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APENDICITE AGUDA EPIDEMIOLOGIA A apendicite aguda é a causa mais comum de abdome agudo de tratamento cirúrgico. É uma doença típica dos adolescentes e adultos jovens, e é incomum antes dos cinco e após os 50 anos. O risco geral de apendicite é de 1/35 em homens e 1/50 em mulheres. A partir dos 70 anos, este risco é de 1/100. A apendicite aguda parece mais frequentemente em países industrializados com hábito alimentar pobre em fibras, A apendicite ocorre com mais frequência entre 10 e 19 anos de idade, embora a média de idade no diagnóstico pareça estar aumentando gradualmente, assim como a frequência da doença em afro-americanos, asiáticos e nativos americanos. Uma das complicações mais comuns e uma das mais importantes causas de excesso de morbidade e mortalidade é a perfuração, seja ela contida e localizada ou não restrita e dentro da cavidade peritoneal. PATOGÊNESE DA APENDICITE E PERFURAÇÃO DO APÊNDICE A apendicite aguda resulta da obstrução da luz do apêndice provocada por – na grande maioria das vezes – fecalito ou hiperplasia linfoide e, mais raramente, por corpo estranho, parasitas ou tumores. A fisiopatologia é bem conhecida: a configuração própria do apêndice, de diâmetro pequeno e de comprimento longo, predispõe a obstrução em alça fechada. A oclusão da sua porção proximal leva ao aumento da secreção de muco pela mucosa apendicular distal à obstrução; seu lúmen reduzido leva à distensão da sua parede e a uma rápida elevação da pressão, que pode alcançar até 65mm Hg. A distensão estimula fibras nervosas aferentes, produzindo dor abdominal difusa, geralmente periumbilical seguida de náuseas e vômitos. Com o aumento progressivo da pressão intraluminal, a drenagem venosa diminui, o que desencadeia isquemia da mucosa. O evento seguinte é a trombose das pequenas vênulas e, ao continuar o fluxo arteriolar, a parede se torna cada vez mais edemaciada. A mucosa torna-se progressivamente isquêmica, surgindo ulcerações, levando à quebra da barreira mucosa e à invasão da parede apendicular pela flora bacteriana intraluminal. O processo inflamatório deflagrado progride, então, até atingir a camada serosa e, por contiguidade, o peritônio parietal vizinho, resultando na mudança da localização da dor, que passa a ser referida no quadrante inferior direito, associada à defesa localizada. A persistência da obstrução leva, finalmente, à necrose e à perfuração do apêndice. Além disso, a estase intraluminar contribui para o crescimento bacteriano e espessamento do muco. Nos casos de perfuração, forma-se abscesso bloqueado ou peritonite localizada que pode até evoluir para generalizada. O tempo transcorrido, desde o início da dor até os eventos de gangrena e perfuração, é imprevisível, mas, na maioria dos casos, situa-se em torno de 48 horas para a necrose e 70 horas para a perfuração. Embora, na grande maioria dos casos, estes eventos relatados constituam a evolução natural da doença, em alguns casos pode ocorrer uma regressão espontânea. O que fica bem claro, quando os pacientes são operados com apendicite aguda, são relatos de episódios prévios semelhantes, com involução completa. A obstrução da luz do apêndice é a regra para o desenvolvimento fisiopatológico da apendicite aguda; mas, em certas ocasiões, o apêndice removido, embora visivelmente inflamado, não demonstra um sítio de obstrução clara ou a presença de um fecalito. Estes achados reforçam a ideia da importância da hiperplasia linfoide como causa maior do desencadeamento da patologia, o que talvez seja devido à reação dos folículos linfáticos a patógenos intestinais. De fato, por vezes, encontramos episódios de apendicite que sucedem imediatamente a quadros de infecções intestinais bem reconhecidas com mudança clara do quadro clínico. A apendicite aguda é uma infecção polimicrobiana com associação de germes aeróbios e anaeróbios, sendo os principais agentes encontrados nas culturas a Escherichia coli e o Bacteroides fragilis. Na ausência de