou impossibilidade de leitura, podendo levar a trocas de medicamentos. Dessa forma, atender a prescrições escritas de forma inapropriada aumenta muito a possibilidade de realização de dispensação equivocada. Não podemos esquecer nossa responsabilidade com a segurança do paciente. Erro de administração No erro de administração, observa‑se todo e qualquer desvio no preparo e na administração de medicamentos devidamente prescritos não atendendo às recomendações técnicas do próprio fármaco e/ou da prescrição. Saiba mais Para entender melhor sobre erros de medicação, consulte a cartilha a seguir: ANACLETO, T. A. et al. Erros de medicação. Pharmacia Brasileira, jan./fev. 2010. Disponível em: https://bit.ly/3O2wSUO. Acesso em: 30 jun. 2022. 83 FARMÁCIA CLÍNICA 6 ATENÇÃO FARMACÊUTICA EM ÁREAS ESPECÍFICAS 6.1 Nutrição parenteral (NP) A terapia de nutrição parenteral (NP) é conhecida pela administração intravenosa de misturas nutricionalmente adequadas que consistem em água, dextrose, aminoácidos, eletrólitos, vitaminas e oligoelementos para pacientes incapazes de tolerar alimentação oral ou enteral. Quando todas as necessidades nutricionais diárias são supridas exclusivamente ao paciente por NPl, a terapia é denominada nutrição parenteral total (NPT). Essa terapia é fundamental para pacientes com várias condições clínicas, como recém‑nascidos prematuros, pacientes críticos e aqueles com perda permanente da função gastrintestinal. No Brasil, a NP foi legalmente definida pela Portaria n. 272 do Ministério da Saúde (BRASIL, 1998a), de 8 de abril de 1998, como uma [...] solução ou emulsão, composta basicamente de carboidratos, aminoácidos, lipídios, vitaminas e minerais, estéril e apirogênica, acondicionada em recipiente de vidro ou plástico, destinada à administração endovenosa em pacientes desnutridos ou não, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando à síntese ou à manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas. A nutrição enteral (NE) foi definida pela Anvisa por meio da RDC n. 63, de 6 de julho de 2000, como: [...] alimento para fins especiais, com ingestão controlada de nutrientes, na forma isolada ou combinada, de composição definida ou estimada, especialmente formulada e elaborada para uso por sondas ou via oral, industrializado ou não, utilizada exclusiva ou parcialmente para substituir ou complementar a alimentação oral em pacientes desnutridos ou não, conforme suas necessidades nutricionais, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando a síntese ou manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas (ANVISA, 2000). Conforme as normas vigentes, todas as atividades relacionadas à terapia nutricional parenteral (TNP) e à terapia nutricional enteral (tNE) devem ser exercidas por uma equipe multiprofissional de terapia nutricional (EMTN) que corresponde a um [...] grupo formal e obrigatoriamente constituído de, pelo menos, um profissional de cada categoria, com treinamento específico para esta atividade, a saber: médico, nutricionista, enfermeiro e farmacêutico, podendo ainda incluir profissionais de outras categorias a critério das unidades hospitalares (uh) e/ou das empresas prestadoras de bens e serviços (EpBS) (ANVISA, 2021b). 84 Unidade II Além da Portaria n. 272/1998, que aprova o regulamento técnico para fixar os requisitos mínimos exigidos para a TNP, e da RDC n. 63/2000, que aprova o regulamento técnico para fixar os requisitos mínimos exigidos para a TNE, a TN é regulamentada e reconhecida como um procedimento de alta complexidade estabelecido pela Portaria n. 343, de 7 de março de 2005, que institui no âmbito do SUS mecanismos para a implantação da assistência de alta complexidade em TN (BISSON; CARVALHO; CAPUCHO, 2014). Os farmacêuticos contribuem para o cuidado de pacientes que recebem terapia de NP, são instruídos sobre as compatibilidades físico‑químicas das soluções parenterais, fundamentos da farmacoterapia e técnica da assistência farmacêutica, e obtêm capacitação especial acerca do suporte nutricional para desenvolver a prática especializada. A Farmácia de Suporte Nutricional é focada na melhoria dos resultados da terapia de suporte nutricional. As atribuições do farmacêutico na terapia de NP variam entre os serviços de saúde, dependendo da posição do farmacêutico, e do ambiente de prática. Isso pode variar desde ter um papel limitado na composição de formulações de NPT até a prestação de cuidados diretos ao paciente. O farmacêutico fornece atenção que envolve a prestação direta e responsável de cuidados relacionados a medicamentos com o objetivo de alcançar resultados