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ciclo menstrual O ciclo menstrual normal, ovulatório, varia de 21 a 35 dias, com média de 28 dias. O número de dias da primeira fase do ciclo menstrual (proliferativa ou folicular) pode variar; a segunda fase (lútea ou secretora) é mais constante, tendo normalmente de 12 a 14 dias. O desenvolvimento folicular requer uma ação integrada e coordenada de eventos hipotalâmicos, hipofisários e ovarianos. O ovário – mais precisamente o folículo dominante, mediante a produção de estradiol, progesterona, inibina, fatores de crescimento e outros peptídeos – modula, com retro controles negativos, a função hipotálamo-hipofisária durante o ciclo menstrual. · Eixo hipotálamo-hipófise-gônadas O hipotálamo é uma estrutura neural situada na base do crânio, acima do quiasma óptico e abaixo do terceiro ventrículo. Não existe comunicação neuronal direta entre a adeno-hipófise e o hipotálamo. Os neuro-hormônios produzidos nos núcleos hipotalâmicos alcançam a adeno-hipófise pela circulação porta-hipofisária. A circulação sanguínea ocorre no sentido do sistema nervoso central – hipófise. Também existe um fluxo retrógrado, pelo qual os hormônios da hipófise chegam ao hipotálamo, oportunizando um retrocontrole. Os neuro-hormônios secretados pelo hipotálamo são fatores liberadores de hormônios hipofisários, apenas a dopamina tem efeito inibidor sobre a secreção hipofisária de prolactina (PRL). O hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) é um decaptídeo produzido por neurônios do núcleo arqueado do hipotálamo, responsável pela secreção hipofisária de hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo-estimulante (FSH). Durante o ciclo menstrual, para exercer sua ação moduladora sobre a hipófise, esse neuro-hormônio é secretado de forma pulsátil. Um estudo utilizando macacas que tiveram o núcleo arqueado destruído por irradiação elucidou as características de secreção de GnRH em ciclos ovulatórios. Após a destruição do núcleo arqueado, os animais apresentavam níveis baixíssimos de gonadotrofinas; quando o GnRH era administrado em altas doses ou em infusão contínua, também não havia resposta hipofisária. A secreção gonadotrófica era compatível com o ciclo ovulatório apenas quando a infusão era pulsátil. A exposição contínua da hipófise ao GnRH leva à dessensibilização hipofisária e à diminuição dos receptores de GnRH na hipófise (princípio de ação dos análogos do GnRH). O ciclo menstrual ovulatório necessita da secreção de GnRH em uma faixa crítica de amplitude e frequência, maior na primeira fase do ciclo e menor na segunda. A fisiologia e a fisiopatologia do ciclo menstrual, pelo menos em termos de controle central, podem ser explicadas por mecanismos que afetam a pulsatilidade do GnRH. Os pulsos de GnRH são modulados pelo sistema supra-hipotalâmico noradrenalina-dopamina, com influência facilitadora da noradrenalina e inibidora da dopamina. Esse sistema pode ser influenciado por opioides endógenos, catecolestrogênios e outros neurotransmissores. A hipófise localiza-se na sela túrcica. As gonadotrofinas, LH e FSH, são produzidas pelo gonadotrofo, localizado na adeno-hipófise. Os gonadotrofos, sob ação do GnRH, sintetizam, armazenam e liberam gonadotrofinas. Acredita-se que exista um pool de síntese e outro de secreção de gonadotrofinas. A secreção, a síntese e o armazenamento de gonadotrofinas sofrem alterações no decorrer do ciclo menstrual, conforme as concentrações de estradiol, progesterona, inibinas e outras substâncias produzidas pelo folículo dominante. · Crescimento folicular Ao nascimento, os ovários contêm aproximadamente 1 milhão de folículos primordiais. Na menarca, o início da vida reprodutiva, eles são em torno de 500 mil e, desses, apenas 400 chegarão até a ovulação. O restante entrará em atresia, morte celular programada ou apoptose. A atresia é o evento predominante no ovário. Após iniciar