intervenção, a perfuração do apêndice gangrenado ocorre por volta de 48 horas do início dos sintomas. O intestino delgado e o omento podem bloquear a perfuração do órgão, formando um abscesso localizado (periapendicular). Mais raramente, encontramos perfuração livre para a cavidade peritoneal e consequente peritonite difusa, com formação de múltiplos abscessos intraperitoneais (pelve, sub-hepático, subdiafragmático e entre alças), e choque séptico. DIAGNÓSTICO CLÍNICO DA APENDICITE AGUDA SINAIS E SINTOMAS É importante identificar os pacientes que podem ter apendicite o mais cedo possível para minimizar o seu risco de complicações. Os pacientes com sintomas por mais de 48 horas têm mais chance de apresentar perfuração. A apendicite deve ser incluída no diagnóstico diferencial de dor abdominal em qualquer faixa etária, a menos que se tenha certeza de que o órgão já foi retirado. Queixas inespecíficas ocorrem inicialmente. Os pacientes observam alterações no hábito intestinal ou mal-estar e dor abdominal vaga, talvez intermitente ou em cólicas no epigástrio ou região periumbilical. A dor subsequentemente migra para o quadrante inferior direito em 12 a 24 horas, onde fica mais aguda e pode ser bem localizada como inflamação transmural quando o apêndice irrita o peritônio parietal. A irritação do peritônio parietal pode estar associada com rigidez muscular local. Os pacientes com apendicite irão mais frequentemente observar que a náusea, quando presente, ocorre depois de surgir a dor abdominal, o que pode ajudar a diferenciar dos casos de gastrenterite, por exemplo, quando a náusea ocorre primeiro. Os vômitos, quando presentes, também ocorrem após o início da dor e costumam ser leves e escassos. Assim, o momento do início dos sintomas e as características da dor do paciente e de qualquer achado associado devem ser rigorosamente avaliados. A anorexia é tão comum que o diagnóstico deve ser questionado na sua ausência. Os pacientes com apendicite pélvica têm mais chance de apresentar disúria, frequência urinária, diarreia ou tenesmo. Eles podem apresentar somente dor na região suprapúbica à palpação ou no exame retal ou pélvico. Os pacientes com apendicite simples costumam parecer apenas levemente enfermos, com pulso e temperatura apenas um pouco acima do normal. O profissional deve estar atento para outras doenças além de apendicite ou para a presença de complicações, como perfuração, flegmão ou formação de abscesso se a temperatura for >38,3°C e se houver calafrios. Os pacientes com apendicite serão encontrados deitados imóveis a fim de evitar a irritação peritoneal causada pelo movimento, e alguns relatarão desconforto causado por um solavanco do carro no caminho até o hospital ou consultório, por tosse, espirros ou outras ações que repitam a manobra de Valsalva. Classicamente, a dor máxima é identificada no quadrante inferior direito no ponto de McBurney ou perto dele, que se localiza a cerca de um terço do caminho ao longo de uma linha que se origina na espinha ilíaca anterior e vai até o umbigo. Uma pressão suave no quadrante inferior esquerdo pode desencadear dor no quadrante inferior direito se o apêndice estiver localizado ali. Esse é o sinal de Rovsing. A evidência de irritação parietal é mais bem desencadeada por percussão abdominal delicada, balançando a maca ou leito do paciente ou batendo levemente os pés. Sinal de Rovsing: palpação do quadrante inferior esquerdo causa dor no quadrante inferior direito Sinal do obturador: rotação interna do quadril causa dor, sugerindo a possibilidade de um apêndice inflamado localizado na pelve Sinal do iliopsoas: extensão do quadril direito causa dor ao longo do dorso posterolateral e quadril, sugerindo apendicite retrocecal iliopsoas apendicite retrocecal Os sinais e sintomas de apendicite podem ser sutis em idosos, que podem não reagir tão vigorosamente à apendicite quanto pacientes mais jovens. A dor, quando observada, pode ser mínima e se originar noquadrante inferior direito ou, caso contrário, onde