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Hematologia - Anemias Carenciais e Falciforme

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Quantidade de ferro na dieta: 6 a 8 mg/1.000 cal, 
representa 10 a 15mg diários. 
Absorção: 10 a 12%. Na mulher, em período pré-
menopausa ou durante gestação, e em crianças na idade 
de crescimento, a absorção de ferro varia de 1,0 a 2,0 
mg/dia; no homem adulto, de 0,5 a 1,0 mg/dia. O ferro 
heme é também absorvido; cerca de 15% do que se 
ingere são absorvidos. 
Perda: fezes, menstruação, descamação das células 
intestinais e epidérmicas. 
O conteúdo férrico de um organismo adulto é de 
aproximadamente 4g. O ferro encontra-se, 
principalmente, ligado aos radicais prostéticos das 
porfirinas dos grupos heme das moléculas de 
hemoglobina (65%) e de mioglobina (5%), como também 
as enzimas (1%). O restante está sob formas de ferritina 
e de hemossiderina, no fígado. 
 
 
A absorção de ferro ocorre, preferencialmente, no 
duodeno e no jejuno, diminuindo progressivamente em 
direção ao íleo. 
O mecanismo celular de absorção de ferro não está 
ainda bem esclarecido, mas a absorção é maior em meio 
ácido (importância do HCl) e substâncias que aumentam 
a conversão do íon férrico
3+
 em ferroso
2+
 (vitamina C, 
fosfatos, oxalatos, aminoácidos livres) também ajudam. 
• O ferro heme é absorvido na membrana luminal 
por mecanismo ainda não conhecido. No citosol 
do enterócito, o grupo heme sofre ação da heme 
oxigenasse, liberando o Fe
2+
, que pode ser 
oxidado a Fe
3+
, o qual é então reduzido a íon 
ferroso (Fe
2+
) por ação da enzima ferro redutase. 
O Fe
2+
, por sua vez pode ser transportado para o interior 
celular por duas vias distintas: 
• No lúmen do intestino, o Fe
2+
 interage com a 
transferrina formando o complexo Fe
2+
-Tf, que se 
liga a um receptor de transferrina, para penetrar 
no enterócito por endocitose. No citosol, o baixo 
pH da vesícula endocítica causa a liberação do 
ferro do complexo Tf-receptor. Esse complexo é 
reciclado para a ML, deixando o ferro livre no 
citosol. 
• O Fe
2+
 pode também ser transportado para o 
citosol através do cotransportador H
+
:Fe
2+
 
(DMT1). Para isso, é reduzido pela DcytB redutase 
(Duodenal cytochrome B). 
Como as formas de ferro ionizado e livre são citotóxicas, 
o ferro do citosol interage principalmente com a 
mobilferrina para ser tamponado. Quando os níveis 
plasmáticos de ferro são elevados, aumenta a formação 
intracelular de mobilferrina, com diminuição da 
transferência do íon para o plasma. O oposto ocorre 
quando esse níveis ficam reduzidos. 
Uma vez no citoplasma do enterócito, o ferro tem dois 
caminhos: Ser armazenado como ferritina ou atravessar 
a membrana basolateral para chegar ao citoplasma. A 
proporção de ferro que segue cada uma das vias é 
determinada quando a célula é formada nas criptas do 
epitélio intestinal. 
A proteína HFE e o receptor de transferrina formam o 
complexo HFE-TfR que modula a capacidade absortiva do 
enterócito que futuramente irá migrar para os vilos 
intestinais. O ferro que permanece nos enterócitos é 
perdido quando a célula morre e é descamada, não 
sendo efetivamente absorvido. 
O transporte de ferro na membrana basolateral ainda é 
pouco compreendido; provavelmente o ferro é 
transportado nesta barreira ligado ao transportador IRE 
(iron-responsive element) ou ferroportina. No plasma, o 
Fe
2+
 é oxidado a Fe
3+
 (pela Hefaestina) que interage com 
uma transferrina plasmática, a fim de ser transportado 
para os tecidos. 
 
hematologia: 
anemias
Igor Mecenas 
 
 
 
Quando o ferro é absorvido pelo intestino delgado, ele 
imediatamente se combina, no plasma sanguíneo, com a 
beta globulina apotransferrina para formar transferrina, 
que é em seguida transportada pelo plasma. O ferro na 
transferrina está ligado frouxamente e por conseguinte, 
pode ser liberado para qualquer ponto do corpo. O 
excesso de ferro no sangue é depositado nos hepatócitos 
e em menor quantidade nas células reticuloendoteliais da 
medula óssea. 
A captação do ferro ligado à transferrina é intermediada 
pelo TfR, que pode ocorre sob duas formas: 
• O TfR1 é amplamente expresso na maioria das 
células; 
• OTfR2 é restrito a hepatócitos, células da cripta 
duodenal e células eritroides, sugerindo que o 
TfR2 desempenhe um papel mais especializado 
no metabolismo do ferro. 
 
 
 
 
Cerca de 25% do ferro do organismo estão localizados 
em reservatórios, principalmente fígado e baço, um 
pouco menos pela pele e a própria medula óssea. 
Excetuando-se o ferro da hemoglobina sanguínea, sem 
dúvida, a maior proporção de ferro no corpo é 
armazenada no fígado, sob a forma de ferritina. O ferro 
também pode depositar-se como Fe(OH)
3 
coloidal. 
As células hepáticas contêm grande quantidade de 
apoferritina. No citoplasma das células, o ferro se 
combina com a apoferritina formando ferritina. Uma 
quantidade variável de ferro pode se combinar, por meio 
de aglomerados de radicais de ferro, com essa molécula. 
Dessa maneira, a ferritina pode conter de pequenas a 
grandes quantidades de ferro. 
Assim, o sistema hepático da apoferritina atua como 
tampão do ferro sanguíneo, assim como meio de 
armazenamento de ferro. Quando o ferro se encontra 
disponível nos líquidos corporais em quantidades extras, 
ele forma ferritina e é armazenado nas células hepáticas 
e quando atinge nível baixo, a ferritina libera o seu ferro. 
Quando a quantidade de ferro no plasma diminui, parte 
do ferro no depósito de ferritina é mobilizada com 
facilidade e transportada sob forma de transferrina pelo 
plasma para onde é necessária. Ela tem forte ligação aos 
receptores das membranas celulares das hemácias na 
medula óssea e é ingerida pelo eritroblasto por 
endocitose. O ferro é liberado para as mitocôndrias, 
onde o heme é sintetizado. 
 
Pequenas quantidades são armazenadas sob forma 
extremamente insolúvel (hemossiderina). Isso ocorre de 
modo particular, quando a quantidade total de ferro no 
organismo é superior à que pode ser acomodada no 
reservatório de depósito da apoferritina. A hemossiderina 
forma aglomerados bastante grandes nas células e, 
portanto, pode ser observada ao microscópio como 
grandes partículas. 
 
Durante a vida extrauterina, ocorre exclusivamente na 
medula óssea, enquanto, na vida fetal, ocorre em outros 
tecidos, como o fígado ou baço. A medula existe 
praticamente em todos os ossos durante os primeiros 
anos de vida, para ir diminuindo gradativamente com a 
idade, até ficar limitada, posteriormente, aos ossos 
chamados membranosos, como esterno, costelas, 
 
vértebras, pelve etc. No indivíduo idoso, o volume 
funcionante de medula óssea é menor ainda que aquele 
dos jovens. Calcula-se que a cada 24 horas são repostas 
aproximadamente 2x10
11
 das células destruídas. 
Quando ocorre um estímulo muito intenso da 
eritropoiese, por exemplo, após uma hemorragia 
importante, outros tecidos ósseos que têm normalmente 
uma medula vermelha muito limitada podem começar de 
novo uma intensa atividade formativa de hemácias, e em 
casos extremos, também o fígado e o baço podem 
reassumir a função eritropoiética. 
• Células precursoras: células-tronco (ou trancais 
ou, genericamente, stem cells), correspondentes a 
células pluripotentes indiferenciadas que, sob a 
ação de fatores de crescimento originariam a 
célula-tronco mieloide e a partir dela, a UFC 
eritroide. 
• Pró-eritroblasto: é continuamente formado a 
partir de células precursoras. Pela ação de fatores 
maturativos, dá lugar à produção exclusiva de 
elementos figurados no sangue. Contém 
polirribossomos livres. 
• Eritroblasto Basófilo: Uma célula filha 
compromete-se na formação exclusiva de 
eritrócitos. Inicia a síntese de hemoglobina. O 
eritroblasto basófilo não se divide, porém 
apresenta uma estocagem de proteínas e enzimas 
que levam à síntese de hemoglobina e anidrase 
carbônica. 
• Eritroblasto policromatílico: Se tinge com vários 
corantes, devido ao seu protoplasma 
parcialmente desprovido de hemoglobina 
(basófilo) e parcialmente impregnado com 
hemoglobina. Sofre mitoses e o núcleo começa a 
regredir.• Eritroblasto ortocromático: Núcleo condensado 
(picnótico) e diminuição gradual do diâmetro 
celular. 
• Reticulócitos: Apresenta uma fina rede que 
apresenta características de retículo basófilo, que 
é o remanescente do retículo endoplasmático do 
eritroblasto. Representa um eritrócito jovem, que 
pode sair da medula precocemente, sem ter 
completado totalmente a síntese de hemoglobina. 
Apresenta-se no sangue periférico em número 
maior quando a eritropoiese aumenta; é então 
indicativo de uma ativa produção eritrocitária. Os 
reticulócitos penetram no sistema vascular, 
transformando-se em eritrócitos mesmo dentro 
de 24 a 48h 
• Eritrócito: Quando a síntese de hemoglobina é 
finalizada e as diferentes organelas subcelulares, 
diminuindo de tamanho, espalham-se pelo 
citoplasma e finalmente são extruídas da célula. 
 
