Prévia do material em texto
Autora: Profa. Eliana Chiavone Delchiaro Colaboradoras: Profa. Silmara Machado Profa. Christiane Mazur Doi Alfabetização e Letramento Professor conteudista: Eliana Chiavone Delchiaro Mestra na área de Currículo (2009) e pedagoga (1978) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Em seu percurso profissional, atuou na docência e em direção de escola. Exerceu os cargos de professora da Educação Infantil e do Ensino Fundamental e de diretora de escola na Rede Municipal de Ensino da cidade de São Paulo ao longo de 30 anos. Desde 2004 dedica‑se à formação de professores e à universidade. Atualmente, é docente no Ensino Superior, na Universidade Paulista (UNIP). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D345a Delchiaro, Eliana Chiavone. Alfabetização e Letramento / Eliana Chiavone Delchiaro. – São Paulo: Editora Sol, 2023. 212 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517‑9230. 1. Alfabetização. 2. Letramento. 3. Métodos. I. Título. CDU 37.014.22 U517.57 – 23 Profa. Sandra Miessa Reitora Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração e Finanças Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora das Unidades Universitárias Profa. Silvia Gomes Miessa Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa. Laura Ancona Lee Vice-Reitora de Relações Internacionais Prof. Marcus Vinícius Mathias Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa. Elisabete Brihy Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. M. Deise Alcantara Carreiro Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Louise de Lemos Sumário Alfabetização e Letramento APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 PARA COMEÇAR A CONVERSA .....................................................................................................................9 1.1 A escrita: aspectos históricos e usos ............................................................................................ 14 2 REVISÃO DE ANTIGAS FORMAS DE ENSINAR ...................................................................................... 28 3 TEORIA DA PSICOGÊNESE DA ESCRITA: A ESCRITA ALFABÉTICA COMO SISTEMA NOTACIONAL E SEU APRENDIZADO COMO PROCESSO EVOLUTIVO ............................................... 52 3.1 Teoria da Psicogênese da Escrita: interpretações e principais contribuições .............. 54 3.2 Características das hipóteses de escrita ...................................................................................... 56 3.2.1 Pré‑silábica ................................................................................................................................................ 57 3.2.2 Silábica ........................................................................................................................................................ 61 3.2.3 Silábica‑alfabética .................................................................................................................................. 64 3.2.4 Alfabética ................................................................................................................................................... 67 4 O QUE ESTÁ ESCRITO E O QUE SE PODE LER ........................................................................................ 71 Unidade II 5 UMA COSTURA ENTRE AS TRAMAS DA ALFABETIZAÇÃO E O LETRAMENTO E A NOVA BNCC ................................................................................................................................................... 80 5.1 Habilidades metalinguísticas: qual o lugar e a importância da consciência fonológica nas práticas de alfabetização? ........................................................................................ 90 5.2 Níveis de consciência fonológica para a criança chegar ao princípio alfabético ............ 93 5.3 As relações entre a consciência fonológica e o aprendizado da escrita alfabética ............. 