se localizar o apêndice. Ela pode não ocorrer ou ser intermitente, ou pode haver apenas desconforto significativo com a palpação profunda. Náuseas, anorexia e vômitos podem ser queixas proeminentes. Raros casos podem apresentar sinais e sintomas de obstrução intestinal distal secundária à inflamação do apêndice e formação de flegmão ou abscesso. EXAMES LABORATORIAIS Os exames laboratoriais não identificam pacientes com apendicite, mas podem ajudar o médico a fazer o diagnóstico diferencial. Contagem de leucócitos: está apenas moderadamente elevada em cerca de 70% dos pacientes com apendicite simples (com leucocitose de 10.000 a 18.000 células/μL). Um “desvio à esquerda” em direção a formas imaturas de polimorfonucleares está presente em >95% dos casos. Uma preparação para pesquisa de anemia falciforme pode ser prudente em pacientes com descendência africana, espanhola, mediterrânea ou indiana. Os níveis séricos de amilase e lipase devem ser medidos. Exame comum de urina: está indicado para excluir condições geniturinárias que podem simular apendicite aguda, mas poucos eritrócitos e leucócitos podem estar presentes como um achado inespecífico. Porém, um apêndice inflamado em contato com o ureter ou bexiga pode causar piúria estéril ou hematúria. Todas as mulheres em idade fértil devem fazer um teste de gravidez (β-HCG). As culturas cervicais estão indicadas se houver suspeita de doença inflamatória pélvica. Anemia e fezes positivas no teste de guáiaco devem levantar a suspeita de presença de outras doenças ou complicações, como câncer. Proteína C-reativa: está normalmente aumentada nos processos inflamatórios e infecciosos, mas também não é específica. ESCORES DIAGNÓSTICOS Escore de Alvarado modificado Dor irradiada para fossa ilíaca direita (1 ponto); anorexia (1 ponto); náusea/vômito (1 ponto); sensibilidade na fossa ilíaca direita (2 pontos); descompressão brusca na fossa ilíaca direita (1 ponto); febre (T > 37,5°C) (1 ponto); leucocitose (2 pontos). o 0 a 3 pontos: baixo risco, o paciente pode ser liberado com orientações a retornar se houver persistência ou piora dos sintomas. o 4 a 6 pontos: internação e reavaliação. O tratamento cirúrgico é recomendado na persistência dos sintomas por mais de 12 horas. o 7 a 9 pontos: tratamento cirúrgico – apendicectomia. Estudos apontam uma sensibilidade de 95% e uma acurácia de 83% para o diagnóstico de apendicite aguda em pacientes com escore de Alvarado ≥ 7. Naqueles com escore entre 4 e 6, exames de imagem são recomendados – ultrassonografia (US) ou tomografia computadorizada (TC). Entretanto, o escore tem maior acurácia nos homens em comparação às mulheres. Dessa forma, pacientes do sexo feminino, não gestantes, devem ter preferência pela laparoscopia diagnóstica com apendicectomia, conforme os achados, dada a maior incerteza diagnóstica utilizando-se o escore de Alvarado. Escore da resposta inflamatória da apendicite (Appendicitis Inflammatory Response [AIR] ) Vômitos = 1 ponto. Dor na fossa inferior direita = 1 ponto. Dor à descompressão brusca: leve = 1 ponto; média = 2 pontos; intensa = 3 pontos. Temperatura corporal ≥38.5 = 1 ponto. Leucócito polimorfonuclear: 70% a 84% = 1 ponto; ≥85% = 2 pontos. Contagem leucocitária: 10.0 a 14.9 ×10⁹/L = 1 ponto; ≥15.0 ×10⁹/L = 2 pontos. Concentração de proteína C-reativa: 10g/L a 49 g/L = 1 ponto; ≥50 = 2 pontos. o (Máximo de 12 pontos.) o Soma 0 a 4 = probabilidade baixa. Acompanhamento ambulatorial, se a condição geral não for alterada. o Soma 5 a 8 = grupo indeterminado. Observação ativa de pacientes internados com nova classificação/exame de imagem ou laparoscopia diagnóstica, de acordo com as tradições locais. o Soma 9 a 12 = alta probabilidade. A exploração cirúrgica é proposta. Escore RIPASA para apendicite aguda Quanto mais alto o índice, com um máximo de 16, maior a chance de ter apendicite aguda. O escore foi desenvolvido para populações asiáticas. Mulher = 0.5 ponto. Homem = 1 ponto. Idade <39.9 anos = 1 ponto. >40 anos de idade = 0.5 ponto. Dor na