o desenvolvimento, ocorrerá apoptose ou ovulação. Os folículos primordiais têm apenas uma camada de células da granulosa e estão em repouso. Iniciado o crescimento folicular, chegam a folículo primário (0,1 mm), secundário (0,2 mm) e antral inicial (2 mm), sendo esse crescimento independente das gonadotrofinas. O crescimento até a fase antral inicial é permanente durante a vida até a menopausa (fase de depleção folicular), inclusive nas situações em que a liberação de gonadotrofinas diminui significativamente, como na infância pré-puberal, na gestação e durante o uso de anticoncepcional oral. O estímulo com gonadotrofinas é o pré-requisito para o desenvolvimento dos folículos antrais iniciais até os folículos pré-ovulatórios. Os últimos 15 dias do crescimento folicular dependem do aumento cíclico de FSH. O número de células da granulosa aumenta, bem como o tamanho dos folículos recrutados. Na fase antral inicial, o folículo tem aproximadamente 2 mm e, no período pré-ovulatório, tem cerca de 18 mm de diâmetro. Em folículos antrais, os receptores de LH estão presentes apenas na célula da teca, e os receptores de FSH, nas células da granulosa. As células da teca, sob estímulo do LH, sintetizam androstenediona e testosterona; as células da granulosa, mediante atividade da enzima aromatase, dependente de FSH, convertem os androgênios em estradiol e estrona. A esteroidogênese ovariana é dependente de LH. O LH estimula a esteroidogênese nas células da teca, fornecendo o substrato (androgênios) para a conversão a estrogênios nas células da granulosa. A seleção do folículo que irá ovular ocorre no quinto ou sexto dia do ciclo, enquanto os outros folículos recrutados entram progressivamente em atresia. O folículo dominante tem maior atividade da enzima aromatase, que lhe permite maior produção de estradiol, maior número de receptores de FSH e, paralelamente, estimula a expressão de receptores de LH também nas células da granulosa. O papel do estradiol, secretado predominantemente pelo folículo dominante, está bem estabelecido como regulador da secreção de gonadotrofinas. No início da fase folicular, o estradiol inibe a secreção de FSH (retrocontrole negativo). A oferta de FSH passa a ser cada vez menor aos folículos, sendo que a maior parte dos folículos entra em atresia, exceto o dominante, que continua crescendo. Fatores de crescimento locais provavelmente permitem que o folículo dominante permaneça sensível a baixas concentrações de FSH, enquanto os outros folículos entram em apoptose. Vários fatores de crescimento ovarianos aumentam a atividade do FSH (dominância): fatores de crescimento semelhantes à insulina (IGF), fator de transformação do crescimento β (TGF- β), fator de crescimento de fibroblastos e ativina. Outros inibem as ações do FSH, estando relacionados à atresia: inibina, fator de crescimento epidérmico, fator de transformação do crescimento α (TGF- α) e proteínas de ligação do IGF. As células da teca do folículo pré-ovulatório (dominante) são bem vascularizadas; as células da granulosa expressam receptores tanto de FSH como de LH e produzem quantidades cada vez maiores de estradiol, atingindo um platô aproximadamente 24 a 36 horas antes da ovulação. Os altos níveis de estradiol secretados pelo folículo dominante desencadeiam o pico de LH. Com o pico de LH, o ovócito reassume a meiose, a síntese de prostaglandinas (importantes no processo de ruptura folicular) é estimulada e as células da granulosa são luteinizadas, passando a sintetizar progesterona e estradiol. Provavelmente, a progesterona em níveis baixos produzida pelo folículo antes da ruptura é o sinal para que ocorra a descarga de FSH no meio do ciclo. Alguns estudos sugerem que a elevação do FSH pré-ovulatória assegura a expressão de um maior número de receptores de LH nas células da granulosa, permitindo ao corpo lúteo uma função adequada. Após a ovulação, o folículo reorganiza-se