Prévia do material em texto
Thiago Gomes Soares A DIALÉTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE: Os desafios da coordenação pedagógica 1ª Edição Editora Escrita Criativa São Paulo – SP 2021 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 2 Copyright by Thiago Gomes Soares, 2021. Todos os direitos reservados ao autor. Nenhuma parte e nem o toda desta obra podem ser reproduzidos por qualquer sem a expressa concordância do autor. Plágio é crime conforme os preceitos da lei. DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Soares, Thiago Gomes A dialética na formação docente : os desafios da coordenação pedagógica / Thiago Gomes Soares. – São Paulo, SP : Editora Escrita Criativa, 2021. 116 p. ; 21 cm. ISBN 978-65-88625-37-8 1. Supervisão escolar. 2. Professores – Formação. I. Título. CDU 37 Bibliotecário responsável: Fabrício Schirmann Leão – CRB 10/2162 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 3 Ao meu pai, João De Souza Soares As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis Sobre um fundo de manchas já cor de terra. Como são belas as tuas mãos Pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram Na nobre cólera dos justos! Porque há nas tuas mãos, meu velho pai Essa beleza que se chama simplesmente vida [...] (Mário Quintana) A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 4 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 5 SUMÁRIO PREFÁCIO ....................................................................... 6 INTRODUÇÃO ................................................................. 9 CAPÍTULO 1 ................................................................... 13 O obscurantismo histórico da função e a cultura depreciativa da formação. .............................................. 13 CAPÍTULO 2 ................................................................... 22 O desprezo ao referencial teórico da leitura e ao trabalho científico no meio docente. ............................................. 22 CAPÍTULO 3 ................................................................... 33 Uma ilha em meio a um mar de conflitos........................ 33 CAPÍTULO 4 ................................................................... 43 O excesso de recurso transformado em papel e a falta de políticas públicas para formação docente. ...................... 43 CAPÍTULO 5 ................................................................... 55 A despolitização docente e a opressão humana como fator cultural na escola. ........................................................... 55 CAPÍTULO 6 ................................................................... 67 Não só por “AMOR” ........................................................ 67 CAPÍTULO 7 ................................................................... 73 “Mais Paulo Freire, Muito Mais...” ................................... 73 CAPÍTULO 8 ................................................................... 83 A genealogia dos micropoderes... .................................. 83 ....................................................................................... 94 CAPÍTULO 9 ................................................................... 95 Pragmatismo político e pedagógico emergencial ........... 95 CAPÍTULO 10 ............................................................... 105 “Formação Docente On Line” ....................................... 105 CAPÍTULO 11 ............................................................... 113 “REFORMA EDUCACIONAL, PRECISAMOS PASSAR PELA RESIDÊNCIA ESCOLAR” .................................. 113 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 6 PREFÁCIO Este livro foi escrito por um professor. Esse fato é importante salientar para que se entenda as relações de poder e análises que são estabelecidas no interior da obra. Há uma constatação que é, a meu ver, o cerne da obra: o processo de proletarização docente que, constantemente, o autor nos alerta. As condições de trabalho, a organização e a estrutura da educação nos permitem e dizem com tranquilidade que esse setor é um aparelho ideológico por excelência. Mas, quem percebe essas nuances? Thiago Gomes Soares explícita que o processo de precarização docente, certamente, é uma continuidade de uma política educacional que foi feita para ser o que é: caótica, miserável e, sobretudo, mantenedora de interesses de classe. O resultado de tais ações, muito bem arquitetadas, é o que temos hoje em termos de aprendizagem, se comparado a outras nações. Estamos muito atrás. O autor desta obra chama constantemente a atenção do compromisso ético, político e humano que precisa haver no formador, mas o que mais nos assusta talvez seja o fato de muitos educadores estarem ali (carreira) por uma A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 7 questão de classe. Ou seja, o capital que detém (dinheiro), ou o mínimo de bem-estar, pelo menos em detrimento a outras atividades mais precárias, determinou a escolha da profissão, o que quer dizer que muitos professores são professores por circunstâncias que não são fruto de suas escolhas, mas, sim, de suas condições sociais, econômicas e de alternativas. O que eu quero dizer com tais exemplos? A educação brasileira, que nunca foi processo de política pública, desde Cabral, serve a interesses do Estado, que, por sua vez, serve aos interesses de classe que enxerga na escola uma forma fácil de ingresso no meio público, alcançando relativa melhora de condição de trabalho, sempre relativizado ao que já existe de pior na cadeia produtiva. Por isso, acaba sendo uma escolha para essa grande maioria. Parece antiquado falar de interesse de classe em uma época em que se fala demasiadamente em identidades. É preciso ver que a escola e a educação em si são aparelhos ideológicos por excelência. Ainda que não fale de maneira direta a respeito, a obra deixa claro esse tema. Outro fator que nos chama atenção é a forma da linguagem utilizada pelo autor. Confesso que, ao ler a obra, senti-me aliviado, pois, além de ser clara a linguagem, não é um texto hermético que procura demonstrar erudição, muito pelo contrário, sua clareza sintética, repleta de A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 8 exemplos “pé no chão” e contemporâneos, inclusive em época de pandemia (2021), demonstra que se trata de uma obra de quem tem conhecimento de causa. Além disso, aponta observações, de maneira precisa, à situação da educação, tanto no nível macro e microestrutural. Paulo Freire é uma constante referência, muito bem colocada ao longo do texto. “Dialética da formação docente: os desafios da coordenação pedagógica” vai muito além do proposto e esse fator que deve ser levado em consideração. “Coloca-se um peixe, mas, à mesa, se tem muitas surpresas.” Espero que o leitor deste livro reflita sobre as inquietações levantadas pelo autor, pois, infelizmente, existem e são construídas historicamente para ser do jeito que elas são, mas que, agora, estarão sendo jogadas à luz do empirismo cotidiano de quem vive a educação pelo amor. Um processo que foi feito para ser o que é. Marco Aurélio de Passos Rodrigues. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 9 INTRODUÇÃO Muito se discute sobre o que nos ensinaria a prática e, também a teoria, para desenvolver e capacitar um profissional que trabalha na formação de professores. Fato é que a educação brasileira e suas políticas públicas sempre foram preteridas no que tange a recursos para investimentos públicos e, até mesmo,privados em todo o território nacional. O grande desafio do profissional que se candidata a formar professores, não perpassa apenas sua disposição em aprender, estudar e observar, os obstáculos vão muito além disso e se encontram entranhados no empirismo da função e nas "armadilhas" que o próprio sistema educacional se encarrega de promover cotidianamente na carreira desses atores. Iremos discutir nestas páginas todo o antagonismo legal, associado à prática de formar mestres continuamente, e os desafios que esse profissional irá encontrar durante muitas fases da sua carreira. Nosso objetivo é desnudar as amarras que impedem esse professor de executar seu trabalho na escola e sugerir um olhar mais propositivo e libertador em relação a essa função, passando inclusive pela reafirmação da A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 10 importância do profissional que lidera as ações de formação com os professores dentro das escolas. O desvio de função, a falta de referência formativa, intelectual e de apoio serão tratadas aqui detalhadamente a partir da nossa (grifo nosso) experiência, em pouco mais de dez anos na formação de docentes de todos os níveis e segmentos da educação; analisaremos pesquisas com professores da Rede pública de Ensino do Estado de São Paulo, bem como o depoimento de professores da rede que queiram colaborar com esse projeto. A carência de abordagens em relação ao tema supra e à falta de abertura de diálogo meta-estrutural de trabalho nesse ramo, motiva-nos a produzirmos materiais que suplementem essas discussões e promovam ambientes dialógicos que provoquem uma reflexão contínua e analítica do tema no ambiente escolar propriamente dito, bem como em ambientes adjacentes para a formação docente. A busca platônica pelos alicerces da função, o desamparo da legislação diante do comodismo e da inércia dos gestores e a falta de autonomia desses profissionais diante do objeto do conhecimento e do obscurantismo sobre sua própria função serão aprofundados a níveis baixos, tendo em vista que o impacto desta obra precisa despertar seus leitores, gestores, políticos e os próprios A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 11 coordenadores para a abertura e a discussão da importância do professor de mediação formativa na Educação. Resgatar a importância desta função e jogar luz na discussão sobre o papel social do PC e suas exigências teóricas como pré-requisito para o pleno exercício da atividade na escola, faz-se o debate e o estudo, aqui propostos, urgentes! A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 12 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 13 CAPÍTULO 1 O obscurantismo histórico da função e a cultura depreciativa da formação. Começaremos este capítulo falando das oportunidades que surgem na carreira de um professor, para que o encaminhe à função formativa de seus pares, sendo que a oportunidade pode surgir a convite ou à tentativa de vaga, via oferta de editais. Em alguns municípios, o acesso à função é alcançada por intermédio de concursos, já, na Rede Estadual de Ensino Paulista, não acontece assim, lá, a forma legal de candidatar-se é com a entrega de projeto e por entrevistas. Um dos grandes problemas que temos na carreira docente é a formação estrutural do professor, a acadêmica, aquela de base, na qual todos nós sabemos que há um lapso abissal entre o tão sonhado dia da formatura, aquele em que, hipoteticamente, estaríamos aptos a desenvolver nossas funções como profissionais sendo esse o primeiro dia de trabalho propriamente dito. Alguns problemas, que serão descritos aqui, são quase insolúveis, mas, para outros, poderíamos ajustar as “folgas” para melhorar a qualidade na entrega da formação docente. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 14 Na grande maioria dos cursos EAD, semipresenciais, ou presenciais, não se trabalha a prática docente propriamente dita, ou seja, ninguém lhe ensinará a “dar aulas”, pois não existe uma matéria que se dedique àquilo que um professor deve fazer ao estar na frente de uma sala, de como ele deve se comunicar com seus receptores (estudantes) em termos de tom de voz, retórica, como ele deve reagir em caso de conflitos , diga-se de passagem, talvez, o que ele mais terá que fazer durante a gestão de sua aula. O estágio, no magistério, quase nunca é realizado de forma plena, prática e que seja levado a sério, pois a carga horária é ínfima, a maioria das atividades são de observação e novamente não há critérios claros sobre o que aquele professor deveria basicamente praticar como demonstração de que sabe colocar em prática a sua teoria. Analogicamente. é como se fôssemos cirurgiões que nunca realizaram uma cirurgia antes e, de repente, nos percebêssemos numa sala de cirurgia na frente de um paciente com um bisturi em mãos, ou, ainda, se nos formássemos policiais e saíssemos às ruas para combater o crime sem, nunca antes, ter colocado as mãos em uma arma ou se não tivéssemos sido orientados sobre as adversidades que as ruas trazem, como se cada um tivesse uma abordagem, como se não existisse um padrão, uma orientação para cada tipo de conduta. Assim somos A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 15 nós, profissionais que, nunca antes, estiveram no controle de uma sala de aula, nunca dirigiu uma palavra na condição de professor a um aluno e, sequer, conhece a letra sua na lousa, porque nunca pegara em um giz antes. Esse profissional será lançado em águas turvas (sala de aula), então a primeira grande constatação é que a maioria dos professores, queiram ou não, não estão realmente preparados (prática) e seguros para exercer sua função sem uma tutoria, porque não foram preparados para lidarem com a realidade da sala de aula, pelo menos no início da carreira. Assim como aprendemos a nos “virar” para dar aulas, também aprendemos a improvisar, de início, para sermos coordenadores, e toda a nossa experiência anterior para coordenar um grupo de professores passa pela simples convivência, observação e empirismo no relacionamento com o seu coordenador, diga-se, de passagem, isso é muito perigoso, tendo em vista que, hoje em dia, a qualificação da mão de obra docente para a sala de aula já é carente de repertórios formativos, imaginem pensarmos em elevar o nível para formarmos docentes. O pressuposto estrutural que se espera de um profissional que esteja coordenando seus pares é que, no mínimo, o mesmo, tenha experiência suficiente e, ou, conhecimento teórico do seu objeto de trabalho, ou o A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 16 conhecimento da literatura que terá que ensinar no seu recinto profissional. O grande problema é que, na maioria dos casos, nós não possuímos esse tipo de qualificação. O primeiro motivo já foi elencado acima e diz respeito ao “buraco” que as universidades não conseguem tampar, mas, ainda assim, outros motivos, muitas vezes, suplementados e promovidos pelo meio educacional, dão conta de reforçarem os agravos e distanciar ainda mais esse professor da sua função. Um dos maiores problemas do Professor Coordenador é que o mesmo, sempre sofreu com um redesenho de suas atividades por parte dos gestores e por estar em uma condição muito dependente do Diretor de escola, sujeita- se a permanecer nessa trilha que não o levará a realizar suas atividades de forma minimamente satisfatória. Evidentemente que estamos nos referindo à infração administrativa conhecida como Desvio de “Função”, onde, basicamente, um agente público é “orientado” a realizar atividades que não fazem parte do seu rol de atividades. Por vezes,temos notícias que Coordenadores Pedagógicos que abriam portões (faziam a entrada de alunos), auxiliavam em serviços da secretaria, separavam brigas de alunos, faziam rondas nos corredores a fim de manter a disciplina da escola, entre outras ações, mas quase nunca se dedicavam ao ofício a que eram pagos A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 17 para executar, a aula do professor, a aprendizagem do professor, o preparo do profissional da educação, o acompanhamento desse profissional... A meu ver, isso sempre se deu- por uma questão mais cultural do que dolosa, pois tenho lembranças de alguns coordenadores realizando esse tipo de tarefa, em muitas “janelas” da minha vida profissional. O problema não está e nunca estará na colaboração desse profissional para ajudar a gestão no que for necessário para o bem da escola, mas que isso não se torne a prática mais importante e comum. É importante frisarmos isso, porque dependemos da mudança cultural da escola para que o coordenador seja “blindado”, e que seus superiores hierárquicos garantam seu pleno desenvolvimento na questão mais importante que lhe cabe, a formação, sem falar no respeito profundo à legislação, conforme segue: Lei nº 10.261/68, Artigo 10 – É vedado atribuir ao funcionário serviços diversos dos inerentes ao seu cargo... Lei nº 8.112/93, Artigo 13 – A posse dar-se-á pela assinatura do respectivo termo, no qual deverão constar as atribuições, os deveres, as responsabilidades e os direitos inerentes ao cargo ocupado, que não poderão ser alterados unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de ofício previstos em lei. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 18 Lei nº 8.112/93, Artigo 117 – Ao servidor é proibido: XVIII – exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho. Há de se registrar que, em muitos casos, essa “cultura” negacionista do processo formativo contínuo para professores encontra respaldo, tanto no profissional da coordenação, que pode não estar exercendo essa atividade pela formação propriamente dita, como também nos seus agentes formativos (professores) que, por muitos motivos que discutiremos mais à frente, não relacionam a melhoria dos resultados educacionais o com aprimoramento da didática pedagógica. Além dessa dificuldade cultural, que percebemos a respeito da figura do PC (Professor Coordenador), é importante frisarmos que, assim como a carreira docente (função de lecionar), há de se falar em valorização salarial desse profissional para que haja um incentivo maior aos bons quadros da Rede, e que esses sejam atraídos por melhores salários, mas que, em contrapartida, sejam cobrados aperfeiçoamento, pesquisa e produção científica. Defendo aqui também que essa função, em qualquer área educacional, fosse acessada, exclusivamente por intermédio de concurso (acesso), desvinculando-se a subordinação ao diretor de escola que, muitas vezes, está A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 19 em seu posto, não por um processo de avaliação, mas, sim, em virtude de acesso por antiguidade e, muitas vezes, formalizado autocraticamente, passando ao largo dos princípios democráticos da gestão, o que pode atrapalhar, e muito, o processo de formação dentro da Unidade. O desempenho desse seria avaliado não somente pelos seus pares, mas por toda a comunidade escolar. Isso se faz necessário tão somente pelo fato de muitos professores galgarem acesso à função de formador, simplesmente para deixar a sala de aula, ou para “mudar de ares” caracterizando, assim, uma total falta de compromisso com a designação que se propõe, prejudicando ainda mais a formação docente que, inevitavelmente, refletirá no resultado educacional, ou, ainda, por um valor de gratificação ínfimo, que, porém, representa um suspiro para uma categoria tão desprivilegiada de adequação justa de proventos. Em função desses fatos, faz-se necessário, urgentemente, estabelecermos critérios de conceitos práticos e teóricos para profissionais que formam professores. Se entendermos que a hora-atividade (pedagógica) de formação desse professor, ao longo da sua carreira, se feita de forma construtiva e estritamente com fins de aperfeiçoamento de métodos e condutas, além, é claro, da suplementação intelectual que se dá por intermédio de A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 20 anos de estudos, podemos entender e redesenhar a importância dessa figura dentro da escola. Devemos, finalmente, pensar que o próprio coordenador deve sempre ter uma retórica muito clara no sentido de buscar o seu espaço nos arranjos da gestão pedagógica e, muitas vezes, em nome da sua práxis, terá de travar algumas batalhas dentro do campo para marcar espaço, delimitar sua própria atividade em garantir a formação docente no espaço, sempre pensando no seu objetivo comum dentro da escola, que é cuidar da coisa pedagógica, do trato pela aprendizagem que, por vezes, é sempre preterida por questões burocráticas. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 21 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 22 CAPÍTULO 2 O desprezo ao referencial teórico da leitura e ao trabalho científico no meio docente. No Brasil, historicamente, sabemos que o hábito do estudo e, mais especificamente, da leitura, pela sociedade, de uma forma geral, é desprezado, e isso está diretamente relacionado com fatores culturais, sociais, políticos e até econômicos dos brasileiros. Estudos realizados pela pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, do Instituto Pró-Livro, aponta que trinta por cento dos brasileiros nunca compraram um livro. O estudo também mostra que a média de leitura per capita nacional é de, em média, quatro livros ao ano, mas, levando em consideração apenas os livros lidos por completo, o índice cai para dois. A leitura, enquanto hábito, ainda é uma dificuldade do Brasil e traz diversos reflexos, não só de ordem cultural, mas de formação social e linguística. Apesar de um pequeno avanço (na pesquisa realizada em 2011, cada brasileiro lia em média quatro títulos por ano), se retirados os livros didáticos da conta de leitura anual, a média per capita cai para 2,9 livros anuais, patamar muito aquém dos países desenvolvidos: na A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 23 França, o número é de 7 obras por ano; nos Estados Unidos, 5, e na Inglaterra, 4,9. Outro levantamento, dessa vez, do Banco Mundial, aponta que os estudantes brasileiros devem levar cerca de 260 anos para atingir a qualidade de leitura de alunos de países desenvolvidos. Essa lentidão acarreta uma grave crise de aprendizagem. Dessa forma, podemos considerar que não há especificidade de público, no Brasil, em relação ao menosprezo pelo hábito da leitura, nem mesmo entre aqueles profissionais que deveriam promover a cultura leitora, no caso, os professores, sejam eles da Rede pública ou privada, é o que aponta estudo de 2017 que se refere a professores de Língua Portuguesa e Matemática do 5º e 9º anos do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio das escolas que participaram do SAEB. Os professores responderam à seguinte pergunta: Em seu tempo livre, você costuma ler livros? Observa-se que pouco menos de 60% dos professores afirmam ler sempre, ou quase sempre, em seu tempo livre. O resultado sugere que, além de não serem muito influenciados pelos pais (posts anteriores), os alunos também não teriam como ser muito influenciados pelo professor. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 24 Isso, evidentemente, conota-nos problemas estruturaisem relação ao conhecimento e seu aperfeiçoamento dentro da perspectiva de atualização de formação docente. Apenas com a análise desses dois estudos podemos concluir que não há um interesse, nem uma cultura, do próprio docente em relação ao seu objeto de conhecimento e de análise de suas práticas, calçadas em referenciais teóricos, tendo em vista que grande parte desses profissionais estão alheios à leitura e, consequentemente, à produção de Pesquisa e acesso ao conhecimento de trabalho acadêmico voltado a ao desenho técnico da práxis docente. Existem diversas afirmações das análises cognitivas que concluem que, quem não lê não pensa e, quem não pensa não escreve, logo, não produz nenhum referencial teórico acerca do praxismo de seus métodos profissionais, o que, de certa forma, resulta na desqualificação do profissional e na execução de seu trabalho no chão de sala de aula. O desprezo pelo trabalho científico (acadêmico) também é uma marca cultural extremamente disseminada no meio do professorado. De certa forma, consideramos, na nossa experiência profissional ao longo dos anos, convivendo diariamente com A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 25 professores que esses, em sua grande maioria, desprezam ou não dão o devido valor às referências, estudos e materiais de pesquisas produzidos na academia que dissertam sobre a causa docente e o fracasso educacional dos últimos tempos no Brasil. O discurso do menosprezo ao referencial teórico de base ou à desvalorização da pesquisa na área educacional resulta em afirmações vazias, aleatórias e irrefutáveis por grande parte desses profissionais, que blindam suas mentes num pensamento inexorável de desvalorização da pesquisa, certamente por não fazerem parte da cultura da leitura e do estudo. Não é muito raro deparar-nos com professores que, diante da sua insatisfação profissional, na análise rasa da educação, digo, aquela pautada na falácia, na retórica do senso comum, sem nenhum embasamento, desprezam muitas figuras notáveis do mundo acadêmico, e que dedicaram suas vidas à produção da pesquisa e de teorias científicas educacionais. Para citarmos um exemplo, um dos autores mais citados do mundo em trabalhos educacionais, o grande professor Paulo Freire (patrono da educação brasileira), comumente costuma ser achocalhado nas rodas de conversas informais do ambiente escolar, ou, até mesmo. ironizado e desrespeitado como professor no A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 26 contexto educacional. Registra-se que quem o faz, certamente, desconhece sua importância para a literatura educacional mundial e suas teorias positivistas e humanistas no campo pedagógico. Só a título de exemplo, outros grandes nomes da educação mundial também são alvos de críticas infundadas pela sua produção acadêmica, como no caso da gigantesca colaboração de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, que dedicaram mais de trinta anos de suas vidas no entendimento e na produção científica pedagógica, especialmente focada na concepção Piagetiana e suas influências na compreensão dos processos de aquisição da leitura e da escrita na aprendizagem infantil. Esse estudo, denominado, de forma genérica, de Psicogênese da Língua Escrita, ajuda-nos a conceituarmos a trajetória da construção da apropriação da criança em termos de sua fonetização da escrita, e como esse caminho acontece. Esses estudos e seus respectivos autores são dois grandes exemplos de desprezo por parte do público que deveria exaltá-los. Muitos professores culpam seus referenciais teóricos diante das barreiras cotidianas mesmo sem conhecer de forma profícua as suas teses, apontamentos e importância na literatura mundial. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 27 Diante de qualquer adversidade em sua prática, ouvimos, comumente, a seguinte queixa: “Quem foi Paulo Freire? O que ele fez pela educação? É por isso que a educação está nesse nível, por profissionais como esses que só valorizam o aluno e falam de amor na educação”. É importante considerarmos, aqui, que o professor, além de não possuir subsidio argumentativo para opor- se à pesquisa e ao conhecimento científico, na ânsia da crítica pela crítica, desqualifica até a relação harmoniosa e humana que esses importantes estudos nos ensinam, diante de um processo de aprendizagem, deixando claramente explícito outro grande problema, que não será aprofundado aqui, mas que, certamente permeia as esferas do magistério, especificamente nesse caso (Paulo Freire) que é a reprodução de um comportamento ríspido, pouco democrático e de autoritarismo na relação aluno x professor que tende a ser reproduzido de professor para aluno (que se tornará professor), inclusive ratificando o pensamento da própria teoria Freiriana do Opressor x Oprimido em que o sonho do segundo (o oprimido) é tornar-se o primeiro (o opressor) diante das relações sociais, inclusive no ambiente escolar. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 28 Já em relação a Psicogênese da Língua Escrita, especificamente no caso do Ensino Fundamental (Anos Iniciais), durante minha longa prática como formador de professores alfabetizadores e, mesmo quando nas minhas formações, raramente ouvi falar na teoria e nos autores que embasam toda a técnica de conhecimento que é aplicada em relação ao sistema de escrita. No primeiro caso, durante as formações por nós (grifo nosso) ministradas, sempre apresentamos a teoria da base alfabética e sua importância para a compreensão da aquisição do processo de escrita e suas etapas, não obstante disso, percebemos um desconhecimento consolidado dessa teoria, que repito, embasa todo o processo de conhecimento da aquisição da escrita, que, inclusive, deve ser dominado pelo docente desde a sondagem até a apropriação da consciência sonora e silábica do sujeito. É como se o professor fosse “treinado” para reproduzir um processo de avaliação do qual ele sequer tem conhecimento de onde surgiu e qual a sua relação teórica, muto menos a importância referencial do seu pesquisador. Recordo-me que, durante as formações, percebia extrema resistência acerca da referida teoria e até um certo desdém, que pode ser facilmente explicado pelo A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 29 fato de a desapropriação desses estudos, associada a um conceito cultural de sabedoria inata, muito comum entre professores, principalmente os da educação básica, os quais tendem a desprezar todo apreço pela pesquisa e pela própria aprendizagem, a partir da sua formação protocolar e habilitação como “Professor”. Em muitas formações docentes, recordo-me de conclamar à ética e à valorização da teoria, muitas vezes traçando analogias a métodos arcaicos de outras carreiras, lembro de comparar, por diversas vezes, o uso do silabário e da alfabetização tradicional na prática (arcaica), usada por anos, em décadas atrás, por profissionais da odontologia que usavam a extração dos dentes como método para dirimir inúmeros problemas na saúde bucal, ratificando, é claro, que, diante da falta de recursos e da inexistência de teorias mais tecnológicas, o único meio de curar uma cárie seria arrancando o dente, o que, para os dias de hoje, é impensável você extrair um dente por uma cárie, por exemplo. Sendo assim, eu sempre usava as formações para que refletíssemos sobre nosso método de ensino, analogicamente, à prática de arrancar dentes. Muitas vezes, durante as formações, eu verbalizava: “parem de arrancar os dentes de seus alunos”, ou seja, parem de usar métodos arcaicos para A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 30 alfabetizar, como o silabário, por exemplo. Passemos a considerar métodos mais contemporâneosque demandam estudos, observações, aprendizado e pesquisa. Confesso que, por muitas vezes, sentia-me desestimulado pela falta de entusiasmo diante das teorias e, por vezes, sofri com queixas das minhas professoras em relação as minhas formações, por intermédio de minha diretora, porque as docentes alegavam que as aulas (ATPCS), Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo, estavam muito técnicas e teóricas, o que, parafraseando para a linguagem professoral, hoje, considero equivalentes ao fato de a formação ser embasada na pesquisa, calçada em teorias e com o intuito de produzir novos caminhos, porém com muito trabalho e, principalmente, leitura de teóricos e cientistas da área, praticamente tudo que a grande maioria dos professores repudia por odiarem a pesquisa e, principalmente, a leitura. Sendo assim, por muitas vezes, acompanhando o trabalho docente, deparei-me com muitas “extrações de dentes”, por serem mais fáceis de executar, não exigindo o entendimento da teoria, independentemente do resultado. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 31 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 32 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 33 CAPÍTULO 3 Uma ilha em meio a um mar de conflitos Sabemos que a escola é um “lócus” social de representação humana e que, como em qualquer lugar da sociedade, reproduz-se o comportamento social nesse ambiente chamado escola. Temos, por causa disso, muitos conflitos, interesses e objetivos que, inúmeras vezes, são divergentes. A escola, ou a comunidade escolar, dentro do ambiente de ensino, é basicamente composta por quatro coletivos que cercam essa ilha chamada “Coordenação Pedagógica”. Tratamos, aqui, é claro, de elementos segmentados de pessoas com interesses comuns e adversos, que são os Gestores, os Professores, os Alunos e a Comunidade. Você pode estar me perguntando: mas e o Professor Coordenador? Exato, o professor coordenador é o elo de ligação, interlocução entre todos esses atores, porque sua função exige que seja um mediador por natureza. Pensemos que, ao mesmo tempo em que esse importante profissional fora designado pelo seu diretor, terá que representar os apontamentos da gestão escolar, porém tratando-se legitimamente do capitão do time dos A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 34 professores, ele também terá que pautar todos os apontamentos defendidos por esse núcleo (docente) dentro da escola e ser o seu porta-voz, protocolar os seus requerimentos cotidianos em defesa de seus direitos, além da orientação formativa e é claro que não podemos esquecer também que cabe a esse profissional garantir o acesso dos alunos aos seus direitos básicos dentro da escola, e principalmente, aqueles referentes ao aprendizado, dos estudantes do seu comportamento perante sua família. Muitas vezes, os interesses desses atores acabam sendo conflituosos dentro do ambiente escolar, claramente, porque, muito embora todos esses em tese quererem o bem da escola, mas quase sempre por muitos motivos, trilham caminhos bem diferentes. É aí que entra a figura do Professor Coordenador, aquele que promove, não só a formação docente, mas que respeita profundamente a voz de cada núcleo dessa comunidade e articula com maestria todos os interesses em jogo para a convergência de objetivos. Por terem visões diferentes, sem estabelecer julgamento de mérito aqui, professores e equipe gestora, via de regra, estão sempre em caminhos frontais , prontos para a colisão, e cabe a esse elo, o qual chamarei de precioso aqui, cuidar para que não haja colisão entre os A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 35 interesses desses dois grupos, zelando em temperar muito bem essas relações com verniz e azeitá-la com uma boa dose de diplomacia, para que não desagrade ambas as partes, o que, em alguns casos, é quase inevitável e traz um desgaste considerável para essa figura que precisa fazer com que os professores realizem as demandas funcionais, algumas, por vezes, administrativas cuidando, é claro, para o não agravamento de crises de ingerência e sinais de rebeldia de ambos os polos e sempre zelando pela harmonia e saúde da coesão do corpo de professores. O livro da bíblia em Matheus 6:24 traz como ensinamento essas palavras: "Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro”. Considerando e resguardando o respeito pelo respectivo livro, posso afirmar categoricamente, em tese, e em prática, que profissionais da Coordenação Pedagógica servem, não a dois “senhores”, mas a três ou quatro, dentre esses, (gestores, professores, pais, funcionários e, até, supervisores), todos os dias, com a missão de não ficar em débito com nenhum deles, sobrecarregando seus ombros com a pesada missão de ser a peça de articulação entre muitas outras peças da gigante engrenagem educacional. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 36 Muitas vezes, o caminho da Coordenação Pedagógica é solitário, turvo, você não tem um apoio formal, nem um parceiro de trabalho e, pelos motivos já relatados aqui, não pode contar integralmente com todo o contexto profissional da escola, mas seu trabalho certamente deverá depender dele (contexto, dos outros profissionais) cotidianamente, por isso, precisa se envolver, o tempo todo, com o caos do conflito de interesses entre as partes citadas. Nunca deveremos esquecer que o sucesso da manutenção dessas relações depende muito da sua resiliência profissional e afinamento nas relações com sua equipe, mas o grande segredo do sucesso, para os formadores e futuros Coordenadores, está na sua capacidade de se relacionar, interpessoalmente, com seus pares, cuidando para que haja extrema confiabilidade e humanidade nessa relação e beneficiando seu time com muito auxílio motivacional e proteção, sem, é claro, extrapolar as bordas legais da legislação pública. Devemos ter habilidade para costurar relações de coleguismo amistoso na equipe, muitas das vezes, mostrando benevolência e doando-se para apoiar incondicionalmente o professor, principalmente, quando esse errar. Quando você internaliza que seu trabalho depende da sua equipe e que só ela pode fazer além do que lhe cabe, A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 37 por estar motivada e, também, por respeitar e admirar seu líder, que é quem a coordena, é, metaforicamente, “jogar pelo técnico”, uma expressão pinçada do vocábulo “futebolês” mas que transfigura exatamente o sentido de equipe. Muitas excelentes equipes de futebol não atingem seus objetivos, tanto por questões motivacionais quanto de relação com seu treinador, não remam com o capitão, e muitas equipes boas jogam principalmente pelo treinador, que blinda e apoia seu grupo em qualquer adversidade, principalmente nas derrotas. É importante termos em mente que esse processo, o de pautar toda a atividade formativa no pilar das relações humanas, encontra respaldo em vários teóricos da literatura pedagógica, como é o caso do Autor Celso Vasconcellos, Doutor em Educação pela USP. Esse teórico afirma que o sucesso da formação docente ou em sala de aula, passa necessariamente por três eixos, e o mais importante envolve o do Relacionamento Interpessoal, a arte de encantar e ser simpático aos olhos de todos ou da maioria; aquele profissional ético, que agrega; amistoso, que divide os prêmios por seus méritos com a sua equipe, aquele que conhece razoavelmente a vida pessoal dos “jogadores” do seu time, por mais de uma vez ter olhado no olho da pessoa e tê-la confortado por causa de alguma situaçãoadversa que acontecera em seu ambiente e que, A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 38 principalmente, seja ouvida na hora em que desejar desabafar. É, no fundo, prestar atenção na alma da pessoa, estender-lhe as mãos quando esse membro da sua equipe, talvez, espere ser criticado; é dar apoio, mas principalmente quando for tecer qualquer tipo de comentário negativo ou que chame a atenção por algo inadequado, o coordenador tem que fazê-lo individualmente, se possível, de portas fechadas, num bate-papo, olho no olho, quando a sinceridade deve prevalecer e as instruções teóricas se sobressaírem ao largo dos prejuízos dos erros. O segundo pilar citado pelo autor supracitado, diz respeito à organização do trabalho. No caso do formador, conta bastante seu exemplo de pontualidade, trabalho e dedicação profissional. Acredito que devemos ter a clareza de que somos o “par formativo”, a referência profissional e intelectual do professor que, certamente, estará, a todo momento, avaliando a conduta do seu “capitão”, ou seja, cada passo, cada palavra, cada gesto ou sinalização. Por isso, você dará o tom (organizacional) em todos os núcleos do seu trabalho para o professor. Se você se portar como um líder desleixado, que faz seu trabalho de qualquer forma, desorganizado em todos os sentidos, sem compromisso, isso irá se refletir certamente, no dia a dia. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 39 Penso que o mais importante é a personificação do exemplo de profissional em que você deseja que seu corpo docente acredite e se atente a esse parâmetro estabelecido por você como líder-amigo. Por último, mas não menos importante, o professor Coordenador deve atentar-se para seu potencial intelectual diante de seus formandos, e, aqui, sustenta-se também o sucesso ou não do seu nome, ao que você se propõe e a quanto está disposto a se destacar naquilo que faz, assim como em qualquer profissão, mas, especialmente, na sua. Você deverá se resguardar numa representação objetiva dos seus resultados. Quando você se coloca à frente de um grupo e estabelece um compromisso, que deve ser a referência desse núcleo, você terá que saber que, para ser uma referência, exige de você uma alta capacidade na resolução de problemas e de construir conhecimento, capacitando efetivamente seu grupo. Não basta eu estar cognitivamente no mesmo nível intelectual do meu par. Espera-se do referencial formativo um nível a mais de conhecimento acerca do objeto, um degrau a mais, uma resposta antecipada e um certo brilhantismo ao fazer aquilo a que se propõe. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 40 Imaginemos um grupo de médicos residentes num hospital. Durante toda a sua estadia ali, ele tem a noção que participa de um processo formativo contínuo e que deve, em última instância, consultar seu professor, o médico responsável, porque ali ele compreende e valoriza o processo de ensino-aprendizagem, resguardando o respeito e sua admiração pelo aprender. Pensemos em um professor de natação que sabe nadar tanto quanto seus alunos iniciantes, ou que não saiba boiar ou mergulhar. Qual a segurança que ele poderá passar para o seu aluno e que condições ele terá de desenvolver seu trabalho se não tem muito a ensinar. Registra-se que, nesse caso, a primeira coisa que se perde é o respeito. Toda cozinha tem um chefe. Imaginemos um chefe que não saiba fritar um ovo, ou não saiba preparar uma massa, ou ainda não consiga fazer uma refeição sem errar no ponto de cozimento ou que não tenha nada para ensinar. É importante relembrar que não estamos dizendo que esses atores não sejam passíveis de erros, mas, de uma maneira genérica, não podem e nem devem demonstrar menos habilidades do que seus “alunos”. Isso parece óbvio, mas, na educação, justamente na educação, essa figura responsável por formar professores, muitas vezes, A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 41 ou, via-de-regra, quase sempre sabe tanto ou muito menos que seus pares. Evidentemente, estou falando da conceituação teórica, alimento para sustentar a sua formação. Não existe uma prática eloquente que se aproxime da perfeição sem a teoria. Nosso grande mestre, o professor Paulo Freire, afirmava: “A teoria sem a prática vira "verbalismo", assim como a prática sem a teoria vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade.” Levando em consideração mais uma lição do professor Freire, devemos ter em mente, com muita clareza, o que buscamos para nós. Não sejamos apenas verbalistas, tampouco, exclusivamente ativistas, porque uma conceituação complementa a outra. Sendo assim, o Professor Coordenador deve buscar sempre estar apoiado em suas referências teóricas, esbanjar conhecimento no seu cotidiano formativo, objetivando-se sempre em busca da excelência da práxis (teoria e prática). A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 42 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 43 CAPÍTULO 4 O excesso de recurso transformado em papel e a falta de políticas públicas para formação docente. Quando falamos em má gestão dos recursos aplicados na pasta da Educação Pública no Brasil, essa afirmação, evidentemente, torna-se quase fantasiosa, tendo em vista que há uma corrente argumentativa que afirma que os recursos empregados na educação brasileira são mais do que suficientes para alavancar a máquina educacional em direção ao progresso traduzido em resultados. Realmente, não há como negar que os recursos empenhados na pasta da Educação Pública a nível federal são extremamente substanciais. Considerando-se que o Brasil está entre as dez potências econômicas mundiais e que aproximadamente 6% do seu PIB, Produto Interno Bruto, é destinado a Educação pública, o que está muito acima do investimento médio de países da OCDE. Entendemos, há muito tempo, que a larga corrupção entranhada nos ministérios e a forma de repasses de verbas públicas acabam favorecendo o esvaziamento desses recursos e evitando que eles cheguem A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 44 integralmente na ponta, ou seja, na sala de aula de municípios paupérrimos. Entre o final de 2019 e o início de 2020, foram distribuídos milhões de livros para o atendimento aos alunos e professores de toda a educação básica do país. No âmbito do PNLD 2020, foi feita a