fossa ilíaca direita = 0.5 ponto. Migração da dor para a fossa ilíaca direita = 0.5 ponto. Anorexia = 1 ponto. Náuseas e vômitos = 1 ponto. Duração dos sintomas <48 horas = 1 ponto. Duração dos sintomas >48 horas = 0.5 ponto. Sensibilidade na fossa ilíaca direita = 1 ponto. Rigidez = 2 pontos. Dor à descompressão brusca = 1 ponto. Sinal de Rovsing = 2 pontos. Febre = 1 ponto. Leucócitos elevados = 1 ponto. Análise da urina negativa = 1 ponto. LAPAROSCOPIA DIAGNÓSTICA Embora a maioria dos pacientes com apendicite venha a ser precisamente diagnosticada com base na história, exame físico e dados laboratoriais e, se necessário, estudos de imagem, existe um pequeno número no qual o diagnóstico permanece inconclusivo. Para esses pacientes, a laparoscopia diagnóstica pode proporcionar tanto um exame direto do apêndice como uma pesquisa da cavidade abdominal para outras possíveis causas da dor. Usamos essa técnica primariamente para mulheres em idade reprodutiva nas quais o ultrassom ou a TC pélvica pré-operatória falharam em estabelecer um diagnóstico. Preocupações sobre possíveis efeitos adversos de uma perfuração e peritonite sobre uma fertilidade futura algumas vezes levam à intervenção precoce nessa população de pacientes. A classificação de doenças de acordo com estágio de evolução é importante para avaliar a gravidade e o prognóstico, além de permitir a elaboração de protocolos de orientação terapêutica e de pesquisa. A laparoscopia possibilitou visão ampla da cavidade abdominal e do apêndice, contribuindo para o inventário operatório. Proporcionou imagens “in situ” de vísceras, processos inflamatórios e secreções purulentas com mínimos traumatismos. Foi capaz de identificar as fases clínico-cirúrgicas da apendicite aguda, com base no processo inflamatório que envolve o apêndice ou toda a cavidade abdominal. Observa-se que as classificações da apendicite aguda utilizadas, tanto para o procedimento laparotômico, quanto para o laparoscópico, permitem a adição de novos subgrupos representativos da abordagem em estudo, contribuindo na proposição de classificação mais abrangente. Outras literaturas fazem o estudo macroscópico do apêndice e classifica durante a apendicectomia em quatro grupos: I, apêndice sem perfuração e modificações mínimas; II, apêndice sem perfuração e a presença de gangrena supuração ou necrose; III, apêndice com perfuração e peritonite ou abscesso no local; e IV, apêndice com perfuração e peritonite difusa. EXAMES DE IMAGEM O diagnóstico da apendicite aguda é predominantemente clínico. Entretanto, os avanços no campo da radiologia têm contribuído muito no aumento da acurácia diagnóstica, principalmente nos casos de apresentação clínica não habitual e nos grupos de maior dificuldade como crianças, idosos, obesos e pacientes imunocomprometidos. Isso tem relação direta na diminuição das taxas de apendicectomias “brancas” ou não terapêuticas. Radiografia simples As radiografias simples de abdome raramente são úteis e não devem ser solicitadas como rotina, a menos que o médico esteja preocupado com outras condições, como obstrução intestinal, perfuração de víscera ou ureterolitíase. Menos de 5% dos pacientes apresentarão um fecalito opaco no quadrante inferior direito. A presença de um fecalito não faz o diagnóstico de apendicite, embora a sua presença na localização apropriada em que o paciente refere dor seja sugestiva. A radiografia simples do abdome (decúbito dorsal horizontal, ortostática e cúpulas) pode mostrar distensão do ceco, formação de níveis líquidos em posição ortostática na fossa ilíaca direita, apagamento da linha do psoas e até pneumoperitônio nos casos avançados. A imagem radiopaca de fecalitona topografia do apêndice reforça o diagnóstico. Entretanto, esses achados podem ser encontrados em outras causas de abdome agudo inflamatório e não há evidências na literatura médica sobre o papel da radiografia no diagnóstico dos pacientes com apendicite aguda. Ultrassonografia A eficácia da ultrassonografia como ferramenta