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TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS PSICÓTICOS Dra. Célia Navarro Saúde Mental 9º T - 2022.1 INTRODUÇÃO Os sintomas dos transtornos psicóticos podem ser divididos em 02 grupos importantes, o dos sintomas positivos e o dos sintomas negativos. · Sintomas Positivos: alucinações, delírios, agitação psicomotora, comportamento bizarro… · Os sintomas positivos, com destaque para as alucinações e os delírios, se devem a um aumento da atividade da via mesolímbica dopaminérgica. · Sintomas Negativos: embotamento afetivo, retração social, autonegligência… · Os sintomas negativos se devem a uma hipoatividade da via mesocortical, que também é dopaminérgica. Então temos 02 grupos de sintomas e ambos decorrem de alterações dopaminérgicas, sendo que um se deve ao aumento da atividade da dopamina e outro a sua redução. Veja que isso constitui um dilema terapêutico, porque se melhoramos um, podemos piorar o outro (por exemplo, aumentamos a atividade da dopamina em um paciente com síndrome negativa, esse aumento da atividade dopaminérgica pode intensificar os sintomas positivos) ANTIPSICÓTICOS TÍPICOS · Melhoram os sintomas positivos · Não alteram ou pioram os sintomas negativos REPRESENTANTES · Haloperidol · Clorpromazina · Tioridazina · Periciazina · Levomepromazina MECANISMOS DE AÇÃO Os antipsicóticos típicos agem bloqueando os receptores de dopamina do tipo D2, especificamente na via dopaminérgica mesolímbica. Esse bloqueio vai reduzir a hiperatividade dessa via, atenuando os sintomas positivos na psicose. · Evidentemente, não melhora 100%, mas melhora a qualidade de vida do paciente, porque ao diminuir os sintomas positivos, o paciente consegue voltar ao convívio familiar, consegue ser desinternado. · Como esses antipsicóticos não alteram os sintomas negativos, é um paciente que não vai mais ter alucinações, delírios ou comportamento agressivo, mas que vai permanecer com embotamento afetivo, isolado socialmente e com perdas cognitivas, ou seja, o prejuízo funcional não se modifica muito REAÇÕES ADVERSAS - SINTOMAS EXTRAPIRAMIDAIS Ocorrem porque além de bloquear as vias mesolímbica e mesocortical, os antipsicóticos atípicos bloqueiam e desorganizam o funcionamento da via nigroestriatal. Parkinsonismo: clinicamente, é muito parecido com o Parkinson, porém, como a causa é medicamentosa, a retirada do medicamento resulta em melhora do quadro. · Quadro Clínico: rigidez muscular, movimentação em bloco e tremores · Tratamento: Biperideno 2mg 1cp VO pela manhã, uso contínuo · É antagonista muscarínico (acetilcolina) · Deve ser usado pela manhã, porque tira o sono. Obs: VIA NIGROESTRIATAL · Integra o sistema extrapiramidal, que é responsável pela modulação da atividade motora. · Os neurotransmissores que integram a via nigroestriatal são a acetilcolina e a dopamina, que devem estar em equilíbrio. · Com o uso dos antipsicóticos há uma queda na atividade da dopamina, então passa a predominar a acetilcolina, o que vai determinar o parkinsonismo. · Para tratar o parkinsonismo, precisamos restabelecer o equilíbrio, portanto, vamos usar um antagonista da acetilcolina, que é o Biperideno. Distonia Aguda: · Quadro Clínico: contração mantida de um grupo muscular, levando o paciente a adquirir uma postura anormal/estranha. · Imagem 1: distonia cervical (simula uma torcicolo), de membros superiores e mãos · Imagem 2: crise oculógira ou oculogírica, o paciente fica olhando para cima e não consegue mudar a posição do globo ocular · É um quadro mais incômodo do que grave, mas pode se tornar grave quando há, por exemplo, uma distonia de língua, onde pode ocorrer bloqueio de via aérea · Tratamento: Biperideno IM 1 ampola, podendo repetir em 1h (pode ser dado VO, porém o efeito é mais demorado) · É uma droga muito barata, mas que não está disponível em todos os serviços. Na necessidade, o Biperideno pode ser substituído por outro antagonista muscarínico, por exemplo a escopolamina (Buscopam). Acatisia: · Quadro Clínico: é uma inquietação interna com necessidade de ficar se movimentando, principalmente os membros inferiores. · Tratamento: Benzodiazepínico ou Betabloqueador em dose baixa (Propranolol 40mg) · Utiliza-se a via oral · Não responde bem ao Biperideno Discinesia Tardia: · Quadro Clínico: é caracterizada pela movimentação sem finalidade da