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FISIOTATOLOGIA DA ANEMIA POR DOENÇA RENAL CRÔNICA

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FISIOTATOLOGIA DA ANEMIA POR DOENÇA RENAL CRÔNICA.
A anemia é uma característica da insuficiência renal crônica e está relacionada à hipoproliferação eritropoética e à hemólise. A anemia está presente na Insuficiência Renal (IR) aguda e crônica, independentemente de sua etiologia. Na forma crônica, costuma ser mais intensa, e 25% dos pacientes necessitam de repetidas transfusões.
A reduzida produção de eritrócitos deve-se essencialmente à baixa concentração de Eritropoetina (EPO) sérica, resultante da escassa síntese desse fator pelo rim doente. Os níveis de hematócrito correlacionam-se com a concentração sérica da EPO. A retenção plasmática de inibidores da hematopoese pode contribuir para a hipoproliferação eritroide,
inibindo a célula progenitora ou a síntese de hemoglobina. Essa inibição é observada em cultura de células de medula óssea, na presença de substâncias encontradas em altas concentrações na uremia, como espermina, hormônio paratireoide, ribonuclease e várias lipoproteínas séricas.
O componente hemolítico encontrado na IR deve-se a um defeito extracorpuscular e acredita-se que substâncias retidas no plasma urêmico sejam as responsáveis, pois a diálise
prolonga a sobrevida eritrocitária e os eritrócitos de pacientes urêmicos têm sobrevida normal quando infundidos em indivíduos saudáveis. Intercorrências como sangramento digestivo e espoliação pela hemodiálise levam à deficiência de ferro e deficiências nutricionais, como do ácido fólico. Os mecanismos antioxidantes dos eritrócitos podem estar
comprometidos na IR, tornando-os mais vulneráveis aos agentes oxidantes. Outros fatores têm sido descritos como eventuais participantes no mecanismo da anemia da IR.
A anemia é normocrômica e normocítica, e a contagem de reticulócitos é baixa. Equinócitos e acantócitos são frequentes, e esquistócitos e outros fragmentos eritrocitários são encontrados quando o componente microangiopático está presente. A análise citológica da medula é habitualmente normal e as anormalidades eventualmente encontradas se correlacionam com as intercorrências listadas na Tabela acima.
A etiologia da anemia na DRC é multifatorial, sendo que diversos fatores concorrem para o advento da anemia na DRC, tais como: deficiência absoluta ou funcional de ferro, que está presente em 30% a 50% dos pacientes com DRC; 5 perda sanguínea; hiperparatireoidismo; estado inflamatório; diminuição da meia-vida das hemácias; e deficiência de ácido fólico e/ou vitamina B12.
A doença renal crônica é um estado inflamatório. Os níveis de proteína C reativa aumentam à medida que os pacientes perdem função renal. Este estado inflamatório está associado com a presença de anemia. Citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina6 e o fator de necrose tumoral, atuam nas células progenitoras eritropoéticas, de maneira oposta à eritropoeitina, estimulando a apoptose. O estado inflamatório da DRC provoca uma situação de resistência à ação medular da eritropoetina. Quando pacientes portadores de DRC apresentam infecções concomitantes, existe um claro agravamento da anemia.
Na situação de inflamação ocorre aumento da produção hepática de hepcidina, um peptídeo que inibe a absorção duodenal de ferro e a mobilização de ferro dos seus estoques (células do sistema reticuloendotelial – SRE). Portanto, na DRC é muito comum a ocorrência de deficiência de ferro absoluta ou funcional. A deficiência absoluta de ferro pode ser causada por diminuição da absorção intestinal de ferro (hepcidina, desnutrição) ou por perdas sanguíneas. 
É caracterizada por níveis séricos baixos de ferro, saturação diminuída de transferrina e níveis baixos de ferritina. A deficiência funcional de ferro é devida à menor mobilização de ferro dos macrófagos do SRE quando os níveis de hepcidina estão aumentados. Ela é caracterizada por níveis elevados de ferritina e saturação de transferrina diminuída. Pelo exposto acima é fácil entender a importância da reposição de ferro, além da eritropoetina, no tratamento da anemia relacionada à DRC.
O tratamento da anemia da IR mudou substancialmente desde que se tornou disponível a eritropoetina recombinante. Emprega-se na dose de 150 μg/kg, uma vez por semana, subcutaneamente; na maioria dos pacientes a hemoglobina atinge valores próximos aos níveis normais, determinando nítida melhora na qualidade de vida. A resposta insuficiente ou nula ocorre quando existem intercorrências como deficiência de ferro, deficiência de folato, excesso de alumínio e hiperparatireoidismo. Os efeitos colaterais são leves ou inexistentes, porém aumenta o número de pacientes com hipertensão diastólica cujo mecanismo ainda não foi elucidado. A suplementação de ferro e folato, a correção do hiperparatireoidismo e a prevenção da intoxicação por alumínio poderão, quando oportuno, contribuir para a melhor correção da anemia.