diagnóstica para a apendicite depende muito do operador. Mesmo em mãos muito experientes, o apêndice pode não ser visualizado. Sua sensibilidade geral é de 0,86, com uma especificidade de 0,81. A ultrassonografia, especialmente com técnicas intravaginais, parece ser mais útil para a identificação de patologia pélvica em mulheres. Os achados ultrassonográficos que sugerem a presença de apendicite incluem espessamento de parede, aumento no diâmetro do apêndice e presença de líquido livre. A ultrassonografia (US) do abdome apresenta elevada sensibilidade, especificidade e acurácia no diagnóstico de apendicite. Pode mostrar o apêndice espessado, não compressível e doloroso, com mais de 6 mm de diâmetro. Apresenta vantagens em relação à tomografia computadorizada (TC), como rapidez na realização do exame, não exposição à radiação e não necessidade de uso do contraste. Os fatores limitantes são experiência do operador, índice de massa corpórea e condições clínicas do paciente como distensão abdominal, causando interposição gasosa. Tomografia computadorizada A sensibilidade e a especificidade da tomografia computadorizada (TC) são de 0,94 e 0,95, respectivamente. Assim, considerando o seu alto valor preditivo negativo, a TC pode ser útil se o diagnóstico estiver em dúvida, embora estudos realizados no início do curso da doença possam não mostrar os achados radiográficos típicos. Os achados sugestivos na TC incluem dilatação >6 mm com espessamento de parede, um lúmen que não se enche de conteúdo de contraste entérico e espessamento de gordura ou ar ao redor do apêndice, sugerindo inflamação. A presença de ar ou contraste luminal não é consistente com o diagnóstico de apendicite. Além disso, a não visualização do apêndice é um achado inespecífico que não deve ser usado para descartar a presença de apendicite ou inflamação periapendicular Ressonância magnética A ressonância nuclear magnética (RNM) do abdome fica reservada aos casos em que o paciente não deva ser submetido à radiação, como na gestação, e que ainda haja dúvida diagnóstica mesmo após realização do US. COMPLICAÇÕES Apendicite não complicada: processo inflamatório apendicular, sem gangrena, coleção ou necrose. Apendicite complicada: presença de perfuração, necrose do apêndice ou abscesso periapendicular. O diagnóstico da apendicite aguda continua sendo, muitas vezes, um desafio inclusive para médicos experientes. As muitas formas de apresentação atípica ainda levam, não raramente, à falha em estabelecer o diagnóstico precoce – que continua sendo o padrão ouro no manejo destes pacientes – pois vai resultar num ato cirúrgico mais simples, mais fácil e com grande impacto no prognóstico, em especial na morbidade, mas até na mortalidade pós-operatória. O diagnóstico precoce então é essencial para minimizar a morbidade da doença. O atraso no diagnóstico pode interferir na evolução do quadro, uma vez que o tempo entre o início da sintomatologia e a abordagem cirúrgica torna-se preditor de complicações. Sendo elas: abscessos, septicemias, oclusão intestinal, infecções subcutâneas, entre outras. Após as primeiras 48 horas da patologia sua abordagem vai tornando progressivamente mais complexa. Há maior frequência de complicações e, em casos mais avançados, a intervenção cirúrgica de uma simples apendicectomia pode exigir drenagens percutâneas e até laparotomia com ressecção do cólon direito e intervenções para tratamento de peritonite generalizada associada. Também pode ocorrer perfuração em 20% dos pacientes e deve-se suspeitar desta possibilidade em pacientes com dor que persista por mais de 36 horas, febre alta, sensibilidade abdominal difusa ou sinais de irritação peritoneal, massa abdominal palpável ou leucocitose acentuada. A perfuração localizada resulta em abscesso contido, com frequência na pelve. A perfuração livre leva à peritonite supurativa com estado toxêmico. A tromboflebite séptica (pileflebite) do sistema venoso porta é rara e sugerida por febre alta, calafrios, bacteremia e icterícia.O