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Métodos de pesquisa qualitativa_ Etnografia, histórias de vida e estudos de recepção

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Universidade de Brasília
Métodos e Técnicas em Pesquisa em Comunicação
Métodos de pesquisa qualitativa: Etnografia, histórias de vida e
estudos de recepção
Tema: O consumo de material audiovisual entre um grupo de amigos
no WhatsApp no cenário de isolamento social
A pesquisa, realizada pelos alunos X, considera dados revelados por pesquisas
de terceiros em relação ao cenário de isolamento social causado pela pandemia do novo
Coronavírus para descobrir de que maneira esses dados podem ser relativos dentre a
vivência dos participantes de um grupo de seis pessoas interagindo entre si durante um
período de quatro dias.
De maneira alguma o intuito do trabalho é discordar dos dados apontados pelas
pesquisas que serão mencionadas, mas sim demonstrar como até mesmo em um grupo
pequeno a situação de isolamento pode ou não ter efeitos diferentes no cotidiano de
cada um dos participantes, fazendo com que eles relatem o que cada um percebe nos
próprios hábitos, além das perguntas mais direcionadas que foram convidados a
responder.
Os dados pesquisados foram coletados de acordo com os moldes da pesquisa
qualitativa, buscando descobrir determinadas particularidades do cotidiano de cada um
dos participantes de um grupo de amigos do aplicativo WhatsApp em relação a como
estes atualmente estão consumindo conteúdo audiovisual no cenário de isolamento
social e como entendem o processo e atribuem sentidos a suas próprias ações.
O objetivo da pesquisa era descobrir como cada um dos participantes julga estar
lidando com as possíveis consequências do período de isolamento social em relação às
próprias mudanças no consumo de produtos audiovisuais, como cada um deles
apresenta suas próprias particularidades e se estas determinadas particularidades se
relacionam ou não.
Como citado no texto de Jean-Pierre Deslauriers e Michéle Kérisit, no capítulo
“O delineamento de pesquisa qualitativa” do livro A pesquisa qualitativa: enfoques
epistemológicos e metodológicos (2008), a pesquisa qualitativa não pode ser realizada
de maneira experimental, mas sim com o intuito de aprofundar determinados processos
ou fenômenos considerados complexos, considerando o momento em que determinadas
práticas (políticas ou relacionadas ao bom-senso popular) são realizadas. Em outras
palavras, pesquisas qualitativas podem ter enfoque no cotidiano de determinados
indivíduos, aprofundando-se tematicamente em questões etnográficas do grupo em
questão.
O grupo de amigos foco desta pesquisa é um grupo pequeno. Sendo assim, a
pesquisa é focada na etnografia virtual destes participantes, também levando em conta
as ações realizadas fora do ambiente virtual relatadas por eles. Foram reunidos em um
grupo de WhatsApp e interagiram durante quatro dias (desde o dia 19 de fevereiro ao
dia 22 de março de 2021) a respeito do conteúdo audiovisual que consumiam durante
este período. De acordo com o que era relatado, surgiam eventualmente tópicos a serem
debatidos onde, de maneira consciente, as seis pessoas que eram objeto de pesquisa
dissertavam a respeito dos possíveis motivos que as faziam agir da maneira que agiam e
os fatores envolvidos de maneira direta ou indireta.
O tema foi escolhido por conta de duas pesquisas realizadas e noticiadas no ano
de 2020, a respeito do aumento do consumo de determinados produtos jornalísticos,
midiáticos e audiovisuais na “quarentena”.
A primeira delas, relativa ao consumo jornalístico e midiático foi retirada de
uma página do site oficial da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). A
pesquisa chamada “Coronavírus, Comunicação e Informação” foi realizada sob a
coordenação de duas professoras do Departamento de Comunicação da UFES: Daniela
Zanetti e Ruth Reis. Baseando-se nas respostas de 831 pessoas que responderam a um
questionário online disponibilizado na semana de 12 a 19 de abril de 2020, a pesquisa
concluiu que 75,1% dos entrevistados se informavam sobre a pandemia do novo
coronavírus diariamente, 21,8% apenas algumas vezes por semana e 0,8% não buscava
tais informações. O principal meio informativo para os que buscavam entender sobre o
assunto era a televisão, que obteve 73,41% dos votos, seguida por sites e blogues
jornalísticos (65%) e redes sociais como WhatsApp (34,42%) e Facebook (25,15%). O
estudo também perguntou a respeito dos tipos de entretenimento mais procurados, e
filmes representaram uma porcentagem de 75,21%, liderando a categoria. Em quarto
lugar ficaram as séries, com 62,7%.
