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Natalia Quintino Dias Endometriose A endometriose caracteriza-se pela presença de tecido endometrial – glândula e/ou estroma endometrial – em localização ectópica, fora da cavidade endometrial. Confirma-se a presença desses tecidos à microscopia, associados ou não a macrófagos repletos de hemossiderina. Acomete cerca de 10% das mulheres em idade fértil, e atualmente acredita-se que mais de 7 milhões de brasileiras tenham a doença. A endometriose pode apresentar-se na forma de lesões vermelhas, acastanhadas ou negras, assim como pode se distinguir entre lesões pigmentadas – típicas – e não pigmentadas – atípicas –, as quais incluem vesículas, lesões “em chama de vela” e aderências. As lesões vermelhas e as não pigmentadas são precoces e mais ativas e parecem reagir melhor ao tratamento hormonal, em comparação com lesões ovarianas ou profundas. As aderências podem ser extensas e envolver o intestino, a bexiga e os ureteres, levando, inclusive, à hidronefrose. Nos ovários, a lesão mais comum é o endometrioma, um cisto de conteúdo espesso e cor escura achocolatada. De acordo com a profundidade com que o implante endometrial penetra no tecido, classifica-se a doença em superficial ou profunda; esta última determina implantes que penetram mais de 5 mm na espessura do tecido. A endometriose profunda pode infiltrar o espaço retrouterino, o septo retovaginal, a bexiga e a parede intestinal. Casos no pulmão, mamas, ossos, sistema nervoso central, fígado, vesícula biliar, rins e uretra já foram descritos, mas são extremamente raros. Ainda não está claro se as diferentes formas diferem com relação à dor, à infertilidade ou ao prognóstico. Localização Diversos locais podem ser acometidos pela doença, isolados ou simultaneamente. A forma mais comum é a multifocal, e os sítios principais são o peritônio pélvico, principalmente nas fossetas ovarianas e nos ligamentos uterossacros, os órgãos pélvicos – ovários, tubas, bexiga, sigmoide e reto – e, mais raramente, órgãos extrapélvicos, como fígado, pulmões, pleura e outros. Para a endometriose pélvica, forma mais frequente de manifestação da doença, os ovários – superficial ou profundamente –, os ligamentos uterossacros e o fundo de saco de Douglas representam as localizações preferenciais. Os focos de endometriose no ovário tornam-se encapsulados, formando cistos denominados endometriomas. A endometriose extragenital, na maioria dos casos, é assintomática, mas deve ser suspeitada quando há dor ou massa fora da pelve com sintomas cíclicos. O local mais comum de acometimento é o intestino, principalmente na região do sigmoide e do reto (85%), seguido pelo apêndice cecal e intestino delgado. Etiopatogenia As hipóteses etiopatogênicas para explicar o desenvolvimento da doença são muitas. Hipóteses etiopatogênicas mais aceitas: •Teoria da menstruação retrógrada – teoria de Sampson: defende ser o refluxo do sangue menstrual, por meio das tubas uterinas pérvias, o responsável pelo distúrbio. O sangue menstrual contém células viáveis, com capacidade de implantação, que, por fatores locais e sob estímulo estrogênico, formariam focos de tecido endometrial ectópico. Apesar da plausibilidade biológica, essa teoria é muito contestada, pois a maioria das mulheres apresenta menstruação retrógrada e não tem endometriose; •Teoria da metaplasia celômica: algumas células indiferenciadas – pluripotenciais – situadas nos ovários, no peritônio e em outros locais sofrem diferenciação em células de endométrio. A incitação para tal diferenciação seria o estímulo hormonal sobre esse epitélio celômico indiferenciado, que se transforma em tecido endometrial, em vez do tecido correspondente – tecido peritoneal, ovariano etc.; •Teoria combinada ou teoria de Javert: aceita ambas as hipóteses concomitantemente e explica, em parte, a ocorrência dos focos pélvicos – pelo refluxo de células endometriais, de acordo com a teoria de Sampson; por