101 5.4 Como trabalhar com parlendas, trava‑línguas e ditados populares? ...........................111 6 A NOVA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) E AS RELAÇÕES COM A ALFABETIZAÇÃO E O LETRAMENTO ............................................................................................................119 6.1 Educação Infantil ...............................................................................................................................124 6.2 Ensino Fundamental .........................................................................................................................128 Unidade III 7 A IMPORTÂNCIA DOS MULTILETRAMENTOS NAS PRÁTICAS COTIDIANAS .............................143 8 PRÁTICAS DE ENSINO PARA A CONSOLIDAÇÃO DAS CORRESPONDÊNCIAS LETRA‑SOM: ESCRITA DO NOME, LISTAS, RODAS DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS ...........154 8.1 Sugestões de atividades diversas .................................................................................................158 8.1.1 Produção de textos ............................................................................................................................. 168 8.2 Avaliação do conhecimento dos alunos: acompanhamento e diagnóstico ..............176 8.3 As sondagens como instrumentos fundamentais para o planejamento e o replanejamento das aulas ......................................................................................................................178 7 APRESENTAÇÃO Caros alunos, O presente livro‑texto tem como objetivo ampliar os conteúdos discutidos na disciplina e, ainda, contribuir para o futuro professor com fundamentos importantes para possíveis intervenções na sua prática docente. A alfabetização se tornou um grande desafio para os professores, principalmente por aqueles denominados alfabetizadores ou professores dos anos iniciais. Isso porque a alfabetização, além de abranger a aprendizagem da escrita alfabética, deve desenvolver a leitura como prática social. O sujeito é considerado alfabetizado se, além de ler e escrever, utilizar a leitura e a escrita em práticas sociais, tornando‑se, assim, um leitor e um escritor competente. Encontramos, na prática docente, alguns equívocos provocados pela adoção do letramento para alfabetizar, como quando se desconsideram algumas especificidades próprias da alfabetização. Nesse sentido, surge a necessidade de compreender e desenvolver alternativas metodológicas para resgatar a alfabetização, sem, contudo, desvinculá‑la do processo de letramento. As pesquisas psicolinguísticas que deram origem à Teoria da Psicogênese da Língua Escrita e aquelas sobre o fenômeno do letramento não são novidade no Brasil, porém, muitas escolas brasileiras ainda alfabetizam utilizando métodos sintéticos e analíticos, os chamados métodos tradicionais de ensino. Conforme descrito porautores como Maria do Rosário Mortatti (2000), Artur Gomes de Morais (2006) e Magda Becker Soares (2003), durante muito tempo, no Brasil, houve uma discussão acirrada sobre os métodos de alfabetização e sua eficácia no ensino da leitura e da escrita. Métodos sintéticos e analíticos foram analisados, reformulados e até mesmo unificados, como aconteceu no método da palavração. Vale também dizer que as dificuldades que os métodos não conseguiam solucionar foram atribuídas à não prontidão para a alfabetização, concepção que procurou atribuir à maturidade psiconeurológica a responsabilidade pelo fracasso dos métodos tradicionais. A partir da década de 1980, surgiram estudos e pesquisas que demonstraram uma renovação teórica e pedagógica no processo de alfabetização. Destacaram‑se, nessa época, autores e pesquisadores como Emília Ferreiro, Ana Teberosky, Magda Soares, entre outros. As teorias cognitivistas surgidas a partir daí trouxeram duas concepções que marcariam a educação brasileira: a construtivista com a psicogênese da língua escrita, de Ferreiro e Teberosky, e a histórico‑social de Vygotsky e Luria. As novas abordagens sobre a aquisição do sistema de escrita alfabética e sobre o letramento são baseadas nas teorias construtivistas. Assim, Soares revela a invenção do letramento, a desinvenção e a reinvenção da alfabetização. Abordar o processo de aprender a escrever e ler é um tema que nos traz memórias afetivas, uma vez que cada um, a seu tempo e modo, tem uma história do processo de alfabetização. Pense um pouquinho como foi seu processo de alfabetização e que lembranças você guardou. Agora que você se vai se tornar professor(a), vamos saber mais desse processo tão importante? 