Na produção de eritrócitos, deve-se considerar a síntese 
de proteínas, dado que parte da hemoglobina, a globina, 
é uma proteína; precisa-se então de aminoácidos, além 
do ferro, coenzimas (vitaminas) e fornecimento de 
energia. Para a formação das hemácias, observam-se 
duas fases sucessivas: uma primeira fase de mitoses, com 
grande número de células como resultado final, e uma 
segunda, de diferenciação, com formação de 
hemoglobina. 
Primeira fase (Mitótica) 
Necessita de ácido fólico (B
9
) e vitamina B
12
 
(cianocobalamina). 
• Ácido fólico: B
9
 ou ácido pteroil-glutâmico, é um 
fator de maturação por ser elemento 
indispensável na formação de ácidos nucléicos 
agindo na metilação do desoxiuridilato, 
formando desoxitimidilato, que é um nucleotídeo 
necessário para a síntese de DNA. Encontra-se 
especialmente nos alimentos vegetais, em 
particular nas folhas (daí o nome fólico), como 
alface, almeirão, repolho, espinafre, mas 
também na laranja e no fígado. A quantidade 
necessária de ácido fólico por dia não é 
rigidamente exata, mas deve estar em tomo de 
200 mg; sua carência diária produz anemia 
macrocítica sem distúrbios do sistema nervoso. 
• Vitamina B12: é também indispensável para a 
fase divisória da eritropoiese, porque representa 
um fator de maturação para todas as células que 
crescem. Age também como coenzima, na 
conversão dos nucleotídeos da ribose em 
nucleotídeos de desoxirribose, necessária na 
formação de DNA. É sintetizada na natureza por 
microrganismos; os animais adquirem-na 
ingerindo alimentos de origem animal, pela 
produção interna das bactérias intestinais (não 
ocorre em humanos), ou pela ingestão de 
alimentos contaminados com bactérias. Consiste 
em um pequeno grupo de compostos, as 
cobalaminas, todas com a mesma estrutura 
básica, com um átomo de cobalto no centro de 
um anel corrina ligado a uma porção 
nucleotídica. Não ocorre em frutas, cereais e 
verduras. Sua carência determina que as células 
mães da série vermelha não se dividam em 
quantidade suficiente mas, incorporando 
aminoácidos em velocidade normal, crescem na 
medula grandes células (megaloblastos), 
aparecendo no sangue circulante poucos 
glóbulos vermelhos de tamanho exagerado. Essa 
anemia chama-se anemia perniciosa de Biermer. 
O megalócito formado tem uma membrana 
frágil, daí sua curta meia-vida; Castle 
demonstrou que, para ser absorvida, a B12 
precisava ligar-se a ao fator intrínseco (um 
glicosaminoglicano) permitindo sua absorção por 
pinocitose na mucosa intestinal. O fator intrínseco 
é secretado na mucosa do antro pilórico do 
estômago. Uma vez absorvida, a vitamina B12 é 
armazenada no fígado. Mais recentemente, foi 
identificado um fator proteico da secreção salivar 
que permitiria a ligação da vitamina B12 ao fator 
intrínseco. 
 
 
Segunda fase (diferenciação) 
Ocorre uma intensa síntese de hemoglobina, 
característica da hemácia. Para a síntese de hemoglobina 
precisa-se de ferro (no estado ferroso), aminoácidos, 
cobre (2 mg/dia), piridoxal (vitamina B6), e traços de 
cobalto e níquel. 
O estímulo mais potente que age sobre a medula óssea 
para produzir mais hemácias é a hipóxia tissular 
(diminuição da pressão parcial de oxigênio). A hipoxia 
não age diretamente sobre a medula óssea, já que a 
hipoxia deprime a medula. Observa-se que quando o rim 
fica hipoxêmico, libera-se eritropoietina (EPO), hormônio 
- altamente glicosilado que contém aproximadamente 
5g% de carboidrato, principalmente ácido siálico - que 
pode estimular a eritropoiese, e cuja concentração 
plasmática oscila entre 8 a 18 U/L, e pode aumentar, até 
exageradamente, em situações de anemia decorrente de 
hipóxia celular; a via média é de 5-6 horas, sendo o seu 
catabolismo hepático principalmente por ruptura das 
ligações de ácido siálico. 
Aparentemente, o rim constituiria a principal fonte de EPO 
no adulto; porém no animal renoprivo a taxa plasmática 
de eritropoietina persiste; enquanto em situações de 
hiperoxia ou de hipertransfusão tais níveis efetivamente 
são deprimidos. Existiria, então, uma eritropoietina não 
renal, a qual seria secretada por células hepáticas. 
Aceita-se a existência de um receptor ou sensor de 
oxigênio, provavelmente representado por uma 
hemeproteína que, tanto na célula renal, como na 
hepática, atuaria como sensor de pO2, pela qual induzir-
se-ia produção de eritropoietina. Desconhece-se a 
localização celular de dito sensor de oxigênio, mas novas 
evidências sugerem que poderia radicar nos fibroblastos 
do mesmo espaço peritubular e intersticial, onde é 
mesmo detectada a síntese de eritropoietina. 
 
 
Inicia-se nos eritroblastos, que formam uma proteína 
conjugada composta de duas partes: o núcleo heme e a 
globina. 
• Heme: é uma metaloporfirina e é sintetizado na 
mitocôndria, onde quatro compostos pirrólicos 
combinam-se formando protoporfirinas; uma 
delas, a protoporfirina IX, combina-se com o ferro 
em estado ferroso, constituindo-se o heme. 
• Globina: contém histidina e é sintetizada no 
retículo endoplasmático. Liga-se ao heme (4 
hemes: 1 globina) constituindo-se a 
hemoglobina, de peso molecular 66,7 kD. 
 
A hemoglobina possui grande afinidade pelo oxigênio, 
que então se liga a ela formando oxiemoglobina, através 
de uma combinação frouxa reversível, que depende da 
pressão de O
2
, do pH e da temperatura. A ligação frouxa 
deve-se à impossibilidade da combinação do O
2
 com as 
duas valências positivas do ferro (Fe
2+
); liga-se, então, 
fracamente com duas das seis valências de coordenação 
do ferro, de modo que cada molécula de hemoglobina, 
que tem quatro átomos de ferro, transporta quatro 
moléculas de oxigênio. Deve-se salientar que o ferro da 
hemoglobina está em estado ferroso (Fe
2+
), capaz 
portanto de se ligar e desligar facilmente do O
2
; se o ferro 
for oxidado, passa para Fe
3+
(férrico), que não possui a 
capacidade de ligar-se ou desligar-se do O
2
. 
A oxidação do ferro na hemácia pode ocorrer pela 
produção de H
2
O
2
 que se dissocia em H
2
O e O
2
 e pode 
oxidar o Fe
2+
, passando para Fe
3+
. 
Existe também na hemácia a glutationa reduzida, que se 
reduz a H
2
O
2
 e a torna incapaz de oxidar o ferro. Não 
obstante, o Fe
3+
 pode passar para Fe
2+
 pela ação do 
NADPH e NADH, que doam seus H
+
 e o Fe
3+
 passa para 
Fe
2+
. 
Uma droga, a fenilidrazina, produz ruptura dos glóbulos 
vermelhos por hemólise. Ela oxida o Fe
2+
 formando Fe
3+
, 
requerendo quantidades grandes de NADPH e NADH 
para permitir a passagem novamente a Fe
2+
; mas, à 
medida que vão se formando o NADPH e NADH, por 
feedback negativo, inibe-se a glicólise anaeróbica, com 
menor formação de ATP. Sabe-se que o eritrócito possui, 
em sua membrana, a espectrina, que confere resistência 
à membrana globular, permitindo-lhe que se deforme, 
durante sua passagem pelos vasos sanguíneos pequenos, 
sem se romper. Nas condições de déficit de ATP, não 
haveria fósforo suficiente para fosforilar a espectrina. Isto 
leva a uma espectrina fisiologicamente insatisfatória, que 
outorga menor resistência à membrana globular, 
ocorrendo facilmente a destruição da hemácia frente a 
deformações mínimas.As hemácias, na circulação, duram aproximadamente 
120 dias porque contêm um estoque limitado de enzimas 
citoplasmáticas necessárias à metabolização de glicose. 
Mas no decorrer do tempo, esta estocagem vai se 
perdendo, e não pode ser reposta, pois as hemácias 
carecem de DNA e RNA, tornando-se os glóbulos menos 
ativos metabolicamente e ficando mais frágeis, 
rompendo-se em passagens vasculares muito estreitas, 
como acontece, especialmente, na polpa vermelha 
esplênica. A destruição da hemácia pode ocorrer 
simplesmente no próprio sangue circulante, porém seria 
mais frequente que a fragmentação eritrocitária ocorra 
no baço, pelo atrito maior de uma membrana frágil 
contra as paredes vasculares estreitas e sinuosas. 
Na hemólise, as hemácias estouram e os elementos 
constitutivos são eliminados no plasma. As primeiras 
células a serem hemolisadas seriam as mais velhas, 
porque sua membrana é mais fraca, sendo a espectrina 
fosforilada dependente da produção de ATP; quando 
falha a glicólise anaeróbica, haverá a consequente 
alteração da membrana. 
Logo após a hemólise, a hemoglobina liberada é 
fagocitada pelas células macrofágicas do sistema 
macrofágico, especialmente do baço, onde ocorre maior 
destruição celular. No sistema macrofágico a 
hemoglobina é quebrada nos dois constituintes básicos, 
heme e globina. A globina incorpora-se ao pool proteico 
e, portanto, comporta-se como qualquer outra proteína 
de origem tecidual. O ferro é liberado do heme e 
transportado pela transferrina, incorporando-se, por sua 
vez, ao pool de ferro, podendo ser utilizado na nova 
síntese de hemoglobina, ou ser depositado nos 
reservatórios teciduais. Por outro lado, a estrutura cíclica 
da protoporfirina é perturbada, abrindo-se o anel, 
ficando uma estrutura de forma linear, chamada 
biliverdina, que logo é reduzida a bilirrubina, que circula 
em forma livre (não conjugada), pelo sangue, até chegar 
ao fígado, de onde é eliminada pela bile. 
 