outro lado, os focos longínquos seriam explicados pela metaplasia celômica; •Teoria imunológica: proposta de meados da década de 1990, considera uma série de alterações Natalia Quintino Dias imunológicas, principalmente relacionadas à resposta imune celular Th1, como fator principal. Essa teoria explicaria o fato de apenas algumas mulheres desenvolverem endometriose, mesmo com a maioria delas apresentando menstruação retrógrada. Os defeitos imunológicos estudados e já comprovados nessa teoria incluem alteração na ação citotóxica e no reconhecimento de antígenos das células NK (Natural Killer) e alteração na secreção de diversas citocinas – IL-1, IL-6, IL-8, TNF- alfa, IL-12, IL-18 e outras. Apesar de não ser uma teoria comprovada, a endometriose tem importante associação com alterações imunológicas; •Teoria da implantação: propõe que células endometriais manipuladas durante cirurgias – parto cesárea – podem ser implantadas na cavidade endometrial e na parede pélvica, criando focos de endometriose. Tal teoria foi desenvolvida na tentativa de explicar o aparecimento de focos de endometriose cicatricial. Nenhuma das teorias conseguiu comprovar a etiologia da endometriose até o momento. Epidemiologia e fatores de risco A prevalência não pode ser determinada com exatidão, em parte porque o diagnóstico de certeza só pode ser feito por laparoscopia, nem sempre realizada mesmo nos casos suspeitos. Além disso, pacientes assintomáticas só são diagnosticadas se submetidas a cirurgia por indicações diversas, e pacientes sintomáticas podem ter sintomas variados e não específicos. Estima-se que cerca de 10% de todas as mulheres na menacma tenham endometriose, em torno de 30% das inférteis e cerca de 50% daquelas com queixa de dor pélvica crônica. Sabe-se que a prevalência em mulheres negras é menor do que em mulheres brancas. A endometriose é diagnosticada, em média, na terceira década de vida. É descrita a associação a mulheres com baixo índice de massa corpórea e níveis de ansiedade acima da média. Por ser uma doença estrogênio-dependente, todos os fatores que propiciam o ambiente hiperestrogênico podem favorecer seu aparecimento. A endometriose é a causa mais comum de dismenorreia secundária; entre as mulheres com queixa de dor pélvica crônica, a incidência chega a atingir 45 a 70%. Fatores de risco • Antecedente familiar com parente de primeiro grau com endometriose; • Menarca precoce e menopausa tardia; • Nuliparidade; • Gestação tardia; • Fluxo menstrual aumentado – em volume e/ou duração; • Estenose cervical e outras obstruções do fluxo de saída menstrual; • Raça branca; • Nível socioeconômico elevado; • Quadros de ansiedade, depressão e outros transtornos psiquiátricos Fatores protetores • Tabagismo; • Uso de contraceptivos hormonais; • Multiparidade; • Primeira gestação precoce – antes dos 18 anos. Quadro clínico A doença pode acometer a mulher durante toda a menacma, mas é mais comum ao redor da terceira década de vida. Entre as queixas, incluem-se as principais: • Dismenorreia progressiva – dor pélvica cíclica (não tem relação com a extensão ou estadiamento da doença); • Dor pélvica crônica; • Dispareunia de profundidade; • Infertilidade; • Alterações intestinais e urinárias durante a menstruação. -> Os sintomas intestinais podem ocorrer sob a forma de alteração do hábito intestinal – obstipação ou diarreia –, desconforto, distensão abdominal e sangramento cíclico – hematoquezia. A dismenorreia progressiva, refratária ao tratamento medicamentoso habitual, é o principal sintoma. Com a progressão da doença, os implantes endometrióticos aprofundam-se e lesam nociceptores, causando dor neuropática, clinicamente expressa por dor pélvica crônica. Esta Natalia Quintino Dias geralmenteé diária, de grande intensidade e piora durante o período menstrual. A dispareunia de profundidade está relacionada a implantes nos ligamentos uterossacros, ligamentos cardinais e fundo vaginal. Em casos extremos, pode impedir