A segunda pesquisa levada em conta foi retirada do Portal Comunicare, de uma
publicação realizada no dia 10 de novembro de 2020. De acordo com a Conviva,
plataforma de inteligência em tempo real para mídia de streaming otimizada, houve um
crescimento global de 63% no período de utilização de serviços de streaming em
relação a 2019.
Sendo assim, nossa pesquisa buscou considerar as seis perspectivas diferentes do
grupo foco para buscar entender se estas apresentam concordância ou discordância dos
dados apresentados por pesquisas maiores que apontam resultados mais quantitativos.
Os participantes não foram escolhidos por apresentarem ou não serem de um grupo
desviante, mas por representarem um pequeno círculo social de amigos que costumam
interagir com frequência. Foram feitas para cada um deles, obrigatoriamente, as
seguintes perguntas:
1. Você acha que houve mudança na quantidade em que você consume conteúdo
audiovisual desde o início do período de isolamento social?
2. Você diria que a situação de isolamento afetou seu humor a ponto de
influenciar a quantidade de audiovisual consumido?
3. Você iniciou ou cancelou assinatura em algum serviço de streaming? Quais?
Com base nas respostas a essas perguntas, a pesquisa prosseguiu de acordo com
as temáticas provenientes das perspectivas de cada um dos participantes, que
dissertaram a respeito de temas dos quais acreditam estar relacionados ao
comportamento de cada um deles. Nossa intenção era relatar como cada um deles
enxerga os hábitos de consumo audiovisual cotidianos tendo consciência de que podem
ou não ter sido afetados ou influenciados pelo isolamento social. Os nomes que
escolheram para serem representados são, em ordem alfabética: Álvaro, Antônio,
Bernardo, Coiote, Juan e Kethlen, e representam pessoas entre 20 e 23 anos de idade.
Dos seis “entrevistados”, todos relataram mudanças na quantidade de conteúdo
consumido. Dois deles, Antônio e Coiote, comentaram que embora seu consumo de
séries e filmes não tenha se alterado de maneira tão significativa, o fato de agora suas
graduações estarem se adaptando ao ensino remoto fez com que consumissem maior
quantidade de videoaulas e participassem de reuniões virtuais que, de certa forma, são
peças audiovisuais, mesmo que não sejam encaradas como tais através de perspectivas
mais convencionais.
De modo geral, todos os envolvidos tiveram uma mudança (para mais ou para
menos) no consumo de produtos audiovisuais. Coiote relatou que, embora não ande
consumindo mais filmes do que consumia na época anterior ao isolamento social,
geralmente busca assistir a algo como forma de escapismo, para descontrair. Porém, por
estar constantemente em frente a uma tela por conta das aulas remotas, essa dinâmica
tem sido um pouco menos agradável. Para ele, a relação de tempo em casa e assistir a
mais conteúdo é um pouco diferente. Por morar longe da UnB, Coiote consumia muitas
séries pelo aplicativo da Netflix dentro do metrô, então tem a impressão de que assistia
mais naquele momento por ter esse espaço de tempo “ocioso”. Juan comentou que está
assistindo a mais coisas, mas em ritmo irregular, e gosta de anualmente assistir filmes e
séries da temporada de premiações, costume que, na medida do possível continua
seguindo normalmente.
Bernardo relatou que no início da pandemia passou a consumir maior quantidade
de séries e filmes, mas que atualmente o número diminuiu e consome mais conteúdo
audiovisual proveniente de redes sociais como Instagram eTikTok, além de assistir a
vídeos de receitas culinárias no YouTube (talvez influenciado por seus estudos no
campo da gastronomia). Bernardo acredita que o aumento da utilização das redes sociais
fez com que seu consumo de séries e filmes diminuísse em relação ao início do período
de isolamento. O participante disse que até mesmo quando está assistindo a algum filme
de duas horas acaba tornando a experiência mais longa, chegando a três ou quatro horas,
por conta de eventuais interrupções da obra para acessar a redes sociais. Ele acredita
que a atitude está relacionada ao fato dele ter de certa forma se acostumado a
“informações rápidas”, então busca por meios mais rápidos e diretos de informação e
entretenimento, usando como exemplo o reality show Big Brother Brasil.