Etimologicamente anemia significa falta de sangue, mas 
realmente há só diminuição da hemoglobina circulante, 
que é menor que 840g no total, determinando-se taxas 
sanguíneas menores de 14g%. A hemoglobina 
corpuscular média diminui de 34g% em regra geral, mas 
não forçosamente, porque o que interessa é a redução da 
quantidade total de hemoglobina. Sabendo que a 
hemoglobina total depende da fórmula 
Hb = P x Vm, 
pode-se estabelecer que poderia haver anemia quando: 
1. da diminuição da produção de hemácias; 
2. da redução da vida média das hemácias. 
As anemias associadas a eritrócitos normocíticos e 
normocrômicos bem como a uma resposta 
inapropriadamente baixa dos reticulócitos (índice de 
reticulócitos < 2 a 2,5) são anemias hipoproliferativas, 
categoria que abrange a deficiência de ferro em seu 
estágio inicial (antes do desenvolvimento dos eritrócitos 
microcíticos hipocrômicos), a inflamação aguda e crônica 
(incluindo muitos cânceres), a doença renal, certos 
estados hipometabólicos, como a desnutrição proteica e 
deficiências endócrinas, além das anemias causadas por 
lesão da medula óssea. 
 
A deficiência de ferro é uma das formas mais prevalentes 
de má nutrição. Globalmente, 50% da anemia são 
atribuíveis à deficiência de ferro e são responsáveis por 
cerca de 841.000 mortes anualmente em todo o mundo. 
A África e partes da Ásia respondem por 71% dos óbitos. 
Já a América do Norte representa apenas 1,4% da 
morbidade e mortalidade associadas à deficiência de 
ferro. 
De acordo com a OMS, anemia é um problema de saúde 
pública global, que afeta o estado de saúde, a 
capacidade laborativa e a qualidade de vida de cerca de 
2 bilhões de pessoas, cerca de um terço da população 
mundial. A Deficiência de Ferro (DF) é responsável por 
75% de todos os casos de anemia. Tanto em países 
subdesenvolvidos quanto em países desenvolvidos, a DF 
advém principalmente de desigualdades sociais. É muito 
mais prevalente em estratos sociais mais baixos, nos 
grupos de menor renda, e na população menos educada 
Esse dado deve ser considerado na proposição de 
medidas populacionais de profilaxia e tratamento. 
 
 
 
 
 
A evolução para deficiência de ferro pode ser dividido em 
três estágios. 
• Balanço de ferro negativo: as demandas (ou as 
perdas) de ferro excedem a capacidade do 
organismo de absorver o ferro da dieta. Essa fase 
resulta de diversos mecanismos fisiológicos, como 
perda de sangue, rápidos surtos de crescimento 
no adolescente ou ingestão inadequada de ferro 
alimentar. A ocorrência de uma perda de sangue 
 
de mais de 10-20 mL de eritrócitos por dia é 
superior à quantidade de ferro absorvível pelo 
intestino a partir de uma dieta normal. Em tais 
circunstâncias, o déficit de ferro deve ser 
compensado pela mobilização do ferro dos locais 
de armazenamento no RE. Durante esse período, 
as reservas de ferro diminuem. Enquanto houver 
reservas passíveis de mobilização, o ferro sérico, 
a capacidade total de ligação ao ferro (TIBC) e os 
níveis de protoporfirina eritrocitária irão 
permanecer dentro dos limites normais. Nesse 
estágio, a morfologia do eritrócito e os índices 
eritrocitários são normais. 
• Eritropoiese deficiente em ferro: Quando ocorre 
depleção das reservas, o nível sérico de ferro 
começa a diminuir. Gradualmente, a TIBC 
aumenta assim como os níveis de protoporfirina 
eritrocitária. Por definição, as reservas de ferro 
medular estão ausentes quando o nível sérico de 
ferritina é <15 μg/L. Contanto que o ferro sérico 
permaneça dentro da faixa normal, a síntese da 
hemoglobina não é afetada a despeito da 
redução das reservas de ferro. Quando a 
saturação da transferrina cai para 15 a 20%, a 
síntese da hemoglobina é afetada, constituindo o 
período de eritropoiese deficiente em ferro. A 
cuidadosa avaliação do esfregaço de sangue 
periférico revela o primeiro aparecimento de 
células microcíticas, e, se houver disponibilidade 
de tecnologia laboratorial, pode-se detectar a 
presença de reticulócitos hipocrômicos na 
circulação. 
• Anemia ferropriva: Gradualmente, a 
hemoglobina e o hematócrito começam a 
diminuir, refletindo a anemia por deficiência de 
ferro. A saturação da transferrina nesse momento 
é de 10 a 15%. Quando ocorre anemia 
moderada (Hb de 10-13 g/dL), a medula óssea 
permanece hipoproliferativa. Na anemia grave 
(Hb de 7-8 g/dL), a hipocromia e a microcitose 
tornam-se mais proeminentes, aparecem células-
alvo e eritrócitos deformados (pecilócitos) no 
esfregaço sanguíneo, com formas em charuto ou 
lápis e a medula eritroide torna-se cada vez mais 
ineficaz. 
 
Em consequência, na anemia ferropriva prolongada e 
grave ocorre hiperplasia eritroide da medula óssea mais 
do que hipoproliferação. 
 
Deficiência de ferro pode gerar redução da capacidade 
funcional de vários sistemas orgânicos, estando 
associada à alteração do desenvolvimento motor e 
cognitivo em crianças, redução da produtividade no 
trabalho e problemas comportamentais, cognitivos e de 
aprendizado em adultos. 
Em gestantes, aumenta o risco de prematuridade, baixo 
peso, sendo responsável por 18% das complicações no 
parto e morbidade materna. 
As queixas costumam ser leves, pois a anemia se instala 
de maneira insidiosa, gerando adaptação, e há pacientes 
completamente assintomáticos. 
Pode-se observar palidez cutaneomucosa, fadiga, baixa 
tolerância ao exercício, redução do desempenho 
muscular, perversão alimentar ou pica (desejo e consumo 
de substâncias não nutritivas como gelo, terra, sabão, 
argila), baqueteamento digital e coiloníquia (unhas em 
forma de colher), atrofia das papilas linguais, estomatite 
angular e disfagia (formação de membranas esofágicas 
ou síndrome de Plummer-Vinson). 
 
 
Hemograma 
É um teste rápido, barato e amplamente disponível no 
rastreio de anemia ferropriva, mas incapaz de detectar 
DF sem anemia. Frequentemente se observa hipocromia, 
microcitose, aumento do índice de Anisocitose Eritrocítica 
(RDW) e plaquetose, além da presença de anisocitose, 
poiquilocitose, hemácias em charuto, eliptócitose 
reticulocitopenia ao exame microscópico. 
Mielograma 
A avaliação dos estoques de ferro na medula óssea a 
partir da coloração do tecido medular pelo corante de 
Perls é considerada padrão-ouro no diagnóstico de DF. É 
exame invasivo, de reprodutibilidade e acurácia 
questionáveis, não tendo papel na prática clínica diária. 
No mielograma observa-se hiperplasia eritroblástica com 
displasias morfológicas na DF moderada até hipoplasia 
das três linhagens da DF grave prolongada. 
Dosagem da ferritina sérica 
Está diretamente relacionada com a concentração de 
ferritina intracelular e, portanto, com o estoque corporal 
total. Deficiência de ferro é a única condição que gera 
ferritina sérica muito reduzida, o que torna a 
hipoferritinemia bastante específica deste diagnóstico. No 
entanto, valores normais ou elevados de ferritina não 
excluem a presença de DF, pois a ferritina é uma proteína 
de fase aguda, tendo sua concentração sérica aumentada 
na presença de inflamação, infecção, doença hepática e 
malignidade, mesmo na presença de DF grave. 
Ferro sérico 
 
É a fração do ferro corporal que circula primariamente 
ligado à transferrina, e encontra-se reduzido na DF. Varia 
com o ritmo circadiano e a alimentação e, por isso, a 
coleta de sangue para sua dosagem deve ter horário e 
jejum padronizados. Está também reduzido na presença 
de inflamação, não devendo, desta forma, ser utilizado 
isoladamente para avaliação de DF. 
Transferrina 
Tem capacidade de ligar simultaneamente duas 
moléculas de ferro. Sua produção é regulada pelo ferro 
corporal, aumentando quando os estoques estão 
exauridos. Pode ser dosada diretamente ou pela TIBC 
(Total Iron Binding Capacity), ensaio que permite a 
estimativa dos sítios de ligação de ferro disponíveis. A 
transferrina sérica se eleva em condições como gestação 
e uso de contraceptivos orais, estando reduzida na 
presença de inflamação, infecção, malignidade, doença 
hepática, síndrome nefrótica e desnutrição. Transferrina 
ou TIBC, juntamente com o ferro sérico, permitem o 
cálculo do Índice de Saturação de Transferrina (IST). O 
IST é calculado a partir da razão [Ferro sérico/TIBC] ou 
[Ferro sérico/Transferrina × 0,71], variando de 20 a 
45%. 
Zinco 
Na DF, zinco é incorporado no lugar do ferro, formando 
a Zincoprotoporfirina (ZPP). A taxa de elevação de ZPP é 
proporcional ao déficit de ferro na medula em relação à 
eritropoese, e a elevação de ZPP é o primeiro marcador 
de eritropoese deficiente em ferro, embora não seja 
específico. 
Concentração de sTfR 
O fragmento solúvel do receptor de transferrina (sTfR) é 
derivado do receptor de transferrina de todas as células, 
porém os principais geradores desse fragmento são os 
eritroblastos e reticulócitos. Assim, a concentração de sTfR 
reflete a atividade eritropoética e se encontra elevada na 
DF. A razão do sTfR pelo logaritmo da ferritina sérica 
(sTfR/log da ferritina) mostrou-se útil na determinação de 
DF em pacientes com anemia de doença crônica. O 
principal problema da dosagem de sTfR é a falta de 
padronização internacional que permita comparação 
entre os diferentes ensaios, o que impede sua ampla 
utilização. 
Hepticidina 
A dosagem plasmática ou urinária de hepcidina ainda 
não está comercialmente disponível, mas parece 
promissora em estudos preliminares na distinção entre 
anemia ferropriva e anemia de doença crônica. Seus 
níveis estão aumentados na presença de inflamação e de 
estoques de ferro elevados, e reduzidos na presença de 
DF. 
 