definitivos que melhorem a qualidade de vida do paciente, podendo ser particularmente relevante para a terapia de NP, tendo em vista a natureza clínica dessa tarefa. No entanto, a implementação da prática de cuidados farmacêuticos tem sido insuficiente em muitos países devido a várias barreiras, como limitações de tempo, pessoal insuficiente e conhecimento clínico deficiente e habilidades de comunicação do pessoal. A terapia NP apresenta uma oportunidade para o farmacêutico participar como parte de uma equipe multidisciplinar na prestação de cuidados nutricionais seguros e eficazes. Além disso, pode otimizar o manejo terapêutico dos pacientes, detectando e resolvendo erros de medicação e/ou problemas relacionados a medicamentos. 6.2 Oncologia A história do farmacêutico na oncologia passou a ser mais presente a partir da década de 1990 através das normativas internacionais divulgadas por Occupational Safety and Health Administration (Osha), National Institute for Occupational Safety and Health (Niosh) e AmericanSociety of Health‑System Pharmacists (AShp). Foram lançados por vários centros hospitalares trabalhos sobre probabilidade de riscos ocupacionais e ambientais; técnicas corretas de manipulação de medicamentos tóxicos; bem como o profissional capacitado para essa prática. O Conselho Federal de Farmácia (CFF) publicou a Resolução n. 288, de 21 de março de 1996, descrevendo o farmacêutico como profissional responsável pela manipulação de drogas antineoplásicas. 85 FARMÁCIA CLÍNICA Em 2004, a Anvisa elaborou a RDC n. 220, de 21 de setembro, aprovando o regulamento técnico de funcionamento dos serviços de terapia antineoplásica. O farmacêutico especialista em oncologia pode destacar‑se em três áreas: • Farmacêutico administrativo: trabalha no recebimento dos medicamentos, é responsável pelo armazenamento adequado e faz o controle logístico e de qualidade, mantendo a correta dispensação, para o paciente certo, na dose solicitada e no horário prescrito. • Farmacêutico especialista em oncologia: conhecedor da manipulação e dos perigos potenciais de cada medicamento antineoplásico. Responsável pela prática ideal de manipulação, tornando o fármaco seguro e sem contaminantes do ambiente de trabalho e de agentes tóxicos. • Farmacêutico clínico: trabalha a favor da equipe multiprofissional para potencializar os efeitos tratamento, bem como a fim de reduzir os riscos e custos do tratamento do paciente. Na avaliação da prescrição médica, deve‑se compreender que existem dois tipos de tratamento: quimioterapia curativa e quimioterapia sem intenção curativa. A quimioterapia curativa pode ser de dois tipos: • Adjuvante: utilizada após cirurgia, para prevenir e/ou erradicar metástases em torno da área do tumor ou prolongar a sobrevida. • Neoadjuvante: pretende a redução parcial do tumor, preparando o paciente para o tratamento cirúrgico e/ou radioterápico (BISSON; CARVALHO; CAPUCHO, 2014). A importância do farmacêutico oncológico no cuidado de pacientes com câncer e na equipe de assistência oncológica foi comprovado em vários estudos. Ele atesta seu valor através de cuidados clínicos que refletem os resultados das pessoas, administração de cuidados de suporte, acompanhamento laboratorial e acréscimo da documentação no prontuário eletrônico. Os ensinamentos transmitidos aos pacientes foram comprovados através das altas taxas de satisfação dos indivíduos e do aumento dos resultados em relação à aprendizagem. Esses profissionais têm atribuição importante ao demonstrar crescimento das taxas de identificação de erros de medicação. Eles auxiliam na redução dos custos através da implementação de programas da qualidade, cuidados hospitalares e ambulatoriais, podendo reduzir o tempo do médico, desenvolvendo modelos de prática independentes e realizando tarefas tipicamente executadas por médicos. 86 Unidade II Os farmacêuticos oncológicos contribuem para consultas ambulatoriais de pacientes oncológicos, evitando, assim, o potencial da escassez de provedores disponíveis para cuidar de pacientes com câncer, além de serem capazes de auxiliar na prevenção do esgotamento que ocorre frequentemente na equipe de saúde oncológica. Diversos estudos demonstram que a melhoria da eficiência e eficácia da equipe de saúde oncológica pode ocorrer com a ampliação do papel do farmacêutico oncológico nas equipes assistenciais. O preparo, a administração e a eliminação dos rejeitos de agentes quimioterápicos exigem prática profissional e conhecimentos técnicos de farmacêuticos. Os profissionais de saúde que trabalham com quimioterapia do câncer devem possuir os seguintes conhecimentos e habilidades (BISSON, 2021): • conhecimentos sobre mecanismo de ação; • modo de administração; • processos de metabolismo e excreção; • indicações de uso e potenciais reações adversas; • competência no manuseio seguro dos rejeitos de quimioterápicos; • educação de pacientes e familiares. 