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Vitor Dantas – G.O ENDOMETRIOSE A endometriose é um distúrbio ginecológico benigno comum definido pela presença pela presença de tecido endometrial (glândulas e estroma endometriais) fora do sítio normal, ou seja, em localização ectópica, fora da cavidade endometrial. Estes sítios ectópicos localizam-se usualmente na pelve, mas podem ser encontrados em qualquer outro lugar do corpo. Os locais mais frequentes de implantação são as vísceras pélvicas e o peritônio. A endometriose é uma doença hormônio-dependente, sendo por isso encontrada sobretudo nas mulheres em idade reprodutiva. As pacientes com endometriose podem ser assintomáticas, subférteis ou apresentar graus variáveis de dor pélvica. EPIDEMIOLOGIA Afeta predominantemente em mulheres na menacme, mas já foi relatada em adolescentes e mulheres na pós- menopausa em uso de terapia hormonal. Média de idade 25 aos 30 anos das pacientes. Em mulheres jovens com idade inferior aos 17 anos, a maioria dos casos está associada a malformações mullerianas, obstrução cervical ou vaginal. Maior incidência em: nulíparas, menarca precoce, ciclos mais curtos. Prevalência: 10-15% das mulheres em idade reprodutiva (subdiagnosticada) Estudos da Alemanha e Áustria demonstram que o tempo entre o surgimento dos sintomas e o diagnóstico é de 10 anos. Em mulheres com dor pélvica ou infertilidade, uma alta prevalência de endometriose, em torno de 90%, é descrita. Mais de 7 milhões de brasileiras tenham a doença. Descrita em mulheres de todos os grupos sociais e étnicos. A prevalência da endometriose assintomática é menor em negras e maior em asiáticas, em comparação com as pacientes da raça branca. Pacientes com endometriose: 20-50% com infertilidade, 50% das mulheres com dismenorreia e 20-50% de mulheres com dor pélvica crônica. OBS.: A influência da idade, raça e status socioeconômico na prevalência da endometriose é controversa. FATORES DE RISCO Aparentemente, a endometriose é uma doença poligênica e multifatorial, resultante da interação genética com fatores ambientais envolvidos. Os principais fatores de risco são: HISTÓRIA FAMILIAR Embora não se tenha identificado um padrão mendeliano evidente de transmissão genética, o aumento da incidência em familiares de primeiro grau sugere padrão hereditário poligênico/multifatorial. Inclusive, mulheres com história familiar apresentam risco 7x maior de desenvolver doença mais grave, bilateral e mais precoce. Alguns estudos evidenciaram a presença de dois principais genes que alterados, estão implicados na endometriose. O primeiro é o gene EMX2, que codifica um fator de transcrição necessário para o desenvolvimento do trato reprodutivo. O segundo gene é o PTEN, um gene supressor tumoral envolvido na transformação maligna da endometriose ovariana. DEFEITOS ANATÔMICOS As malformações müllerianas, especialmente os úteros bicornos ou didelfo, nos quais uma das cavidades uterinas encontra-se obstruída, predispõem com maior frequência a casos de endometriose mais avançada. Este fato sugere que a dificuldade de escoamento do fluxo menstrual pode ter relação direta com o desenvolvimento da doença. Além disso, outras anomalias, como hímen imperfurado e agenesia de colo, pela propensão a um maior refluxo do sangue menstrual para a cavidade abdominal, também se correlacionam com a endometriose. Diante disso, acredita- se que o reparo desses defeitos reduza o risco de desenvolvimento da endometriose. ESTENOSES IATROGÊNICAS DE COLO UTERINO Estenoses iatrogênicas cervicais oriundas de procedimentos cirúrgicos, tais como conização e cauterização do colo uterino, também podem favorecer o surgimento da enfermidade. O diâmetro do orifício interno do colo uterino está relacionado com a quantidade de refluxo menstrual transtubário, o que pode predispor ao desenvolvimento de endometriose. PRIMIPARIDADE TARDIA / NULIPARIDADE Ambos os fatores parecem aumentar o risco de endometriose devido ao maior tempo de exposição hormonal sem interrupção. Desta afirmativa advém a tendência as teorias que dizem que ocorre uma maior ocorrência de endometriose em mulheres de classes econômicas mais altas. Estas tendem a engravidar somente Vitor Dantas – G.O após a conclusão de sua formação acadêmica, inserção no mercado de trabalho e conquista de estabilidade econômica. Obs.: Existem teorias que dizem que as classes sociais mais altas possuem maior acesso a cuidados médicos e, portanto, a endometriose é mais diagnosticada neste privilegiado grupo social. MENARCA PRECOCE / CICLOS MENSTRUAIS CURTOS (< 27 DIAS) A correlação entre o risco de doença e o volume ou duração da menstruação é menos consistente. Fluxos com duração maior que 8 dias ou excessivos parecem aumentar o risco da doença. BAIXOS ÍNDICES DE MASSA CORPORAL (IMC) A endometriose parece estar associada, em termos de fenótipo, a mulheres altas, magras e, consequentemente, com baixos Índices de Massa Corporal (IMC). A explicação para isso, seria o fato dessas mulheres apresentarem maiores níveis de estradiol na fase folicular. CONSUMO INVETERADO DE ÁLCOOL E CAFEÍNA Estudos epidemiológicos variados sugeriram que o consumo inveterado de álcool e cafeína pode aumentar o risco de endometriose. Contrariamente, a prática de exercícios regulares e o tabagismo podem diminuir o risco da moléstia. Entretanto, são necessários estudos complementares para ratificação destas correlações. TOXINAS AMBIENTAIS A exposição a toxinas ambientais como a dioxina, produto derivado de processos de combustão industrial, reduz os níveis de testosterona e de outros andrógenos e com isso, relaciona-se à endometriose. FATORES PROTETORES ▪ Tabagismo ▪ Uso de contraceptivos hormonais ▪ Multiparidade ▪ Primeira gestação precoce – antes dos 18 anos. ETIOLOGIA Embora a causa definitiva de endometriose ainda seja desconhecida, várias teorias têm sido propostas. No entanto, nenhuma é ainda universalmente aceita para todos os casos. O mais provável é que sejam complementares e/ou que cada uma delas explique a ocorrência de endometriose em uma determinada situação. Obs.: Nenhuma teoria explica 100% o surgimento da doença, assim algumas podem se complementar. TEORIA DA MENSTRUAÇÃO RETRÓGRADA (TEORIA DE SAMPSON) A teoria mais antiga (1920) e aceita propõe que o efluente menstrual contém células endometriais viáveis que podem ser transplantadas e aderir em sítios ectópicos. Assim, a regurgitação transtubária durante a menstruação promove a disseminação de