o ato sexual. As alterações anatômicas causadas pela doença avançada ou pelo processo inflamatório causado por ela podem ter como consequência a infertilidade. Durante a anamnese deve-se investigar os antecedentes familiares – perfil genético, principalmente acometendo parentes de primeiro grau – e outras doenças. É frequente a associação a doenças autoimunes, sistêmicas, como fibromialgia, e psiquiátricas, como depressão e ansiedade. Em parentes de primeiro grau com histórico, há incidência de 6,9% da doença, corroborando com a teoria poligênica multifatorial do processo. Principais sítios de acometimento: Ovários – 65% Ligamentos uterossacros – 28-60% Fundo de saco posterior – 30-34% Folheto posterior do ligamento largo – 16-35% Fundo de saco anterior – 15-35% Exame físico Pode ser normal, principalmente nos estágios iniciais, ou revelar dor à palpação localizada, sobretudo no fundo de saco posterior ou nos ligamentos uterossacros, fixação dos órgãos pélvicos pelas aderências que acompanham a doença, retroversão uterina fixa, dor ao toque, principalmente de útero/anexos e fundo de saco, dor à mobilização do colo, aumento anexial – quando há acometimento ovariano com a formação de endometriomas – e empastamentos nodulares em fundo de saco ou espessamento dos ligamentos uterossacros. Para melhor identificação dos nódulos e empastamentos no fundo de saco vaginal, recomenda-se examinar a paciente durante o período menstrual. Diagnóstico A suspeita da doença baseia-se na história clínica, no exame físico e em exames laboratoriais. O diagnóstico definitivo é feito por videolaparoscopia diagnóstica. No entanto, o diagnóstico de presunção é possível por meio da combinação de sinais, sintomas e exames laboratoriais e de imagem, permitindo iniciar um plano terapêutico de baixo risco e bem tolerado. Exames laboratoriais São inespecíficos, como provas de atividade inflamatória (proteína C reativa, por exemplo), e proteína sérica amiloide A (normal até 5UI/ml) e CA-125 (35 UI/ml) não são mais utilizados. Exames de imagem Podem ser de grande importância no diagnóstico. Nenhum deles pode fornecer o diagnóstico final, o qual só pode ser obtido com a realização de videolaparoscopia. Ultrassonografia pélvica e transvaginal: Pode mostrar-se normal ou revelar cistos ovarianos de conteúdo espesso homogêneo, com aspecto “em vidro moído”, achado característico do endometrioma. Alguns ultrassonografistas mais experientes conseguem evidenciar comprometimento da parede intestinal, inclusive das camadas, percentual da alça intestinal envolvida, bloqueio pélvico, nódulos retrouterinos e outros implantes. Atualmente, dá-se preferência à ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal, que permite a visualização dos focos ectópicos e determina a extensão intestinal da doença. Tomografia computadorizada da pelve: É útil no afastamento de outras hipóteses que contemplem o diagnóstico diferencial de dor pélvica crônica, Natalia Quintino Dias bem como na identificação de repercussões intestinais e urinárias – por exemplo, hidronefrose. Ressonância magnética: É recomendado que seja considerada técnica de 2ª linha, sendo solicitada após a ultrassonografia com preparo intestinal para avaliação da endometriose pélvica. É útil antes da cirurgia para estadiamento pré- operatório adequado. Ecocolonoscopia ou ultrassonografia transretal: Também possibilita avaliar a existência de acometimento intestinal e, quando presente, a profundidade das lesões em relação às camadas da parede intestinal – serosa, muscular, submucosa e mucosa. Videolaparoscopia: É o padrão-ouro para o diagnóstico. É ideal, pois permite o estadiamento e pode ser utilizada como arma terapêutica. A visualização de toda a cavidade pélvica e abdominal, portanto, dos implantes endometrióticos, é possível por intermédio dessa técnica. Os implantes podem ser negros, castanhos ou marrons pelo depósito de hemossiderina (descrição clássica da lesão endometriótica) ou