6.3 Dor e cuidados paliativos Segundo a OMS (WHO, 2002, p. 83), cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais. Os farmacêuticos executam esse trabalho através da análise aprofundada das prescrições e das interações medicamentosas, posologia e reações adversas, uma vez que o paciente frequentemente pode apresentar sinais de desconforto como fadiga, constipação intestinal, falta de apetite e náuseas, entre outros. Normalmente associado a pacientes oncológicos, enquadram‑se também no perfil de pessoas com indicação de cuidados paliativos: pacientes demenciados, neurológicos, portadores de insuficiência cardíaca, insuficiência renal crônica, polidiagnosticados e os que se encontram na unidade de terapia intensiva (UTI). 87 FARMÁCIA CLÍNICA O farmacêutico é essencial na atividade de cuidados paliativos. É sua atribuição assistir e colaborar no tratamento dos sintomas, dado que o conforto e a qualidade de vida do paciente sejam assegurados, garantindo o uso racional dos medicamentos. Deve‑se tratar o indivíduo com o menor número de medicamentos possíveis, evitando associações que possam gerar reações e efeitos adversos, ou interações medicamentosas que comprometam o tratamento. Além de prevenir polifarmácia, é fundamental que o profissional possibilite, com a orientação adequada dos medicamentos, a redução dos sintomas da doença, de forma a obter o bem‑estar do paciente que está sendo tratado. A dor é um sintoma constante em pacientes com doenças de princípio oncológico, mas é a manifestação que deve ser aniquilada em um ambiente de tratamento paliativo. Entretanto, vários pacientes, e pessoas ao redor deles, se preocupam com o uso de medicamentos, principalmente opioides, no combate à dor. Um direcionamento é fornecido pelo farmacêutico à equipe multidisciplinar sobre a interação medicamentosa, e o profissional será responsável pelo acompanhamento e esclarecimento de dúvidas que porventura ocorram na utilização dos fármacos. Assim, é papel do farmacêutico a avaliação da prescrição e verificação conforme o protocolo de tratamento. O paciente deverá ser informado sobre quantidade, horários, modo de armazenamento e administração, bem como de possíveis reações que venham a surgir após o uso dos medicamentos. A humanização na atenção farmacêutica é fundamental e precisa fazer parte da equipe responsável pelo cuidado paliativo. Antigamente, as funções de um farmacêutico eram voltadas a um contato menor com os pacientes. Mesmo nos hospitais, tinham como base a manipulação e a logística dos medicamentos. A transformação ocorreu ao longo do tempo, com as mudanças nos deveres, em todo o processo relacionado aos recursos terapêuticos e também às equipes multidisciplinares, além das responsabilidades nas unidades de saúde. Para o farmacêutico, é possível estabelecer um atendimento humano da mesma maneira que os demais profissionais de saúde. Quando se fala em cuidados paliativos, a humanização vai além de um método, e se torna a base de todo um tratamento. O farmacêutico deve estar preparado para fazer sua parte junto aos colegas e ao enfermo. Consta a seguir a descrição dos estudos encontrados com relação ao local de realização e apresentação dos cuidados paliativos. 88 Unidade II Quadro 10 – Descrição dos estudos encontrados com relação ao local de realização, tamanho da amostra, duração do acompanhamento, apresentação dos resultados e grupos de pacientes envolvidos Local do estudo Amostra Duração do acompanhamento Medida dos resultados Divisão do grupo de estudo Espanha n = 672 8 meses Custo do tratamento, PRM, erros de mediação, tempo de tratamento, efetividade, segurança, adesão, indicação Grupo de intervenção farmacêutica NR Pacientescom câncer hematológico (n = 1939) Modelo centralizado (16 meses) e descentralizado (10 meses) Prevenção e identificação dos PRM e de erros de medicação Grupo centralizado e descentralizado Alemanha Pacientes em uso de capecitabina para tratamento de câncer de mama ou colorretal (n = 48) 126 dias Adesão ao tratamento Grupo de intervenção farmacêutica e grupo controle Reino Unido Pacientes tratados com quimioterapia (n = 18) 5 semanas Terapia usada, dose, frequência e duração, administração e problemas de formulação e verificação exata da depuração Grupo de intervenção farmacêutica Alemanha Pacientes com câncer