células endometriais viáveis na cavidade peritoneal. Os fragmentos endometriais do movimento de refluxo adeririam e invadiriam o mesotélio peritoneal com desenvolvimento de suprimento sanguíneo, levando à sobrevivência e ao crescimento do implante. De acordo com essa teoria, o lugar mais comum de foco de endometriose é o ovário porque é o local mais fácil para adesão desses implantes que estão saindo das trompas. Além disso, seguindo esse raciocínio explica-se os focos de endometriose no ovário e na bexiga, no entanto, não explica endometriose no fígado. Acredita-se que a uma maior viabilidade dos implantes está associada a alterações imunológicas e do líquido peritoneal. CONTRAPONTOS DA TEORIA É admissível concluir que alterações anatômicas da pelve, que aumentam o refluxo menstrual transtubário, devem aumentar a chance de uma mulher desenvolver endometriose. Evidências mostram maior incidência de endometriose em meninas com obstrução do trato genital. Esta obstrução impossibilita o total escoamento do efluente menstrual pela vagina e, consequentemente, aumenta a probabilidade de refluxo tubário. No entanto, como a menstruação retrógrada é um evento fisiológico, comum em mais de 90% das mulheres, e sua incidência é similar em mulheres com endometriose e em mulheres sem a doença, o desenvolvimento da doença deve estar relacionadoa fatores adicionais. A quantidade de tecido endometrial que atinge a cavidade peritoneal e/ou a capacidade do sistema imune de eliminar o tecido menstrual ectópico devem contribuir no processamento da doença. OBS.: Esta teoria não esclarece porque apenas parte das mulheres com refluxo menstrual desenvolve endometriose e falha em explicar os implantes endometriais extrapélvicos (1 a 2% dos casos). TEORIA IMUNOLÓGICA Em pacientes com endometriose, as células endometriais/fragmentos escapariam de ser eliminados pela resposta imune/inflamatória, devido a uma alteração da imunidade humoral e da imunidade celular. Vitor Dantas – G.O Uma grande variedade de anormalidades imunológicas foi descrita em mulheres com endometriose. O fluido peritoneal das pacientes acometidas contém um grande número de células imunes (macrófagos e leucócitos). No entanto, ao invés de agirem eficientemente na remoção das células endometriais da cavidade peritoneal, essas células de defesa parecem estimular a doença pela secreção de uma grande variedade de citocinas e de fatores de crescimento que estimulam a adesão e proliferação do endométrio ectópico e a angiogênese local. Obs.: É provável que esta teoria funcione de forma complementar à teoria da menstruarão retrógada. TEORIA DA METÁSTASE LINFOVASCULAR Essa teoria permite explicar a presença de focos de endometriose à distância por meio da disseminação linfática ou hematogênica de tecido endometrial. Sabemos que a região retroperitoneal tem rica circulação linfática, sugerindo em casos de lesões retroperitoneais isoladas, a propagação linfática. Sendo assim, essa teoria explica focos de endometriose em tecidos como olho, pulmão, fígado, cérebro, entres outros, apesar de se raro. TEORIA DA METAPLASIA CELÔMICA O mesotélio celômico é totipotencial, enquanto o peritônio deriva do epitélio celômico. Assim, em um contexto mais amplo, foi sugerida a ocorrência de uma metaplasia in situ do mesotélio seroso, capaz de originar a endometriose na pelve e no peritônio. Em outras palavras, esta teoria baseia- se na capacidade de o epitélio peritoneal originar outros tipos de tecido, tais como: endométrio, miométrio, tuba uterina e endocérvice. No caso da endometriose, corresponderia à transformação das células celômicas totipotenciais em endométrio. Tecido epitelial → Tecido endometrial Entretanto, esta teoria não foi sustentada por dados experimentais ou clínicos. Em contrapartida, ela poderia explicar a presença raríssima de endometriose em mulheres que nunca menstruaram, em meninas pré-púberes ou mesmo em homens que ingeriram altas doses de estrogênio (tratamento de câncer de próstata). Com isso, explicaria a endometriose em órgãos distantes, como o pulmão. TEORIA DE INDUÇÃO A princípio, corresponde a uma extensão da metaplasia celômica. Propõe que um fator bioquímico endógeno pode induzir o desenvolvimento das células indiferenciadas em tecido endometrial. Dessa forma, esta teoria suscita a necessidade da existência de um fator indutor que, em contato com o epitélio celômico, daria início à metaplasia. TEORIA DOS RESTOS EMBRIONÁRIOS Segundo essa teoria, remanescentes dos ductos de Müller se transformariam em focos de tecido endometrial por resposta a mediadores de reação inflamatória e ação estrogênica, associada a uma intermediação permissiva do sistema imune. TEORIA IATROGÊNICA Evidências sugerem que o endométrio ectópico pode ser induzido de forma iatrogênica por um transplante mecânico. São numerosos os relatos de endometriose em cicatriz após procedimentos ginecológicos como cicatriz de cesariana, episiotomia, amniocentese ou até mesmo videolaparoscopia. Obs.: Nesse caso, durante procedimentos as células endometriais foram levadas para essa região e lá se desenvolveram. TEORIA DAS CÉLULAS – TRONCO As células-tronco são capazes de transformação em vários tipos celulares. De acordo com essa teoria, células-tronco endometriais ativas poderiam se modificar para focos endometriais ectópicos FISIOPATOLOGIA Em conjunto com as teorias de surgimento da endometriose, existem alterações que atuam no favorecimento dessa doença. Assim, a fisiopatologia pode ser explicada por vários fatores que vão influir na progressão e surgimento da doença como fatores genéticos, hormonais, imunológicos e ambientais. FATORES GENÉTICOS Observações de estudos recentes sugerem que a endometriose possui uma base genética. A predisposição à doença é herdada como traço genético complexo para o qual o fenótipo reflete interações entre variantes alélicas de genes de susceptibilidade e fatores ambientais, ou seja, para ocorrência da doença é necessária uma tendência genética associada à exposição a diversos fatores facilitadores. Assim, múltiplos genes podem interagir uns com os outros, e o meio ambiente pode conferir susceptibilidade à doença. Vitor Dantas – G.O FATORES HORMONAIS O desenvolvimento e o crescimento da endometriose são estrogênio-dependentes. Atualmente, existe evidência substancial que tanto a produção quanto o metabolismo de estrogênio estão alterados na endometriose, atuando na promoção da doença. A aromatase, enzima que converte androgênios