No grupo, Bernardo dissertou um pouco a respeito do que quis dizer com
“informações rápidas”, descrevendo algo muito parecido com o conceito de
imediatismo digital, e deu exemplos de sites jornalísticos que estipulam no início da
página o tempo médio que determinado artigo demora para ser lido. Também usou de
exemplo a maneira como as narrativas do Big Brother Brasil repercutem em mais de um
meio midiático: além de assistir na TV, às vezes Bernardo está eventualmente usando o
Twitter quando lê algo a respeito de determinado acontecimento dentro do programa, e
então vai buscar mais informações no perfil de algum digital influencer no Instagram,
outra rede social. Curiosamente, Kethlen também passou a acompanhar ao reality show
depois de um tempo em que o programa estava no ar, como meio de distração da
situação gerada pela pandemia de coronavírus no mundo e no próprio cotidiano dela.
A respeito de serviços de streaming, apenas duas pessoas não apresentaram
mudanças em questão de assinaturas. Aparentemente, nenhum dos envolvidos deixou de
realizar alguma assinatura. Coiote não assinou nenhum, enquanto Antônio continuou
com os que já assinava antes do início do período de isolamento. Kethlen comentou que
iniciou assinaturas na Netflix e Prime Video. Globoplay foi o nome citado pelos três
outros participantes, Juan, Bernardo e Álvaro. Disney+ foi citado por Juan e Bernardo.
Apple TV+ foi citado por Juan.
Desta maneira, há um ranking de serviços de streaming mais utilizados pelos
seis participantes:
● Netflix: 6 consumidores.
● Prime Video: 5 consumidores.
● Globoplay: 4 consumidores.
● Disney+: 3 consumidores.
● Apple TV+: 1 consumidor.
● HBO Go: 1 consumidor.
Além de serviços de streaming e meios legais de consumo de produtos
audiovisuais, cinco dos seis comentaram que também utilizam da pirataria para assistir a
determinados conteúdos.
Quanto à questão de consumo diário de audiovisual do dia 19 ao dia 22 de
março, os dias 19 e 20 (sexta e sábado) se mostraram como os dias em que mais
conteúdo é consumido pelos participantes de modo geral. Domingo demonstrou certa
divisão de reações: Coiote, Bernardo e Kethlen relataram certa diminuição na variedade
de conteúdos consumidos neste dia, focando mais em redes sociais como Instagram e
TikTok; Álvaro, Antônio e Juan demonstraram estar mais inclinados a utilizar o tempo
vago do domingo para fazer maratona de séries ou até mesmo novelas. Nas segundas,
todos, exceto por Antônio, diminuíram o consumo de audiovisual ou resumiram grande
parte dele a aulas virtuais.
A respeito do ensino remoto, quatro participantes estão tendo aulas virtuais, e
todos estes relataram que o formato faz com que a atenção deles se disperse mais
facilmente, deram exemplos como abrir outras abas do navegador para realizar outras
atividades quaisquer ou até mesmo usar o celular. Quando é o caso de aulas gravadas,
alguns assistem-nas em modo mais rápido ou até mesmo nem chegam a assistir algumas
delas.
Outra questão abordada pela pesquisa foi a forma como cada integrante do grupo
está reagindo em relação a telejornais. Juan não os acompanha há alguns anos e fica
sabendo de notícias através de seus pais ou de suas redes sociais (das quais estipulou
que, dos perfis jornalísticos que segue, 60% são internacionais e 40% nacionais). Dos
outros 5 participantes, três acompanham telejornais: Antônio, Álvaro e Kethlen.
Enquanto Antônio os acompanha quase que normalmente (apesar das preocupações),
Álvaro geralmente assiste apenas ao telejornal local, e Kethlen acaba acompanhando à
GloboNews nos horários de suas refeições, mas comenta que as notícias tem afetado seu
humor de maneira negativa e que ela tem procurado diminuir a presença de noticiários
em seu cotidiano. Bernardo e Coiote já diminuíram a intensidade com que acompanham
a telejornais desde o ano passado. Curiosamente, o grupo estudado apresentou tendência
a deixar de acompanhar aos telejornais, embora as notícias a respeito da política e
questões de saúde relacionadas à pandemia do novo coronavírus ainda façam parte de
seu cotidiano. Há uma espécie de tentativa de filtro de informações onde alguns dos
integrantes buscam não ficar tão a par de notícias que consideram demasiadamente
graves ou negativas.
Fator que reflete no aumento do audiovisual como forma escapista de
entretenimento já abordada no início da pesquisa. O grupo demonstrou ser
autoconsciente de que recorre ao audiovisual muitas vezes para se distrair de questões
complicadas do cotidiano no cenário de isolamento social, o que não significa que esse
movimento de aumento de períodos assistindo a vídeos, filmes, séries, novelas e
programas de TV se trata de “alienação” ou que seja algo negativo, pois há conteúdo e
cultura sendo consumidos.