tempo necessário para perfurar o apêndice é variável. Nas primeiras 24 horas dos sintomas, 90% das apendicites apresentam inflamação e até necrose, mas não perfuração. Naqueles com sintomatologia de mais de 48 horas, febre alta ou leucocitose acima de 15 mil, a possibilidade de perfuração é acima de 50%. A flora bacteriana varia com a fase da apendicite. Bactérias aeróbias predominam na fase inicial da doença. Nas fases avançadas, com necrose e perfuração, a flora é mista. Nessa situação, são comuns a Escherichia coli, Bacteroides fragilis e Pseudomonas, o que torna mandatória a antibioticoterapia de amplo espectro, incluindo cobertura para anaeróbios. A apendicite perfurada é mais comum em áreas rurais, em idosos e populações não seguradas, que podem ter dificuldade de acesso aos cuidados médicos. A perfuração do apêndice apresenta-se com dois quadros clínicos distintos: perfuração bloqueada, com formação de abscesso periapendicular, ou perfuração para o peritônio livre, com peritonite generalizada. No primeiro caso, o paciente pode se encontrar oligossintomático, queixando-se de algum desconforto em fossa ilíaca direita. Pode haver massa palpável (plastrão).No segundo caso, a dor abdominal é de grande intensidade e difusa, com presença de abdome em tábua (rigidez generalizada). Nestes casos a temperatura encontra-se muito elevada (39°C a 40°C), e o paciente pode evoluir para sepse. Pacientes com abscesso do apêndice apresentam-se com uma massa dolorosa associada à febre,à taquicardia e à leucocitose.O abscesso é mais comumente localizado na parede lateral da fossa ilíaca direita,mas pode ser pélvico.O exame de toque retal é útil na identificação de coleções pélvicas.O abscesso pode ser visualizado por ultrasonografia ou tomografia computadorizada, permitindo também a drenagem percutânea, que é, geralmente, realizada por via aberta junto com a apendicectomia. TRATAMENTO TRATAMENTO O tratamento é sempre cirúrgico e deve ser o mais precoce possível, respeitando-se o tempo necessário para administração de líquidos parenterais. Em pacientes com quadros não complicados, uma pequena quantidade de solução cristaloide é suficiente para corrigirmos um déficit discreto de volume antes da anestesia geral. Nos casos de apendicite perfurada, uma grande quantidade de líquidos é infundida antes do ato anestésico. Não existe diferença nas complicações no tratamento cirúrgico quando este é feito antes de 12 horas dos sintomas ou até 24 horas depois. No entanto, a taxa de perfuração do apêndice chega a 36% quando o tratamento ocorre após as primeiras 36 horas de início dos sintomas. A apendicectomia pode ser realizada por laparotomia aberta convencional ou por laparoscopia, ambas com eficácia semelhante. Apesar de o método laparoscópico ser hoje o mais utilizado em todo o mundo, a escolha entre os métodos depende de idade, comorbidades e estilo de vida do paciente, de seu histórico de cirurgias prévias, da intensidade da suspeição diagnóstica, da gravidade do quadro e da habilidade do cirurgião. A laparoscopia parece ser particularmente benéfica nos casos de diagnóstico duvidoso (para a confirmação), em pacientes obesos (em que a visualização do quadrante inferior direito pela técnica aberta requer grandes incisões), em idosos e no sexo feminino, reduzindo dor pós-operatória e tempo de internação, e também em casos de apendicite perfurada (com bloqueio), com menor probabilidade de infecção de sítio cirúrgico. Nas cirurgias abertas podemos empregar incisão transversa no quadrante inferior direito, exatamente no ponto de McBurney (Davis-Rockey)ou incisão oblíqua (McArthur-McBurney). Muitos cirurgiões preferem a primeira abordagem. Após a divisão do mesoapêndice e a ressecção do órgão, o coto apendicular é ligado e posteriormente sepultado na parede do ceco, com emprego de fio de sutura absorvível. Existe uma taxa de 15 a 25% de apendicectomias negativas (com apêndice vermiforme normal à exploração), que pode ser maior em idosos e mulheres. Nesses casos, deve-se