 
O tratamento da DF consiste na reposição oral ou venosa. 
No entanto, é mandatória a investigação da causa e sua 
pronta correção; do contrário, a reposição é paliativa e 
tende a ser ineficaz no longo prazo. 
Oral 
• Adultos: 180 a 200 mg de ferro elementar/dia 
• Crianças: 1,5 a 2 mg de ferro elementar/dia 
Dividida em 3 a 4 tomadas, preferencialmente com o 
estômago vazio, ou 30 minutos antes das principais 
refeições. Manter as doses terapêuticas por 4 meses após 
a resolução da anemia. 
A forma ferrosa é mais bem absorvida que a férrica. Para 
pacientes em uso de antiácidos e IBP recomenda-se a 
reposição com doses maiores e por mais tempo. A 
prevalência de efeitos colaterais é de até 30%, 
notadamente do TGI: pirose e dor epigástrica, náuseas, 
vômitos, empachamento, dor abdominal em cólica, 
diarreia e obstipação. O paciente deve ser informado de 
que é esperada mudança da cor das fezes, e que os 
efeitos colaterais melhoram com o tempo. Redução das 
doses diárias e ingestão do medicamento junto com 
alimentos diminuem a eficácia, porém diminuem os 
efeitos colaterais. 
 
Parenteral 
A reposição parenteral de ferro é efetiva, cara, 
trabalhosa, não isenta de efeitos colaterais, e deve ser 
indicada em situações especiais. A via intramuscular, 
praticamente proscrita, está associada à dor local, 
pigmentação irreversível da pele e linfonodomegalia. A 
infusão venosa pode estar associada a irritação, dor e 
queimação do sítio de punção, náuseas, gosto metálico 
na boca, hipotensão e reação anafilactoide, sendo que o 
principal fator no aparecimento dessas reações é a 
velocidade de infusão. 
 
 
Resistência 
Com doses adequadas de ferro suplementar observa-se 
recuperação rápida da anemia por deficiência de ferro 
na maioria dos pacientes. O sinal mais precoce de 
resposta é o aumento na contagem de reticulócitos, que 
 
atinge seu pico entre o 5º e o 10º dias de tratamento. 
Observa-se, também, aumento médio de 1g/dL por 
semana na Hb. Considerável proporção dos pacientes 
tratados apresenta má resposta, recaída precoce ou 
resistência. Nesses casos, deve-se investigar: presença de 
fatores que interfiram na absorção intestinal, persistência 
do sangramento, perda maior que a capacidade de 
absorção, má adesão e, se constatada a impossibilidade 
de uso da via oral, partir para a reposição parenteral. 
As anemias megaloblásticas são um grupo de distúrbios 
que se caracterizam pela presença de aspectos 
morfológicos distintos dos eritrócitos em desenvolvimento 
na medula óssea. Em geral, a medula óssea é celular, e 
a anemia tem como base a eritropoiese ineficaz. A causa 
consiste habitualmente em uma deficiência de 
cobalamina (vitamina B12) ou de folato; entretanto, a 
anemia megaloblástica pode surgir de anormalidades 
genéticas ou adquiridas que afetam o metabolismo 
destas vitaminas, ou de defeitos na síntese do DNA não 
relacionados à cobalamina ou ao folato. A absorção e o 
metabolismo da cobalamina e do folato são descritos, 
seguidos de uma discussão da base bioquímica, das 
características clínicas e laboratoriais, das causas e do 
tratamento da anemia megaloblástica. 
 
 
Deficiência de Cobalamina (B12) 
Nos países ocidentais, a deficiência de vitamina B12 em 
geral decorre de anemia perniciosa (adisioniana). Com 
menor frequência, pode ser provocada por veganismo no 
qual falta B12 na dieta (mais comum na Índia), 
gastrectomia e doenças do intestino delgado. Não há 
síndrome de deficiência de B12 como resultado de 
consumo excessivo ou perda da vitamina, de modo que 
a deficiência inevitavelmente leva ao menos 2 anos para 
desenvolver-se, isto é, o tempo necessário para que haja 
depleção dos depósitos ao ritmo de 1 a 2 µg/dia, quando 
se estabelece severa má-absorção de B12. O óxido 
nitroso, no entanto, é capaz de inativar rapidamente B12 
do organismo. 
 
 
Deficiência de Folato (B9) 
Em geral, decorre de dieta pobre em folato, isolada ou 
em combinação com uma condição em que haja 
aumento de utilização ou má-absorção do folato. Um 
turnover celular excessivo, de qualquer tipo, incluindo 
gravidez, é a principal causa de aumento das 
necessidades de folato, pois há mais moléculas 
degradadas pelo aumento de síntese de DNA. O 
mecanismo pelo qual os anticonvulsivantes e os 
barbitúricos causam deficiência ainda é controverso. O 
álcool, a sulfassalazina e outros compostos podem ter 
efeitos múltiplos no metabolismo do folato. 
 
 
A hematopoese normal compreende intensa proliferação 
celular, quepor sua vez implica a síntese de numerosas 
substâncias como DNA, RNA e proteínas; em especial, é 
necessário que a quantidade de DNA seja duplicada 
exatamente. Tanto os folatos como a vitamina B
12
 são 
indispensáveis para a síntese da timidina, um dos 
nucleotídeos que compõem o DNA, e a carência de um 
deles tem como consequência menor síntese de DNA. 
Os folatos participam dessa reação na forma de N5-
N10-metilenotetraidrofolato, que cede um radical -CH3 
(metil) à desoxiuridinamonofosfato (dUMP), 
transformando-a em timidinamonofosfato (dTMP) que, 
por sua vez, será incorporada ao DNA. A vitamina B
12
 
participa indiretamente nesta reação, funcionando como 
coenzima da conversão de homocisteína em metionina, 
transformando simultaneamente o 5-metiltetraidrofolato 
em tetraidrofolato, a forma ativa de folato que participa 
da síntese de timidina. Na ausência de vitamina B12, o 
folato vai se transformando em 5-metiltetraidrofolato, 
uma forma de transporte do folato, inútil para síntese da 
timidina e do DNA. 
A síntese inadequada de DNA tem como consequência 
modificações do ciclo celular, retardo da duplicação e 
defeitos no reparo do DNA. Por outro lado, a síntese de 
RNA não está alterada, pois a timidina não é necessária 
para sua síntese; não há, portanto, redução da formação 
de proteínas citoplasmáticas e do crescimento celular. 
Devido principalmente à lentidão da divisão celular na 
fase S do ciclo celular, há aumento do número de células 
com quantidade de DNA entre o diploide e o tetraploide. 
Estudos citogenéticos revelam exuberantes alterações 
cromossômicas, como gaps, fraturas e separação 
 
prematura do centrômero. A maioria dessas células com 
lesões cromossômicas graves não é capaz de completar 
a divisão celular, sendo prematuramente destruídas na 
medula óssea. Essa desorganização cromossômica é 
reversível após o tratamento adequado. 
O quadro morfológico do sangue periférico e da medula 
óssea é idêntico nas deficiências de folatos ou de vitamina 
B12: dissociação de maturação nucleo-citoplasmática, 
produzindo células de tamanho aumentado e com 
alterações morfológicas características. No entanto, uma 
parcela considerável dessas células morre na própria 
medula óssea, antes de completar o desenvolvimento. A 
intensa desordem da maturação nuclear das três 
linhagens, mais evidente na série eritroide, produz um 
aumento de morte celular intramedular: apenas 10 a 
20% dos eritrócitos sobrevivem e tornam-se viáveis para 
o sangue periférico (hematopoese ineficaz). Como 
resultado, além da anemia macrocítica, com 
megaloblastos na medula óssea e número de reticulócitos 
normal ou baixo, pode também ocorrer neutropenia, com 
neutrófilos polissegmentados e moderada plaquetopenia. 
Anemia Perniciosa 
É causada por agressão autoimune à mucosa gástrica, 
levando à atrofia do estômago. A parede do estômago 
torna-se delgada, com infiltrado de linfócitos e 
plasmócitos na lâmina própria. Pode ocorrer metaplasia 
intestinal. Há acloridria, e a secreção de fator intrínseco 
torna-se ausente ou quase ausente. Aumenta a gastrina 
sérica. A infecção por H. pylori pode iniciar uma gastrite 
autoimune: em pacientes jovens, causa anemia 
ferropênica; em idosos, causa anemia perniciosa. 
 
 
A principal manifestação clínica é a anemia; apesar de 
plaquetopenia e neutropenia ocorrerem com frequência, 
sangramento ou infecções secundárias à plaquetopenia 
são pouco comuns. A deficiência da síntese de DNA afeta 
a divisão celular em outros tecidos em que há rápida 
multiplicação, em especial os epitélios do tubo digestivo, 
originando queixas de diarreia, glossite (ardência, dor e 
aparência vermelha da língua, “língua careca”), queilite 
e perda do apetite. Pode ser encontrada discreta a 
moderada esplenomegalia. 
A deficiência de vitamina B
12
 determina ainda uma 
degeneração do cordão posterior da medula espinal, 
cuja base bioquímica seria a carência de S-adenosil-
metionina resultante de menor suprimento de metionina, 
pelo bloqueio da mesma reação homocisteína-metionina 
discutida anteriormente. O quadro resultante, 
denominado “degeneração combinada subaguda da 
medula espinal”, inclui sensações parestésicas dos pés 
(formigamento ou picada de agulhas), pernas e tronco, 
seguidas de distúrbios motores, principalmente 
dificuldades da marcha, redução da sensibilidade 
vibratória, comprometimento da sensibilidade postural, 
marcha atáxica, sinal de Romberg, e comprometimentos 
das sensibilidades termoalgésica e dolorosa “em bota” ou 
“em luva”. O envolvimento do cordão lateral é menos 
frequente, manifestando-se por espasticidade e sinal de 
Babinski. A tríade de fraqueza, dor na língua e 
parestesias é clássica na deficiência de vitamina B
12
, mas 
os sintomas iniciais variam muito. 
São também comuns as manifestações mentais como a 
depressão e os déficits de memória, disfunção cognitiva 
e demência, além de distúrbios psiquiátricos graves como 
alucinações, paranoias, esquizofrenia. A deficiência de 
folatos não causa envolvimento do sistema nervoso, mas 
a deficiência durante a gravidez aumenta a incidência de 
defeitos de tubo neural em recém-nascidos. 
 