Há limitações no método adotado pela pesquisa, pois os resultados não
apresentam grande pluralidade de perspectivas a respeito do consumo de audiovisual
quando comparado com pesquisas maiores realizadas de acordo com padrões
quantitativos.
Há vantagens resultantes do método adotado pela pesquisa, que permite concluir
que, dentro de um pequeno grupo de amigos de 20 a 23 anos de idade, há questões
como:
● A maneira como o audiovisual é utilizado para meios de entretenimento,
informação, aprendizado, comunicação;
● A forma como alguns dos participantes se encaixam em padrões já
apontados por outras pesquisas ou diferem de movimentos apontados por
elas;
● O diferente modo com que alguns participantes lidam com as aulas
virtuais do ensino remoto;
● O crescimento do conteúdo audiovisual em redes sociais como Instagram
e TikTok;
● Reflexões a respeito da “cultura” de imediatismo digital;
● A influência que determinado tipo de mídia tem em outras mídias (seja
de maneira direta, como os comentários a respeito de um programa de
TV em redes sociais como Twitter e Instagram, ou indireta, como optar
por não assistir ao telejornal e aproveitar o tempo equivalente para
consumir outro produto audiovisual);
Por fim, a pesquisa conclui que, com o período de tempo utilizado para
acompanhar o grupo de amigos através de um grupo de WhatsApp, foi possível estudar
um pouco sobre como o cotidiano de cada um deles, adaptado aos moldes do isolamento
social, influenciou na maneira como consomem conteúdos audiovisuais.
Transcrições de relatos dos integrantes do grupo focal
Álvaro
“Passei a consumir mais séries de tv, ultrapassando filmes, acho que é pela sensação de
ficar mais tempo com os personagens e senso de comunidade que algumas séries
proporcionam graças aos fãs.”
Bernardo
“Um tempo atrás eu li que a sociedade cada vez mais está sedenta por informações
rápidas e diretas, na época usaram como exemplo reportagens mesmo, de jornais... pra
mostrar que estamos acostumados a receber a informação mais rápida, cada vez mais,
tanto que diversos sites já trabalham com aquele famoso ‘tempo de leitura’ no começo
da página. E as redes sociais são um reflexo disso, meio que as informações passam por
um filtro e acabam postando coisas mais diretas e às vezes incompletas... vejo muito
isso até com BBB, por exemplo, as vezes vi que rolou algo lá dentro, e corro pro
Instagram da rainhamatos e vejosó os pontos altos do ocorrido.”
Coiote
“Eu já tendia a não consumir telejornais por acompanhar muito na internet, no início,
por causa da pandemia, eu aumentei, mas em seguida ficou realmente insuportável.”
Juan
“Afeta sim o humor de vez em quando, mas não diria que mais do que uma certa
exaustão de um tipo de mídia já existe normalmente. Eu assistir mais é consequência de
mais tempo em casa e menos no transporte público. Mesmo ocupado com outra coisa eu
consigo colocar algo ao mesmo tempo também.”
Kethlen
“Com certeza, eu consumo muito mais conteúdo desde o início da quarentena. O tempo
disponível aumentou sim, porque eu tô sempre em casa, mas eu sinto que consumo mais
conteúdo pra tentar me distrair mesmo desse caos. Eu consumo mais notícias também,
apesar de me fazer mal. Mas sem ter muito contato físico com o mundo exterior eu sinto
que só assim pra saber o que tá acontecendo no mundo.”
Bibliografia
DESLAURIERS, J-P.; KÉRISIT, M. O delineamento de pesquisa
qualitativa. In: Poupart, J.; Deslauriers, J-P; Mayer, R; Pires, A. P (orgs.). A pesquisa
qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2008, p.
127-153.
NEVES, Lidia. Pesquisa aponta aumento do consumo de jornalismo e de mídias
durante a quarentena. Ufes, 2020. Disponível em:
https://coronavirus.ufes.br/conteudo/pesquisa-aponta-aumento-do-consumo-de-jornalis
mo-e-de-midias-durante-quarentena. Acesso em: 22 mar. 2021.
TREVIZANI, Rebeca. Consumo de conteúdo audiovisual aumenta na
pandemia. Portal Comunicare, 2020. Disponível em:
https://www.portalcomunicare.com.br/consumo-de-conteudo-audiovisual-aumenta-na-p
andemia/. Acesso em: 22 mar. 2021.
https://www.portalcomunicare.com.br/consumo-de-conteudo-audiovisual-aumenta-na-pandemia/
https://www.portalcomunicare.com.br/consumo-de-conteudo-audiovisual-aumenta-na-pandemia/

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