pesquisar no intraoperatório outras causas para os sintomas do paciente e o apêndice, mesmo com aparência normal, deve ser removido para análise microscópica. A mortalidade relacionada a esse procedimento varia entre 0,07 e 0,7% nos pacientes com apendicite não complicada e entre 0,5 e 2,4% naqueles com patologia complicada. A principal complicação da cirurgia é a infecção, desde a ferida operatória até abscessos, principalmente em pacientes com perfuração. ANTIBIOTICOTERAPIA A antibioticoterapia, com cobertura para bactérias aeróbias e anaeróbias deve ser iniciada até 60 minutos antes da operação, diminuindo-se a incidência de infecção de ferida operatória e abscesso intracavitário. Nos casos de apendicite não complicada (sem perfuração ou coleção abdominal): os antibióticos podem ser prescritos de forma profilática em dose única ou mantidos até 24 horas após o procedimento. A cefalosporina de segunda geração (cefoxitina sódica) é uma opção válida. Nos casos em que houver perfuração do apêndice ou coleção intracavitária a antibioticoterapia deve ser terapêutica por pelo menos sete dias. Após o uso empírico com antibióticos de amplo espectro, o tratamento deve ser, sempre que possível, orientado por cultura da secreção abdominal. Os seguintes esquemas são sugeridos: isa_p Realce isa_p Realce isa_p Realce isa_p Realce isa_p Realce Cefalosporina de terceira geração (ceftriaxona) ou fluoroquinolona (ciprofloxacino ou levofloxacino) + metronidazol. A associação de ampicilina deve ser feita quando bactérias Gram-positivas são identificadas nas culturas. Também aceitas: Monoterapia com ampicilina/sulbactam ou piperacilina/tazobactam ou ticarcilina/clavulanato. Monoterapia com carbapenêmicos, imipenem ou ertapenem. o Solicitar teste de gravidez nas mulheres em idade fértil. o Definir via de acesso, com sondagem vesical de demora conforme a via ou preferência do cirurgião. Apendicite Não-Complicada O uso de antibióticos profiláticos no pré-operatório é controverso, mas parece reduzir complicações pós-operatórias menores, como infecção de ferida e abscessos intra-abdominais. Nos pacientes com apendicite não complicada, uma dose única ou mantidos até 24 horas após o procedimento de cefoxitina 1 a 2 g ou cefazolina 2 a 3 g + metronidazol 500 mg intravenoso parece ser eficaz. Outras opções são ceftriaxona ou ciprofloxacino associados à metronidazol ou tinidazol, amoxicilina-clavulanato, ampicilina-sulbactam, ambos em monoterapia. Apesar de o tratamento cirúrgico ser considerado o padrão, muitos estudos baseados na possibilidade da etiologia infecciosa para a AA não complicada, assim como de outros processos intra-abdominais (salpingite, diverticulite, enterocolite) que são tratados apenas com antibióticos, propõem uma estratégia conservadora para o seu manejo. Apesar de apresentarem resultados provocativos, o uso de antibióticos isolados apresenta taxa de recorrência que varia de 4 a 15%, em geral nos primeiros seis meses, com quadro clínico mais brando. Metanálises são inconclusivas quanto à não inferioridade dos antibióticos sobre a cirurgia. Aparentemente, essa implica menor tempo de internação. Ainda são necessários mais estudos para que essa conduta seja amplamente aceita. Alguns fatores implicados na falha do tratamento conservador são PCR > 4 mgfdL, leucograma com desvio >10%, presença de fecalitos retidos/apendicolitos evidenciados em exame de imagem, e presença de suboclusão intestinal à admissão. Apendicite Aguda Complicada Nos pacientes com apendicite complicada com peritonite generalizada e perfuração aguda e/ou presença de sepse grave/choque séptico com ou sem disfunção de outros órgãos, é mandatória a cobertura antibiótica de amplo espectro, com terapia empírica contra anaeróbios e Gram-negativos entéricos, até o resultado de culturas (ceftriaxona + metronidazol ou piperacilina-tazobactam), por pelo menos sete dias. Nesses casos, o procedimento cirúrgico deve ser realizado de urgência. Apendicite com Apresentação Tardia Em aproximadamente 2% a 