Sangue periférico 
Os principais achados são anemia macrocítica, 
leucopenia, trombocitopenia, acompanhados de 
anisocitose, macrocitose com macro-ovalócitos, 
poiquilocitose, e granulócitos polissegmentados. A 
contagem de reticulócitos é normal ou baixa, mas o 
cálculo do índice de reticulócitos corrigido indica anemia 
hipoproliferativa. Em resumo, tem-se como manifestação 
uma pancitopenia associada à macrocitose. No entanto, 
a macrocitose pode estar mascarada pela coexistência de 
carência de ferro, talassemia ou anemia de doença 
crônica, que são doenças que produzem microcitose e 
hipocromia, e nesses casos pode-se observar anemia 
dimórfica, com duas populações de células. As principais 
alterações morfológicas no esfregaço do sangue 
periférico são: 
• Eritrócitos: macro-ovalócitos, poiquilocitose com 
esquistócitos, dacriócitos, corpúsculos de Howell-
Jolly, anel de Cabot, eritroblastos, e até 
megaloblastos; 
• Granulócitos: hipersegmentação nuclear, com 
presença de neutrófilos polissegmentados 
reconhecidos por no mínimo 5% de neutrófilos 
com cinco lobos (regra dos 5) ou um neutrófilo 
com seis ou mais lobos; 
• Leucócitos: leucopenia com neutropenia, 
podendo os leucócitos chegar até abaixo de 
2.000/μL, embora seja rara a ocorrência de 
infecções graves; 
• Plaquetas: trombocitopenia com 30.000 a 
100.000 plaquetas/μL. 
 
 
 
 
Medula óssea 
O quadro citológico medular é muito característico, e 
quando a punção é realizada precocemente, antes do uso 
de medicamentos com vitamina B
12
 ou folatos, o 
diagnóstico de anemia megaloblástica pode ser firmado 
com segurança. Há intensa hiperplasia da medula óssea, 
com acentuada hiperplasia da linhagem eritroide, que é 
composta por megaloblastos: eritroblastos mais 
volumosos que o normal, com núcleos com estrutura mais 
granular e menos condensada. Além disso, há grandes 
quantidades de aberrações citológicas, como 
megaloblastos gigantes ou com núcleos polilobulados, 
binucleados, contendo múltiplos micronúcleos, pontes 
citoplasmáticas e nucleares, e cariorréxis. As alterações 
na série branca são representadas principalmente por 
mielócitos e metamielócitos de volume aumentado, 
contendo núcleo gigante. O ferro medular está 
aumentado em virtude da eritropoese ineficaz e 
geralmente há grande número de sideroblastos, mas só 
raramente há sideroblastos em anel. 
Dosagem das vitaminas 
Na deficiência de folatos, tanto o sérico quanto 
eritrocitário estão diminuídos, enquanto que os níveis de 
vitamina B
12
 estão normais ou aumentados. O folato 
eritrocitário é mais acurado na avaliação dos depósitos 
de folatos, porque não sofre influência de drogas ou 
dieta, mas tem caído em desuso. A mensuração do folato 
sérico também deve ser analisada com cautela, porque 
pode apresentar dados falso-positivos ou falso-negativos. 
Na deficiênciade B
12
 os níveis de cobalamina estão 
geralmente baixos e os de folato normais. Entretanto, 
níveis subnormais ou mesmo normais de B
12
 podem 
ocorrer em indivíduos com carência, em especial idosos. 
Pesquisa de metabólitos 
Nos casos de dúvida diagnóstica, a dosagem sérica de 
ácido metilmalônico e de homocisteína total pode auxiliar 
na diferenciação das duas anemias megaloblásticas. 
Ambos estão aumentados em cerca de 95% dos casos de 
deficiência de vitamina B12, enquanto que o aumento de 
homocisteína sem aumento do ácido metilmalônico 
ocorre em 91% na deficiência de folatos. O alto custo 
desses exames faz com que sejam reservados para 
situações de dúvidas diagnósticas. 
Identificação da causa 
A forma mais direta e simples, atualmente, de identificar 
a anemia perniciosa é a realização de endoscopia 
gástrica com biópsia nos pacientes em que se revela uma 
anemia megaloblástica com baixos níveis de vitamina B
12
. 
Se houver sinais de gastrite atrófica, o diagnóstico 
provável é de anemia perniciosa, e a execução de outros 
exames somente é necessária se houver dúvidas ou se o 
quadro for atípico. O teste de Schilling consiste na 
ingestão oral da vitamina B
12
 marcada, seguida de 
medida da vitamina B
12
 radiativa excretada na urina no 
período de 24h após a ingestão oral. A pesquisa de 
anticorpos anti-fator intrínseco e anti-célula parietal, e a 
ausência de produção de ácido clorídrico pelo estômago 
após estímulo máximo (acloridria) contribuem para 
confirmar o diagnóstico de anemia perniciosa. Outros 
exames endoscópicos e radiológicos do tubo digestivo 
auxiliam no diagnóstico das afecções ileojejunais. 
 
 
A mais importante medida no tratamento dessas anemias 
consiste em identificar a causa e removê-la, se possível. 
Só excepcionalmente há necessidade de tratar esses 
pacientes com transfusões sanguíneas, uma vez que a 
reposição adequada do nutriente é acompanhada de 
pronta resposta, com rápida normalização hematológica. 
Nos casos em que há concomitância com carência de 
ferro, o tratamento deve ser simultâneo, caso contrário 
não haverá recuperação completa dos níveis de 
hemoglobina. 
A melhora subjetiva acontece em 48h, com o 
restabelecimento da hematopoese normal. Como pode 
ocorrer modificação da estrutura da medula óssea com 
uma simples refeição hospitalar, a punção de medula 
óssea para fins diagnósticos deve ser realizada o mais 
rapidamente possível. A contagem do reticulócitos 
aumenta até atingir o pico no 5º-8º dia, e sua elevação 
é proporcional ao grau de anemia. A hemoglobina e o 
hematócrito começam a melhorar já na primeira semana, 
e a hemoglobina deve atingir o seu valor normal em 
cerca de um mês. Se isso não ocorrer, deve ser 
investigada a associação da anemia megaloblástica com 
outras doenças que cursam com anemia hipocrômica. O 
número de neutrófilos normaliza em uma semana e a 
hipersegmentação desaparece em 10-14 dias. Quanto 
maior o tempo de duração dos sintomas neurológicos, 
menor a probabilidade de serem reversíveis; podem 
melhorar nos primeiros 6 a 18 meses, estabilizando-se 
depois. 
Carência de B12 
A anemia perniciosa deve ser tratada com vitamina B12 
por via parenteral por toda a vida, uma vez que o defeito 
de absorção é irreversível. Existem numerosos esquemas 
terapêuticos que se baseiam na noção de recompor os 
depósitos com doses iniciais repetidas, seguidas de 
injeções periódicas a intervalos regulares para suprir as 
necessidades. Por exemplo, injeções de 5 mg semanais 
no primeiro mês, seguidas de injeções de 5 mg mensais. 
Pacientes idosos com atrofia gástrica e má absorção por 
dificuldade de dissociação da vitamina B12 do alimento 
e vegetarianos beneficiam-se preventivamente com doses 
orais da vitamina em torno de 50 μg/dia (doses maiores 
podem ser usadas sem efeitos indesejáveis). 
Carência de Folato 
Correção da dieta, aumentando a ingestão de verduras. 
Ácido fólico por via oral na dose de 5 mg/dia até que a 
causa da carência tenha sido removida. A quantidade de 
folato absorvida quando se usam doses terapêuticas é 
geralmente suficiente para tratar a carência, mesmo 
quando há defeito de absorção. O risco do tratamento é 
a possibilidade de haver resposta (parcial) em pacientes 
com deficiência de vitamina B
12
. Nesses casos, o quadro 
hematológico pode melhorar, mas a doença neurológica 
 
pode se exacerbar. Em muitos casos a causa da carência 
é autolimitada, como na gravidez e em prematuros; em 
outros, a carência de folatos de origem nutricional tem 
grande tendência a recair, como em alcoólatras e em 
pacientes com doença celíaca. Tratamento permanente é 
necessário em pacientes que têm doenças que aumentam 
o consumo de folatos, como anemias hemolíticas 
crônicas e pacientes submetidos à diálise. 
 
 
A anemia falciforme é um exemplo clássico de uma 
alteração mínima na estrutura de hemoglobina capaz de 
provocar, sob determinadas circunstâncias, uma singular 
interação molecular e drástica redução na sua 
solubilidade. O termo “síndromes falciformes” identifica 
as condições em que o eritrócito sofre falcização após 
redução na tensão de oxigênio, enquanto que a 
designação “doenças falciformes” é reservada às 
situações em que a falcização das hemácias conduz a 
manifestações clínicas evidentes. 
Assim, as doenças falciformes incluem a anemia 
falciforme, que representa o estado homozigoto para a 
hemoglobina S (SS), e as interações hemoglobina S-
betalassemia (S/β tal), hemoglobinopatia SC (SC), 
hemoglobinopatia SD (SD) e hemoglobina S-persistência 
hereditária de hemoglobina fetal (S/PHHF). É importante 
observar que, nessa definição, o estado heterozigótico 
para hemoglobina S (“traço falciforme”) é classificado 
como síndrome falciforme, mas não como doença 
falciforme. 
 