de mama ou de ovário (n = 98) 6 ciclos Náuseas e vômito Grupo de intervenção farmacêutica e grupo controle Jordânia Pacientes adultos (n = NR) 1 ano Segurança, terapêutica, prescrição adequada e educação‑informação Grupo de intervenção farmacêutica Jordânia Pacientes adultos e pediátricos (n = NR) 1 ano Terapêutica, segurança, aconselhamento farmacêutico Grupo de intervenção farmacêutica Singapura Pacientes com linfoma (n = 116) NR Prevenção ou resolução de PRM, custo do tratamento e fluxo de trabalho Grupo de intervenção farmacêutica Alemanha Pacientes em uso de capecitabina (n = 73) 6 ciclos do medicamento Adesão Grupo de intervenção farmacêutica e grupo controle Canadá Pacientes tratados com quimioterapia intravenosa (n = 200) NR Segurança, interação medicamentosa, cálculo de dose, PRM Grupo de intervenção farmacêutica e grupo controle NR Pacientes tratados com terapia intravenosa (n = 102) 4 meses Náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia Grupo de intervenção farmacêutica e grupo controle Adaptado de: Pinho, Abreu e Nogueira (2016). 89 FARMÁCIA CLÍNICA 6.4 Antibioticoterapia e CCIH Uma das mais importantes descobertas da medicina foi o uso dos antibióticos. Anteriormente, a humanidade não tinha recursos eficazes para o combate de qualquer infecção. Assim, a penicilina foi um marco importante. Os antibióticos são de origem natural, semissintética e sintéticos e muitos deles, das classes mais recentes, obtidos do planejamento racional. São amplamente empregados na farmacoterapêutica em função de sua importância clínica. Embora existam disponíveis diversas classes, algumas delas contêm muitos representantes, mesmo assim enfrentamos um enorme desafio na atualidade por causa da resistência bacteriana. Devido ao aparecimento de micro‑organismos resistentes a diversos antibióticos, precisamos limitar o seu uso em alguns casos, o que, muitas vezes, impossibilita o tratamento e torna a situação cada vez mais preocupante. A Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) é constituída por um grupo de profissionais da área de saúde, de nível superior, formalmente designado para planejar, elaborar, implementar, manter e avaliar o Programa de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH) adequado às características e necessidades da unidade hospitalar constituída de membros consultores e executores. O tratamento de pacientes com sinais e sintomas clínicos de infecção se dá pela administração de antimicrobianos. Sendo assim, a antibioticoterapia tem a finalidade de curar uma doença infecciosa (cura clínica) ou de combater um agente infeccioso situado em um determinado foco de infecção (cura microbiológica). Pode ser utilizada de forma terapêutica – que implica utilização de antimicrobianos a partir de um diagnóstico preciso, ou presuntivo da etiologia do processo infeccioso, fundamentado na anamnese, nos exames clínicos e laboratoriais (BRASIL, 2001). O princípio básico da terapia anti‑infecciosa é a determinação do agente causal da infecção e de sua susceptibilidade aos antimicrobianos. Como regra, o diagnóstico de infecção deve ser embasado em resultados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais. Em muitas doenças infecciosas, o quadro clínico e os dados epidemiológicos permitem a presunção da etiologia com grande margem de certeza. Por exemplo, em sarampo, caxumba, erisipela, pneumonia pneumocócica. Em outras circunstâncias, é importante a identificação do agente etiológico e de sua sensibilidade aos antimicrobianos por meio de exames laboratoriais. Por exemplo, em pielonefrite, peritonite, sepse. Entre os possíveis antibióticos efetivos, deve‑se sempre escolher com base em: • menor toxicidade; • via de administração mais adequada; • menor indução de resistência; 90 Unidade II • penetração em concentração eficaz no sítio da infecção; • comodidade posológica; • menor custo. Conforme Bisson (2021), avalia‑se a antibioticoterapia pela resposta clínica e laboratorial de 48 a 72 horas: • curva febril; • leucograma; Existem sinais específicos para cada tipo de infecção; pelos resultados de culturas, segundo os critérios de: • toxicidade; • penetração no sítio de infecção; • necessidade de associação; • disfunção de órgãos; • idade e gravidez; • outros critérios, mesmo que haja melhora clínica. 