em estrogênios, é expressa de forma anormal no endométrio de mulheres com endometriose moderada e severa. Normalmente, não há atividade detectável da aromatase endometrial. Por conseguinte, mulheres com endometriose podem apresentar uma anormalidade genética que promove uma produção de estrogênio endometrial. Além disso, endometriomas e implantes peritoneais exibem níveis extremamente altos de atividade da aromatase. Por outro lado, o estrogênio endometrial pode estimular a atividade local da ciclo-oxigenase tipo 2 (COX-2) que produz a prostaglandina E2 (PG E2). A PG E2 é um potente estimulador da aromatase e, consequentemente, desencadeia um feedback positivo para a produção contínua de estrogênio pelo endométrio. A estrona e o estradiol são convertidos pela ação da enzima 17-beta-hidroxiesteroide desidrogenase (17βHSD), que existe em duas formas: tipo 1 (converte estrona em estradiol) e tipo 2 (converte estradiol em estrona). No tecido endometrial a 17βHSD tipo 1 é expressa normalmente, mas a 17βHSD tipo 2 é totalmente ausente. OBS.: Os focos de endometriose exibem alterações moleculares relacionadas à produção e ao metabolismo estrogênico. A atividade da aromatase anormal é potencializada pela PG E2, que estimula a produção contínua de estrogênio no endométrio. A ausência da enzima 17βHSD tipo 2 endometrial, combinada com altas concentrações de estrogênio, pode ajudar a estabelecer e a estimular a doença. FATORES IMUNOLÓGICOS Existem evidências de que alterações na imunidade humoral e da imunidade celular estão implicadas na patogênese da endometriose. Sabe-se que o tecido endometrial que sofrem refluxo, em geral, são eliminados por células imunes, como macrófagos, células NK (natural killer) e linfócitos. Por isso, acredita-se que em mulheres com endometriose há alterações em fatores de crescimento, citocinas, imunidade celular e imunidade humoral, permitindo assim, a persistência do tecido endometrial. Alguns estudos demonstram disfunção dos macrófagos, células NK e monócitos em algumas mulheres e isso permite a proliferação do tecido endometriótico. Em relação aos linfócitos T, seu número está aumentado no líquido peritoneal e sua atividade citotóxica está alterada naquelas com endometriose. Sobre a imunidade humoral, sabe-se que anticorpos endometriais da classe IgG são detectados com maior frequência no soro de mulheres com endometriose. Com isso, sugere-se que a endometriose pode ser, em parte, uma doença autoimune. As citocinas são fatores envolvidos na sinalização de células imunes e na endometriose há níveis elevados da interleucina-1b, fator de necrose tumoral e outras citocinas envolvidas na patogênese da endometriose. RESUMODAS ALTERAÇÕES As prováveis modificações imunológicas envolvidas na patogênese da doença, tanto localmente na cavidade peritoneal quanto sistematicamente na circulação, são: ▪ Uma deficiência na imunidade celular que resultaria em uma inabilidade de reconhecer a presença de tecido endometrial em localizações atípicas. ▪ A atividade das células natural killer pode estar reduzida, o que acarreta uma diminuição da citotoxicidade ao endométrio autólogo. Assim, não ocorre destruição do tecido endometrial ectópico antes de sua implantação. ▪ Um aumento na concentração de leucócitos e macrófagos na cavidade peritoneal e no endométrio ectópico. Estas células secretam citocinas (interleucina 1, 6 e 8; fator de necrose tumoral e RANTES = Regulated on Activation, Normal T-Expressed and Secreted) e fatores de crescimento no fluido peritoneal de mulheres com endometriose. ▪ Na patogenia da endometriose, uma das hipóteses plausíveis corresponde à secreção de várias citocinas pelos implantes endometrióticos. Por outro lado, células inflamatórias na cavidade peritoneal levariam à proliferação de implantes, à angiogênese (pelo fator de crescimento vascular endotelial) e à quimioatração de leucócitos neste foco de inflamação peritoneal. O estresse oxidativo também poderia ser um outro componente da reação inflamatória. FATORES AMBIENTAIS Fatores ambientais parecem exercer influência no desenvolvimento de todas as doenças, assim como na endometriose. A dioxina (2,3,7,8-tetraclorodibenzeno-p- dioxina) é declaradamente a substância cancerígena mais potente no organismo humano. São fontes possíveis de Vitor Dantas – G.O dioxina: indústria química, celulose e papel, siderúrgicas, metalúrgicas; gases de veículos automotores; exaustão de gases provenientes de áreas contaminadas, entre outros. As dioxinas emitidas a partir dos processos de combustão são transportadas através da atmosfera, depositando-se nos oceanos, lagos e no solo. A contaminação humana é feita através da cadeia alimentar. O contaminante acumulase no corpo humano em diversas zonas com elevado teor de gordura, como o tecido adiposo e o leite materno. Estudos sugerem uma importante associação das dioxinas com o desenvolvimento da endometriose. CONSEQUÊNCIAS DAS DIOXINAS As dioxinas reduzem os níveis de testosterona e de outros andrógenos e incrementam a secreção de FSH e LH. Além disso, modulam sistemas receptores que exercem papel na função uterina. Do ponto de vista imunológico, podem interferir na imunidade humoral através de uma supressão da produção de anticorpos das células B, além de aumentar a atividade inflamatória e a expressão de citocinas, sobretudo o TNF e a IL-1. SÍTIOS ANATÔMICOS A endometriose pode se desenvolver em qualquer sítio dentro da pelve e em outras superfícies peritoneais extrapélvicas. O mais comum é encontrar a endometriose nas áreas dependentes da pelve. Assim, os sítios mais comuns de endometriose, em ordem decrescente de frequência são: 1- Ovários (65%) 2- Ligamentos uterossacros (28 a 60%) 3- Fundo de saco posterior (30 a 34%) 4- Folheto posterior do ligamento largo (16 a 35%) 5- Fundo de saco anterior (15 a 35%) Outros sítios menos comuns encontrados envolvem a vagina, cérvice, septo retovaginal, ceco, íleo, canal inguinal, cicatrizes abdominais ou perineais, ureteres, bexiga e umbigo. Obs.: Casos excepcionais de endometriose já foram descritos na mama, pâncreas, fígado, vesícula biliar, rins, uretra, extremidades, vértebras, osso, nervos periféricos, pulmão, diafragma e sistema nervoso central. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A endometriose pode ser assintomática em cerca de um terço das pacientes. No entanto, nas pacientes sintomáticas os sintomas mais comuns são dismenorreia que aparece em 78% dos casos sintomáticos, dispareunia, dor pélvica crônica (DPC) e infertilidade. Em linhas gerais os principais sintomas são: Dismenorreia progressiva – dor pélvica cíclica Dor pélvica crônica Dispareunia de profundidade Infertilidade Alterações intestinais e urinárias durante a menstruação. Obs.: Na endometriose pode ocorrer inflamação e fibrose de algumas estruturas. Por conta disso, suas manifestações clínicas dependem da distribuição das lesões. QUADRO ÁLGICO A endometriose é uma causa comum de dor pélvica, que, nas mulheres afetadas, pode variar bastante, podendo ser cíclica ou crônica. A causa subjacente dessa dor ainda não foi esclarecida, mas citocinas pró-inflamatórias e prostaglandinas, liberadas pelos implantes endometrióticos dentro do líquido peritoneal, podem ser uma fonte. Além disso, há evidências a sugerir que a dor da endometriose correlaciona-se com a profundidade da invasão e que o sítio da dor pode indicar a localização da lesão. A dor da endometriose pode resultar de invasão neuronal nos implantes endometrióticos que posteriormente passam a ter suprimento nervoso sensorial e simpático, suscetível à sensibilização central. Isso leva à hiperexcitabilidade persistente dos neurônios e subsequente dor que se mantém apesar da excisão cirúrgica. A hiperinervação de endometriose profundamente infiltrada no intestino talvez explique por que esta lesão causa dor intensa. Qualquer que seja a causa, as mulheres com endometriose clinicamente experimentam manifestações diferentes de dor. DOR PÉLVICA CRÔNICA A dor pélvica crônica pode ser definida como dor que independe do ciclo menstrual por 6 meses ou mais. Nesse contexto, a endometriose é uma causa comum de dor pélvica, que, nas mulheres afetadas, pode variar bastante, podendo ser cíclica ou crônica. Alguns trabalhos demonstraram correlação direta entre gravidade da dor e Vitor Dantas – G.O doença em estágio avançado, mas outros não confirmaram essa correlação O foco da dor crônica pode variar de uma mulher para a outra. Se o septo retovaginal ou os ligamentos uterossacrais estiverem comprometidos pela doença, a dor talvez irradie para o reto ou para a região lombar. Por outro lado, a irradiação da dor para as pernas, causando dor ciática cíclica, pode refletir endometriose peritoneal posterior ou envolvimento direto do nervo isquiático Algumas pacientes com queixa de dor abdominal apresentarão endometriose de parede abdominal. Em alguns casos, ocorrem endometriomas em cicatriz abdominal após procedimentos como cirurgia uterina ou cesariana, enquanto outros casos não se relacionam com cirurgia prévia surgindo espontaneamente DISMENORREIA Dor cíclica com a menstruação é observada com frequência nas mulheres portadoras de endometriose. Normalmente, a dismenorreia associada à endometriose precede as menstruações em 24 a 48 horas e é menos responsiva aos medicamentos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e aos contraceptivos orais combinados (COCs). Essa dor é considerada mais intensa em comparação com a dismenorreia primária. DISPAREUNIA A dispareunia associada à endometriose na maioria das vezes está relacionada com doença localizada no septo retovaginal ou no ligamento uterossacral e menos associada a envolvimento ovariano. Durante a relação sexual, a tensão sobre os ligamentos uterossacrais comprometidos pode precipitar a dor. Embora algumas mulheres com endometriose possam relatar história de dispareunia desde a perda da virgindade, suspeita-se de dispareunia associada à endometriose quando a dor passa a ocorrer depois de anos de relação sexual indolor. Entretanto, parece que o grau de desconforto não depende da gravidade da doença. Obs.: Geralmente, o toque vaginal e o retal revelam nódulos palpáveis na citada topografia. DISÚRIA Embora sejam sintomas menos comuns em casos de endometriose, queixas como disúria e frequência e urgência urinárias cíclicas podem ser observadas nas mulheres afetadas. A endometriose deve ser suspeitada se tais sintomas forem acompanhados de culturas negativas de urina. Se forem observados hematúria ou sintomasvesicais significativos, a cistoscopia pode ser realizada para investigação complementar e confirmação diagnóstica. DISQUEZIA A defecação dolorosa é mais rara do que os outros tipos de dor pélvica e normalmente reflete a presença de implantes de endometriose no retossigmoide. Os sintomas podem ser crônicos ou cíclicos e estar associados à constipação, diarreia ou hematoquezia cíclica. INFERTILIDADE Definição de infertilidade: Incapacidade de conceber apesar de atividade sexual regular, sem uso de qualquer método contraceptivo, por um período mínimo de um ano. Ela pode ser subdividida em: Infertilidade primária: sem gestações prévias; Infertilidade secundária: falha gestacional após uma ou mais gestações prévias. INFERTILIDADE E ENDOMETRIOSE A incidência da endometriose nas mulheres subférteis é de 20 a 30%. Além disso, embora haja relatos de grande variabilidade, as pacientes inférteis parecem ter maior incidência de endometriose do que as mulheres férteis do grupo-controle. As aderências causadas pela endometriose talvez impeçam a captura e o transporte do oócito pela tuba uterina. Além do impedimento mecânico da ovulação e da fertilização, outras falhas sutis também parecem estar envolvidas na patogênese da infertilidade nas mulheres com endometriose. Essas falhas incluem alterações nas funções ovariana e imune, bem como na implantação. DOENÇA MÍNIMA OU LEVE Existem evidências sugerindo que formas graves de endometriose estejam associadas à infertilidade; no entanto, os dados de suporte à possibilidade de que formas mais leves sejam causadoras de infertilidade são menos abundantes. DOENÇA MODERADA OU GRAVE Na endometriose moderada a grave (estágio III a IV), a anatomia tubária e ovariana, em geral, encontra-se distorcida. Como resultado, pode-se esperar deficiência na fertilidade. Infelizmente, poucos estudos relataram as taxas de fecundidade em mulheres com endometriose grave. EFEITOS NA FOLICULOGÊNESE E NA EMBRIOGÊNESE Em pacientes com endometriose o número de blastômeros por embrião foi significativamente menor e observou-se taxa maior de interrupções no desenvolvimento embrionário. Este dado sugere possível redução da competência de desenvolvimento dos oócitos originários Vitor Dantas – G.O dos ovários de mulheres com endometriose. Além disso, existem estudos que demonstraram alterações no ambiente folicular em pacientes com a patologia. ALTERAÇÕES ENDOMETRIAIS As anormalidades no