aquisição completa das obras que atendem aos anos finais do ensino fundamental. Além disso, a distribuição também englobou a reposição integral dos livros para os estudantes e professores dos anos iniciais do ensino fundamental, a reposição de livros para o ensino médio e para a educação infantil. Só em 2020, foram gastos mais de R$ 1.000.000.000 (um bilhão de Reais) em livros impressos de papéis que poderiam ser facilmente disponibilizados a custo zero, por intermédio de compartilhamento/acervo digital. Registra-se que o dinheiro gasto nesses materiais poderia claramente ser investido na firmação docente protocolar (cursos reconhecidos de pós-graduação) e até mesmo subsídios à pesquisa e à produção de material científico com bolsas de estudo. Um dos maiores desafios para avançar na qualidade da Educação é a falta de um conjunto de A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 45 políticas docentes que atuem na formação, carreira e condições de trabalho dos professores. Em 2018, o rendimento médio dos docentes da Educação Básica com curso superior (R$ 3.823,00) correspondeu a 69,8% do que ganhavam, em média, outros trabalhadores com mesmo nível de escolaridade (R$ 5.477,05). Em 2012, essa proporção era de 60,8%. Emrelação à formação dos professores, desde 2012, não há aumento significativo no número de docentes com formação adequada para as disciplinas que lecionam. Isso significa que há aulas de matemática – por exemplo – sendo ministradas por docentes que não têm formação na área. As taxas permanecem preocupantes: em 2018, 48,7% dos docentes dos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) tinham formação adequada, um crescimento de 5,1 p.p. em comparação a 2012. Já no Ensino Médio, essa taxa era de 56,3% - um aumento de 5,4 p.p. nos últimos seis anos. (Dados extraídos Anuário brasileiro Ed Básica 2019, Inst. Todos Pela Educação) Até o ano de 2018, o total de professores da Educação Básica que tinham completado o Ensino Superior era de 79,9%, sendo que apenas 36% dos professores tinham curso de Pós--Graduação. Isso evidencia como é estabelecida e elencada a prioridade de A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 46 aplicação dos recursos da educação, ou seja, o principal agente mediador do conhecimento no Brasil não tem uma formação adequada e nem é submetido nem estimulado a nenhum tipo de “reciclagem” durante sua carreira, excetuando-se, é claro, redes de ensino que dão maior ênfase à formação, mas que, em um âmbito genérico, não alteram o quadro nacional, ou seja, bons exemplos de evolução da carreira por intermédio de estudo e atualização profissional deveriam virar políticas públicas nacionais. Só para registrarmos essas equivalências abissais no ensino, em relação à má gestão de recursos, apenas 45% das escolas contam com sala de leitura ou biblioteca no Brasil, repito, apenas 45% das escolas públicas contam com esse recurso, que já era uma condição que deveria estar superada num país entre as dez maiores economias do mundo. Barbara Bruns, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Global, esteve no Brasil, em fevereiro de 2018, para falar sobre políticas docentes, e o seu diagnóstico sobre o cenário brasileiro foi claro: estamos ficando para trás. Enquanto países da América Latina, até mais pobres que nós, têm avançado em mudanças que visam ao aprimoramento da carreira e à valorização dos professores A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 47 – acarretando melhora nos resultados educacionais, nós ficamos para trás. Para clarificar o que se espera de políticas docentes bem estruturadas, ela trouxe experiências de nossos vizinhos, como o Chile, que, há mais de 20 anos, pensa a carreira de maneira coordenada, desde a atração desses profissionais até o desenho de suas carreiras. Lá existem políticas para atrair os alunos de Ensino Médio com melhor desempenho à carreira docente; foi estabelecida uma nota mínima no Enem chileno para ingresso; os programas de formação inicial foram redesenhados com foco na prática; a carreira dos professores foi reestruturada para garantir maiores salários e responsabilidades. No México, políticas de atratividade e de reestruturação semelhantes também avançam, assim como no Peru. O que mais assusta no diagnóstico de Barbara Bruns, contudo, é que ela reforça a falta de senso de urgência com que o Brasil tem lidado com o tema: ainda não conseguimos atrair os alunos do Ensino Médio com o melhor desempenho para a docência; nossos cursos de formação inicial não preparam o futuro professor para os desafios que ele encontrará em sua carreira; não existe uma linguagem comum do que se espera dos professores brasileiros; a carreira docente não está estruturada para incentivar o desenvolvimento de competências essenciais; A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 48 e os programas de formação continuada são pouco ou nada efetivos. Para Bruns, e para outros pesquisadores, o professor é o elemento mais importante para a melhoria da Educação de um país e, por isso, repensar as políticas docentes é urgente e deve ser prioridade. Algumas redes públicas brasileiras já avançam no sentido de garantir uma nova carreira para os professores e o suporte necessário durante o estágio probatório e a formação continuada. É possível encontrar também, no Brasil, instituições de Educação Superior que inovam na maneira de formar esses profissionais. Infelizmente, essas iniciativas são ainda sem escala e sem o suporte necessário para a melhoria contínua. (Carolina Tavares Líder do movimento Profissão Professor) Parece haver consenso em pesquisadores da educação brasileira e autoridades acadêmicas, que discorrem sobre o tema, que os caminhos da melhoria para uma educação básica de qualidade sejam obrigatoriamente conduzidos por uma trilha de incentivo, valorização e, pelo menos, equidade de salários com outras carreiras. O fato é que, por experiência empírica em sala de aula, principalmente dos anos finais do Ensino Médio, percebemos que a carreira docente é altamente A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 49 preterida e desprezada por nossos alunos, por motivos claros, pois, entre eles, o desrespeito com a figura do professor, a violência cotidiana a que esses profissionais são expostos e, principalmente, o desprestígio da categoria, bem como o encolhimento de seu espaço para efeito de mudança na vida social do aluno, além, é claro, do motivo mais precípuo e fundamental, a desvalorização financeira desse profissional. Com certeza, isso é o que mais afasta o jovem de hoje, da carreira docente no Brasil. Lidar com essa circunstância e alçar esse tema ao melhoramento da atração da carreira docente, já passou do tempo, estamos muito atrasados quanto a isso. Essa falta de competitividade e de mão de obra com nível de excelência que não chega por conta desses entraves, causa-nos um outro grande problema, a baixa exigência de cursos de graduação, principalmente aqueles de instituições particulares, que não podem correr o risco de trabalharem um currículo de excelência por conta de seu público não ter as mínimas condições de acompanhar uma subida da exigência de médias por exemplo. Hoje, no Brasil, mais de 70% dos docentes têm suas formações vinculadas a instituições privadas, muitas delas, inclusive, com formação a distância total e/ou parcial, logo a excelência da Universidade Pública está bem longe da práxis da sala de aula. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 50 Certa vez, coordenando uma reunião para professores do Ensino Básico de uma escola pública na qual trabalhava, durante o Planejamento Anual, realizei uma pesquisa prévia com as seguintes questões: “Quem, aqui, desejou ser professor? Quem escolheu essa carreira como sua prioridade?” Para minha surpresa, apenas cinco, eu disse, cinco professores, num universo de aproximadamente quarenta pessoas, levantaram suas mãos. Aquela cena deixou-me desconcertado, pois, muito embora, tivesse noção da gravidade do grau de prioridades que a carreira docente estabelece com seus profissionais, nunca havia imaginado um número tão grande ser professor contra a vontade. Aquele cenário intriga-me até hoje, logo, pensei: o que essas pessoas fazem aqui? Como desenvolverão um trabalho tão importante, tendo em vista que nunca desejaram estar aqui, diante de seus alunos? Como já havia pensado antes da reunião e para fazer os presentes refletirem profundamente e para que “pegassem” a sua parte de responsabilidade pelo declínio dos resultados no ano anterior, procurei ir mais a fundo: “Diga-me o que cada um dos senhores sonhava em fazer profissionalmente da sua vida...” A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 51 Então, imediatamente, um a um começou a discorrer sobre suas situações. Vou tratar, aqui, dos casos que mais me marcaram, porque, evidentemente, não lembro de todos, mas havia uma professora de inglês que narrou que seusonho era ser uma secretária executiva bilingue; um professor de educação física sonhava ser técnico futebol, outro não passou no concurso da Polícia e foi fazer matemática porque tinha uma irmã professora, outro que simplesmente alegou que era o curso mais barato que poderia cursar, entre outras respostas escabrosas. Aquele dia marcaria minha carreira de formador para sempre. Ao grosso modo, a grande maioria das pessoas que estavam ali, foram empurradas por circunstâncias aleatórias da vida para lidarem com um objeto tão caro ao país, o conhecimento e o aprendizado de nossos jovens. Em seguida, perguntei, se pudessem voltar atrás quem desistiria e recomeçaria sua vida em outra profissão. Não me lembro do número exato, mas mais da metade dos presentes levantou suas mãos, ou seja, estava diante de um público, no mínimo, altamente desinteressado pelas questões pedagógicas, um público que despreza seu referencial teórico, um público que, talvez, nunca desenvolverá amor e zelo pelo que faz. Aquelas pessoas estavam ali simplesmente porque foram “empurradas” por diversas circunstâncias a serem professores, sendo que, A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 52 definitivamente, não consideravam a grandeza e a importância de sua função. Vivendo num país que oferece quase nenhuma oportunidade de maneira geral ao seu trabalhador, com um índice de desemprego altíssimo, numa sociedade capitalista, a maior busca desse contexto é pela estabilidade que o serviço público pode oferecer. Isso traz-nos um indicativo muito interessante. Precisaríamos urgentemente ressignificar o papel do professor para atrairmos um público mais qualitativo tecnicamente, que se interesse pelas questões educacionais, porém, o núcleo dessa força intelectual está no jovem, e o nosso jovem, de forma alguma, sente-se atraído pela carreira do magistério. Logo, temos que preencher toda a lacuna e o déficit de profissionais a qualquer custo, com qualquer mão de obra, ou seja, não tem tu, vai tu mesmo. Esse processo, certamente, impactará, tanto na formação básica, quanto na contínua, reforçando a fragilidade do sistema de ensino no Brasil. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 53 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 54 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 55 CAPÍTULO 5 A despolitização docente e a opressão humana como fator cultural na escola. A crítica à despolitização do professor parte do princípio de que a subjetividade ao tema de apontamentos de Marx e Paulo Freire é abordado na educação. A partir da leitura das obras de Marx e Freire, aponta- se o falso antagonismo entre teoria e prática, na formação docente, como instrumento de despolitização da prática docente. Essa condição tem efeito destrutivo potencializado se atrelada a leituras superficiais e modismos, produtoras de práticas educativas equivocadas. A especificidade do saber docente perpassa uma prática professoral teoricamente fundamentada. Não propõe somente pensar a prática à luz das teorias, mas também constituir novas teorias a partir da rigorosa análise da prática, reatualizando o movimento dialético da práxis pedagógica. Isso significa valer-se do conhecimento organizado na ação e aproveitar-se da ação para recompor o conhecimento organizado. A despolitização a que me refiro aqui, como no parágrafo supra, diz respeito não somente à não agremiação do docente a uma militância ou filiação A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 56 partidária formal, mas, sim, a qualquer tipo de alinhamento coletivo de pensamento e crítica ao sistema econômico, de trabalho e social. Há muito tempo ocorre que, de um modo geral, nós percebemos o afastamento do pensar dos ambientes escolares, e o recrudescimento do ódio à política, que, diga-se de passagem, agravou-se muito no Brasil com a vitória da intolerância nas urnas no ano de 2018. Não há lugar mais apropriado para a crítica, para a construção e a colaboração do pensamento crítico do que na escola. Antigamente, aprendíamos com nossos mestres de forma, muita das vezes empírica, observando sua maneira de SE vestir, de argumentar, de criticar o governo, por intermédio de representação de Estado e não de Partido Político. Certa vez, lembro-me de meus professores de história incitando-nos a pensar em sala de aula sobre a questão dos transportes públicos e a ausência de um conjunto de ações para melhorar esse sistema, não havia, de forma alguma, qualquer indicativo doutrinário, mas, sim. a livre manifestação do pensamento. Eles (professores) conseguiam fazer-nos pensar, sem necessariamente citar qualquer nome de quadros políticos que ocupavam cargos no executivo naquele momento e, muito menos, apologia às siglas partidárias. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 57 Certa vez, ainda como professor contratado de uma rede de Ensino, dando aulas de Língua Portuguesa para um terceiro Ano do Ensino Médio (noturno), senti-me na obrigação de fazer um trabalho baseado no princípio das “Metodologias Ativas”, realizei um trabalho em sala a respeito do pensamento dos alunos e como eles próprios se intitulavam ou carimbavam seu espectro político ou simpatia. A grande maioria dos alunos manifestou-se verbalmente muito conservadora nos costumes e bem liberal nas questões econômicas. Não direcionei muito o ambiente de trocas de ideias e promovi algumas aulas baseadas em princípios dialógicos. Depois de algumas horas de conversa, durante o assunto em sala, isso é claro, dirigindo o tema para que o mesmo não se perdesse, mas sempre atento para não estabelecer análises de méritos sobre os apontamentos dos alunos em relação a suas preferências. Recordo-me que, ao término dessas “rodas de conversa”, solicitei para que os alunos confeccionassem uma pesquisa individual sobre os conceitos políticos (Esquerda x Direita) e que apontassem um fator importante desse princípio ideológico com O qual eles mais se identificassem, e, claro, a citação de uma personagem. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 58 No dia da apresentação dos trabalhos, recordo-me que nenhum aluno, manteve seu direcionamento ou sua autodeclaração no campo da “direita”, mas todos, absolutamente todos, após a pesquisa manifestaram sua maior simpatia pelo viés da “Esquerda”. Percebam que, em momento algum, estabeleci discussão acerca do que era certo ou errado e procurei mostrar os fatores defendidos dos dois lados políticos, inclusive no tocante ao conceito moral para o qual a nossa sociedade conservadora tanto chama atenção. Mesmo assim, na conclusão dessas pesquisas todos os alunos mostravam-se alinhados pela “saída” à esquerda, deixando claro seu entendimento pela importância do Estado em nossas vidas, bem como sua obrigação de ser o guardião do trato das pessoas, além, é claro, que toda a consideração fraternal de colaboração, de solidariedade, apontados por eles em figuras da nossa história, que abdicaram da própria vida para ajudar o próximo. O que faço questão de relembrar aqui, é que a escola não deve ser apenas um instrumento mecânico que capacite crianças para um viés profissional, ou que desenvolva múltiplas competências sem que as mesmas (crianças) consigam fazer uma leitura crítica do que aprendem e do que querem aprender. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 59 Por isso, o professor torna-se um promotor da apresentação do mundo ético, político, filosófico e, por que não, psicológico e emocional desse aluno. Isso, claramente, pode dar-se por intermédio do conceito pedagógico de “Metodologias Ativas”.Sei que o caro leitor deve estar se indagando sobre a burocracia protocolar dos currículos cheios de habilidades a serem desenvolvidas, mas lembre-se de que o intermediador, o facilitador do currículo é você. Podemos, sim, ensinar regras, mas podemos mostrar também e ensiná-los a pensar que, em determinada circunstância, a regra se relativiza, e que, por isso, temos o talento da argumentação, da mediação do diálogo. Caros colegas professores, abandonem essa sede incontrolável de só ensinar matemática em fórmulas, ou ortografia em análise sintática, isso é chato. Além de inadequado pedagogicamente, é desinteressante, e não ajudará em nada na sua práxis de sala de aula ensinar um conteúdo chato de uma forma mais chata ainda. Vamos ensinar matemática com histórias. Conte suas experiências para seus alunos, solicite que colham depoimentos dos seus pais, proponham problemas de ordem moral para que, os mesmos, os resolvam junto com a matemática. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 60 Muito incomoda-me ouvir um professor dizer que, no vestibular, o aluno não terá que contextualizar, que ele terá que ler aquele clássico “chato” do qual não entende nada e sente-se só mais desmotivado. Registro, aqui, meus caros colegas, que, mais uma vez, a teoria e a prática entram em conflito, sendo que vocês aprenderam que trabalhamos com a objetificação do indivíduo, projetando a ele uma condição acadêmica em um futuro que, na maioria das vezes, não irá se concretizar e, muito provavelmente, porque esse cidadão perdeu o interesse na escola há muitos anos, porque não encontrou em seu caminho facilitadores, mas, sim, dificultadores, e é sobre isso que quero falar. A escola sempre se mostrou um “lócus” muito repressor, e muitos autores defendem a ideia de que o tempo passou, e a escola não evoluiu, mas ela não evoluiu apenas por conta do espaço que, segundo Vigotsky, é um recurso didático importantíssimo, mas a escola não evoluiu porque os espíritos de quem gesta a escola e de quem dela tira seu ganha-pão, também não evoluiu. Desde que me adentrei a primeira vez em uma escola como professor, senti que havia algo muito estranho. Normalmente, durante os intervalos, o assunto preferido na sala de aula era falar mal do aluno, e, ao longo dos anos, percebi, mais uma vez, falando de conflitos entre práticas A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 61 e teorias, que era quase um fetiche irresistível por parte de alguns professores atribuir conceito vermelho para seus alunos. Desculpem a sinceridade, mas durante as reuniões de conselho de escola, apelidados por nós (a ala mais jovem e progressista) de “Conselho da Morte”, era um show de horrores. Em muitas ocasiões, lembro-me de sermos a minoria nos conselhos formados por dez ou onze professores, e saíamos contentes quando conseguíamos “salvar” algumas almas, ou seja, alunos que eram fortes candidatos à retenção, e nós, como advogados de defesa, conseguíamos reverter a situação. Nunca foi um estado de pesar para a maioria dos professores com quem trabalhei, ser amplamente favorável a uma retenção simplesmente por vingança, usando o referido instrumento de avaliação como máquina de repressão, e, quando um aluno era retido, esses profissionais mais insensíveis tinham quase um “orgasmo pedagógico”. Na maioria das vezes, a argumentação era a mesma, ele não se interessa, não fez nada o ano todo, bagunça muito, desrespeitou-me como autoridade em sala. Com o passar dos anos e com a experiência do dia a dia comecei a perceber que havia muitas falhas, não só nesses alunos, mas em nós docentes também, e que parte desse desinteresse pela escola, muitas das vezes, dava- A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 62 se pela aula dada ou não dada por determinado professor. Aqui também faço-me saber o que todos já sabemos, que o professor também é pressionado a desmotivar-se pela falta de estrutura e baixíssimos salários, o que, certamente, culminava para um time altamente desmotivado que replicava nos alunos a mesma repressão que sofrera em sua experiência escolar como aluno, ou, até mesmo na faculdade, é uma espécie de vingança. Aqui repito e parafraseio Freire que nos afirma: “O sonho do oprimido é tornar-se opressor”, e essa oração é muito autoexplicativa. O aluno fora tratado assim por seus professores durante todo seu período escolar. A forma de perceber seu professor, a escola, os métodos de sanção disciplinar, as regras, ou seja, quando ele se forma e “se apropria” desse aparelho chamado escola, está na hora de ele replicar toda sua experiência vivida. Isso também é um grande problema, que não devemos desconsiderar no processo de formação docente, voltar com o professor numa espécie de anamnese ativa e fazê- lo entender que ele pratica com seus formandos exatamente a mesma metodologia e tratamento de recebera de seus formadores e docentes ao longo da vida. Por isso, esse é um problema que deve ser tratado sempre na formação docente, a desconstrução ou a A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 63 descontaminação de marcas que a escola deixou. Lembramo-nos de que os únicos profissionais que são criados e formados, desde a base no próprio ambiente em que irão atuar como profissionais, são os professores e trabalhadores da área educacional, logo esses retornam a esse espaço, cheios de vícios que adquiriram e nutriram ali mesmo, naquele ambiente. O médico não passa dez anos dentro de um hospital e, depois de formar-se na faculdade, regressa a esse local; o engenheiro não passa quinze anos da sua vida num escritório, nem o soldado no quartel, mas o professor, após passar todo aquele tempo de formação básica dentro da escola, retornará para trabalhar no ambiente no qual foi formado e conviveu anos ali. Logo, ele se sente seguro por sua experiência a replicar todo o comportamento opressivo, ditatorial, agressivo, que ele presenciou, e transborda suas experiências adquiridas ali, nos seus alunos e, assim, ciclicamente, consolidando cada vez mais esses conceitos preconceituosos de como uma escola deve funcionar, porque três anos de teoria por EAD ou Semi Presencial não seriam, nem de longe o bastante para desconstruir conceitos que esse indivíduo tem dentro dele por conviver tantos anos naquele ambiente. Sendo assim, voltamos à questão filosófica do OVO, não o OVO na perspectiva da vida que Clarisse nos narra A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 64 tão esplendorosamente em seu conto, mas do OVO e da Galinha no sentido de quem veio primeiro. Logo, o professor é assim porque a escola fez dele esse profissional rancoroso e vingativo, ou a escola é assim porque não consegue romper e ser gerida por agentes que não sejam negativos? Independentemente da sua resposta, a palavra “repressão” era para passar muito longe das escolas, pois ela tem que ser ressignificada, porque senão, ou os professores continuarão adoecendo psiquicamente porque se sentem incapaz de lidarem com as forças disciplinares da escola, ou terão que ressignificar essa força e potencializá-la para melhorar seu relacionamento, no ambiente escolar e nas aulas. Nós estamos dispostos a desconstruir nossas verdades? Estamos dispostos a aceitarmos a teoria? Estamos dispostos a entender que fazemos parte do processo, e que, quando esse aluno vai muito mal e a maioria dos colegas da sala também. Nós também somos responsáveis pelo baixo desempenho? Claro que sim, pois não somos meros expectadores, somos responsáveis e partícipes desse processo. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 65 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares66 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 67 CAPÍTULO 6 Não só por “AMOR” No mundo Educacional, sempre ouvimos, de políticos principalmente, que o Professor trabalha e deve trabalhar, pura e simplesmente por vocação. Ora pois? Vivemos numa sociedade essencialmente capitalista, individual, egoísta e que tudo, absolutamente tudo, inclusive a sua existência e dignidade, passa pela monetização conseguinte da venda de sua força de trabalho, inclusive o sustento de seus dependentes. Professores, “mestres”, “Donas”, “tios”, “tias” são vistos romanticamente pela sociedade pessoas confiáveis, afáveis, dóceis, honestos, amigos e companheiros e, por vezes, até personificadas pela literatura ou pelo cinema como seres “bobos”. Mesmo tendo a clareza que esse “springt” não se materializa, porque antes de tudo, os docentes são trabalhadores, repito, vendem sua força de trabalho, como qualquer outro proletário pela sua sobrevivência e a de sua família. Uma das nossas bandeiras, claro, dentre muitas, é reforçarmos que não nos diferimos de todas as outras classes de assalariados que trabalham fundamentalmente, A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 68 não por amor, mas para, literalmente, colocar o pão e o leite sob a sua mesa, para alimentar seus filhos, tentar viver uma situação mínima de bem-estar e conforto. Falar diferente disso ou tentar teatralizar a figura do professor como se esse fosse um herói que não sente ódio, que não erra, que não peca e que, principalmente, não depende de dinheiro para sua sobrevivência é um erro circunstancial. Lembremo-nos que os políticos não o fazem por e pela glorificação desse profissional, mas usam dessa marca para tentar constranger os docentes, associando seu trabalho há algum ofício de voluntariado e, claro, indiretamente diminuindo o valor da sua mão de obra, já que o valor de tudo no mundo capitalista está no dinheiro e na aparência, quanto mais eu distanciar esse profissional da retribuição financeira, do acesso a bens de consumo, do conhecimento político, do seu coletivo e, principalmente, da sua função da remuneração monetária, mais ele será desvalorizado perante a sociedade. Sabemos que um dos grandes problemas relativos ao recrutamento de mão de obra qualificada, jovem e mais engajada está na contrapartida, no salário propriamente dito, que será oferecido para exercer essa função. Como conseguiremos angariar jovens, incentivar a leitura, a pesquisa e a continuidade formal da educação pelo professor se o mesmo não encontra, sequer, condições de A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 69 se sustentar e cuidar inclusive da sua aparência, justamente pela miséria da remuneração pelo trabalho que precisa realizar. A desmotivação, a constante dificuldade financeira, inclusive desafiando sua segurança alimentar, a falta de assistência à saúde e o constante estresse e exposição a situações de risco e violência formam uma receita perfeita para a desmotivação intelectual e pessoal desse profissional, que é claro, inserido nesse contexto, não enxerga seu valor e a importância do seu trabalho, levando esse funcionário a uma espiral de insensibilidade, incapacidade de reconhecimento do valor de seu trabalho, doenças mentais, total falta de comprometimento com sua formação, tendo em vista a considerada irrelevância de sua atividade e, finalmente, a depressão e os constantes processos de combate à saúde mental. Não há como falar em execução de Projetos de Políticas Públicas diante de um quadro em que, analogicamente, um professor é o profissional com o curso superior que tem a menor retribuição pelo seu trabalho dentre todos os profissionais com a mesma escolaridade. Em certa oportunidade, estávamos em uma reunião de trabalho. Na ocasião, o senhor Secretário da Educação do Estado, estava “in loco” visitando-nos, e pude contar um pouco de nossa experiência dentro da educação e, claro, A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 70 não pude deixar de exclamar nossa insatisfação com a remuneração defasada, quase indecente, inclusive estávamos há cerca de dois anos sem, sequer, termos uma reposição inflacionária. Lembro-me que, depois de pedir autorização para uma professora que acabara de integrar nosso quadro de docentes alfabetizadoras, sobre seu depoimento de que, antes de ingressar na rede por intermédio de concurso e concretizar seu grande sonho de ser professora, ela estava trabalhando na rede Municipal do município de Mogi, realizava a função de merendeira, em suma, seu salário como merendeira há dois meses atrás, antes de seu ingresso na rede como professora, era dez por cento maior do que sua remuneração atual como alfabetizadora. Acredito que esse exemplo vivido e testemunhado e, claro, compartilhado com todos, inclusive com as autoridades supracitadas deixa claro um absurdo total. Ainda, na ocasião, apresentaram-se professores que queriam apenas ter condições de se aperfeiçoar, pagar uma pós, fazer um outro idioma, enfim. Precisamos, urgentemente, fazer uma reflexão sobre essa remuneração que influencia precipuamente o trabalho docente e, consequentemente, a qualidade de sua formação. Na cidade de São Paulo, um professor da Rede Municipal, hoje, no ano de 2020, recebe quase 80% mais que um professor da Rede Estadual com a mesma carga A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 71 horária. Muitas vezes, em escolas vizinhas, isso também causa um desconforto, legítimo, tendo em vista que os recursos didáticos da Rede Estadual, muitas vezes, são piores que os dos municípios, e os dados dos últimos anos, principalmente na alfabetização, demonstram um resultado muito melhor por parte da Rede Estadual, porém não há nenhum tipo de gratificação nem protocolar, simbólica ou muito menos financeira. Todos esses apontamentos ajudam a destruir a força de trabalho, fortalecem a tristeza entre esses profissionais que só desejam viver de cabeça erguida e ter uma condição razoável de melhorar seu bem-estar social, estender seu conforto mínimo e poder cuidar da sua saúde. Por isso, é necessário que todos nós tenhamos vozes ativas e denunciemos nossas condições de trabalho a todo momento e em todos os espaços, que dialoguemos com a nossa comunidade e com as autoridades e sindicatos, não lutando por um aumento de salário, mas, no caso dessa categoria, nesse referido Estado, assim como em muitos no Brasil, a luta por uma reposição de perdas salarias é urgente, certa e acarretará diretamente na implementação de qualquer Projeto ou Política Pública Educacional. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 72 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 73 CAPÍTULO 7 “Mais Paulo Freire, Muito Mais...” Antes de começar a escrever este capítulo que, talvez, considere o mais importante deste livro, gostaria de registrar, aqui, minhas congratulações ao ilustríssimo professor José Eustáquio Romão, Diretor e Fundador dos Institutos Paulo Freire no mundo, o qual tive a honra de entrevistar por intermédio do Canal Formativo “Polêmicas de Nosso Tempo” (Canal Coletivo de Cunho Formativo) especificamente criado para docentes, com o intuito de romper o ciclo de “opressão” na formação docente de futuros professores, a partir da educação básica. Agradeço a todos os meus colegas professores, idealizadores e coidealizadores do referido canal, Valmir, Rodrigo Fake, Rodrigo Bony, Halles (Ted), João Monte (Toddy), Valmir, Fábio e Marco, pela grande oportunidade de trabalho, troca de conhecimento e vontade de transformar o mundo educacional. Quem foi Paulo Freire? Verdadeiramente, nunca ouvira falarem Paulo Reglus Neves Freire, durante minha estadia nas escolas básicas estaduais de São Paulo. Lembro-me que a primeira vez que ouvi falar no referido autor foi quando assisti a um A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 74 programa de televisão de auditório para jovens. Até então, repito, nunca sequer, ouvira falar do velho mestre da pedagogia que revolucionou a educação e o processo da alfabetização no Brasil e no Mundo. O velho barbudo “simpático”, sentado numa cadeira, com barbas grisalhas, alongadas com sorriso largo e sotaque nordestino, com camisa pra dentro da calça e pernas cruzadas, contava ali, aos jovens, um pouco da sua biografia e dos desagravos sofridos nos tempos da ditadura militar. Uma das falas que mais me marcou naquele dia foi seu relato de que o governo militar colocou em si o “springth” de uma figura demoníaca, inimiga de Deus e destruidora da família tradicional brasileira. Talvez, muitos jovens que ouviam atentamente aquele senhor falar, não com um “ar professoral”, mas como um amigo, um avô, que conta suas histórias e vai ensinando com cada frase sem a pretensão de fazê-lo. Não esqueceriam nunca mais a força da retórica eloquente de Paulo Freire e a benignidade de suas palavras ao pregar justeza social, liberdade política e de manifestação social. Anos depois, já na Faculdade de Letras, sempre ouvia uma citação do grande mestre aqui, outra ali, e um professor o citava, outro trazia alguma frase pinçada de sua obra, mas fato é que, durante o quatro anos, nunca fui orientado ou, sequer indicado oficialmente a ler ou A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 75 pesquisar mais sobre aquele ícone da educação brasileira, ou seja, centenas de professores formaram-se naquele ano, sem nem terem lido, obrigatoriamente, uma obra ou um texto de Freire, simplesmente o Patrono da Educação brasileira. As referências principais que tive de Paulo foram de um amigo do campo da esquerda, de um professor de química, Fábio Rodrigues que, vez ou outra, o invocava como argumento para sustentar suas teses de defesa dos alunos para com professores mais conservadores. O ensino da teoria Freiriana foi oportunizado a mim de forma pragmática, na observação e na amizade e, claro, admiração por aquele jovem professor, que sempre manteve um discurso pedagógico muito progressista em relação à vida cotidiana escolar e, principalmente, ao respaldo e à garantia dos direitos dos alunos. A partir de então, comecei a ler e me aprofundar sobre o Velho Mestre, passei a entender Paulo Freire, não como um acadêmico que, assim como outros que estudei na academia, usavam de uma linguagem menos coloquial, mais científica. Tomei prazer pela sua obra, não necessitava de esforço para entender teorias tão óbvias, mas que nunca haviam sido apresentadas ao jovem professor Thiago. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 76 Com o aprofundamento do meu conhecimento em Freire, percebi, rapidamente, uma mudança em meu comportamento docente e passei a considerar muito mais meus alunos. Comecei a aplicar uma premissa básica de sua obra, a promoção de um ambiente dialógico, mais democrático, menos pesado, mais amistoso, que me fez, literalmente, deixar a sala de aula pela primeira vez e conduzir uma “roda de leitura”. embaixo de uma árvore, no estacionamento da escola. Começava, ali, minha transformação como docente, por intermédio da leitura da obra do maior nome da educação brasileira. Posposto a esse contato e sempre aberto à transformações, comecei a ver o mundo pela lente Freiriana. O que é essa lente? Fundamentalmente, é enxergar a educação como agente de transformação da vida social, é olhar as pessoas com mais afeto e tentar entender suas dificuldades, não só pedagógicas ou cognitivas, mas, principalmente, as dificuldades de esperança, porque Paulo Freire é esperança. Um ponto que sempre me intrigou, especialmente, depois de atuar como Diretor, Vice-Diretor, professor coordenador de todos os segmentos da educação básica, mas, naturalmente, na formação de professores alfabetizadores. Por que, diabos, todas aquelas coisas boas, que havia descoberto sobre esse grande pensador, A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 77 não foram ofertadas a mim quando da minha formação docente? Por que, de certa forma, Paulo Freire foi sacado da grade curricular de um curso de licenciatura? Com o tempo, com mais leitura, mais discussão sobre o assunto, fui consolidando o entendimento pessoal de que existem motivos claros ligados, desde a xenofobia, até mesmo, a luta de classes, também ouvi do professor Romão, supracitado, em suas entrevistas, atribuir essa tentativa de apagar ou diminuir a história de Freire por conta da sua falta de títulos protocolares (diplomas e certificados), porém, respeitosamente discordando do referido professor que é a maior referência que temos e responsável por manter vivo esse legado. Continuo considerando que o pensamento de Paulo era tão libertador e tão ameaçador no sentido de abrir os olhos do trabalhador para seus direitos, dos alunos para seus sonhos, dos analfabetos para sua esperança que a Elite desse país sempre o preteriu e minimizou sua importância ao longo da história, negligenciando sua apresentação e o poder revolucionário da camada mais desfavorecida da população, seja negando o direito dos professores em conhecê-lo, suprimindo-o das grades curriculares nos grandes conglomerados universitários, seja “esquecendo” de Paulo nos impérios comunicacionais ou, até mesmo, financiando a propaganda de seu nome com o conceito A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 78 mais equivocado do comunismo, ou como o próprio nos contou, atribuindo seu nome a um “status” diabólico. De qualquer forma, o resultado de toda essa intencionalidade, porque há intencionalidade, sempre foi esconder sua “teoria da libertação” e seu espírito de esperança, de transformação da escola e da sociedade brasileira. Negar a importância de Paulo Freire para a sociedade ou estritamente para a ciência pedagógica não faz sentido. Esse conceito distorcido de que o professor pernambucano é responsável pelas mazelas do nosso processo de ensino aprendizagem não condiz, absolutamente, com a apreensão da realidade. A educação brasileira tem, na teoria de Paulo Freire, muitos livros assentados, mofando em bibliotecas, ou até mesmo fragmentos de suas teorias para o bem ou para o mal, na verbalização docente, porém, assim como afirma o professor José Eustáquio, que viveu e conviveu com o grande mestre, não encontramos, em nenhuma escola, ou quase nenhuma, os traços do espírito de Paulo freire na essência da práxis aplicada seja, pedagogicamente, ou, até mesmo, socialmente, nas relações interpessoais da escola. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 79 Alguns atacam suas teorias com o argumento de práticas fracassadas como a da introdução de Ciclos no ensino, que se confunde com o fim da retenção seriada, que fomentou muito a exclusão por abandono escolar de jovens e crianças. Registra-se que o sistema de Ciclos foi implementado por Freire, quando secretário da Educação na gestão da então prefeita Luiza Erundina (PT). Não se tratava de aprovação automática, porém de progressão continuada, oportunizando ao aluno um maior tempo de consolidação da aprendizagem dos seus conhecimentos, lembrando que, se ainda assim houve algum tipo de fracasso na aplicação dessa política pública, não foi, de longe, culpa de seu idealizador e promotor, mas da equivocada aplicação, somada à incapacidade de recuperar a aprendizagem daquele aluno dentro do ciclo de aprendizagem individual de cada pessoa. Lembremo-nos que a importância de sua obraé corroborada pelas maiores Universidades do mundo; a sua grande obra “pedagogia do oprimido”, simplesmente figura entre as cem obras mais recomendadas por universidades de Língua Inglesa no mundo; o educador pernambucano agora é citado em um novo e impressionante título de reconhecimento: Paulo Freire é o terceiro pensador mais citado do mundo em universidades da área de humanas. O levantamento foi feito através do ”Google Scholar” A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 80 ferramenta de pesquisa para literatura acadêmica por Elliot Green, professor associado da London School of Economics. Segundo ela, Freire é citado 72.359 vezes, atrás somente do filósofo americano Thomas Kuhn (81.311) e do sociólogo, também americano, Everett Rogers (72.780). Por esses e por muito mais fatos gravados e consolidados nas colunas da universalização e democracia política educacional, negar a importância desse autor é negar a importância da ressignificação e transformação da Educação brasileira. Paulo Freire é referência pelo mundo, sua teoria aproxima o conteúdo acadêmico da vida simples dos estudantes, oferecendo a possibilidade de que esses se apropriem de suas próprias educações e sejam senhores de suas vidas. Para ele, estudar não era um ato de inventar, mas, sim, de recriar. Assim, o autor nos ensinava, em sua obra “Pedagogia do Oprimido”: “[É necessário] Criticar a arrogância, o autoritarismo de intelectuais de esquerda ou de direita – no fundo, da mesma forma reacionários – que se julgam proprietários: os primeiros do saber revolucionário, os segundos do saber conservador; criticar o comportamento de universitários A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 81 que pretendem conscientizar trabalhadores rurais e urbanos sem com eles se conscientizar também; […] buscam impor a superioridade de seu saber acadêmico às massas ‘incultas’”. Aqui, essas “forças” seguem tentando diminuir o legado desse que é, de longe, um dos maiores nomes da educação mundial; por isso, consta nestas páginas sobre formação docente. A leitura de sua obra é obrigatória, sua ressignificação na prática docente é fundamental e seu ensino e disseminação das suas teorias deve ser obrigatória em qualquer reforma educacional que ocorra no futuro deste país. Por isso, comecei a introdução falando que esse era o capítulo mais importante deste despretensioso livro e término tendo mais certeza ainda, ratificando que um profissional da educação brasileira que não aplica Paulo Freire não tem conhecimento sobre o ato de resistência e de amor e o significado que essa “ideia” pode trazer para a sua prática. Paulo Freire é uma ideia, e uma ideia não morre. Avante “Freireanos, vamos Freirear”! Viva a educação! Viva Paulo Freire! A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 82 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 83 CAPÍTULO 8 A genealogia dos micropoderes... Michel Foucault Desde pequenos, nós convivemos com figuras místicas e que romantizam nossas fantasias a respeito do “mundo paralelo” em que vivem os super-heróis. Torcemos por eles, odiamos os vilões, em geral, nós nos vemos nas personagens mais fracas que lutam contra as mais fortes. Afinal, se olharmos para o mundo em que vivemos, claramente iremos nos deparar com dificuldades e injustiças a todo momento durante a nossa caminhada nesta vida. Será que todos nós pensamos da mesma forma? Será que todos foram emergidos na concepção pedagógica do lúdico, do brincar? Será que muitos de nós, já adultos, ainda nos identificamos com essas personagens? Isso pode nos beneficiar de alguma forma? Para responder a essas questões, vamos falar um pouco do pensamento de Michel Foucault (1926-1984), um dos mais conhecidos e estudados filósofos franceses, por certas teorias, tanto entre os estruturalistas como entre os pós-estruturalistas ou pós-modernos. De sua grande obra, interessa-nos discutir aqui apenas a teoria do poder... A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 84 Anteriormente ao filósofo Foucault, a teoria política concebia o poder como algo que alguns têm, outros não. Toda teoria política clássica, de Maquiavel e os contratualistas (Locke e Rousseau) até Marx, discutia-se como legitimar o poder de uns poucos sobre muitos e, assim, manter (ou subverter, no caso de Marx) a ordem social. Foucault entende o poder como uma prática social. Por isso, temos que pensar o poder como um ato exercido, vivido no cotidiano, algo que se dá não de forma natural como um chefe para seu empregado ou de um senhor para seu súdito, ou de um governante para seus secretários, mas, sim, cotidianamente em todas as relações. Para descobrir como o poder funciona, Foucault vai usar o método genealógico, empregado por Nietzsche. Uma demonstração externa desses poderes analisadas pelo filósofo diz respeito aos seus efeitos sobre os corpos, que ele chama de “poder disciplinar”, caracterizada em determinadas sociedades no século XX. Foucault argumenta que nenhum poder que fosse somente repressor poderia se sustentar por muito tempo, porque, uma hora, as pessoas iriam se rebelar. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 85 Portanto, seu segredo é que, ao mesmo tempo em que reprime, gera conhecimento e corpos produtivos para o trabalho. Não é incomum que, internamente, no ambiente escolar, deparemo-nos com quadros de escolas que estabelecem uma rotina mecanizada para seus alunos, como na entrada, na formação de filas, cântico regular do hino nacional e regras de “cultura de sala de aula”, muitas vezes, adotadas unilateralmente pela autoridade civil do professor. Aqui faz-se o registro que a “cultura de sala de aula”, assim como toda discussão que direcione as políticas educacionais internas da escola devem sempre estar pautadas em princípios democráticos (realistas), pragmáticos e não apenas teóricos, calcados em ambientes dialógicos que devem ser garantidos pelos atuais gestores de escola, que, diga-se de passagem, não colocam em prática e nem defendem esses princípios, salvo em verbalizações e confecção de documentos pedagógicos. Nas salas de aula por todo o Brasil, condicionamos as crianças, continuamente, a “controlar o tom de voz”, posicionar-se de forma ereta na carteira, em fila, a escrever dentro das linhas e desenhas dentro dos limites estabelecidos, ou seja, inclusive, a não produzir a arte, a A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 86 dança e a alegria do teatro, que raramente são incentivadas. Horários para fazer xixi, horário para comer, horário para falar, fragmentação de matérias com horários específicos para ensino ou a participação do aluno em determinada aula, sem nunca estabelecer um diálogo propositivo para as reais perspectivas dos alunos quanto a essas “regras”. Lembremo-nos que essa escola toma forma após a “Revolução Pós-Industrial” e que coloca esse organismo a serviço desse contexto histórico que, por sua vez, serve plena e irrestritamente aos interesses da burguesia, classe dominante que mantém o monopólio dessas indústrias. O objetivo de todo esse processo, segundo Foucalt, dá-se para viabilizar e potencializar, na prática, a utilidade econômica de nossos corpos. Afinal, o que seria da nossa sociedade se as pessoas desejassem viver no “ócio criativo”, como afirma Domenico De Masi, ou ainda, fossem ensinadas a viver a vida fazendo o que lhes desse valor emocional e aprendessem a superar as questões financeiras em detrimento das emocionais, ou se, como num ato revolucionário, a escola se colocasse a serviço da educação para a vida, para a harmonização das relações interpessoais e priorizasse a A dialéticana formação docente – Thiago Gomes Soares 87 discussão da ética com base na filosofia, na música, no teatro e nas artes corporais, com foco no meio ambiente e na sustentabilidade da saúde mental e corporal. É importante registrar aqui que não é só o Estado que adota políticas públicas educacionais reacionárias que determinam o fortalecimento da cultura mecânica para levar-nos à prática de utilidade de nossos corpos a serviço da economia. Temos que lembrar que essa cultura está arraigada na nossa história, são recorrentes os casos concretos de “abuso de autoridade”, casos de racismo, casos de feminicídio, que demonstram a necessidade de tratarmos desse assunto e combatê-lo, principalmente no ambiente orgânico da escola, sendo que essa deve ser a resistência do professor. Para Foucalt, muitos são os locais de “foco de resistência aos poderes”, como, por exemplo, coletivos que resistem a favor dos direitos de minorias, como indígenas, negros, homossexuais, etc... Os super-heróis são anônimos e, parafraseando Nietzsche, nesse mundo pós-moderno, eles estão cada vez mais, demasiadamente humanos, ou seja, a partir dessa reflexão, todos nós poderemos ser heróis, inclusive para estabelecer “micro resistências” que visem o bem- A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 88 estar dos nossos alunos e professores e, consequentemente, fomentem uma luta pelo bom, pelo justo e pelo melhor do mundo, para recordarmos a grande Olga Benário (1908 a 1942). O autor Silvio Gallo, pedagogista e filósofo brasileiro, autor de uma série de publicações fundamentais que o tornaram um dos principais expoentes da pedagogia libertária no Brasil, tem um artigo muito interessante, denominado “EM TORNO DE UMA EDUCAÇÃO MENOR” (2002). O artigo supracitado trata exatamente do convite à reflexão, principalmente com base na literatura filosófica italiana, calcada nos escritos do autor (Negri 2001). “E se nos pusermos a pensar em educar como um cão que cava seu buraco, um rato que faz sua toca? No deserto de nossas escolas, na solidão sem fim – mas superpovoada – de nossas salas de aula, não seremos, cada um de nós, cães e ratos cavando nossos buracos? Toni Negri tem afirmado que já não vivemos um tempo de profetas, mas um tempo de militantes; tal afirmação é feita no contexto dos movimentos sociais e políticos; hoje, mais importante do que anunciar o futuro, parece ser produzir cotidianamente o presente, para possibilitar o futuro. Se deslocarmos tal ideia para o campo da educação, não fica difícil falarmos num professor-profeta que, do alto de sua A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 89 sabedoria, diz aos outros o que deve ser feito. Mas, para além do professor-profeta, hoje deveríamos estar nos movendo como uma espécie de professor-militante que, de seu próprio deserto, de seu próprio terceiro mundo, opera ações de transformação, por mínimas que sejam.” (Gallo 2002) Assim afirma (Negri 2001): “Hoje não há mais profeta capaz de falar do deserto e de contar o que sabe de um povo porvir por construir. Só há militantes, ou seja, pessoas capazes de viver, até o limite, a miséria do mundo, de identificar as novas formas de exploração e sofrimento, e de organizar, a partir dessas formas, processos de libertação, precisamente porque têm participação ativa em tudo isso. A figura do profeta, seja ela a dos grandes profetas do tipo Marx ou Lênin, está ultrapassada por completo. Hoje, resta-nos apenas essa construção ontológica e Constituinte 'direta', que cada um de nós deve vivenciar até o limite (...) Creio, portanto, que, na época do pós-moderno e na medida que o trabalho material e o trabalho imaterial já não se opõem, a figura do profeta – ou seja, a do intelectual – está ultrapassada porque chegou a ser um total acabamento; e é nesse momento que a militância se torna fundamental. Precisamos de pessoas como aqueles sindicalistas norte- americanos do começo do século, que pegavam um trem A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 90 para o Oeste e que, a cada estação atravessada, paravam para fundar uma célula, uma célula de luta. Durante toda a viagem, eles conseguiam trocar suas lutas, seus desejos, suas utopias. Mas, também, precisamos ser como São Francisco de Assis, ou seja, realmente pobres: pobres, porque é somente nesse nível de solidão que podemos alcançar o paradigma da exploração hoje, que lhe podemos captar a chave. Trata-se de um paradigma 'biopolítico', que atinge tanto o trabalho quanto a vida ou as relações entre as pessoas. Um grande recipiente cheio de fatos cognitivos e organizacionais, sociais, políticos e afetivos...” (Negri, 2001, p. 23-24). Diante do excerto supracitado parece-nos muito clara e justa a reflexão do autor que visa a busca da luz e a natural introdução do professor na consciência política que vise a prioridade de reumanizar a educação dentro da escola, alicerçada na humanização do indivíduo e não na sua “coisificação” para servir o capital econômico, pura e simplesmente. No ano de 2020, o Governo do Estado de São Paulo, com base nos novos conceitos elaborados na reforma BNCC (Base Nacional Comum Curricular), estabeleceu um programa nas escolas paulistas que davam uma excelente autonomia para que as escolas desenvolvessem “matérias eletivas”. Evidentemente, trata-se da elaboração, do A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 91 planejamento e da eleição (escolha) dos alunos para frequentarem essas matérias que lhes agradassem. Cabe dizer aqui que o projeto não é ruim, mas deve ser mais bem orientado. Nesse ano, tomei conhecimento que uma professora dos Anos Iniciais, que havia atribuído essa modalidade de aula, tinha a vontade de fazer algo diferente, então a mesma veio aconselhar-se pedagogicamente comigo, que desejaria trabalhar o tema da defesa da mulher e seus direitos, nessa aula que seria ofertada ao Ensino Médio. Imediatamente, coloquei-me à disposição da referida docente, e saímos da reunião com muitas ideias para que a mesma apresentasse seu trabalho para o grupo de professores. A matéria fora nominada “Lute como Uma Garota”. Após a apresentação técnica para o grupo de professores, houve muita resignação por parte do corpo docente para aceitar a pauta da referida matéria que, repito, tratava-se de questões de direitos de minorias, feminismo, direitos das mulheres e linha histórica dentro da matéria, valorizando a história das mulheres. O contra-argumento dos colegas era que os meninos não iam participar, que isso não era assunto para a escola, ou para a idade, dentre outros. Enfim, resistimos eu e a referida docente, e conseguimos registrar a matéria que foi A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 92 plenamente desenvolvida durante o ano e que apresentou “produto final” muito satisfatório para quase vinte jovens. Esses são exemplos de “micro resistências” que são efetivadas por professores, nas escolas, todos os dias, contra superiores e preconceitos estruturais, e que não partem diretamente do Estado, mas, sim, da cultura da escola. Sendo assim, que a reflexão deste capítulo também seja uma reflexão e um chamamento para que os professores rompam com esse ciclo vicioso. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 93 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 94 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 95 CAPÍTULO 9 Pragmatismo político e pedagógico emergencial O pragmatismo, surgiu no século XVIIII por um grupo de filósofos norte-americanos em Cambridge, Massachusetts. É uma corrente da filosofia muito estudada até hoje em diversospaíses do mundo. O correto seria falar em pragmatismos, dadas as nuances com que diferentes autores trataram o termo, desde os clássicos (Charles S. Peirce, William James, John Dewey e Ferdinand Schiller) até os contemporâneos (Lewis, Quine, Putnam, Davidson e Richard Rorty, entre outros). Em sua formulação original, feita por Charles Sanders Peirce (1839-1914) em 1877-78 e reformulada em 1905, o pragmatismo é um método filosófico cuja máxima sustenta que o significado de um conceito (uma palavra, uma frase, um texto ou um discurso) consiste nas consequências práticas concebíveis de sua aplicação. Por tudo já discutido aqui, sabemos que estamos diante de uma conjuntura extremamente delicada em que não há interesse em nenhum dos lados, seja por uma questão cultural, econômica, política ou governamental de A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 96 transformar todo o sofismo da retórica política em avanço nas condições de trabalho, bem-estar social e, consequentemente, na consolidação e no avanço da qualidade do sistema educacional. Sendo assim, penso que já é passada a hora de cessarmos as reclamações individuais, as reclamações genéricas, aleatórias que morrem na sala dos professores e começarmos a pôr em prática nosso discurso de insatisfação para o mundo social. Para a corrente “Pragmatista” (Norte-Americana) todo o fundamento calcava-se na realidade material, e não apenas no discurso. Por exemplo: Não basta dizer que “João é honesto”, é preciso acompanhar o comportamento de João a partir de agora e toda sua prática por intermédio da observação e dos estudos para poder afirmar que João é honesto. Politicamente falando, o professor sabe que só impediremos mais perdas, ou que só conseguiremos reestabelecer alguns poucos direitos ou evitar “reformas” que só servem para piorar nossas condições de trabalho, se estes se organizarem, lembrando que as grandes conquistas na história do campo democrático só se deram por intermédio da luta coletiva dos trabalhadores. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 97 Estamos vivendo uma geração que só pensa de forma individual, e essa é a representação mais triste do “produto” do capitalismo. Os jovens desses tempos querem simplesmente viver o hoje, não se preocupam com o passado, muito menos com o futuro, e esse individualismo é a fórmula perfeita para que toda e qualquer organização do trabalhador sucumba por uma ordem egoísta, a de cada um por si. O que quero dizer é que somente existem duas formas de exercer a política em nosso país, e ambas já estão criminalizadas e demonizadas, uma é por intermédio dos partidos políticos, outra por intermédio dos sindicatos. Percebam que ambas carregam a marca da deslegitimação da Classe Burguesa, na qual se incluem o Estado, os partidos políticos, as Universidades que formam professores e os Meios de comunicação. Todos lutam contra o estabelecimento de coletividade dos trabalhadores na educação. Os professores de hoje em dia, especialmente os mais novos, endossam o discurso da negação política, justamente essa negação que parte da Elite e consegue convencê-los que a política, a luta, não valem a pena, com discursos do tipo, todo político é ladrão, a política é suja, nos sindicatos só há corrupção, ou seja , se eu conseguir convencer o trabalhador que o único caminho de luta não A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 98 é válido, se conseguir desqualificar aqueles que lutam pela coletividade, uns pelos outros e marginalizá-los, colocar eles isolados de seus pares, não haverá caminho nem para reformas que melhorem a vida do trabalhador e muito menos que consigam exercer movimentos de resistência na educação. Esse comportamento de tentarmos, a qualquer custo calar, isolar e marginalizar quem questiona, quem enfrenta, quem não só faz a leitura, mas aponta ao público o equívoco de práticas ou políticas, já em curso na educação há muito tempo e que é um subproduto do movimento Ditatorial Cívico Militar da segunda metade da década de 60. A escola é uma das poucas instituições que foi preparada para exercer, na prática, o projeto da burguesia reacionária, que queria formar cidadãos alienados, apolíticos, que obedecessem sem questionar e que, consequentemente, não se sentissem capazes de lutar pelo bem-estar social do seu coletivo, seja ele