6.4.1 Importância da farmácia clínica e da atenção farmacêutica para a prescrição correta de antimicrobianos A atuação da farmácia clínica no Programa de Gerenciamento do Uso de Antimicrobianos em Serviços de Saúde (ANVISA, 2017) é primordial para melhorar os resultados do paciente e os indicadores. Para seu desenvolvimento, a presença de um farmacêutico clínico dedicado é algo essencial, com formação adequada e conhecimento na área. De acordo com a Anvisa (2017, p. 42‑43), podemos elencar algumas das atividades voltadas ao uso de antimicrobianos desenvolvidas pela farmácia clínica: • Participação no desenvolvimento e atualização de protocolos de indicação e uso. • Auditoria prospectiva da prescrição após a dispensação inicial pela farmácia. • Auxílio na detecção e prevenção de interações indesejáveis, como medicamento‑medicamento, medicamento‑alimento, medicamento‑nutrição enteral. 91 FARMÁCIA CLÍNICA • Auxílio na detecção e prevenção de reações adversas e erros de medicação. • Auxílio na otimização da posologia conforme características clínicas do paciente (peso, função e hepática, hemodiálise, diálise peritoneal), agente etiológico, sítio infeccioso e características farmacocinéticas e farmacodinâmicas do medicamento. • Otimização da forma de preparo (por exemplo: reconstituição, diluição, forma de administração via sondas, equipamento adequado, velocidade de infusão, tempo total de infusão para manutenção de estabilidade da solução, compatibilidade). • Auxílio na monitorização terapêutica e ajuste de dose, de acordo com concentração plasmática (por exemplo: vancomicina, aminoglicosídeos). • Auxílio no processo de descalonamento, ajuste da terapia, terapia sequencial (conversão de terapia parenteral para oral) e suspensão de tratamento. • Educação dos profissionais de saúde. • Notificação de suspeita de reação adversa a medicamentos, erro de medicação, suspeita de desvio de qualidade ou ineficácia terapêutica. • Orientação do paciente, especialmente no momento da alta. Observação De acordo com Reinhart et al. (2013) apud Moraes et al. (2016), descalonamento pode ser considerado como o estreitamento do espectro antimicrobiano. Isso se dá de forma orientada pela suscetibilidade do micro‑organismo. 7 FARMACOCINÉTICA CLÍNICA Visando o uso seguro e racional dos fármacos, principalmente aqueles que apresentam baixo índice terapêutico, podemos observar a farmacocinética clínica como uma ferramenta extremamente importante, não apenas no processo de monitoramento terapêutico, mas na fase I da pesquisa clínica. Nela, temos os primeiros estudos realizados em humanos com o intuito de avaliar, entre outros, o perfil farmacocinético do medicamento. Para tanto, a especialidade permite a realização da monitoração dos resultados terapêuticos através da monitoração plasmática de fármacos de interesse. Dessa forma, faz‑se necessária uma equipe multidisciplinar devidamente preparada para garantir que todas as etapas do processo,começando pela coleta adequada da amostra, passando pelas análises laboratoriais até a interpretação e, se necessário, ajustes posológicos, sejam conduzidas por profissionais com conhecimentos sólidos sobre farmacocinética. 92 Unidade II Também temos farmacêuticos clínicos, médicos, enfermeiros e a equipe do laboratório envolvidos no processo. O farmacêutico clínico assume a tarefa de interpretar os resultados obtidos para, se necessário, propor alguma modificação no esquema posológico. Conheceremos então algumas ferramentas e conceitos para tal atividade. As duas principais abordagens da farmacologia são: farmacocinética e farmacodinâmica. • Farmacocinética: tem como objetivo estudar todos os aspectos relacionados ao caminho do fármaco no organismo, sendo responsável pelo estudo e compreensão das fases de absorção, distribuição, metabolização e excreção de um medicamento. • Farmacodinâmica: estuda e descreve o local e mecanismo de ação e, consequentemente, os efeitos farmacológicos das substâncias farmacologicamente ativas. Entretanto, há correlação entre a dose que foi administrada, as concentrações plasmáticas e o sítio de ação do fármaco. Para que possamos ter a terapia farmacológica adequada, devemos considerar não somente a farmacocinética e a farmacodinâmica do fármaco, mas a fase farmacotécnica ou biofarmacêutica, pois, para que o fármaco atinja concentrações plasmáticas adequadas, antes ele precisa alcançar a corrente sanguínea. A fase farmacêutica ou biofarmacêutica avalia e acompanha a liberação do fármaco de seu aprisionamento, ou seja, da forma farmacêutica. Ela é de suma importância quando tratamos de formas farmacêuticas sólidas, pois diversos fatores relacionados às características da forma farmacêutica, aspectos físico‑químicos do ambiente no qual deve ocorrer a absorção, fatores referentes à fisiologia e fisiopatologia do paciente podem interferir nela. Dependendo da interferência, pode haver comprometimento