desenvolvimento endometrial de mulheres com endometriose corroboram a possibilidade de que defeitos de implantação possam ser responsáveis pela subfertilidade associada à doença. Em pacientes avaliadas foram encontradas anormalidades nos perfis de expressão de genes no endométrio eutópico em comparação com mulheres sem a doença. Especificamente, demonstrou-se deficiência da expressão da integrina avb3 na peri- implantação no endométrio de mulheres com endometriose, podendo estar associada à redução da receptividade uterina. OUTROS FATORES As anormalidades na atividade inflamatória e das citocinas em mulheres com endometriose podem desempenhar um papel na infertilidade associada à doença. A função dos espermatozoides pode estar alterada nas mulheres com endometriose, e os espermatozoides podem ser mais fagocitados por macrófagos nas mulheres afetadas. Além disso, a ligação do espermatozoide à zona pelúcida parece ser negativamente alterada. OBSTRUÇÃO INTESTINAL E URETERAL A endometriose pode envolver intestino delgado, ceco, apêndice ou colo retossigmoide e levar à obstrução intestinal em alguns casos. A endometriose do trato gastrintestinal em geral está restrita à subserosa e muscular própria. Entretanto, os casos mais graves podem envolver a parede intestinal no aspecto transmural e levar a um quadro clínico e radiográfico consistente com malignidade. ENDOMETRIOSE GENITAL E EXTRAGENITAL A endometriose pélvica incide nos ovários, ligamentos uterossacros, fundo de saco posterior, folheto posterior do ligamento largo, fundo de saco anterior, vagina, cérvice e septo retovaginal. A endometriose extrapélvica, embora seja assintomática na maioria dos casos, deve ser suspeitada quando há dor e/ou massa palpável fora da pelve com um padrão cíclico de aparecimento. O local mais comum de doença extrapélvica é o intestino, principalmente o cólon e o reto. ENDOMETRIOSE OVARIANA No ovário, a lesão característica é o endometrioma (cisto endometrioide), que se apresenta como estrutura cística com conteúdo líquido espesso e achocolatado cercado de áreas de fibrose. Os endometriomas ovarianos estão presentes em 17 a 44% das mulheres com endometriose. São mais comuns no lado esquerdo devido à presença do sigmoide, que dificulta o trânsito do sangue menstrual. Na microscopia, são observados estroma e glândulas endometriais com ou sem macrófagos repletos de hemossiderina. ENDOMETRIOSE PROFUNDA É um termo usado para descrever as formas infiltrativas da doença que envolvem os ligamentos uterossacros, septo retovaginal, intestino, ureteres e/ou bexiga. Alguns autores a definem como a endometriose que penetra mais de 5 mm da superfície peritoneal. ENDOMETRIOSE DO TGI Possui uma incidência que varia entre 25% e 37%. O acometimento do TGI se faz, em maior frequência, no retossigmoide (85%), apêndice cecal (10%) e delgado (5%). O acometimento pode ser superficial, limitado à serosa, ou profundo, quando atinge a muscular. Neste último caso, raramente perfura a mucosa. Além disso, além dos sintomas, como desconforto e distensão abdominal, constipação ou diarreia (mais frequente), náuseas e vômitos, dores em hipo ou mesogástrio, apresenta sangramento recorrente cíclico (hematoquezia). Tenesmo, diminuição do calibre das fezes, urgência para defecar e dor baixa posterior, principalmente no período menstrual, podem se manifestar. A dispareunia profunda está frequentemente presente quando há acometimento retal. Em caso de lesões extensas e antigas, não é incomum a evolução para obstrução intestinal. ENDOMETRIOSE DO TRATO URINÁRIO É um achado menos frequente do que a endometriose no trato digestivo. A incidência oscila entre 0,5% e 16%. O maior acometimento é vesical (90%), contra 10% do ureter. A endometriose das vias urinárias raramente acomete a mucosa. O acometimento vesical superficial (serosa peritoneal e tecido subjacente) é mais comum que o profundo (entre a musculatura). O acometimento das vias urinárias pode cursar com disúria cíclica, hematúria e, até mesmo, obstrução com retenção urinária. ENDOMETRIOSE TORÁCICA Inúmeras hipóteses foram postuladas para explicar a patogênese da endometriose pélvica. Segundo alguns autores, a mais plausível é a da menstruação retrógrada acompanhada de uma deficiência imunológica na eliminação do tecido endometrial ectópico da cavidade peritoneal. O tecido endometrial ectópico pode, então, alcançar a cavidade torácica tanto por defeitos diafragmáticos (que são Vitor Dantas – G.O mais comuns à direita) e/ou via microembolização através das veias pélvicas. A endometriose pulmonar é uma condição incomum. Existem quatro formas de apresentação clínica possíveis. Estas estão resumidas logo abaixo, em ordem decrescente de frequência: ▪ Pneumotórax ▪ Hemotórax ▪ Hemoptise ▪ Nódulos pulmonares DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Uma grande variedade de desordens compartilha um ou mais aspectos clínicos de endometriose, a saber: ▪ Doença inflamatória pélvica ▪ Síndrome do cólon irritável ▪ Cistite intersticial ▪ Adenomiose ▪ Tumores ovarianos ▪ Doença diverticular ▪ Câncer de cólon DISMENORREIA Classifica-se dismenorreia em primária, essencial, intrínseca, funcional ou idiopática, secundária, sintomática, extrínseca, adquirida ou orgânica. PRIMÁRIA A primária ocorre em pacientes com ausência de lesões orgânicas e sua etiologia não está bem definida. Destacam- se a miometrial,a psicogênica, a endócrina e a influência exercida pelas prostaglandinas e leucotrienos. SECUNDÁRIA A dismenorreia secundária (DS) origina-se de um processo orgânico que determina congestão pélvica ou espasmo do útero. Dentre as causas congestivas, citamos as inflamações subagudas e crônicas, como as anexites, parametrites e pelviperitonites, os tumores pélvicos que tornam difícil a circulação sanguínea, em que o sangramento leva à sensação dolorosa. Dentre as enfermidades orgânicas, citam-se endometriose pélvica, leiomioma do útero, distopias uterinas, malformação genital, estenose do canal do colo do útero e outras afecções. Além disso, a presença de DIU (dispositivo intrauterino) não medicamentoso para contracepção também pode ser um potencial causador da dor menstrual DIAGNÓSTICO De acordo com a European Society of Human Reproduction and Embriology (ESHRE) o diagnóstico de endometriose suspeitado com base na história, sinais e sintomas. Em seguida, esse diagnóstico é corroborado pelo exame físico e técnicas de imagem. Isto torna o diagnóstico difícil, pois o exame físico