ter formas como lesões brancas, lesões vermelhas “em chama de vela”, aderências e defeitos peritoneais (síndrome de Allen-Master). Classificação É classificada de acordo com os achados intraoperatórios, que se considera: tamanho, profundidade, localização dos implantes endometrióticos e gravidade das aderências. Estágios da classificação: • Estágio 1 – doença mínima: implantes isolados e sem aderências significativas; • Estágio 2 – doença leve: implantes superficiais com menos de 5 cm agregados e espalhados, sem aderências significativas; • Estágio 3 – doença moderada: múltiplos implantes superficiais e profundos, aderências peritubárias e periovarianas evidentes; • Estágio 4 – doença grave: múltiplos implantes superficiais e profundos, incluindo endometriomas e aderências densas e firmes. O estágio 4 corresponde à doença mais extensa, sem correlação, porém, com o prognóstico e o nível de dor. A dor é influenciada pela profundidade de implantação endometriótica e sua localização em áreas de maior inervação. Histologicamente, ainda se divide a endometriose em superficial e profunda. A profunda é definida como uma massa de endometriose sólida situada a mais de 5 mm de profundidade no peritônio. Encontra-se, geralmente, no septo retovaginal (também conhecido como septo retocervical), reto, cólon retossigmoide, bexiga, ureter e outras estruturas fibromusculares pélvicas, como os ligamentos uterinos e a vagina. Aspectos macroscópicos das lesões As lesões atípicas se apresentam através de vesículas, lesões vermelhas em chama de vela, defeitos peritoneais (janela peritoneal) e finas aderências (em véu de noiva) no hilo ovariano ou no fundo de saco posterior. As lesões típicas são consideradas de acordo com sua evolução e idade, a saber: → Vermelhas: são muito ativas. Podem se apresentar como petéquias. → Pretas: são menos ativas. Descritas como “queimadura por pólvora”. Podem se apresentar como nódulos pretos, castanho-escuros (café com leite) ou azulados, ou como pequenos cistos contendo hemorragia antiga circundada por um grau variável de fibrose. → Brancas: são consideradas resquícios cicatriciais. Natalia Quintino Dias A evolução natural de uma lesão inicial translúcida, passando pelas fases vermelhas até preta e cicatricial, ocorre num período aproximado de 7-10 anos. Com a progressão da idade, ocorre uma diminuição do número de lesões avermelhadas e um incremento das lesões escuras ou das cicatriciais. No entanto, nem todas as lesões seguem rigorosamente a evolução natural. Fatores etiopatogênicos individuais podem determinar ou alterar a evolução das lesões. Apenas 47% das lesões não tratadas seguem o curso evolutivo natural. Aspecto microscópico das lesões São observadas glândulas e estroma endometriais com ou sem macrófagos repletos de hemossiderina. Diagnóstico diferencial Todas as doenças que cursam com dor pélvica, dispareunia e infertilidade, associadas ou isoladamente, são possíveis diagnósticos diferenciais. O estadiamento não está correlacionado à severidade dos sintomas, fato que torna a endometriose um importante diagnóstico diferencial de diversas doenças, especialmente as ginecopatias: miomatose, adenomiose, doença inflamatória pélvica crônica, torção ovariana, neoplasias ovarianas, gravidez ectópica e infecção do trato urinário. Tratamento O objetivo é maximizar o tratamento medicamentoso e evitar procedimentos cirúrgicos repetidos. Por isso, a decisão terapêutica deve serindividualizada, e também se devem considerar apresentação clínica, severidade dos sintomas, localização e extensão da doença, desejo reprodutivo, idade, efeitos colaterais das medicações e taxa de complicações cirúrgicas, além do objetivo da paciente. Natalia Quintino Dias A abordagem inclui uso de analgésico, tratamento hormonal, intervenção cirúrgica e terapia combinada, visando melhorar o quadro, diminuir ou eliminar os sintomas, melhorar a qualidade de vida e evitar a progressão da doença. Tratamento