importante nas fases subsequentes e, consequentemente, alterações na resposta farmacológica. Considerando um esquema posológico adequado e a adesão apropriada por parte do paciente, a correlação entre os fenômenos farmacocinéticos e farmacodinâmicos permite que a meta farmacoterapêutica seja alcançada. Assim, qualquer comportamento ou resposta não esperada podem ser compreendidos por meio desse conhecimento, permitindo, quando necessário, o ajuste do esquema posológico do paciente. Sabemos que o efeito farmacológico proporcionado por um fármaco tem relação direta com a sua concentração no sítio de ação. Entretanto, em função da distribuição e localização dos alvos farmacológicos, não podemos acessá‑los diretamente para verificar a concentração do fármaco no local de ação por serem inacessíveis. Como exemplo, podemos citar um fármaco cujo alvo molecular encontre‑se no coração. Não é possível coletar amostras do músculo cardíaco para verificação das concentrações do fármaco no sítio de interesse. 93 FARMÁCIA CLÍNICA É possível determinar a concentração do fármaco no plasma e, a partir desse dado, prever sua presença no sítio de ação, em concentrações adequadas para que o efeito terapêutico seja observado. Dessa forma, qualquer alteração plasmática do fármaco leva a modificações nas concentrações nos diversos tecidos e órgãos, incluindo no sítio receptor. Contudo, devemos destacar que a distribuição dos fármacos nos diversos territórios tem relação com características físico‑químicas do ambiente biológico e do fármaco e a necessidade ou não deles de atravessar barreiras. Mas, em linhas gerais, dá para considerar que ao aumentar a concentração plasmática de um fármaco, elevaremos a concentração nos tecidos. O mesmo raciocínio é aplicado ao se observar a diminuição em suas concentrações. Lembrete Conseguimos determinar a concentração do fármaco no plasma e, a partir disso, prever sua presença no sítio de ação. A figura a seguir apresenta essa correlação. Nela, é possível observar a relação entre a concentração do fármaco no compartimento principal (sangue/plasma) e nos tecidos, incluindo‑se os alvos moleculares nos tecidos. Co nc en tr aç ão d o fá rm ac o no p la sm a Concentração do fármaco nos tecidos Figura 8 – Correlação entre as concentrações do fármaco no sangue e nos tecidos Adaptada de: Storpirtis et al. (2008, p. 281). Consequentemente, parâmetros importantes como concentração plasmática terapêuticas e tóxicas são estabelecidos a partir desse raciocínio, prevendo a correlação direta entre dose, concentração plasmática do fármaco e resposta/efeito terapêutico. É possível também determinar a concentração (C) de um medicamento em função do tempo (T) em diversos fluidos biológicos como sangue, urina e saliva após a administração de uma dose. 94 Unidade II A figura a seguir apresenta a curva concentração versus tempo (C x T), mostrando basicamente a variação na concentração de um fármaco em função do tempo após a administração dele. Trata‑se da curva de decaimento. Po rc en ta ge m d a do se a dm in ist ra da Fármaco no sangue (EV) Metabólito excretado Fármaco excretado Fármaco no tecido Fármaco no sangue (VO) 1612840 100 75 50 25 0 Co nc en tr aç ão (%) C (mg/L) Tempo (unidade arbitrária) EV = via endovenosa VO = via oral Figura 9 – Curva de decaimento de um fármaco Adaptada de: Storpirtis et al. (2008, p. 281). Um ponto importante a ser levado em consideração é a via de administração do fármaco. Podemos observar que, no caso daqueles administrados por via oral, a velocidade de absorção será maior que a velocidade de eliminação. Assim, a concentração plasmática do fármaco aumentará em função do tempo. São obtidos então um valor de concentração máxima no plasma (Cmáx) e o tempo necessário para atingir a concentração máxima (Tmáx). Após essa fase, os valores relacionados às taxas de eliminação são predominantes até a eliminação completa do medicamento. Considerando‑se as propriedades de homogeneidade cinética, é possível observar que a curva cinética do fármaco no sangue será semelhante àquela do fármaco no tecido. 7.1 Modelos compartimentais e modelagem farmacocinética Existem modelos matemáticos capazes de descrever os parâmetros cinéticos e nos quais o organismo é representado por um sistema compartimentalizado que leva em consideração suas características intrínsecas. Obviamente esse sistema é uma representação simplificada que permite a compreensão e estudo do comportamento cinético dos fármacos, uma vez que o sistema biológico vivo é extremamente complexo. Dessa forma, o modelo de compartimentos oferece uma aproximação da realidade, mas trata‑se de uma importante ferramenta de estudos farmacocinéticos. 