qual fosse. Dessa forma, essa instituição, que é um órgão de Estado, composta por professores que, em sua imensa maioria, olham, vivem e entendem a escola de maneira totalmente distorcida, porque foram formados para isso, para que continuassem esse processo de afogamento nas tarefas burocráticas, circunstanciais e minoritárias em A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 99 detrimento da conscientização política do ser, da construção de uma ideologia justa, honesta e empática para com a sociedade. O resultado, obviamente, não poderia ser outro... Erramos enquanto agentes (operários) da educação que têm o poder e a função moral de transformar nossos cidadãos e entregamos ao mundo social o que a burguesia nos pede, jovens que são incapazes de pensar, de sofrer a dor do outro, que odeiam política e, consequentemente, vão vender aos seus toda essa falta de expectativa adquirida numa escola que apenas ensina as competências e habilidades para executar e atender a demanda do Capital. Por isso, é chegada a hora de romper com esse Ciclo improdutivo Pedagógico, é hora de colocar Paulo Freire em prática, é hora de questionar as políticas públicas que reproduzimos por décadas “in loco” que foram pensadas por pessoas que estão a serviço da burguesia e do Projeto de manutenção do sucateamento da educação. Essa mudança passa, primeiramente, pelo despertar do agente mais importante do processo de ensino, o professor, aquele que está na sala de aula com quarenta alunos, aquele que ouve todos os dias queixas sobre saúde mental, aquele que é pressionado a cumprir prazos para atender políticas públicas estabelecidas sobre a qual ele A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 100 sequer foi consultado, aquele que atende o pai entorpecido, agressivo, que é exposto, ameaçado e agredido. É esse sujeito que precisa se conhecer como peça fundamental na engrenagem educacional. Quando o professor entender que ele é bom o suficiente para ser avaliado e tem corroboração de quem mais importa nesse processo, que é o seu aluno e a sua comunidade, ele se sentirá muito à vontade e seguro para expor as suas discordâncias, de questionar o sistema do qual faz parte, de exigir uma perspectiva, não apenas de execução de Projetos, mas de elaboração dos mesmos. Ele irá perceber que também pode despertar aqueles que são seus amigos, que gostam dele, que o veem como exemplo e que, muitas vezes, são induzidos a odiá-lo mais tarde como servidores que são, porque, de certa forma, os próprios professores formaram esse sujeito para isso. O caminho é que, respaldados no devido processo legal, e agindo sob o manto do Direito à livre expressão e pelo livre exercício docente, o professor consiga fazer seu aluno abrir os olhos, consiga fazê-lo questionar a Igreja (não a denominação), o Estado (não o partido político), porque isso faz parte da emancipação e é justamente essa emancipação que não estamos garantindo ao sujeito aprendiz. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 101 Por que um docente não pode assistir a um filme didático que não esteja no currículo para justificar uma roda de conversa? Por que não pode inovar na forma que apresenta um trabalho? Por que não pode liderar um grêmio estudantil? Por que não pode ensinar seu aluno a protocolar uma reclamação numa repartição pública, inclusive em sua própriaescola? Tenhamos coragem para mudar nosso mundo a partir da educação e não o contrário. Defendamos nossos alunos e ensinemos desafiar os colegas que os chamam de “lixo” no intervalo, aqueles que estigmatizam crianças simplesmente por preconceito ou pelo “modus operante” da escola burguesa, que não acolhe, que não recupera, mas que exclui, que agride, que se vinga, que compete e que adestra. A saída passa por reformas de Estado, com políticas públicas, passa pela reforma de currículo nas Universidades que devem ser cobradas, mas passa, principalmente, pela sua reforma como profissional da educação e pela transformação do seu ambiente de trabalho. Sendo assim, quando você começar a exercer realmente sua função com base nas teorias e referenciais teóricos do passado, haverá mudanças significativas que começarão nas escolas e passarão pelas faculdades para chegarem até os partidos políticos a fim de que, algum dia, A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 102 essas pessoas percebam a importância da educação e consigam retribuir sua colaboração para um mundo melhor, porque aprenderam assim no lugar mais importante de uma sociedade civilizada, a escola. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 103 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 104 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 105 CAPÍTULO 10 “Formação Docente On Line” No início do ano Dois Mil e Vinte, o Planeta Terra e a sociedade mundial atravessaram uma das maiores crises sanitárias e econômicas da sua história. Essa intercorrência agravou-se durante os meses e consolidou uma mudança muito profícua no “modus operandi” do sistema de trabalho mundial, potencializando o trabalho remoto, denominado por vários termos (Home Office, Home Work, Teletrabalho...) Na área educacional, surge um dos maiores desafios da história para o sistema educacional mundial. Mesmo em países ditos de primeiro mundo há muita dificuldade de abarcar e engajar cem por cento dos alunos que, outrora, frequentavam “in loco” a escola. Muitos são os problemas que impõem dificuldades a esse novo formato educacional, que, diante do fechamento imperativo das redes educacionais, fez-se impositivo, entre eles, a questão da dificuldade de acesso por limitações financeiras, a falta de disciplina dos alunos, a carência dos professores e o atraso em relação ao manejo de softwares nunca dantes apresentados aos mesmos, além da própria A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 106 vulnerabilidade por falta de meios para que os docentes pudessem exercer minimamente suas funções. Superados esses desafios, pelo menos parcialmente, muito por um esforço governamental dos Estados, como a “doação” de chips, financiamento de aparelhos tecnológicos subsidiados, disponibilização de tablets para os alunos, internet potencializada nas escolas e muito investimento em infraestrutura, com a aquisição de roteadores, televisores, câmeras, notebooks, tablets e celulares para as escolas. Nesse contexto, existem ainda muitos desafios a superarmos, além da oferta (relativa), diga-se de passagem, de instrumentos para amenizar os impactos da distância corporal entre alunos e professores, ainda estamos muito longe do subsídio mínimo, apropriado para o desenvolvimento dos trabalhos. Registra-se aqui que, durante todo esse tempo, os docentes e as Equipes Gestoras das escolas, bem como os órgãos centrais, como Diretorias de Ensino e órgãos supervisores, realizaram o possível e, até mesmo, o impossível, para realizar toda essa transição do ensino presencial para o “virtual”. Não era raro termos notícias de professores que iam buscar e levar atividades nas casas dos alunos, de A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 107 professores que gravavam vídeos, explicavam a matéria por telefone ou pelo WhatsApp, não só ao aluno, mas também ao pai. Os docentes não tinham horário para atender aos pais, por isso, muitas vezes, tomavam para si problemas de ordem social, familiar e psicológica, porque ali estavam como representantes do Estado e eram vistos como tais. Por outro lado, mais do que nunca ficou clara a importância fundamental da instituição escola e, consequentemente, da figura dos nossos professores, que, inúmeras vezes chegaram a ser pressionados, carregando nas costas, durante esse tempo, de certa forma, o preço do fracasso do ensino remoto. Instituições e coletivos, boa parte de figuras elitistas, tentando atuar e legitimar sua ideia a qualquer custo, trabalharam no sentido de jogar a sociedade contra os professores, como se esses fossem os responsáveis pelo fechamento das escolas. O resultado de todo esse contexto foi o agravamento de problemas de saúde mental dos professores que se cobraram excessivamente quando do aprofundamento do processo de fechamento das escolas. Dentro desse contexto, damos luz a um tema mais relevante para todos os interessados na leitura deste livro, a formação docente. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 108 Toda a formação dos professores começou a ser concretizada via “google meet”, para o formador. Coube a aceitação da situação e começar a ensinar professores, muitas vezes, totalmente alheios às práticas da informática, sendo que, em certos casos, houve o ensino e a formação de até como o professor deveria acessar programas, printar tela, abrir microfone, arquivar e enviar documento. Logo se constatou que essa era uma barreira prioritária a se vencer. A partir da superação desse grande primeiro desafio, registra-se que surgiu a necessidade concreta de mudanças de “softwares” e programas, sempre visando à melhoria da eficiência do trabalho entregue à sociedade. Seguidamente, de forma injusta, e na ânsia de fazermos os professores entregarem o que fora solicitado, surgiam afirmações que questionavam alunos, pais e professores a respeito da inabilidade de atender algumas tarefas, quando esses mesmos autores tinham habilidades para usar programas comerciais com fins sociais. Isso ocorre da fala de quem deseja se retirar da obrigação de formação e da oferta de condição para que professores desenvolvam seu trabalho. No Ano de 1997, cursava a terceira série do ensino Fundamental I na Escola Estadual Galileu Menon, e A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 109 lembro-me como se fosse hoje da euforia dos alunos pela chegada de uma máquina com a promessa de que teríamos aulas de informática. Desde então, formei-me no ensino básico, no superior, ingressei via concurso na função docente e, desde então, passando por inúmeras escolas estaduais, nunca, absolutamente nunca, me deparei com uma escola que tivesse uma sala de informática em pleno funcionamento. Ora, sendo assim, mais uma vez, eu como fruto da Escola Estadual, não recebi a educação que deveria ter recebido no que tange à informática, voltei para o mesmo núcleo como profissional e, assim como eu, milhares de professores (filhos da educação básica) voltaram como profissionais e demonstraram a fragilidade e o problema da formação básica e contínua no caso do professor em relação à tecnologia. Isso nos sugere que devemos aproveitar a atual oportunidade para, a partir de agora, aperfeiçoarmos e darmos plenas condições de trabalho para o desenvolvimento da atividade docente e da pesquisa por parte dos alunos. No mais, sempre houve muito esforço por parte de todos, inclusive das secretarias de educação. Sendo assim, diante de todo o exposto, neste momento, cabe a nós formadores não deixar consolidar um esvaziamento e uma desmotivação diantedas funções tão A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 110 importantes, sempre acolhendo e explicando todo esse processo histórico para tirar das costas desses professores esse peso de fracasso, principalmente, nos medos, e até pavor, desses profissionais que nunca foram preparados minimamente para estar diante desse desafio. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 111 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 112 A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 113 CAPÍTULO 11 “REFORMA EDUCACIONAL, PRECISAMOS PASSAR PELA RESIDÊNCIA ESCOLAR” Caro leitor, professor formador. Diante de todo o exposto nesta obra, é mais do que urgente que passemos a considerar e a cobrar uma grande reforma educacional que se faz urgente, principalmente no que tange à formação básica ofertada pelas universidades e, também, pela formação contínua, ofertada por órgãos do executivo. Existem Projetos de Lei, parados no Congresso nacional, que pretendem reformar a área de estágios dentro do currículo da formação inicial do professor durante a sua formação. Um desses Projetos trata da “Residência Docente”, que tem como um de seus objetivos principais a formação de professores pesquisadores, voltados para o estudo e a análise científica permanente da carreira docente e de suas práticas, usando como base a reflexão crítica. A Profª Magali Silvestre, percursora de uma experiência muito exitosa de um Projeto que compõe o Programa do Curso de Pedagogia do campus de Guarulhos da UNIFESP, apresenta, como argumento para sua tese, a seguinte citação: A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 114 “Em meados dos anos 2000, a recorrente crítica, direcionada à forma de organização dos estágios curriculares obrigatórios dos cursos de licenciaturas no Brasil, acompanhou o despontar da ideia de “residência” para a formação de professores para a educação básica, tendo, como marco, o Projeto de Lei do Senado no. 227/2007, que visava instituir a residência educacional a professores da educação básica, indicando mudanças na LDB 9394/96. Hoje se verificam várias iniciativas pontuais, cujas propostas se direcionam tanto para os processos de formação inicial como de formação continuada de professores e que possuem, como elemento comum, a formação mais próxima do campo de trabalho do professor – a escola. No entanto, a maioria dessas iniciativas e os estudos sobre a temática ainda são pouco conhecidos.” (SILVESTRE, 2020) Entendemos que não há caminho para a melhora da formação docente e, consequentemente, o êxito educacional fora das linhas formativas que darão ao professor um melhor discernimento e uma maior competência no desenvolvimento de ação da sua práxis. Para isso, reafirmamos que alguns pontos serão retomados aqui de forma concisa: • Reforma educacional. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 115 • Concurso Público para o cargo de formador. • Desvinculação da deliberação do Diretor de Escola sobre a autonomia de cessação de função, sendo essa competência atribuída ao comitê regional de representação pedagógica, formado por supervisores e professores. • Blindagem de professores formadores no desenvolvimento do seu trabalho, atribuindo-se sanção aos gestores que não respeitarem a legislação a respeito do Desvio de Função. • Exigência de matrícula de professores em cursos oferecidos pelo órgão competente. • Pós-Graduação em nível Educacional, ou pedagogia, para professores licenciados em outros cursos. • Remuneração justa e adequada para exercer função de tamanha importância. • Criação de Grupos de referências e estudos regionalizados que deliberem sobre a homologação da designação desses professores. • Plano de carreira. • Escola de Formação que qualifique permanentemente os docentes. A dialética na formação docente – Thiago Gomes Soares 116