8 INTRODUÇÃO O presente livro‑texto tem a intenção de aproximá‑los das principais questões que envolvem a alfabetização e o letramento no contexto educacional, com o objetivo de perceber as relações entre letramento, alfabetização e cidadania. Pretende‑se analisar o sistema de escrita e seus usos práticos, e para tanto serão apresentadas diferentes situações que envolvem as práticas cotidianas em sala de aula. Temos como objetivo que você, estudante e futuro professor, compreenda a linguagem escrita enquanto uma convenção social, pois, como tal, entendemos que ela é dinâmica e viva e precisa ser ensinada a todos que pertencem a uma mesma sociedade. Nesse sentido, a disciplina apresenta fundamentos que mostram o quanto ler e escrever são ações complexas. Por conta disso, evidencia‑se o papel do(a) professor(a) como mediador(a) da aprendizagem no desenvolvimento de processos que devem ser cuidadosamente planejados. Nossa proposta é formar professores alfabetizadores que possam planejar, coordenar e desenvolver situações didáticas que contribuam para a reflexão sobre as regularidades do nosso sistema de escrita e ainda a pensar na articulação entre o uso social da escrita e a situação didática proposta no planejamento das aulas. Neste livro‑texto, discutiremos os conceitos de alfabetização, letramento e métodos de ensino. Para que você possa ter fundamentos nas suas decisões metodológicas, reforçaremos os conceitos de alfabetização e letramento enquanto práticas indissociáveis para a aprendizagem da leitura e da escrita, refletiremos sobre metodologias que alfabetizam letrando, realizaremos uma análise do sistema de escrita alfabética e seus usos práticos em contextos de letramento e apresentaremos reflexões sobre as diferentes concepções e práticas de alfabetização. O livro‑texto está organizado em três unidades. Na primeira, pretende‑se abordar os fundamentos, os conceitos, uma breve revisão das antigas formas de ensinar e a Teoria da Psicogênese da Escrita. Na segunda, serão abordadas as contribuições da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental e também será explorado o papel das habilidades metalinguísticas no processo de alfabetização. Por fim, na terceira se propõe apresentar situações e experiências práticas de alfabetização, os multiletramentos e a avaliação diagnóstica. Contamos com você. Essa é uma disciplina envolvente, repleta de descobertas, em especial quando conhecemos as ideias que as crianças constroem sobre o que está escrito e o que se pode ler. Vamos juntos(as) enfrentar esse desafio? 9 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Unidade I 1 PARA COMEÇAR A CONVERSA Aprender a ler, a escrever, alfabetizar‑se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade. Paulo Freire A educação deve estar comprometida com a cidadania e com o processo de alfabetização e precisa sobretudo vincular‑se à função social da escrita, uma vez que há uma necessidade humana de comunicação e expressão em diferentes esferas. Isso porque os estudantes devem dominar as habilidades de leitura e escrita para viver em sociedade de forma digna e crítica e precisam ser capazes de ler o mundo nas suas entrelinhas. Quando se abordam os conceitos de alfabetização, há sempre uma associação entre o analfabetismo e a conquista da cidadania, mas é preciso ir mais fundo ao se tratar essa concepção. Soares (2008) nos alerta sobre a necessidade de pensar como tais conceitos simplistas acabam por ocultar outras causas da exclusão da cidadania, tais como os mecanismos de alienação e opressão e a não garantia de direitos sociais, civis e políticos. Assim, o exercício da cidadania se encontra num patamar mais abrangente, dependendo dos determinantes políticos, sociais e econômicos, e é possível entendê‑lo como um meio, entre outros, de luta contra as diferenças e as desigualdades sociais. Outra questão apontada pela autora é a falsa ideia de que a conquista da cidadania está assegurada no acesso à leitura e à escrita. O que se espera, na verdade, é sua conquista através de práticas sociais e políticas que evidenciam a participação, o direito a ter voz e a luta pelos direitos constituídos legalmente. Nessa linha, é imprescindível se considerar a concepção de educação, sujeito e aprendizagem do professor, em especial do professor alfabetizador. Ele não pode acreditar que a alfabetização é uma técnica neutra e naturalmente suficiente para erradicar o analfabetismo. A alfabetização é uma prática ideológica, cujo valor