para formar o corpo lúteo. Vasos sanguíneos penetram na membrana basal do folículo e suprem-no com níveis adequados de lipoproteína de baixa densidade (LDL), fração do colesterol que serve de substrato para a síntese de progesterona eestradiol. A função lútea é controlada pela secreção hipofisária de LH. As concentrações elevadas de progesterona da segunda fase do ciclo reduzem a frequência e a amplitude dos pulsos de GnRH. Se a fertilização do ovócito e/ou a implantação não ocorrer, o corpo lúteo entra em remissão 12 a 14 dias após a ovulação. Quando ocorre a gestação, a gonadotrofina coriônica humana (hCG) produzida pelo embrião evita a regressão lútea, e a hCG mantém a esteroidogênese ovariana até a placenta assumir a produção hormonal da gestação. Ao fim da fase lútea do ciclo anterior, com o decréscimo do estradiol, da progesterona e da inibina A, ocorre o aumento do FSH nos primeiros dias da fase folicular. Esse é o sinal para que os folículos antrais, capazes de responder ao estímulo do FSH, iniciem o crescimento e para que comece um novo ciclo. · Controle ovariano da secreção de gonadotrofinas O estradiol e a inibina A e B são os principais hormônios ovarianos reguladores da secreção de gonadotrofinas. Quando o estradiol, secretado pelo folículo pré-ovulatório, mantém-se elevado por 48 horas, ocorre o pico de LH ou retrocontrole positivo de estradiol sobre a hipófise. A progesterona, secretada em níveis baixos ao fim da fase folicular, é facilitadora do pico de LH e parece ser responsável pelo pico de FSH no meio do ciclo. Em algumas situações experimentais, apenas o estradiol em níveis elevados pode desencadear o pico de LH e de FSH, sugerindo que a progesterona seria apenas facilitadora desse pico. Os peptídeos ovarianos inibinas A e B também atuam no controle da secreção de gonadotrofinas. Inibinas são glicoproteínas da família do fator de crescimento TGFβ, produzidas por diversos tipos celulares em vários tecidos e órgãos, com destaque para os ovários, testículos e placenta. O FSH estimula a secreção de inibina B pelas células da granulosa, enquanto a inibina A é secretada pelo corpo lúteo, sob controle de LH. A concentração da inibina A, secretada pelas células da granulosa luteinizadas, diminui paralelamente ao estradiol e à progesterona, mantendo-se baixa na fase folicular. Juntamente com o estradiol, a inibina A controla a secreção de FSH na fase de transição luteofolicular. A inibina B parece ser um bom marcador da função das células da granulosa sob controle de FSH, enquanto a inibina A espelha a função lútea sob controle do LH. · Ciclo endomentrial O ciclo ovulatório é acompanhado por alterações endometriais visando à implantação de um embrião. Quando não acontece a gestação, o corpo lúteo regride e, paralelamente, ocorre a descamação endometrial (menstruação). Alterações morfológicas do endométrio espelham a atividade do estradiol e da progesterona. Na fase proliferativa, existe, morfologicamente, intensa atividade mitótica nas glândulas e no estroma endometrial. O endométrio, que no início da fase folicular tem aproximadamente 2 mm de espessura, atinge 10 mm no período pré-ovulatório. Na fase lútea, as alterações predominantes são secreção glandular e edema do estroma. Não ocorrendo a gestação, o endométrio pré-menstrual apresenta infiltração leucocitária e reação decidual do estroma. A expressão dos receptores de estrogênio e de progesterona no endométrio também varia durante o ciclo ovulatório. A concentração dos receptores de estrogênio é alta na fase proliferativa, diminuindo após a ovulação, refletindo a ação supressiva da progesterona sobre os receptores de estrogênio. A concentração máxima dos receptores de progesterona no endométrio ocorre na fase ovulatória, espelhando a indução desses receptores pelo estradiol. Na fase lútea, os receptores de progesterona diminuem muito nas glândulas e continuam presentes no estroma.