95 FARMÁCIA CLÍNICA O modelo monocompartimental (um compartimento) julga o organismo de forma única e com características homogêneas. Nele, considera‑se que ao administrar um determinado fármaco, ele é imediatamente distribuído pelos mais diversos territórios orgânicos não considerando condições físico‑químicas, anatômicas ou travessia barreiras. A finalização do processo se dá por eliminação/excreção. Observe a figura a seguir, ela ilustra uma representação esquemática do modelo de um compartimento. Administração do fármaco Distribuição (compartimento) Eliminação/Excreção Figura 10 – Representação esquemática do modelo monocompartimental No modelo de dois compartimentos (bicompartimental) é possível observar a divisão do organismo em central e periférico. O compartimento central é representado por sangue (plasma) e territórios nos quais se consta elevada perfusão, como cérebro, coração, rins, pulmões, fígado e glândulas endócrinas. Neles, há altas concentrações do fármaco logo após sua administração. O segundo compartimento é representado pelo tecido adiposo, pele e musculatura estriada. Nesses territórios, o fármaco chega mais lentamente. A figura a seguir exibe uma representação esquemática do modelo bicompartimental.Administração do fármaco Compartimento central (plasma) Eliminação/Excreção Compartimento periférico Figura 11 – Modelo bicompartimental No modelo bicompartimental é possível avaliar a distribuição do fármaco no sangue para os tecidos, bem como o seu retorno para o compartimento central (principal), o sangue. Um ponto interessante aqui é a possibilidade de observação da diferença entre tecidos com mais perfusão daqueles com menor perfusão sanguínea. Observe a figura a seguir, nela conseguimos visualizar uma representação gráfica do comportamento cinético de um fármaco após administração em dose única em bolus. 96 Unidade II Concentração inicial (pico) Fase alfa (distribuição) Co nc en tr aç ão p la sm át ic a Fase beta (eliminação) Tempo após a administração C0 Figura 12 – Representação esquemática da concentração plasmática de um fármaco administrado por via endovenosa, em dose única – modelo bicompartimental Fonte: Fuchs e Wannmacher (2017, p. 77). Observação Em bolus é uma expressão muito utilizada na prática clínica. Trata‑se de uma forma de administração endovenosa de um medicamento injetável de modo rápido, aumentando sua concentração aceleradamente no sangue. Na figura anterior observamos que no início tem‑se alta concentração do fármaco no compartimento principal (sangue). Em um dado momento, vemos o declínio rápido devido à distribuição do fármaco no compartimento periférico. Por definição, esse período é designado como fase alfa (distribuição). A duração da fase de distribuição tem relação direta com a meia‑vida (T1/2) de distribuição. Assim que se estabelece o equilíbrio entre os compartimentos central e periférico, a queda da concentração plasmática do fármaco estará ligada à eliminação/excreção da substância. Na sequência, há a chamada fase beta (eliminação). Nesse caso, medida pela meia‑vida (T1/2) de eliminação. Em geral, as concentrações plasmáticas do fármaco caem abaixo do nível considerado terapêutico justamente nessa fase, pois trata‑se de uma fase mais lenta se comparada à distribuição (FUCHS; WANNMACHER, 2017). Portanto, a partir da curva de concentração plasmática, podemos calcular matematicamente os volumes de distribuição, também denominado volume de distribuição aparente, nos diversos compartimentos, utilizando expressões matemáticas. O volume de distribuição (Vd) estabelece relação entre a quantidade de fármaco no organismo e sua concentração (C) no sangue. Ele é calculado através da seguinte expressão: 97 FARMÁCIA CLÍNICA Vd = Quantidade de fármaco no organismo C Também é possível calcular o volume de distribuição nos compartimentos. Assim, temos o volume de distribuição no compartimento central (Vc). Ele é calculado através da seguinte fórmula: Volume de distribuição central = Dose Concentração inicial Após a fase de distribuição entre os compartimentos central e periférico, há o volume de distribuição no equilíbrio (Ve), parâmetro que é calculado através da seguinte fórmula: Volume de distribuição de equilíbrio = 0 Dose C Sendo que C0 representa a concentração plasmática do fármaco. Trata‑se de uma concentração hipotética por refletir uma distribuição imediata do fármaco. Na realidade, temos o processo de eliminação ocorrendo concomitantemente com o processo de distribuição do fármaco. Entretanto, esse raciocínio