COMPLICAÇÕES DA TRANSFUSÃO NA ANEMIA RENAL CRONICA.
• Hemocomponentes: representam os componentes lábeis do sangue, obtidos a partir do sangue total por meio de processos físicos, como a centrifugação e o congelamento.
• Hemoderivados: são os produtos obtidos a partir do plasma por meio de processos físico-químicos, como albumina, gamaglobulinas, concentrados de fatores de coagulação.
SANGUE TOTAL: Tem sido progressivamente abandonado, pois promove um aporte excessivo de volume com conservação das propriedades funcionais apenas do s glóbulos vermelhos, isto é, há perda das propriedades funcionais das plaquetas, dos fatores lábeis de coagulação e a formação de microagregados.
CONCENTRADO DE HEMÁCIAS – CH: Constitui-se nos eritrócitos remanescentes na bolsa coletada após a centrifugação do sangue total e extração do plasma para uma bolsa satélite. Deve conter hematócrito entre 65-75%, sendo armazenado a 4º C por um período de 35 a 42 dias. Uma unidade de CH deve elevar o nível de Hb em 1,0 g/dL em um receptor de 70 kg sem sangramento ativo. 
O objetivo da transfusão de CH é de melhorar a liberação de oxigênio para os tecidos.
TRANSFUSÃO EM ANEMIAS AGUDAS
• Hemorragia Classe I: perda de até 15% da volemia Não há necessidade de transfusão, a não ser que haja anemia prévia ou o paciente seja incapaz de repor sua perda em virtude de doença cardíaca ou respiratória prévia.
• Hemorragia Classe II : perda de 15 a 30% da volemia Deve-se infundir cristalóides e avaliar a necessidade de se transfundir hemácias, sendo dependente de doenças pré-existentes, com diminuição da reserva cardiorrespiratória ou perda sanguínea contínua.
• Hemorragia Classe III: perda de 30 a 40% da volemia Deve-se realizar rápida reposição com cristalóides e colóides, com transfusão de hemácias provavelmente indicada.
• Hemorragias Classe I V: perda sanguínea superior a 40% da volemia Deve-se realizar rápida reposição volêmica com cristalóides e colóides e transfusão de hemácias.
RECOMENDAÇÕES: A transfusão está contra-indicada quando Hb estiver acima de 10g/dL, exceto em situações especiais. Indica-se a transfusão se Hb for menor que 7 g/dL. A transfusão deve ser administrada conforme a velocidade da perda, com no máximo duas unidades de CH por solicitação, até que se atinja o nível entre 7 e 10 g/dL. Em pacientes acima de 65 anos ou cardiopatas instáveis e pneumopatas é aceitável a transfusão com Hb abaixo de 8g/dL.
Em pacientes com 65 anos sintomáticos é aceitável transfundir quando Hb for menos que 10. Em coronariopatas com doença coronariana instável é aceitável transfundir com Hb menor que 11g/dL. Em pacientes com Hb menor que 12g/dL está indicado o uso da EPO para melhorar a qualidade de vida. Em pacientes acima desse nível, está indicado em pacientes predispostos a sintomas ou outras patologias como ICC, hipertrofia ventricular esquerda.
Pacientes com Hb menor que 10g/dL, sintomáticos, prefere-se aguardar os efeitos da EPO, caso não seja possível, realizar a transfusão e iniciar a terapia com EPO concomitantemente. No caso de doenças agudas como LMA e LLA, a transfusão é aceitável com Hb menor que 10g/dL. Em casos de doenças crônicas assintomáticas, como SMD deve-se transfundirse Hb for menor que 7g/dL.
TRANSFUSÃO DE PLAQUETAS: Devem ser estocadas a 22º C, sob agitação contínua por um prazo máximo de cinco dias. Está indicada para pacientes com sangramento e contagem plaquetária inferior a 50.000/mm3 e pacientes com sangramento em SNC ou oftálmico com contagem de plaquetas inferior a 1000.000/mm3.
PLASMA FRESCO CONGELADO: Deve ser armazenado a –20ºC, por um período de 12 meses. Contém níveis hemostáticos de todos os fatores de coagulação. Está indicado para correção de deficiências congênitas ou adquiridas de fatores de coagulação para os quais não exista concentrado industrializado. Em casos de CIVD grave com sangramento ativo e grande diminuição da concentração sérica de determinados fatores.