clínico O princípio da terapia medicamentosa é bloquear a produção estrogênica ovariana, evitando a proliferação endometrial e o sangramento dos implantes no momento da privação hormonal. Portanto, o objetivo do tratamento é manter a paciente em amenorreia, cuja obtenção facilita a remissão e o manejo dos sintomas. Contraceptivos orais ou injetáveis mensais/trimestrais, esteroides como danazol e gestrinona, implante subcutâneo de liberação de progestogênios e sistemas intrauterinos liberadores de levonorgestrel: todas essas medicações de base hormonal visam promover a atrofia dos focos e alcançar um estado de hipoestrogenismo funcional. O que define o tratamento da endometriose após a videolaparoscopia é o desejo da paciente de gestar. Pacientes que desejam gestar apresentam as maiores taxas de fertilidade nos primeiros dias subsequentes à videolaparoscopia. Para tais pacientes, não se recomenda a prescrição do tratamento medicamentoso, pois este vai interferir negativamente na fertilidade. Já para as pacientes que não desejam gestar, há muitas opções terapêuticas. Para pacientes que não desejam gestar: - Contraceptivos orais combinados: Têm a grande vantagem do baixo custo e da facilidade posológica, promovem bom controle dos sintomas e devem ser usados de modo contínuo. São ideais para o início do tratamento, pois promovem melhor atrofia dos focos ectópicos. Não há preferência por preparados específicos, e o importante é que a paciente use continuamente para permanecer em amenorreia. - Progestogênios: Podem ser administrados por via oral de forma contínua (desogestrel 75 mg, por exemplo) ou injetável (150 mg de acetato de medroxiprogesterona trimestralmente), e visam à atrofia endometrial progressiva. Os principais progestogênios empregados por via oral, atualmente, são o desogestrel e o dienogest. Por via intramuscular usa-se com frequência o acetato de medroxiprogesterona. O tratamento pode ser feito também com o uso de implantes subcutâneos de liberação de etonogestrel, com boa resposta no decréscimo da intensidade dos sintomas relacionados à dor. Há estudos demonstrando melhora do quadro álgico com uso de Dispositivo Intrauterino (DIU) de levonorgestrel, especialmente a recorrência de dismenorreia no uso após tratamento cirúrgico. - Gestriona: Trata-se de um progestogênio com ação antiestrogênica e alguns efeitos androgênicos, como acne, seborreia e hirsutismo. Pelos seus efeitos colaterais e pela eficácia moderada no combate aos sintomas, atualmente é pouco utilizada. A dose é de 1,25 ou 2,5 mg, Via Oral (VO), 2x/sem. - Danazol: É um derivado da 17- alfaetiniltestosterona, portanto com ação androgênica e agonista da progesterona, eliminando os picos de FSH e LH do meio do ciclo. Além disso, promove estado hipoestrogênico e hiperandrogênico, atrofiando o tecido endometrial ectópico. A dose usual é de 200 a 800 mg/d, por seis meses. Tem efeitos colaterais nem sempre bem tolerados, motivo pelo qual tem sido cada vez menos usado e, que, muitas vezes, levam à interrupção do tratamento, como fogachos, ganho ponderal, seborreia, acne, hirsutismo e engrossamento da voz, bem como piora do perfil lipídico com elevação do LDL e diminuição do HDL. A dose utilizada é de 200 mg, VO, 2x/d. - Análogos do GnRH: Atuam na secreção das gonadotrofinas hipofisárias. Deve-se lembrar que, para haver o ciclo menstrual normal, o GnRH deve ser liberado de modo pulsátil, em picos cuja frequência oscila durante as fases proliferativa e secretora. Quando se administra uma substância análoga do GnRH, esses pulsos fisiológicos são suprimidos, assim como a secreção de FSH e LH, determinando um estado de hipogonadismo hipogonadotrófico. Logo após a primeira administração dessas drogas, pode haver fase de ação agonista, com aumento da produção de FSH e LH e dos esteroides sexuais, seguido por dessensibilização dos receptores de GnRH por Natalia Quintino Dias meio de downregulation, com supressão do FSH, do LH e dos esteroides