permite compensar a perda na concentração do medicamento durante o processo. Assim, o volume de distribuição no equilíbrio equivale ao volume de distribuição aparente. Após a fase de equilíbrio, a queda da concentração do fármaco está relacionada com as taxas de eliminação, ou seja, pela depuração (eliminação) plasmática ou clearance. Existe uma expressão matemática que permite o cálculo da depuração de um fármaco por um determinado compartimento. Ela considera o fluxo plasmático do órgão (Q) e a capacidade de extração. Depuração = Q . E Onde: Q = fluxo plasmático do órgão e E = capacidade de extração. Para fármacos cuja velocidade de metabolização é diretamente proporcional à concentração do fármaco livre, a capacidade de extração de um dado órgão expressa a capacidade desse órgão de retirar, extrair todo o fármaco presente na corrente sanguínea. Os rins e o fígado são aqueles com maiores taxas de extração, contribuindo de forma importante na depuração. A depuração renal é a mais fácil de ser determinada. Isso pode ser feito através da análise da concentração plasmática do fármaco presente no plasma ou na urina. A meia‑vida de eliminação, que expressa o tempo necessário para reduzir pela metade a quantidade do fármaco no organismo durante o processo de eliminação, apresenta relação direta e proporcional ao volume de distribuição de equilíbrio, sendo inversamente proporcional à depuração do fármaco. Ela pode ser calculada a partir da seguinte expressão: ( ) 0,693 . Vd1 eliminação 2 depuração T = Onde: Vd = volume de distribuição. 98 Unidade II Essas expressões matemáticas permitem os cálculos necessários para o planejamento racional de diversos esquemas posológicos como dose única, infusão contínua e múltiplas doses. O esquema posológico é a expressão usada para descrever como um fármaco será administrado levando em consideração a dose e duração do tratamento. Lembrando que este deve ponderar a meta farmacoterapêutica. Exemplo de aplicação Um paciente internado na UTI de um hospital de alta complexidade está recebendo um antibiótico por via endovenosa. A concentração plasmática é de 12 mg/dL logo após a administração de uma dose de 600 mg. Assim, calcule o volume de distribuição desse antibiótico. Dose = concentração . Vd 600 = 12 .Vd Vd = 50 dL ou 5 L Sendo que: Vd = volume de distribuição e 1 dL = 0,1 L 7.2 Esquemas de administração de fármacos 7.2.1 Dose única Dependendo do objetivo terapêutico estabelecido, o tratamento consiste na administração do fármaco em esquema de dose única. Eventualmente, faz‑se necessária a repetição da dose devido à situação clínica em questão. Entretanto, caso haja tal necessidade, é preciso estimar quanto da dose inicial ainda permanece no organismo. Para tanto, deve‑se considerar que a cada t1/2 (meia‑vida) a concentração do fármaco reduz em 50%. Portanto, se imaginarmos de 4 a 5 meias‑vidas após a administração a dose, dá para crermos que o fármaco foi eliminado. Para o cálculo de dose única, utiliza‑se a seguinte fórmula: Dose única = concentração eficaz . VAD Onde: VAD = volume aparente de distribuição. Essa expressão é utilizada considerando a administração por via endovenosa, na qual o fármaco não passa por absorção. No caso do emprego de outra via, como oral e outras pelas quais o medicamento atravessa durante a fase de absorção, devemos ponderar a biodisponibilidade do fármaco. Biodisponibilidade é um termo empregado para expressar a fração do fármaco administrado que alcança a circulação sistêmica na sua forma inalterada. Nesse caso, utiliza‑se a seguinte expressão matemática para o cálculo da dose: 99 FARMÁCIA CLÍNICA Dose única = ADConcentração eficaz . V f Onde: f = biodisponibilidade e VAD = volume de distribuição aparente. A administração do fármaco por vias nas quais ocorre absorção exige normalmente doses mais elevadas, uma vez que ele tem de atravessar barreiras até atingir o compartimento principal. Cabe destacar que o emprego de fármacos em esquema de dose única precisa ser cuidadoso no caso daqueles de baixo índice terapêutico em função do risco de ocorrência de reações adversas e toxicidade. O índice terapêutico estabelece relação entre a dose letal de um fármaco para 50% dos indivíduos (DL 50%) e a dose eficaz (DE 50%) de um fármaco para 50% dos indivíduos. Observe a expressão a seguir, que apresenta a forma de calcular o índice terapêutico (IT): Índice terapêutico (IT) = DL 50% DE 50% Assim, o índice terapêutico indica a margem de segurança no emprego de um fármaco por estabelecer a relação entre a dose eficaz e a dose tóxica. Para esses fármacos, é interessante
Compartilhar