A alteração molecular primária na anemia falciforme é 
representada pela substituição de uma única base no 
códon 6 do gene da globina b, uma adenina (A) é 
substituída por uma timina (T) (GAG→GTC). Esta 
mutação resulta na substituição do resíduo glutamil na 
posição b 6 por um resíduo valil (β6Glu→Val) e tem como 
consequência final a polimerização das moléculas dessa 
hemoglobina anormal (HbS) quando desoxigenadas. 
A substituição do ácido glutâmico por valina na posição 
β6 ocorre na superfície da molécula, sem provocar 
alterações significativas na sua conformação global. A 
hemoglobina S na conformação oxi é isomorfa à 
hemoglobina normal, sugerindo que a estrutura das duas 
moléculas (exceto pela substituição do aminoácido) são 
similares. As solubilidades das hemoglobinas oxigenadas 
A e S são semelhantes, embora pequenas diferenças 
tenham sido detectadas em tampão fosfato concentrado. 
Em soluções diluídas, as propriedades físicas das 
hemoglobinas desoxigenadas A e S são também 
parecidas. No entanto, soluções concentradas de desoxi-
hemoglobina S e desoxi-hemoglobina A diferem 
grandemente, e este fato fornece as bases físico-químicas 
da gelificação e falcização. A hemoglobina S, quando 
desoxigenada in vitro, torna-se relativamente insolúvel e 
agrega-se em longos polímeros. Esses polímeros resultam 
do alinhamento de moléculas de hemoglobina S, unidas 
por ligações não covalentes e, na descrição desse 
fenômeno, os termos polimerização, agregação e 
gelificação são usados como sinônimos. A polimerização 
da desoxi-hemoglobina S depende de numerosas 
variáveis, como concentração de oxigênio, pH, 
concentração de hemoglobina S, temperatura, pressão, 
força iônica e presença de hemoglobinas normais. 
Somente a forma desoxigenada de hemoglobina S sofre 
polimerização; o fenômeno não ocorre, normalmente, 
com nenhuma das formas cuja conformação se 
assemelha à oxi-Hb S, como meta-Hb S, carboxi-Hb S ou 
cianometa-Hb S. A polimerização da hemoglobina S é o 
evento fundamental na patogenia da anemia falciforme, 
resultando na alteração da forma do eritrócito e na 
acentuada redução de sua deformabilidade. 
A Hemoglobina Fetal (HbF) inibe a polimerização, 
fenômeno responsável pela redução desintomatologia 
clínica nos pacientes com elevados níveis de Hb fetal. Da 
mesma forma, a HbA participa pouco do polímero e esta 
é a razão para a quase ausência de anormalidades 
clínicas nos heterozigotos para o gene da hemoglobina 
S. 
Cinética da Falcização 
Todas as hemácias contendo predominantemente 
hemoglobina 
S podem adquirir a forma falciforme clássica após 
desoxigenação, em decorrência da polimerização 
intracelular da desoxi-Hb S, processo normalmente 
reversível após a reoxigenação. No entanto, a repetição 
frequente desse fenômeno provoca lesão de membrana 
em algumas células, fazendo com que a rigidez e a 
configuração em forma de foice persistam mesmo após 
a reoxigenação. Assim, esses eritrócitos, denominados 
genericamente “células irreversivelmente falcizadas” ou 
células densas, retêm permanentemente a forma 
anormal, mesmo na ausência de polimerização 
intracelular de hemoglobina. 
Em decorrência de sua acentuada rigidez, as células 
irreversivelmente falcizadas têm vida-média reduzida e 
contribuem significativamente para a anemia hemolítica 
dos pacientes. No entanto, o quadro clínico da anemia 
falciforme, contrastando com as demais formas de 
anemia hemolítica, não dependem substancialmente dos 
sintomas causados pela anemia propriamente, mas, sim, 
da ocorrência de lesões orgânicas causadas pela 
inflamação e obstrução vascular e das chamadas “crises 
de falcização”. Nos períodos entre as crises, a “fase 
estável”, os pacientes evoluem praticamente 
assintomáticos, a despeito da anemia persistente, com 
níveis de hemoglobina variáveis, mas, em geral, ao redor 
de 8 g/dL. 
Processo Vaso-Oclusivo 
O fenômeno de vaso-oclusão ocorre geralmente na 
microcirculação. No entanto, grandes artérias, 
principalmente nos pulmões e cérebro, também podem 
ser afetadas. Atualmente, acredita-se que o fenômeno 
 
vaso-oclusivo compreende um processo com várias 
etapas que envolve interações de hemácias, leucócitos 
ativados, células endoteliais, plaquetas e proteínas do 
plasma. A liberação intravascular de hemoglobina pelas 
hemácias fragilizadas, além da vaso-oclusão recorrente e 
dos processos de isquemia e reperfusão, leva a dano e 
ativação das células endoteliais da parede do vaso. 
Como consequência, há indução de uma resposta 
inflamatória vascular e a adesão de células brancas e 
vermelhas à parede dos vasos sanguíneos. Tal fato, 
associado a uma redução na biodisponibilidade de 
Óxido Nítrico (NO) no interior do vaso e ao estresse 
oxidativo, pode ocasionar, em alguns casos, uma 
redução no fluxo sanguíneo e, finalmente, a vaso-
oclusão. 
 
• Vaso-oclusão e o endotélio: As células falcizadas, 
e a própria hemoglobina liberada no vaso pelo 
processo de hemólise, podem ocasionar danos às 
células endoteliais que revestem a parede 
vascular. A subsequente ativação das células 
endoteliais tem consequências significativas que 
incluem a expressão de moléculas de adesão, 
como VCAM-1 (molécula de adesão vascular -1), 
ICAM-1 (molécula de adesão intercelular-1) e E-
selectina na superfície celular e a produção de 
citocinas e quimiocinas como Interleucina (IL)-8, 
IL-6 e GM-CSF (fator estimulador de colônias de 
granulócitos-macrófagos). O endotélio ativado 
ainda libera fatores procoagulantes e fatores 
vasoconstritores potentes, como as Endotelinas 1 
e 2 (ET-1, ET-2). 
• A vaso-oclusão e a inflamação: A anemia 
falciforme está, geralmente, associada a um 
estado inflamatório crônico que exerce um papel 
fundamental na ativação das células endoteliais e 
células sanguíneas, em especial, dos leucócitos. 
Diversas moléculas inflamatórias se apresentam 
em níveis elevados na anemia falciforme, 
incluindo TNF-a (Fator de Necrose Tumoral- a), 
IL-1β, proteína C reativa (todos potentes 
ativadores do endotélio) além do M-CSF (fator 
estimulador de colônia de macrófagos), IL-3, 
GM-CSF, IL-8 e IL-6. Além disso, algumas 
proteínas anti-inflamatórias como a Heme-
Oxigenase-1 (HO-1) e IL-10 também estão 
aumentadas na anemia falciforme, possivelmente 
tentando limitar a produção de moléculas 
inflamatórias e a ativação endotelial na doença. 
• A vaso-oclusão e a adesão celular: A vaso-
oclusão é o resultado de um mecanismo 
complexo que, aparentemente, culmina na 
adesão de células vermelhas, leucócitos e 
plaquetas ao endotélio e à parede vascular que 
pode causar diminuição no fluxo sanguíneo e, 
portanto, a vaso-oclusão. A expressão de 
moléculas como VCAM-1, ICAM-1, selectinas e 
CD36 na superfície das células endoteliais 
ativadas tem como consequência a captura das 
células brancas e vermelhas que, por sua vez, 
também apresentam propriedades adesivas 
aumentadas. As células vermelhas e, em especial, 
os reticulócitos de indivíduos com doenças 
falciformes apresentam maior capacidade 
adesiva devido ao grande número de moléculas 
de adesão como a integrina VLA-4 (integrina 
a4b1), CD36, ICAM-4 e BCAM/Lu, que estão 
altamente expressas nessas células e interagem 
com as moléculas subendoteliais da parede 
vascular (laminina, trombospondina, fibronectina 
etc.) ou com as moléculas das células endoteliais 
(CD36, VCAM-1, BCAM/Lu, P-selectina, entre 
outras). Os leucócitos, geralmente encontrados 
em estado ativado na circulação de indivíduos 
com AF, também aderem com mais facilidade ao 
endotélio vascular, particularmente na presença 
de um estímulo inflamatório. Acredita-se, 
atualmente, que o processo vaso-oclusivo é 
desencadeado pela adesão de leucócitos, em 
especial dos neutrófilos, já que são células 
grandes (12-15 μm) e relativamente rígidas, à 
parede da microvasculatura. Adicionalmente, os 
leucócitos aderidos podem intermediar a adesão 
secundária de hemácias à parede vascular e a 
combinação desses episódios inicia o processo 
vaso-oclusivo, uma vez que ocorre a obstrução 
física dos pequenos vasos da microcirculação. A 
interação dos leucócitos com o endotélio é 
intermediada, na maior parte, pelas integrinas 
Mac-1 e LFA-1, além de algumas moléculas 
como a L-selectina, e ligantes da E-selectina na 
superfície dos leucócitos que, por sua vez, 
interagem com as moléculas ICAM-1, P-selectina 
e E-selectina presentes na superfície das células 
endoteliais. Ademais, há indícios de que um 
número elevado de granulócitos circulantes está 
associado à maior incidência de complicações na 
anemia falciforme. As plaquetas, também 
encontradas em estado ativado na AF, podem 
aderir ao endotélio vascular, exacerbando a 
inflamação local pela liberação de mediadores 
inflamatórios potentes. Assim sendo, as plaquetas 
também apresentam papel importante no 
mecanismo de vaso-oclusão. 
• vaso-oclusão e o óxido nítrico: O NO é um gás 
sinalizador produzido constitutivamente pelas 
células endoteliais e é responsável pela regulação 
do tônus vasomotor. A biodisponibilidade do NO 
está reduzida na AF, principalmente devido ao 
seu consumo pela hemoglobina livre, liberada na 
circulação após a hemólise das hemácias. O 
resultado principal da redução da disponibilidade 
do NO é a inibição da vasodilatação dependente 
de NO, contribuindo assim com a vasoconstrição, 
 
favorecendo potencialmente a vaso-oclusão e 
participando da fisopatogenia de algumas 
manifestações como hipertensão pulmonar e 
priapismo. 
• Vaso-oclusão, plaquetas e a coagulação: A 
fisiopatologia da AF está associada a um estado 
de hipercoagulabilidade. Indivíduos com AF 
apresentam níveis elevados de marcadores de 
ativação de trombina, plaquetas e células 
endoteliais, tais como o dímero-D, Trombina-
Antitrombina (TAT), ligante de CD40 solúvel 
(CD40L), Fator Tecidual (FT), Fator Ativador de 
Plaquetas (FAP), Fator de von Willebrand (FvW), 
entre outras moléculas. Há dados que indicam 
uma associação na AF entre a hemólise e a 
ativação da coagulação, bem como uma possível 
contribuição da ativação plaquetária para o AVC 
na doença. Contudo, é provável que a vaso-
oclusão recorrente contribua com a 
hipercoagulabilidade por aumentar a ativação do 
endotélio e das plaquetas. 
 