sexuais. Por determinarem um estado de “menopausa artificial” ou “pseudomenopausa”, alguns efeitos colaterais característicos da síndrome do climatério podem ser referidos: fogachos, atrofia vaginal, insônia, cefaleia, depressão. No entanto, uma das principais consequências deletérias do uso dos análogos do GnRH é a perda de massa óssea, o que limita seu uso ao período de seis meses. É possível reduzir os efeitos colaterais e a perda óssea com a associação de pequenas doses de estrogênios ao tratamento, método conhecido como add-back therapy, utilizando estrogênios conjugados 0,625 mg/d. Apesar de excelentes para o controle dos sintomas de endometriose, os análogos do GnRH são reservados para casos específicos em função dos seus efeitos colaterais. - DIU com levonorgestrel: A liberação contínua de progesterona promove a atrofia do endométrio e a regressão dos focos de endometriose. As pacientes que entram em amenorreia com o uso do endoceptivo apresentam excelentes taxas de regressão dos sintomas álgicos cíclicos. Tratamento empírico: A abordagem inicial para mulheres com suspeita de endometriose que não desejam engravidar no momento, sem evidência de endometriomas maiores de 6 cm na ultrassonografia e sem sinais de obstrução ureteral e/ou intestinal é a prescrição de contraceptivos contínuos. -> Na ausência de contraindicação ao uso de estrogênios, lança-se mão dos contraceptivos combinados. -> Já para as que têm contraindicação, são preferidos os anticoncepcionais com apenas progestogênios. A mulher deve ser reavaliada em três a quatro meses, mantendo a terapêutica em caso de melhora dos sintomas até a manifestação do desejo de engravidar ou o alcance da menopausa. Para mulheres não responsivas à terapia descrita ou com evidência de lesões anexiais sugestivas de endometriomas maiores de 6 cm ou ainda com lesões que provocam sinais ou sintomas obstrutivos no trato urinário ou gastrointestinal, é indicada a laparoscopia. Para pacientes que desejam gestar e preenchem critérios para infertilidade – um ano de tentativas sem sucesso –, também estará indicada a videolaparoscopia. Natalia Quintino Dias Tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico permite o diagnóstico da doença, conforme já relatado para a videolaparoscopia, bem como reduz o quadro de dor por meio da destruição dos implantes endometrióticos, e acesso a cisto ou massa pélvicos. Considera-se cirurgia nos seguintes casos: ❖ Dor persistente, apesar da tentativa de tratamento por seis a 12 meses; ❖ Contraindicação ou recusa do tratamento clínico; ❖ Exclusão de malignidade na massa anexial; ❖ Obstrução intestinal ou do trato urinário, endometriomas ovarianos com diâmetro superior a 6 cm, acometimento de apêndice (por ser um diferencial de tumor carcinoide), de íleo (pelo risco de oclusão intestinal) e de ureter (pelo risco de exclusão renal). Planejamento cirúrgico: O planejamento cirúrgico deve considerar o resultado cirúrgico desejado pela paciente, aconselhamento sobre a extensão e abordagem da cirurgia programada com seus possíveis riscos – lesão, principalmente da bexiga e do intestino, possibilidade de redução da reserva ovariana, além do próprio ato operatório em si.O ideal é que, a partir do momento da indicação cirúrgica, o tratamento seja resolutivo, avaliando- se a necessidade de equipe cirúrgica multidisciplinar (urologista, cirurgião geral e proctologista). Eventualmente, apenas uma videolaparoscopia pode não ser suficiente para o tratamento; não raro é necessária a reabordagem videolaparoscópica. Todavia, o ideal é o menor número possível de intervenções cirúrgicas. As cirurgias laparotômicas também podem ser realizadas para diagnóstico e tratamento, porém têm a desvantagem de limitar a visualização da cavidade pélvica e abdominal e cursar com maior formação de aderências que podem ocasionar persistência da dor pélvica. O tratamento cirúrgico é dividido em conservador – primeira linha – e definitivo. • Conservador: executam-se a ablação ou excisão dos focos, a lise de aderências e a investigação da permeabilidade tubária. • Definitivo: O tratamento definitivo inclui ooforectomia bilateral com ou sem histerectomia, reservada para casos de manejo difícil com falha de outras opções terapêuticas e de prole constituída. Tal prática leva à menopausa precoce, com sintomas vasomotores, perda óssea e impacto cardiovascular. Nessas pacientes, uma pequena quantidade de tecido ovariano pode sobrar após cirurgia na pelve congelada, contribuindo para síndrome do ovário remanescente, que cursa com recorrência da dor pélvica. No climatério, a terapia de reposição hormonal de pacientes com histórico de endometriose pode ser realizada. Mesmo em pacientes submetidas à histerectomia, a terapia de reposição hormonal deve ser combinada de estrogênios e progestogênios para que não ocorra o estímulo de estrogênio isolado sobre o foco ectópico, o que poderia piorar a evolução da doença. Endometrioma: A abordagem do endometrioma visa à melhora dos sintomas, prevenção de complicações relacionadas com massa anexial – ruptura e torção –, exclusão de malignidade, quando tem aparência atípica e volume grande, melhora da subfertilidade e preservação da função ovariana. É possível fazer acompanhamento clínico e ultrassonográfico semestral por dois anos em mulheres assintomáticas e com imagem menor que 6 cm. O tratamento cirúrgico está indicado quando o endometrioma apresenta 6 cm ou mais. O padrão- ouro é a ooforoplastia com cistectomia – ressecção da cápsula do endometrioma –, de menor recidiva do que ablação e fenestração no âmbito do tratamento cirúrgico conservador. O tratamento cirúrgico dos endometriomas menores de 6 cm fica reservado para as pacientes com desejo de gestar. Nestes casos, a cistectomia segue sendo a melhor opção. Prevenção de recidiva A recidiva acontece em cerca de 40% dos casos. A forma mais eficaz de preveni-la ou retardá-la é a gravidez, com maiores chances de ocorrer a reincidência em até um ano a partir da cirurgia. Se esse não é o desejo da paciente, os Natalia Quintino Dias anticoncepcionais hormonais contínuos ou o dispositivo intrauterino de progesterona permitem controle razoável da doença. A histerectomia isolada não impede a recidiva, e a ooforectomia deve ser evitada em pacientes jovens, com ou sem desejo reprodutivo, exceto em casos extremos. Endometriose e infertilidade A endometriose pode levar à infertilidade tanto nos estágios mais avançados, por alterações anatômicas causadas pelas aderências ou cistos endometrióticos, quanto nos mais iniciais. Estima- se que 50% dos casos apresentam infertilidade associada. Nos estágios iniciais, já se demonstra um microambiente peritoneal desfavorável à gestação. Existem os distúrbios ovulatórios – com altas taxas de anovulação –, a síndrome do folículo luteinizado não roto e as alterações nas concentrações de substâncias inflamatórias e células no fluido peritoneal, capazes até de fagocitar gametas e embriões. . Quando a endometriose é classificada como grave (estádios III e IV), o auxílio da reprodução assistida de alta complexidade é extremamente comum. Nesse caso, o tratamento cirúrgico deve ser realizado previamente para melhor sucesso da terapia de reprodução assistida. As técnicas de reprodução assistida indicadas para pacientes com endometriose são a Fertilização In Vitro (FIV) ou a injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI). Endometriose e câncer De acordo com uma meta-análise publicada em 2012, foi observado que a doença aumenta o risco de câncer de ovário em duas a três vezes, principalmente dos tumores epiteliais de baixo grau, incluindo os adenocarcinomas endometrioides, os tumores borderline serosos e os adenocarcinomas de células claras. Ainda não se sabe exatamente o nexo causal dessa associação, mas os estudos demonstraram resultados estatisticamente significativos.
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