5% dos casos de apendicite, os pacientes se apresentam à sala de emergência tardiamente, com início dos sintomas há mais de cinco dias, seja por falha de acesso ao sistema de saúde, seja por serem oligossintomáticos etc. Encontra-se no exame físico massa abdominal palpável, o que sugere a formação de plastrão; este pode ser tanto fleimão/flegmão (inflamação supurativa de tecido celular subcutâneo profundo) quanto abscesso. Os abscessos ocorrem quando a perfuração do apêndice é bloqueada pelo epíplon ou estruturas próximas; as coleções grandes costumam se manifestar também com febre alta e calafrios. A conduta inclui internação hospitalar e realização de TC ou US para confirmação de nossa suspeita. Nesses casos, o tratamento de eleição é a antibioticoterapia de amplo espectro, o que pode alcançar resolutividade de até 97%, especialmente nos abscessos pequenos. Cerca de 20% necessitarão, contudo, de drenagem guiada. Após início de antibioticoterapia sistêmica, caso a lesão seja maior do que a 4 a 6 cm (abscessos grandes) ou o paciente apresente febre alta, a drenagem do abscesso guiada por método de imagem deve ser empreendida. Em abscessos menores e na presença de fleimão, a conduta pode ser inicialmente apenas a antibioticoterapia, com reavaliações frequentes. O tratamento clínico com antimicrobianos deve ser mantido por, pelo menos, uma a duas semanas. Após a terapia descrita, a recorrência de um novo episódio de apendicite gira em torno de 15% a 25%. Sendo assim, muitos autores recomendam, sobretudo em crianças, apendicectomia videolaparoscópica eletiva, a ser realizada seis semanas após resolução do quadro inicial. Esta abordagem é conhecida como apendicectomia de intervalo. No adulto, a necessidade desta intervenção cirúrgica tardia ainda é motivo de controvérsia. Essa apendicectomia de intervalo (realizada após 6 a 8 semanas da apresentação) deve ser considerada nos pacientes com sintomas recorrentes, apesar de ser desnecessária em 75 a 90% dos casos. Pode ser importante para diagnóstico diferencial, principalmente em adultos em que massas apendiculares podem corresponder à etiologia neoplásica. Em pacientes com idade superior a 40 anos e que essa estratégia não for adorada, deve-se realizar colonoscopia e/ou repetir exame de imagem (TC de abdome com contraste duplo) após resolução do quadro, para afastar doença inflamatória intestinal e neoplasias (como tumor carcinoide etc.). Quando da apresentação tardia, a cirurgia na fase aguda apresenta três vezes mais complicações, relacionadas direta (como reoperações, formação de novos abscessos pélvicos, indução de íleo prolongado, obstrução, fistulas, aderências) ou indiretamente ao procedimento (pneumonia, sepse, tromboembolismo venoso [TEV] etc). Caso Clínico X Achados de Apendicite Aguda Leucocitose: achado na apendicite aguda com contagem de leucócito de 10.000 a 18.000 células/μL). Um “desvio à esquerda” em direção a formas imaturas de polimorfonucleares. Amilase e lipase: excluem doença pancreática. Urina I: inclui condições geniturinárias que podem simular apendicite aguda, mas poucos eritrócitos e leucócitos podem estar presentes como um achado inespecífico. o A presençã de leucócitos é indicação de DIP ↑Proteína C-reativa: aumentada nos processos inflamatórios e infecciosos, mas também não é específica. RX: níveis líquidos na fossa ilíaca direita e borramento da sombra do músculo psoas. Os achados que confirmar são: distensãodo ceco, formação de níveis líquidos em posição ortostática na fossa ilíaca direita, apagamento da linha do psoas e até pneumoperitônio nos casos avançados. A imagem radiopaca de fecalito na topografia do apêndice reforça o diagnóstico. USG: vesícula biliar sem alterações. Presença de distensão alças de intestino delgado mais localizada em FID e apêndice > 7 mm de diâmetro com líquido periapendicular, com presença de apendiculito. Ausência de sangue em cavidade. Os achados que confirmar são: apêndice espessado, não compressível e doloroso, com mais de 6 mm de diâmetro.