• Vaso-oclusão e o estresseoxidativo: Na anemia 
falciforme, múltiplos mecanismos são 
responsáveis por aumentar a produção de ROS 
na vasculatura, como, por exemplo, lesões por 
isquemia-reperfusão que ocorrem nos vasos 
sanguíneos devido à interrupção e subsequente 
reestabelecimento do fluxo sanguíneo. A 
presença de ROS no vaso sanguíneo e a baixa 
concentração de oxigênio apresentam um papel 
importante na ativação das células endoteliais, 
em que a produção de ROS é amplificada pela 
presença da enzima xantina oxidase ativada e o 
desacoplamento (ou inativação) da enzima 
sintase de óxido nítrico, a qual pode produzir 
ânions superóxidos. A atividade aumentada da 
NADPH oxidase (devido à leucocitose), a 
formação de Dimetilarginina Assimétrica (DMAA) 
e a auto-oxidação da própria hemoglobina S na 
presença de oxigênio também contribuem com a 
produção de ROS. Por outro lado, importantes 
mecanismos de defesa antioxidantes, como os 
níveis das vitaminas A, C e E e a atividade das 
enzimas glutationa peroxidase e superóxido 
dismutase, estão diminuídos na anemia 
falciforme. O estresse oxidativo provavelmente 
apresenta um papel importante em vários 
mecanismos fisiopatológicos da anemia 
falciforme. Além da ativação do endotélio, 
facilitando a hemólise, aumentando as 
propriedades adesivas das células brancas e 
vermelhas, e elevando a oxidação dos lipídios 
presentes na membrana celular, o estresse 
oxidativo também participa do consumo 
intravascular de NO. 
 
 
 
 
 
 
Anemia Hemolítica 
Presente na maioria dos pacientes com síndromes 
falcêmicas, com hematócrito de 15 a 30% e reticulocitose 
significativa. Antigamente, acreditava-se que a anemia 
exercia efeitos protetores contra a vasoclusão ao reduzir 
a viscosidade sanguínea. Entretanto, a história natural e 
os estudos clínicos de terapia farmacológica sugerem que 
o aumento do hematócrito e a inibição da reticulocitose 
por retroalimentação podem ser benéficos mesmo à custa 
de aumento na viscosidade do sangue. O papel dos 
reticulócitos aderentes na vaso-oclusão pode explicar 
estes efeitos paradoxais. 
Granulocitose 
É comum. A contagem dos leucócitos pode flutuar de 
modo substancial e imprevisível durante e entre episódios 
álgicos, infecções e outras doenças intercorrentes. 
Vaso-oclusão 
Resulta em múltiplas manifestações. Os episódios 
intermitentes em estruturas de tecido conectivo e 
musculoesqueléticas provocam isquemia dolorosa que se 
manifesta como dor aguda e hipersensibilidade, febre, 
taquicardia e ansiedade. Estes episódios recorrentes, 
denominados crises álgicas, constituem a manifestação 
clínica mais comum. Sua frequência e gravidade variam 
enormemente. A dor pode surgir em quase qualquer 
parte do corpo e durar poucas horas até 2 semanas. As 
crises repetidas que exigem internação(> 3 por ano) são 
correlacionadas com redução da sobrevida na idade 
adulta, sugerindo que esses episódios estão associados a 
acúmulo de lesão crônica dos órgãos-alvo. Os fatores 
desencadeantes consistem em infecção, febre, exercício 
excessivo, ansiedade, mudanças abruptas da 
temperatura, hipóxia ou corantes hipertônicos. 
Os microinfartos repetidos podem destruir os tecidos que 
apresentam leitos microvasculares propensos à 
falcização. Assim, ocorre frequentemente a perda do 
baço nos primeiros 18-36 meses de vida, causando 
suscetibilidade a infecções, em particular por 
pneumococos. A obstrução venosa aguda do baço (crise 
de sequestro esplênico ), evento raro no início da infância, 
pode exigir transfusão de emergência e/ou esplenectomia 
para impedir a retenção do débito arterial no baço 
obstruído. 
A oclusão dos vasos da retina pode provocar hemorragia, 
neovascularização e descolamentos subsequentes. A 
necrose papilar renal sempre induz à isostenúria. A 
necrose renal mais disseminada acarreta insuficiência 
renal em adultos, constituindo causa tardia comum de 
morte. A isquemia óssea e a articular podem resultar em 
necrose asséptica, particularmente das cabeças do fêmur 
ou úmero, artropatia crônica e suscetibilidade incomum 
à osteomielite, que pode ser causada por microrganismos 
como a Salmonella, raramente encontrados em outros 
contextos. A síndrome da mão e pé decorre de infartos 
dolorosos dos dedos e dactilite. O acidente vascular 
encefálico (AVE) é particularmente comum em crianças, 
tendendo um pequeno subgrupo a sofrer episódios 
 
repetidos, menos comuns em adultos, nos quais quase 
sempre são hemorrágicos. Uma complicação 
particularmente dolorosa em homens é o priapismo 
devido ao infarto dos tratos de saída venosos do pênis, 
sendo a impotência permanente uma consequência 
frequente. As úlceras crônicas das pernas provavelmente 
surgem por isquemia e infecção secundária na circulação 
distal. 
Síndrome Torácica Aguda 
É manifestação distinta, caracterizada por dor torácica, 
taquipneia, febre, tosse e dessaturação arterial de 
oxigênio, podendo simular pneumonia, embolia 
pulmonar, infarto e embolia da medula óssea, isquemia 
miocárdica ou infarto pulmonar in situ. Acredita-se que a 
síndrome torácica aguda reflita a falcização. Com 
frequência, é difícil ou mesmo impossível distinguir a 
síndrome torácica aguda de outros distúrbios. Infarto 
pulmonar e pneumonia são as afecções subjacentes ou 
concomitantes mais frequentes em pacientes com tal 
síndrome. Os episódios repetidos de dor torácica aguda 
são correlacionados com redução da sobrevida. Nos 
casos agudos, a redução da saturação arterial de 
oxigênio é especialmente grave, visto que promove a 
falcização em escala maciça. As crises pulmonares 
crônicas, agudas ou subagudas causam hipertensão 
pulmonar e cor pulmonale, constituindo causa cada vez 
mais comum de morte à medida que o paciente sobrevive 
por mais tempo. Existe considerável controvérsia sobre o 
possível papel desempenhado pela HbS plasmática livre 
na remoção do NO
2
, elevando, assim, o tônus vascular 
pulmonar. 
As síndromes falciformes são notáveis pela sua 
heterogeneidade clínica. Alguns pacientes permanecem 
praticamente assintomáticos até a idade adulta ou 
mesmo no decorrer dela, enquanto outros sofrem crises 
repetidas que exigem internação desde o início da 
infância. Os pacientes com anemia falciforme-talassemia 
e anemia falciforme-HbE tendem a apresentar sintomas 
semelhantes e ligeiramente mais discretos talvez devido 
aos efeitos favoráveis da produção de outras 
hemoglobinas no eritrócito. A hemoglobinopatia se, uma 
das variantes mais comuns da anemia falciforme, 
caracteriza-se frequentemente por graus menores de 
anemia hemolítica e maior tendência ao desenvolvimento 
de retinopatia bem como necrose asséptica dos ossos. 
Entretanto, na maioria dos aspectos, as manifestações 
clínicas assemelham-se às da anemia falciforme. Na 
verdade, algumas variantes raras da hemoglobina 
agravam o fenômeno de falcização. 
A variabilidade clínica em diferentes pacientes que 
herdam a mesma mutação causadora de doença 
(hemoglobina falciforme) fez com que a anemia 
falciforme se tornasse o foco de esforços para identificar 
polimorfismos genéticos modificadores em outros genes, 
como possíveis responsáveis pela heterogeneidade. Por 
esse motivo, a complexidade dos dados obtidos até o 
momento diminuiu a expectativa de que a ampla análise 
do genoma possa produzir perfis individualizados 
capazes de prever a evolução clínica de um paciente. 
Apesar disso, surgiram vários padrões interessantes 
dessas análises de modificação genética. Por exemplo, os 
genes que afetam a resposta inflamatória ou a expressão 
de citocina parecem candidatos à modificação. Os genes 
que afetam a regulação da transcrição dos linfócitos 
podem estar envolvidos. Assim, parece provável 
comprovar- se que alterações polimórficas fundamentais 
na resposta inflamatória do paciente aos danos 
provocados pelos eritrócitos falciformes ou na resposta a 
infecções crônicas ou recorrentes são importantes para 
prognosticar a gravidade clínica da doença. 
 
 
 
O diagnóstico das síndromes falciformes depende 
fundamentalmenteda comprovação da hemoglobina S 
pela eletroforese de hemoglobinas, utilizando conjuntos 
complementares de suportes e tampões que permitam a 
distinção das diferentes hemoglobinas anormais. As 
técnicas mais utilizadas incluem a eletroforese de 
hemoglobina em acetato de celulose com pH 8.4, em gel 
de ágar com pH 6.2, e teste de solubilidade da 
hemoglobina em tampão fosfato concentrado. 
A detecção da HbS pode também ser feita com base em 
Cromatografia Líquida de Alta Performance (HPLC) ou 
Eletroforese com Focalização Isoelétrica (FIE). A alteração 
molecular pode ser facilmente identificada pela Reação 
em Cadeia da Polimerase (PCR), seguida de 
sequenciamento do DNA ou digestão com uma enzima 
de restrição apropriada. Este último é o método utilizado 
no diagnóstico pré-natal das doenças falciformes, ou em 
alguns casos de difícil diagnóstico pela eletroforese de 
hemoglobinas. É importante ressaltar que é quase sempre 
indispensável para o diagnóstico correto das síndromes 
falciformes o estudo de todos os familiares disponíveis. 
Todos os recém-nascidos de grupos populacionais onde 
a frequência da mutação para HbS é elevada devem ser 
submetidos à triagem neonatal para detecção de doença 
falciforme. Atualmente, são bem conhecidos os benefícios 
do diagnóstico precoce, introdução de antibioticoterapia 
profilática e programa adequado de vacinação. Alguns 
estudos bem controlados mostram que a introdução 
dessas medidas permite reduzir a mortalidade nos cinco 
primeiros anos de vida de 25% para aproximadamente 
3%. Os procedimentos laboratoriais para o diagnóstico 
em amostras de recém-nascidos devem separar com 
 
