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19a p a m v e t . c o m B O L E T I M Apamvet C L Í N I C A Manejo do luto na clínica veterinária por Alice de Carvalho Frank Nas faculdades de Medicina Veterinária brasileiras, o ensino do manejo do luto não é abordado durante a gra- duação. Pesquisa realizada em São Paulo em 2010 evidenciou que apenas uma faculdade oferecia psicologia em sua grade como disciplina obrigatória e apenas outra oferecia tanato- logia como disciplina optativa, em um total de 89 faculdades (Lesnau & Santos, 2013). Este dado levanta questões: como o médico veterinário faz o manejo do luto com seus clientes? Será que ele se sente capacitado para realizar tal manejo? E como processa seu próprio luto? Por que o manejo do luto na clínica veterinária é importante? A clínica veterinária é composta por diversos segmentos: primeiros atendimentos, atendimentos a filhotes, consultas de rotina, crises, traumas, animais em processo de adoecimento agudo ou crônico, envelhecimento e morte. O fim da vida é parte integrante da clínica veterinária e é essencial que seu manejo esteja presente quando for necessário. um perfil é de alguém que sofra por seu animal ou então que seus amigos e família oferecerão melhor consolo que ele. Também podem se sentir responsáveis pelo falecimento e estarem acometidos por um sentimento de fracasso. Além disso, a sociedade ocidental tem a cultura de não conversar sobre a morte, pois é um tema delicado, que não somos acostumados a abordar. Como o veterinário pode se preparar para dar más notícias? Existe um protocolo na medicina humana muito uti- lizado para dar más notícias, chamado spikes (Baile et al, 2000). Ele consiste de alguns passos, como estar ciente do ambiente, certificar-se do que o cliente sabe sobre a saúde do animal, passar seu conhecimento atual para o cliente e estar atendo às emoções do cliente. É importante: buscar um ambiente reservado; retomar junto com o cliente o histórico do animal, deixando o cliente guiar a narrativa, para que o médico veterinário se certifique da percepção real do cliente acerca da doença do animal; passar as con- dições atuais do animal, sinalizando que não são as notícias que esperavam; certificar-se que o cliente compreende o que está sendo passado, validando seus sentimentos e emoções. Como abordar a questão da eutanásia? A decisão pela eutanásia é delicada e envolve diversos fatores. Se não for bem abordada e discutida, o tutor pode consentir e se sentir culpado e responsável pela morte do animal; ele pode consentir sem compreender que significa o falecimento naquele momento ou em breve do animal; ele pode recusar consentimento e colocar o animal em sofri- mento; ele pode se tornar agressivo com o veterinário e abandonar o tratamento; entre outros desfechos. Por isso, é essencial que a eutanásia esteja clara para o cliente. Para isso, é interessante considerar uma consulta pré-eutanásia (Hewson, 2014), na qual abordam-se as dúvidas e os proce- dimentos do dia, explica-se como tudo é realizado, o cliente é incentivado a fazer o maior número de perguntas, para se certificar que está ciente e compreende todos os passos do processo (como levar o animal, o que acontecerá durante e o que acontecerá depois). É importante clarificar todos os tratamentos realizados até então, todos os caminhos possíveis e explicar porque o veterinário está colocando a eutanásia como opção. Deve-se também perguntar se o cliente gostaria de estar presente, ou se outras pessoas gostariam. Questões sobre o pagamento também devem ser acertadas, para que o cliente não se preocupe com isso após a eutanásia de fato. No dia, após a realização da eutanásia, o tutor provavelmente estará muito sensibilizado, sendo essencial que o veterinário mostre suporte, empatia e acolhimento. Por que clínicas veterinárias não oferecem suporte ao luto? ◆ Veterinários não são treinados ◆ Impacto da perda do animal difere para o tutor e para o veterinário ◆ Medo de mencionar o luto e não conseguir lidar com as demandas do cliente ◆ Diminuir o significado da perda facilita para o veteriná- rio o conflito de não saber oferecer suporte ◆ Sociedade como um todo tem dificuldade em lidar com a morte ◆ Oferecer suporte para o luto não é pré-requisito profissional Por que os veterinários não oferecem suporte para o luto? As faculdades de medicina veterinária não oferecem uma formação específica voltada para este tema. Mesmo sendo o fim da vida estar presente sempre no cotidiano do médico veterinário, não diferente de protocolos de vacinação, cirur- gias e anamneses, a graduação não tem uma disciplina voltada ao manejo do luto. Os profissionais acabam não tendo suporte técnico neste difícil momento, temem piorar a situação muitas vezes e não sabem como oferecer ajuda, mesmo querendo. Outras vezes, presumem diversas coisas que não são a rea- lidade, como a de