geralmente tem limitada capacidade diagnóstica na endometriose, mesmo na presença de endometrioma. Além disso, muitas pacientes são oligo ou assintomáticas, retardando o diagnóstico. ANAMNESE A endometriose caracteriza-se principalmente por dor (dismenorreia, dispareunia e dor pélvica crônica) e infertilidade. Ainda no quadro clínico, vale lembrar que a correlação dos sintomas com o período menstrual tem grande importância para a suspeita diagnóstica. Obs.: O tecido endometrial ectópico também responde às alterações hormonais cíclicas da mulher, resultando em reação inflamatória e clínica de dismenorreia progressiva, dor pélvica, dispareunia e infertilidade. EXAME FÍSICO O exame físico é fundamental na propedêutica da endometriose, principalmente profunda. Ele se fundamenta na identificação por visão direta de nódulos azulados ou marrons da vagina e do colo do útero pelo exame especular ou através de vaginoscopia nas pacientes virgens. Na palpação abdominal, grandes endometriomas podem estar presentes em fossas ilíacas, assim como a queixa de dor à palpação profunda. INSPEÇÃO Em grande parte, a endometriose é uma doença restrita à pelve. Portanto, com frequência não são observadas anormalidades durante a inspeção. Algumas exceções incluem a endometriose em uma cicatriz de episiotomia ou em uma cicatriz cirúrgica, com frequência na incisão de Pfannenstiel. É raro, mas a endometriose também pode se desenvolver espontaneamente no períneo ou na região perianal. Vitor Dantas – G.O EXAME COM ESPÉCULO Em geral, o exame da vagina e do colo uterino não revela sinais de endometriose. Ocasionalmente, lesões azuladas ou parecidas com queimadura por pólvora podem ser observadas no colo uterino ou no fórnice posterior da vagina. Essas lesões podem ser sensíveis ou sangrar ao contato. Em um estudo recente demonstrou-se que o exame com espéculo revela a doença em 14% das pacientes diagnosticadas com endometriose infiltrante profunda. EXAME BIMANUAL O toque bimanual permite a investigação tátil da vagina e colo do útero; as dimensões, a superfície, a consistência, a mobilização do útero e dos anexos, assim como dos ligamentos uterossacros e da região retrocervical. Os achados físicos em mulheres com endometriose são variáveis e dependem da localização e do tamanho dos implantes. Geralmente, não existem achados anormais no exame físico. Este deve ser realizado preferencialmente à época da menstruação, quando a sensibilidade é mais facilmente detectada. O mais comum dos achados corresponde à sensibilidade ao toque do fórnice posterior. Outros achados frequentes incluem: Sensibilidade localizada no fundo de saco vaginal ou nos ligamentos uterossacros. Nódulos palpáveis sensíveis no fundo de saco, ligamentos uterossacros ou septo retovaginal. Dor à mobilização uterina. Sensibilidade e massas anexiais que aumentam de volume durante o período menstrual. Fixação dos anexos ou do útero em posição retrovertida. Nodularidades em fundo de saco e ligamentos uterossacros estão presentes em um terço dos casos. O envolvimento da parede abdominal, umbigo ou cicatrizes cirúrgicas deve ser suspeitado pela queixa de dor cíclica no local e massa palpável que aumenta de volume durante o período menstrual. Obs.: O toque retal permite um bom acesso à doença profunda, pois não há limite para se atingir o compartimento posterior. EXAMES LABORATORIAIS Os exames laboratoriais podem ser solicitados para excluir outras causas de dor pélvica, através de hemograma, dosagem sérica ou urinária de gonadotrofina coriônica humana, exame e culturas de urina, culturas vaginais e esfregaços do colo uterino podem ser realizados para excluir infecções ou complicações da gestação. Além disso, em linhas gerais, o grande desejo de todos que estudam a endometriose é a identificação de um marcador sérico que seria definidor da doença. CA 125 Ainda não se dispõe de um método não invasivo e com alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de endometriose. A dosagem sérica de CA 125 não é um marcador sensível da afecção. O CA 125 encontra-se elevado nos casos de endometriose moderada ou grave, mas pode se elevar em várias outras situações. Por esse motivo, ele não deve ser usado exclusivamente para o diagnóstico da doença, mas sim como indicativo de sua progressão pós- tratamento. No seguimento da terapêutica da endometriose pélvica, a melhor época para a dosagem de CA 125, em relação ao ciclo menstrual, é entre o primeiro e terceiro dias. A dosagem sérica de CA 125 possui alta sensibilidade e baixa especificidade para os quadros graves de endometriose. Seus níveis quantificam o grau da doença e a resposta ao tratamento. São diversas situações nas quais se pode encontrar aumento dos níveis de CA 125: adenomiose, tumores benignos de ovário, cirrose hepática, ascite, colite, câncer de endométrio, câncer de mama. OUTROS MARCADORES SÉRICOS O antígeno de câncer 19-9 (CA-19-9), outra glicoproteína antigênica, é um marcador sérico que também demonstrou ter correlação positiva com a gravidade da endometriose. Inicialmente, demonstrou-se que a proteína placentária sérica 14 (PP-14; glicoproteína A) teria sensibilidade adequada (59%), mas isso não foi confirmado por outros estudos. Níveis séricos da IL-6 acima de 2 pg/mL (90% de sensibilidade e 67% de especificidade) e de fator de necrose tumoral alfa (TNF-a) no líquido peritoneal acima de 15 pg/ mL (100% de sensibilidade e 89% de especificidade) podem ser usados para diferenciar entre pacientes com e sem endometriose. EXAME DE IMAGEM Os exames de imagem têm demonstrado avanços na avaliação inicial da paciente com endometriose, principalmente no descarte de diagnósticos diferenciais. Entretanto, eles não conseguem dar o diagnóstico definitivo. Vitor Dantas – G.O ULTRASSONOGRAFIA TRANSVAGINAL é um exame simples, barato e amplamente difundido. Contudo, dificilmente encontra pequenos focos de endometriose e focos com pouca atividade. Porém, na presença de um grande endometrioma fica fácil fechar o diagnóstico, pois eles se apresentam como massas bem delimitadas. Além disso, a USG TV consegue identificar aderências pélvicas e acometimento por endometriose profunda. Obs.: A ultrassonografia retal, ecoendoscopia e técnicas como sonovaginografia, que envolve instilação de solução salina na vagina para maior precisão na localização de endometriose retovaginal, têm sido recomendadas para o diagnóstico de endometriose do septo retovaginal e dos ligamentos uterossacrais. RESSONÂNCIA MAGNÉTICA (RM) A RM possui ressonância magnética alto custo, é pouco disponível em nosso meio e não deve ser solicitada de rotina em qualquer suspeita de endometriose. Entretanto, é o exame queapresenta melhores taxas de sensibilidade e especificidade na avaliação da paciente com endometrioma e endometriose profunda. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (TC) Esse exame é mais utilizado para diagnosticar e avaliar a extensão da endometriose intestinal, determinando a presença e a profundidade de lesões endometrióticas intestinais. HISTEROSCOPIA, COLONOSCOPIA E CISTOSCOPIA Na presença de infertilidade, sangramento e dismenorreia pode-se realizar a histeroscopia, para afastar outras doenças que cursem com os mesmos sintomas. A colonoscopia pode ser indicada nas lesões múltiplas que acometem a mucosa intestinal e para afastar outras doenças que causem sangramento e dor. Enquanto que a cistoscopia tem indicação na suspeita de endometriose vesical próxima aos óstios ureterais. O diagnóstico final da endometriose é realizado por laparoscopia. LAPAROSCOPIA A laparoscopia com biópsia do tecido é o exame padrão- ouro no diagnóstico da endometriose. Algumas sociedades defendem que além da laparoscopia, também deve ser realizado a biópsia da lesão. No entanto, o Ministério da Saúde (2016), afirma que não é necessário a biópsia para confirmação histopatológica, pois há alta correlação entre achados laparoscópicos e histológicos, e a comprovação histológica seria desnecessária a investigação. De qualquer forma esse exame é ideal, pois permite o estadiamento e pode ser utilizada como arma terapêutica. A visualização de toda a cavidade pélvica e abdominal, portanto, dos implantes endometrióticos, é possível por intermédio dessa técnica. Vale lembrar que a laparoscopia só deve ser realizada se não for possível obter o diagnóstico e tratamento de maneiras menos invasivas e após ter sido feita toda a avaliação por meio dos métodos de imagem. Obs.: Os achados laparoscópicos podem variar e incluem lesões endometrióticas discretas, endometrioma e aderências. Aspecto macroscópico das lesões A endometriose peritoneal pode ser reconhecida por meio de lesões típicas e atípicas. As lesões atípicas se apresentam através de vesículas, lesões vermelhas em chama de vela, defeitos peritoneais (janela peritoneal) e finas aderências (em véu de noiva) no hilo ovariano ou no fundo de saco posterior. As lesões típicas são consideradas de acordo com sua evolução e idade, a saber: ▪ Vermelhas: são muito ativas. Podem se apresentar como petéquias. ▪ Pretas: são menos ativas. Descritas como “queimadura por pólvora”. Podem se apresentar como nódulos pretos, castanho-escuros (café com leite) ou azulados, ou como pequenos cistos contendo hemorragia antiga circundada por um grau variável de fibrose. ▪ Brancas: são consideradas resquícios cicatriciais. A evolução natural de uma lesão inicial translúcida, passando pelas fases vermelha até preta e cicatricial, ocorre num período aproximado de 7 a 10 anos. Com a progressão da idade, ocorre uma diminuição do número de lesões avermelhadas e um incremento das lesões escuras ou das cicatriciais. No entanto, vale ressaltar que nem todas as lesões seguem rigorosamente a evolução natural. Fatores etiopatogênicos individuais podem determinar ou alterar a evolução das lesões. Segundo a literatura, apenas 47% das lesões não tratadas seguem o curso evolutivo natural. Aspecto microscópico Na microscopia, são observadas glândulas e estroma endometriais com ou sem macrófagos repletos de hemossiderina. ESTADIAMENTO A extensão da endometriose pode variar muito entre as pacientes. Por conta disso, existem uma classificação da American Society for Reproductive Medicine (ASRM) que avalia de forma objetiva essa extensão. Essa classificação, além da extensão da doença, permite diferenciar entre doença superficial e invasiva, correlacionar os achados cirúrgicos e os resultados clínicos e descrever a morfologia da lesão endometriótica como branca, vermelha ou preta. Ela engloba a profundidade da invasão, grau de envolvimento ovariano, presença de aderências e comprometimento do fundo de saco de Douglas. De acordo com esse estadiamento, a endometriose é classificada em 4 estágios. No entanto, essa classificação apresenta algumas limitações, pois não correlaciona o prognóstico da doença e o nível de dor. Além disso, nessa classificação não estão incluídas algumas localizações de endometriose, como o intestino, no estadiamento da doença. Vitor Dantas – G.O CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA Histologicamente, ainda se divide a endometriose em superficial e profunda. A profunda é definida como uma massa de endometriose sólida situada a mais de 5 mm de profundidade no peritônio. Encontra-se, geralmente, no septo retovaginal (também conhecido como septo retocervical), reto, cólon retossigmoide, bexiga, ureter e outras estruturas fibromusculares pélvicas, como os ligamentos uterinos e a vagina. TRATAMENTO Independente do quadro clínico apresentado, a endometriose costuma progredir em 2/3 das pacientes após um ano do diagnóstico. Por esse motivo, o tratamento é necessário. Existe uma variedade de opções de tratamento para pacientes com endometriose. Estas incluem: ▪ Conduta expectante. ▪ Tratamento clínico. ▪ Tratamento cirúrgico com videolaparoscopia ou laparotomia. ▪ Terapias combinadas em que o tratamento clínico é oferecido antes e/ou após a cirurgia. Obs.: Os tratamentos clínico e cirúrgico são recomendados para pacientes que apresentam sintomas mais graves. Para pacientes em que a doença se caracteriza por dor pélvica, infertilidade ou massa pélvica, as decisões terapêuticas dependerão da queixa principal da paciente e dos seus objetivos terapêuticos. Em resumo: Objetivo primário do tratamento - melhora dos sintomas. Secundário - evitar o ↑ da doença. CONDUTA EXPECTANTE A conduta expectante é considerada para dois grupos de pacientes: mulheres com doença mínima e mulheres na perimenopausa. Algumas pacientes assintomáticas ou com pouquíssimos sintomas que apresentam endometriose mínima têm a doença identificada acidentalmente. Estas pacientes podem se beneficiar de contraceptivos orais para retardar a progressão da doença, além de obter proteção contraceptiva. Após a menopausa, o implante endometrioide é suprimido como resultado da ausência da produção dos hormônios ovarianos. Consequentemente, em mulheres na perimenopausa, a doença pode ser manejada