segurança a HbF das outras hemoglobinas. O teste pode 
ser realizado em sangue de cordão umbilical ou amostras 
de sangue venoso coletado em papel de filtro, podendo 
ser utilizada a mesma estratégia de coleta de amostras 
para outros testes neonatais, como de fenilcetonúria e de 
hipotireoidismo congênito (“testes do pezinho”). As 
técnicas comumente utilizadas são a focalização 
isoelétrica ou cromatografia líquida de alta performance. 
Os níveis de hemoglobina em pacientes na fase estável 
variam entre 6 a 10 g/dL. Em geral, a anemia é 
normocrômica e normocítica, embora os níveis de 
reticulócitos sejam elevados (entre 5 e 20%). 
Ocasionalmente podem ser observados eritroblastos 
circulantes. É sempre importante estabelecer os valores 
hematológicos basais para cada paciente, pois esses 
valores permanecem relativamente estáveis em um deles, 
mas variam grandemente em diferentes pacientes. 
Valores reduzidos de VCM indicam S/β talassemia ou 
associação com α-talassemia. Ocasionalmente, pode 
ocorrer deficiência de ferro em pacientes com doenças 
falciformes, que também pode levar à hipocromia e à 
microcitose. 
As clássicas hemácias em forma de foice são 
caracteristicamente observadas nas doenças falciformes, 
embora outras formas aberrantes possam também ser 
visualizadas. Em recém-nascidos poucas células 
falcizadas podem ser observadas, devido à elevada 
porcentagem de HbF. Após o primeiro ano de vida, as 
células falcizadas tornam-se mais evidentes. Hemácias 
em alvo também podem aparecer, principalmente na S/β 
talassemia e na hemoglobinopatia SC. Com a redução 
na função esplênica, podem ser identificados corpos de 
Howel-Jolly. A hipofunção esplênica pode ser avaliada 
também pela contagem de inclusões intracelulares 
observadas por microscopia de contraste de interferência 
(quantificação de hemácias com pits). 
Os clássicos dados laboratoriais de hemólise estão 
presentes: elevação de bilirrubina indireta, redução de 
haptoglobina sérica, elevação de urobilinogênio urinário 
e hiperplasia eritroide na medula óssea. 
Frequentemente, há leucocitose, às vezes com desvio à 
esquerda, alteração que nem sempre está relacionada a 
processo infeccioso, podendo ser observada mesmo na 
fase estável. A contagem de plaquetas está em geral 
elevada, podendo atingir até 1.000.000/μL. 
Provavelmente, tanto a leucocitose quanto a trombocitose 
estão associadas à hiperplasia de medula óssea em 
pacientes com hipofunção esplênica, além do estado 
inflamatório crônico. 
 
As provas de coagulação são normais durante a fase 
estável, mas, durante os episódios vaso-oclusivos, alguns 
testes podem apresentar alterações características de 
hipercoagulabilidade. 
A velocidade de hemossimentação está geralmente 
baixa, não sendo parâmetro útil nas doenças falciformes, 
pois as hemácias falcizadas dificilmente formam os 
grupamentos que facilitam a sedimentação. 
Nos pacientes não submetidos a transfusões crônicas, os 
níveis de ferritina são inicialmente normais, podendo 
apresentar discreta elevação após a terceira década de 
vida. Ao contrário, nos pacientes submetidos a 
transfusões repetidas, esses níveis são elevados, podendo 
ocorrer hemocromatose secundária. Muitas vezes, é 
necessária a terapia com quelantes de ferro, embora as 
lesões orgânicas sejam menos acentuadas que aquelas 
observadas nos pacientes com β-talassemia. 
 
 
 
Pacientes com doenças falciformes devem, sempre que 
possível, ser acompanhados regularmente em serviços 
especializados (Centros de Atenção a Doenças 
Falciformes) com a presença de equipes multidisciplinares 
(médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e 
fisioterapeutas). Desse modo, os objetivos básicos da 
terapêutica consistem no tratamento das complicações 
específicas e em cuidados gerais da saúde. Além dos 
cuidados gerais para acompanhamento do crescimento, 
desenvolvimento somático e psicológico, e tratamento 
específico de lesões orgânicas (como colecistopatia, 
úlceras de pernas, osteomielite etc.), o tratamento a longo 
prazo apoia-se em: 
• Suplementação com ácido fólico: 5 mg/dia, deve 
ser sempre realizada devido à hiperplasia 
eritropoética 
• Uso de medicamentos que promovem o aumento 
da hemoglobina fetal em pacientes selecionados 
A terapia com hidroxiureia está geralmente associada a 
um aumento nos níveis de Hemoglobina Fetal (HbF) nos 
pacientes com anemia falciforme, diminuindo, por sua 
vez, a falcização das hemácias e promovendo melhora 
significativa nos níveis de hemólise. Uma taxa menor de 
hemólise pode reduzir o consumo de NO intravascular, 
além de diminuir a ativação do endotélio. Evidências 
apontam que a HU pode agir como um doador de NO in 
vivo, possivelmente melhorando a biodisponibilidade 
desse vasodilatador na anemia falciforme. Outro efeito 
importante da terapia com HU é a redução na contagem 
de leucócitos, já que os leucócitos participam de forma 
significativa na inflamação e na oclusão física dos vasos. 
Indiretamente, a terapia com HU está associada a uma 
diminuição na expressão das moléculas de adesão na 
superfície das células brancas e vermelhas, além de 
melhorar parcialmente o estado inflamatório e reduzir o 
estado de hipercoagulabilidade dos pacientes. 
 
Tratamento das crises dolorosas 
vaso-oclusivas 
São de difícil tratamento e a conduta depende da 
gravidade da dor e da presença ou não de outras 
complicações concomitantes. As regras básicas são tratar 
agressivamente o fator desencadeante, hidratação 
adequada e analgesia. Para crises leves, podem ser 
utilizados paracetamol, AAS, dipirona e ibuprofeno; nos 
casos moderados, sem resposta à medicação inicial, 
pode então ser associada codeína ou tramadol; nas crises 
dolorosas graves, deve ser administrada morfina. 
Tratamento das demais crises 
agudas 
Aplásticas, sequestro esplênico, neurológicas, síndrome 
torácica aguda 
Tratamento das Infecções 
A conduta global relacionada às infecções em pacientes 
com doenças falciformes incluem: imunização para 
prevenir infecção; penicilina profilática; e tratamento 
adequado do paciente com febre. 
Febre em pacientes com doenças falciformes deve 
sempre ser considerada um problema grave e 
potencialmente fatal. Nunca deve ser presumido que o 
paciente tem uma doença viral. As infecções comuns são 
Septicemia fulminante (Streptococcus pneumoniae e 
Haemophilus influenzae),Meningite pneumocócica (S. 
pneumoniae), Pneumonias (S. pneumoniae, H. influenzae 
e Mycoplasma pneumoniae) e Osteomielite (Salmonella). 
 
Transfusão Sanguínea 
Pacientes com anemia falciforme toleram bem a anemia 
crônica e necessitam de transfusões somente em 
circunstâncias especiais, como, por exemplo, crise de 
sequestro, AVC, crise aplástica, preparação para cirurgia, 
gravidez, hipóxia com síndrome torácica aguda e 
priapismo. Nos casos de crises de sequestro e crise 
aplástica, transfusões simples são necessárias para 
restaurar a massa sanguínea circulante e garantir uma 
oferta adequada de oxigênio aos tecidos. Nas outras 
situações, transfusão de substituição é provavelmente 
mais adequada que transfusão simples, pois reduz a 
viscosidade que poderia ser causada por elevação do 
hematócrito. No entanto, esse é ainda um assunto 
controverso. Um estudo cooperativo mostrou que em 
situações pré-cirúrgicas, transfusões simples apresentam 
resultados favoráveis quando comparados à transfusão 
de substituição. 
Na indicação de regime transfusional na anemia 
falciforme, em geral, o objetivo deve ser manter o nível 
de HbS abaixo de 30%. Nesses casos, deve ser lembrado 
que o acúmulo de ferro é inevitável, e pode ser tratado 
com quelantes de ferro, por via parenteral com 
desferoxamina, ou via oral com deferiprone ou 
deferasirox. Além disso, devem ser avaliados todos os 
riscos inerentes às transfusões sanguíneas, tais como 
reações transfusionais, transmissão de patógenos e, 
especialmente, aloimunização. 
Redução de 60 a 80% nas células falciformes circulantes 
pode ser atingida em crianças com anemia falciforme em 
6 a 12 horas pela troca de duas vezes a massa de 
hemácias (2× volume sanguíneo × hematócrito). Nos 
centros em que for disponível separador automático de 
células, a transfusão de substituição (2 volumes) pode ser 
feita em 90 minutos. Um estudo demonstrou 
inequivocadamente que um regime de transfusão 
sanguínea que mantenha o nível de HbS abaixo de 30% 
reduz enormemente o risco do primeiro episódio de AVC 
em crianças com Doppler Ultrassonográfico 
Transcraniano (DTC) alterado. Esse procedimento deve 
ser aplicado rotineiramente para todos os pacientes com 
anemia falciforme. 
 
Transplante de células-tronco 
hematopoéticas 
Um tratamento curativo para as doenças falciformes 
representa hoje objetivo fundamental para os 
pesquisadores nessa área. A única opção curativa para 
doenças falciformes até o momento é o transplante de 
células-tronco hematopoéticas aparentado, indicado a 
crianças com casos graves (como, por exemplo, 
ocorrência de acidente vascular cerebral na infância) e 
que tenham doador compatível na família. A descoberta 
de novas drogas que isoladamente ou em conjunto com 
a HU aumentem a produção de HbF, o aprimoramento 
das técnicas do transplante de medula óssea em adultos 
e com fontes alternativas de células progenitoras 
hematopoéticas, tais como sangue de cordão umbilical, 
doador não aparentado ou haploidêntico, ou a terapia 
 
gênica representam alternativas possíveis que no futuro 
poderão conduzir a novas possibilidades de cura ou 
melhor controle dessas enfermidades.

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