que o cliente ficará bem, ou ele não tem 20 B O L E T I M Apamvet a p a m v e t . c o m C L Í N I C A Sobre a autora Alice de Carvalho Frank CRP 06/107051 alice.frank@gmail.com | (11) 94947-8879 Atendimento em Pinheiros Psicóloga pela puc-sp, mestre em ciên- cias com ênfase em epidemiologia pela fmvz-usp e aprimorada em luto pela puc-sp. Psicóloga clínica e consultora autônoma. O que é luto antecipatório? O luto antecipatório é quando o tutor começa a se enlutar com o animal ainda vivo. Este tipo de luto é muito comum quando o animal tem alguma doença terminal, quando é idoso ou quando o tutor toma conhecimento que a eutanásia é uma possibilidade. O luto antecipatório é uma forma de se preparar para o que está por vir. O tutor pode ficar mais resistente, reativo, sensível e com sensação de que irrealidade. O médico veterinário deve estar preparado para lidar com o cliente neste momento delicado, sem per- dê-lo como aliado no tratamento do animal, mesmo que o desfecho do tratamento seja a eutanásia. É importante que o cliente não se sinta pressionado a tomar uma decisão apressada, ao mesmo tempo em que não deixe o animal entrar em sofrimento. O veterinário pode também se enlutar por seus pacientes? É inevitável que o médico veterinário crie vínculos com seus pacientes. São casos acompanhados ou por anos, ou semanalmente, de forma intensa e com muita dedicação de tempo e recursos para a recuperação dos animais. Há casos que mobilizam a equipe inteira da clínica ou do hospital, seja pelo tipo do caso ou pelo carisma do animal e do tutor. São relações de empatia nas quais nasce um vínculo que também deve ser considerado no momento do falecimento do animal. Por isso, o médico veterinário, e toda a equipe, devem ficar atentos aos seus próprios comportamentos quando um paciente querido morre. É importante buscar suporte dentro da própria equipe, compartilhar sentimentos e responsabilidades, sendo possível chamar algum profissional da saúde mental para organizar palestras e workshops com a equipe. Como o veterinário lidará com a morte de seus pacientes numa fre- quência alta? é essencial ele estar preparado para encarar esses lutos. A psicologia pode oferecer um ótimo suporte nestes momentos. O que ele pode fazer para cuidar de sua própria saúde mental? Há diversas maneiras de o médico veterinário cuidar de sua própria saúde mental. Estando atento aos seus próprios comportamentos, poderá perceber quando algo está diferente, se está mais irritado, com menos paciência com os clientes, mais cansado, com mais dores de cabeça, fadiga, apático, distante dos amigos e da família, etc. Ouvir os colegas de trabalho também é muito importante, pois nem sempre conseguimos perceber essas mudanças. Compartilhar e discutir casos, além de manter a coesão da equipe, fortalece os vínculos e assegura o veterinário de suas decisões. Dilemas éticos são comuns e cotidianos na clínica: será que este é um caso para eutanásia? O que mais podemos tentar com este animal? Será que eu pode- ria ter feito mais alguma coisa por aquele paciente? Comovou abordar aquela família muito ligada ao animal com más notícias? Essas são dúvidas e questionamentos diários, que se partilhados e lidados em equipe, podem ter seus efeitos desgastantes mitigados, além do enriquecimento da discus- são teórica e ética. Desta forma, afasta-se as chances de o profissional desenvolver burnout estresse moral e fadiga por compaixão, comuns dentro da medicina veterinária. Além disso, consultar-se com um psicólogo traz muitos benefí- cios para uma saúde mental equilibrada. Não é necessário esperar uma crise para procurar ajuda, como uma crise de ansiedade, síndrome do pânico ou depressão. Estando atento aos seus comportamentos, é possível buscar ajuda antes da situação se agravar. Fatores a considerar ao dar más notícias ◆ Escolha um lugar privado, no qual não serão interrompidos ◆ Estabeleça junto com o tutor o histórico recente do animal, até o presente conhecimento do tutor ◆ Conte as más notícias ◆ Sinalize que dará uma notícia ruim (ex. “infelizmente, os resultados dos exames não são o que esperávamos) ◆ Em frases curtas, sempre verifique que o cliente está compreendendo ◆ Finalize com perguntas abertas e não fechadas (ex. opte por “você tem alguma dúvida?” ao invés de “isso está claro?”) ◆ Valide as emoções e sentimentos do cliente Referências Baile, W. F., Buckman, R., Lenzi, R., Glober, G., Beale, E. A., & Kudelka, A. P. (2000). SPIKES – a six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. The oncologist, 5(4), 302-311. Hewson, C. (2014). Grief for pets Part 2: Realistic client care so that you’do no harm’. Veterinary Ireland Journal, 4(8). Lesnau, G. G., & Santos, F. S. (2013). Formação dos acadêmicos de medicina veterinária no processo de morte e morrer. Bioscience Journal, 29(2), 429-433.
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