musculatura orofacial e lingual. · Epidemiologia: a cada ano, 5% dos pacientes em uso de antipsicótico típico vão ter discinesia tardia. Após 15 anos de uso, se ainda não começou a apresentar, a chance de começar a apresentar é muito pequena. · Ou seja, 75% das pessoas em uso contínuo de antipsicótico típico vai apresentar discinesia tardia. · Tratamento: a retirada do medicamento piora o quadro da discinesia. O tratamento se dá pela redução lenta da dose ou, nos casos iniciais, substituição do antipsicótico típico por um atípico. REAÇÕES ADVERSAS - SÍNDROME NEUROLÉPTICA MALIGNA É um quadro grave, ameaçador à vida, que geralmente acontece no início do tratamento ou quando há aumento expressivo da dosagem do medicamento. Quadro Clínico: · Inicia com um quadro de tremor que evolui para rigidez muscular. · Ocorre também: hipertermia, confusão mental, instabilidade, sudorese intensa, taquicardia e arritmia cardíaca. · Laboratorialmente apresenta CPK muito alta e leucocitose. · Há risco de insuficiência renal aguda · Síndrome Neuroléptica Maligna → Rigidez muscular → Rabdomiólise → Mioglobina → Nefrotoxicidade → Insuficiência Renal Aguda. Tratamento: Suporte · Retirada do antipsicótico · Hidratação · Dantrolene (resfriamento) · Relaxante muscular OUTRAS REAÇÕES ADVERSAS · Sedação · Hiperprolactinemia · Ganho de peso · Redução do limiar convulsivo · Efeitos anticolinérgicos: boca seca, constipação intestinal e retenção urinária · Efeitos cardiovasculares: hipotensão postural e alterações eletrocardiográficas · Ocorre principalmente quando a administração é EV, então vamos evitar e administrar preferencialmente via IM. · Efeitos sexuais: redução da libido, anorgasmia, disfunção erétil/ejaculatória e priapismo · Efeitos oftalmológicos: pigmentação irreversível da retina, pigmentação benigna do cristalina e córnea, e descoloração da conjuntiva · Qualquer paciente em uso de antipsicótico que começa a reclamar da acuidade visual precisa ser encaminhado ao oftalmologista, porque pode ser irreversível. PRINCIPAIS INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS FORMAS DE APRESENTAÇÃO, POSOLOGIA, INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES Antipsicóticos de Baixa Potência: Clorpromazina e Levomepromazina · Formas de Apresentação: · Comprimidos de 25 e 100 mg · Solução oral 40 mg/mL (1 gota = 1 mg) · Ampola 5 mL com 5 mg/mL · Como são de baixa potência, precisam de doses muito altas para atingir o efeito antipsicótico, então acabam sendo mais usados como sedativos no pronto-socorro. Antipsicótico de Alta Potência: Haloperidol · Formas de Apresentação: · Comprimidos de 1 e 5 mg · Solução oral 2 mg/mL (1 gota = 0,1 mg) · Ampola 1 mL com 5 mg/mL · Ampola 1 mL com 50 mg/mL (formulação de depósito) · A cada 2,5 mg de comprimido = 01 ampola. · Pode ser usado em crianças, idosos e é o antipsicótico mais seguro na gestação. Deve ser evitado na lactação, por desconhecimento dos efeitos no desenvolvimento e risco de síndrome extrapiramidal. · Crianças: 0,1 mg/3kg - 2x/dia · Idosos: doses mais baixas · Uso em Adultos: · Agudo: 5 a 20 mg/dia · Tratamento de Depósito (DEPOT): 25 a 200 mg/mês · Tranquilização Rápida: 5 mg IM 30/30 minutos (dose máxima: 30 mg) · Associar ou não à prometazina (HF) ANTIPSICÓTICOS ATÍPICOS · Melhoram os sintomas positivos · Não alteram ou podem melhorar parcialmente os sintomas negativos REPRESENTANTES · Risperidona · Olanzapina · Quetiapina · Ziprazidona · Clozapina · Paliperidona · Lurasidona · Aripiprazol · Brexpiprazol MECANISMO DE AÇÃO Os antipsicóticos atípicos possuem dois possíveis mecanismos de ação. A maior parte deles são bloqueadores dopaminérgicos do tipo D2 e serotoninérgicos do tipo 5HT2A. Esse mecanismo, além de melhorar os sintomas positivos, é importanteporque vai diminuir a ocorrência de sintomas extrapiramidais, porque começa a ocorrer uma maior liberação de dopamina na via nigroestriatal. Esse mecanismo extra pode aumentar a liberação de dopamina na via mesocortical, levando a uma possível melhora dos sintomas negativos. · Aripiprazol e Brexpiprazol: são, também, agonistas parciais dos receptores D2. · Na via mesolímbica tem muita dopamina (agonista pleno dos receptores D2), ocorre que na presença de agonistas parciais, os receptores vão ser ocupados, então a atividade da via diminui. · Farmacologicamente falando, podemos afirmar que “frente a um agonista pleno, um agonista parcial se comporta como um antagonista” · Logo, com o uso de um agonista parcial, o paciente vai ter uma melhora dos sintomas negativos. · Tornam-se uma boas opções porque funcionam como uma drogas moduladoras. OBS: AGONISTA PLENO X AGONISTA PARCIAL X ANTAGONISTA · Os agonistas plenos são compostos com capacidade de se ligarem aos seus receptores e gerarem uma resposta máxima a partir dessa ligação, portanto, agonistas plenos tem resposta de 100%. · Os antagonistas são compostos que se ligam aos seus respectivos receptores, não geram nenhuma resposta e por estarem ocupando o sítio de ligação acabam impedindo os agonistas de se ligarem, impedindo que haja qualquer resposta. Ou seja, antagonistas têm uma resposta de 0%. · Os agonistas parciais são compostos que estão no meio termo entre os agonistas plenos e os antagonistas, ou seja, vão ocupar seus respectivos receptores e gerar uma resposta que não é a máxima, determinando um equilíbrio (resposta ~50%) REAÇÕES ADVERSAS Menos efeitos extrapiramidais e mais efeitos metabólicos. · Sintomas extrapiramidais · Em menor frequência · Quem mais dá efeito extrapiramidal é a Risperidona · Síndrome neuroléptica maligna · Exceto a Clozapina, mas não se sabe ao certo · Efeitos cardiovasculares: hipotensão postural e prolongamento de QT · A Quetiapina é que mais causa efeitos cardiovasculares · A Lurasidona não causa efeitos cardiovasculares · Hiperprolactinemia · Principalmente a Risperidona · Efeitos anticolinérgicos · Efeitos sexuais · Obesidade: aumento do apetite · Síndrome Metabólica: redução de HDL, aumento de LDL, aumento de TGs, diabetes… · Ziprasidona, Aripiprazol, Lurasidona e Asenapina possuem baixo risco metabólico · Risperidona, Paliperidona e Quetiapina possuem moderado risco metabólico · Destaque para Clozapina e Olanzapina (risco alto) · Podem reduzir a expectativa de vida em até 30 anos · Clozapina: risco de agranulocitose fatal, o paciente precisa fazer hemograma semanalmente por 18 semanas e depois mensalmente. É reservada para casos refratários. · A Clozapina é o único antipsicótico que reduz a taxa de suicídio entre pacienttes esquizofrênicos. FORMAS DE APRESENTAÇÃO E POSOLOGIA Risperidona: · Está disponível na atenção primária · Formas de apresentação: · Comprimido 1, 2 e 3 mg · Solução oral 1 mg/mL · Pó injetável 25, 37,5 e 50 mg + diluente (Risperdal Consta) · Posologia (VO): · Adultos: · Iniciar com 2 mg, aumentar a cada 02 dias (2 a 6 mg) · Administração 1 ou 2x/dia · Idosos: · Iniciar com 0,5 mg · Crianças: é o antipsicótico mais usado em crianças · Se < 20 kg: 0,25 a 0,5 mg · Se > 20 kg: 0,5 a 1 mg Olanzapina: · Droga de alto custo · Em baixas doses (2,5 - 5 mg) tem efeito antidepressivo · Forma de apresentação: · Comprimidos de 2,5, 5 e 10 mg · Posologia (VO): · Adultos: iniciar com 5 a 10 mg, aumentos semanais (5 a 20 mg/dia) · Adolescentes > 13 anos: iniciar com 2,5 mg, máximo 20 mg/dia Quetiapina: · Formas de apresentação: · Comprimidos de 25, 100, 200 e 300 mg · Comprimidos de liberação prolongada de 50, 100, 200 e 300 mg · É uma droga de alto custo, cujo efeito é dose-dependente: · Até 100 mg → efeito sedativo/hipnótico · A partir de 150 mg → efeito antidepressivo unipolar e bipolar · A partir de 400-500 mg → efeito de estabilizador de humor · A partir de 600 até 800 mg → efeito antipsicótico Aripiprazol: · Formas de apresentação: · Comprimidos de 10, 15, 20 e 30 mg · Solução oral · Amplamente utilizado no tratamento de crianças · É considerado o melhor potencializador de antidepressivos quando em doses baixas · No ETA é considerado o melhor antipsicótico para controle de agitação e agressividade · Posologia: · Adultos: · Iniciar com 10 a 15 mg/dia · Aumentar a cada 2 dias (10 a 30 mg) · Crianças e Adolescentes: · Iniciar com doses mais baixas (2,5 a 5 mg) · TEA e depressão: · 5 a 10 mg USO TERAPÊUTICO DOS ANTIPSICÓTICOS · Transtornos psicóticos · Transtornos de humor (mania, depressão com sintomas psicóticos) · Mania: risperidona. quetiapina, olanzapina, aripiprazol (todos) · Depressão bipolar: somente quetiapina e lurasidona · Agitação grave e comportamento violento (Haloperidol + Prometazina) · Transtorno de Tourette · Demência (pode reduzir a expectativa da vida, opta-se pela Risperidona em doses baixas) · Delirium (Haloperidol) Obs: na dúvida, entra com Risperidona.