CRIOPRECIPITADO: Corresponde a fração solúvel em frio do plasma fresco congelado, contém Fator VIII, fibrinogênio, Fator de Von Willebrand, Fator XIII e fibronectina. Deve ser armazenado em temperatura inferior a -20ºC por no máximo 12 meses. Está indicado para repor fibrinogênio em pacientes com hemorragias e déficits isolados, congênio ou adquiridos de fibrinogênio, quando não se dispuser de concentrado de fibrinogênio industrial.
ATUALIZAÇÃO DA DIRETRIZ PARA O TRATAMENTO DA ANEMIA NO PACIENTE COM DOENÇA
RENAL CRÔNICA.
Recomendação 7.1
O emprego de transfusões de hemácias em pacientes com DRC deve ser criterioso e maximamente restrito.
Recomendação 7.2
Na piora aguda da anemia, a transfusão está indicada nas seguintes situações:
• • Independentemente da concentração de hemoglobina: perda volêmica maior que 30-40% do volume corporal; perda volêmica menor que 30% com sinais de inadequada oxigenação tecidual (angina, alterações eletrocardiográficas, instabilidade hemodinâmica, insuficiência cardíaca e alterações do estado de consciência); perda sanguínea aguda ativa sem controle imediato ou sem melhora clínica após reposição fluida (coloides ou cristaloides).
• • Na ausência de manifestações clínicas, se a concentração de hemoglobina for ≤7 g/dL.
Recomendação 7.3
Nas anemias crônicas associadas à inadequada resposta aos AGENTES ESTIMULADORES DA ERITROPOIESE (AEE), hemoglobinopatias ou falência medular, a transfusão sanguínea está indicada:
• • quando houver hemoglobina ≤ 7 g/dL;
• • em caso de hemoglobina ≤ 8 g/dl em pacientes com doença cardiovascular preexistente ou
• • quando o paciente apresentar sinais e sintomas clínicos (instabilidade hemodinâmica durante a hemodiálise, hipotensão postural, fraqueza intensa, letargia, insuficiência cardíaca, angina, etc).
Recomendação 7.4
Em pacientes em preparo eletivo para cirurgia, a transfusão deve ser indicada quando a hemoglobina for ≤ 7 g/dL, estando contraindicada se a hemoglobina for maior que 10 g/dL (Evidência B). Para pacientes com mais de 65 anos ou com doença cardiovascular preexistente, deve-se considerar como indicativo de transfusão uma concentração de Hb ≤ 8 g/dL.
Recomendação 7.5
Em pacientes elegíveis para transplante de órgãos é recomendado evitar, quando possível, transfusão sanguínea para minimizar o risco de alossensibilização.
Recomendação 7.6
Quando indicado o uso de concentrado de hemácias, o tempo de infusão deve ser de, no máximo, duas horas. A quantidade a ser infundida deve levar em conta a necessidade do paciente e o risco de hipervolemia.
Justificativa
A transfusão sanguínea é um procedimento de alto custo e associado ao risco de eventos adversos imunológicos como reações alérgicas e febris, hemólise fatal e não fatal, injúria pulmonar aguda associada à transfusão (TRALI), anafilaxia, sobrecarga circulatória, sobrecarga de ferro corporal, reação enxerto versus hospedeiro, ao lado de risco aumentado de transmissão do vírus da hepatite B, hepatite C e HIV, assim como de morte associada à sepse.
Segundo as recomendações do KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes), publicadas em 2012, a decisão de transfundir um paciente com DRC e anemia aguda deve ser baseada não em um valor determinado da concentração de Hb, mas principalmente no quadro clínico e nas condições de controle do sangramento. Assim, pacientes com hemoglobina < 10 g/dL poderiam ser transfundidos apenas em decorrência dos sinais e sintomas de anemia. Mais recentemente, as diretrizes da AABB4 mostram que não há, até o momento, evidências de que a estratégia de uso liberal de transfusões, independentemente da Hb, seja melhor que o seu uso restrito. Há também várias evidências, incluindo dados recentes do US Renal Data System (USRDS), de que a transfusão aumenta o risco de isossensibilização em pacientes candidatos ao transplante renal, não havendo dados consistentes de que esse risco possa ser reduzido com o uso da leucorredução, hemácias lavadas, transfusão de doador ou HLA-DR específicos.
REFERENCIA: 
ABENSUR, Hugo. Deficiência de ferro na doença renal crônica. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. , São Paulo, v. 32, supl. 2, pág. 95-98, junho de 2010.
ZAGO, MA, FALCÃO, RP, PASQUINI, R. Tratado de Hematologia. 1a ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2013.

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