de forma expectante mesmo que a doença esteja em estágios avançados. TRATAMENTO CLÍNICO O princípio da terapia medicamentosa é bloquear a produção estrogênica ovariana, evitando a proliferação endometrial e o sangramento dos implantes no momento da privação hormonal. Portanto, o objetivo do tratamento é manter a paciente em amenorreia, cuja obtenção facilita a remissão e o manejo dos sintomas. Nas pacientes sintomáticas, como o tecido endometriótico tem resposta hormonal, pode-se utilizar medicações que levam a um período com ausência de menstruação ou amenorreia. Dentre os medicamentos estão os análogos do GnRH que simulam a menopausa, o Gestrinona ou Danazol que levam a amenorreia ou os anticoncepcionais orais e progestágenos. Todos esses tratamentos são não invasivos, todavia, têm a desvantagem para a mulher que quer engravidar. ANÁLOGOS DO GNRH Em relação aos análogos do GnRH, eles levam a diminuição de gonadotrofinas e hipoestrogenismo. Dessa forma, ocorre amenorreia e redução da atividade dos focos de endometriose. Os efeitos adversos são decorrentes da diminuição dos níveis de estrogênio (fogachos, ressecamento vaginal, diminuição da libido, alteração de humor, cefaleia e depleção óssea). Obs.: O tratamento por mais de seis meses deve ser associado à reposição hormonal para diminuir os efeitos do hipoestrogenismo. ANTICONCEPCIONAL ORAL (ACO) O ACO alivia a dismenorreia e pode ser utilizados de forma cíclica ou contínua. Eles causam inibição da ovulação com diminuição dos níveis de gonadotrofinas, diminuição do fluxo menstrual e decidualização dos focos de endometriose.PROGESTÁGENOS Esses medicamentos provocam decidualização e atrofia dos focos de endometriose. Apresentam como efeitos adversos mais frequentes sangramento irregular, ganho de peso, acne e edema. Podem ser utilizados em comprimidos, formas injetáveis, implantes e dispositivos intrauterinos (DIU). Vitor Dantas – G.O DANAZOL E GESTRINONA O Danazol é um androgênio oral que inibe o LH e a esteroidogênese, e eleva os níveis de testosterona livre. Os efeitos adversos mais comuns incluem hirsutismo, acne e alteração de voz. A Gestrinona é um antiprogestágeno e produz inibição da esteroidogênese ovariana. Os efeitos adversos são decorrentes dos efeitos androgênicos e antiestrogênicos. AINES E OUTRAS MEDIDAS Além disso, para melhor a dor, comum na endometriose, estão indicados medicamentos analgésicos e anti- inflamatórios não esteroides (AINEs), como ibuprofeno, o naproxeno e o ácido mefenâmico. Esses agentes inibem de forma não seletiva as isoenzimas COX-1 e/ou COX-2. Ambas enzimas são responsáveis pela síntese das prostaglandinas envolvidas na dor e na inflamação associada à endometriose. Outras medidas, como acupuntura e atividade física, podem ser efetivas no manejo da dor pélvica. RESUMO - TRATAMENTO EMPIRÍCO Tendo em vista a alta prevalência de endometriose e a morbidade do procedimento que leva ao diagnóstico definitivo, o tratamento empírico tem sido recomendado pelos guidelines e entidades respeitadas no mundo. A abordagem inicial para mulheres com sintomas leves a moderados, que não desejam engravidar no momento, sem evidência de endometriomas maiores de 4 cm na ultrassonografia e sem sinais de obstrução ureteral e/ou intestinal é a prescrição de contraceptivos contínuos. Na ausência de contraindicação ao uso de estrogênios, lança-se mão dos contraceptivos combinados. Já para as que têm contraindicação, são preferidos os anticoncepcionais com apenas progestogênios. A mulher deve ser reavaliada em 3 a 4 meses, mantendo a terapêutica em caso de melhora dos sintomas até a manifestação do desejo de engravidar ou o alcance da menopausa. Obs.: Para mulheres com sintomas severos e não responsivas à terapia descrita ou com evidência de lesões anexiais sugestivas de endometriomas, é indicada a laparoscopia diagnóstica, se não realizada ainda. Para pacientes que desejam gestar e preenchem critérios para infertilidade – 1 ano de tentativas sem sucesso –, também estará indicada a videolaparoscopia. TRATAMENTO CIRÚRGICO O tratamento cirúrgico permite o diagnóstico histológico e o estadiamento da doença, conforme já relatado para a videolaparoscopia, bem como reduz o quadro de dor por meio da destruição dos implantes endometrióticos, e acesso a cisto ou massa pélvicos. Considera-se cirurgia nos seguintes casos: Dor persistente, apesar da tentativa de tratamento por 6 a 12 meses Contraindicação ou recusa do tratamento clínico Necessidade de material para diagnóstico histopatológico Exclusão de malignidade na massa anexial Obstrução intestinal ou do trato urinário Endometriomas ovarianos com diâmetro superior a 4 cm Acometimento de apêndice (por ser um diferencial de tumor carcinoide), de íleo (pelo risco de oclusão intestinal) e de ureter (pelo risco de exclusão renal) TRATAMENTO CONSERVADOR E DEFINIT IVO Como o principal método de diagnóstico da endometriose é a laparoscopia, o tratamento cirúrgico durante o diagnóstico é uma opção vantajosa. Além disso, esse tratamento é dividido em conservador – primeira linha – e definitivo. ▪ Conservador: Executam-se a ablação ou excisão dos focos, a lise de aderências e a investigação da permeabilidade tubária. ▪ Definitivo: Inclui ooforectomia bilateral com ou sem histerectomia, reservada para casos de manejo difícil com falha de outras opções terapêuticas e de prole constituída. Tal prática leva à menopausa precoce, com sintomas vasomotores, perda óssea e impacto cardiovascular. Nessas pacientes, uma pequena quantidade de tecido ovariano pode sobrar após cirurgia na pelve congelada, contribuindo para síndrome do ovário remanescente, que cursa com recorrência da dor pélvica. PREVENÇÃO DE RECIDIVA A recidiva acontece em cerca de 40% dos casos. A forma mais eficaz de preveni-la ou retardá-la é a gravidez, com maiores chances de ocorrer a reincidência em até 1 ano a partir da cirurgia. Se esse não é o desejo da paciente, os anticoncepcionais hormonais ou o dispositivo intrauterino de progesterona permitem controle razoável da doença. A histerectomia isolada não impede a recidiva, e a ooforectomia deve ser evitada em pacientes jovens, com ou sem desejo reprodutivo, exceto em casos extremos. FONTES ▪ Ginecologia – Williams ▪ Ginecologia Ambulatorial – Camargos ▪ Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Endometriose – Ministério da Saúde ▪ Artigo de revisão sobre Dismenorreia – Revista Feminina (FEBRASGO)
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