e importância dependem diretamente dos usos e funções atribuídas no contexto social (SOARES, 2008). Como se vê, a autora defende a alfabetização como um processo que vai muito além de uma “técnica”, por ser um processo político que contribui contra as exclusões e as discriminações. Para Soares (2008), não basta ensinar a ler, é preciso que se garanta o acesso à leitura, associando‑a a uma escrita com sentido, significado e criticidade, para que o alfabetizando possa não só conquistar, mas também exercitá‑la de fato. A autora explica que a leitura, além de estar vinculada à escrita, deve possibilitar ao leitor a capacidade de refletir sobre seus interesses e os desafios do mundo em que vive. Assim, esse homem terá poder para transformar seu meio. Desta feita, estaremos formando sujeitos 10 Unidade I capazes de se sentirem pertencentes às suas comunidades e estaremos preparando pessoas livres dos bloqueios da discriminação linguística, que os impediria de se colocar e de partilhar saberes. Pode‑se verificar que, nas últimas décadas, profundas mudanças teóricas e pedagógicas ocorreram nas concepções relacionadas à alfabetização. Até a década de 1950, era considerado alfabetizado o sujeito que soubesse assinar o próprio nome; atualmente, espera‑se de um recém‑alfabetizado competências de leitura e compreensão de pequenos textos, além da produção autônoma de textos práticos de circulação social. Consideramos necessário você entender um pouco mais sobre o analfabetismo e suas consequências. Vamos saber um pouco mais sobre os níveis de alfabetismo da população brasileira? A ONG AçãoEducativa e o Instituto Paulo Montenegro coordenaram um trabalho de pesquisa realizado pelo Ibope Inteligência, intitulado Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), que, com base em dados coletados entre fevereiro e abril de 2018, mediu os níveis de alfabetismo da população brasileira com idades entre 15 e 64 anos. Vale salientar que, ao analisar os níveis de analfabetismo no Brasil, o Inaf não só contribui para a defesa dos direitos educativos dos brasileiros como também traz o debate do significado de analfabetismo. Segundo esses estudos, Alfabetismo é a capacidade de compreender e utilizar a informação escrita e refletir sobre ela, um contínuo que abrange desde o simples reconhecimento de elementos da linguagem escrita e dos números até operações cognitivas mais complexas, que envolvem a integração de informações textuais e dessas com os conhecimentos e as visões de mundo aportados pelo leitor. Dentro desse campo, distinguem‑se dois domínios: o das capacidades de processamento de informações verbais, que envolvem uma série de conexões lógicas e narrativas, denominada pelo Inaf como letramento, e as capacidades de processamento de informações quantitativas, que envolvem noções e operações matemáticas, chamada numeramento (INAF, 2018, p. 4). Observação Conforme matéria da Folha (IBOPE..., 2021), o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) foi vendido em 2014 à empresa Kantar, que manteve as marcas Ibope e Ibope Inteligência até janeiro de 2021, quando passou a denominar‑se Kantar Ibope Media. A presidente do extinto Ibope, Marcia Cavalhari, se juntou a demais executivos da marca e constituiu o Ipec (Inteligência, Pesquisa e Consultoria), que atua no mesmo ramo de pesquisas. A partir desse conceito, podemos pensar que existem níveis de alfabetismo e analfabetismo, já que encontramos na prática diferentes situações. Por conta disso, o Inaf organizou cinco níveis, entre os 11 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO alfabetizados e não alfabetizados. Com essa conceituação, pode‑se estruturar intervenções tanto nas políticas em um nível mais amplo como na instituição escolar com práticas pedagógicas. Segue um quadro com as características de cada nível de analfabetismo a partir dos estudos realizados pelo Inaf: Quadro 1 Analfabetos funcionais Características 1 – Analfabeto São considerados analfabetos os indivíduos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvam a leitura de palavras e frases, ainda que uma parcela deles consiga ler números familiares como o do telefone, da casa, de preços etc. 2 – Rudimentar A pessoa com alfabetismo rudimentar é capaz de localizar informações explícitas, expressas de forma literal, em textos compostos essencialmente de sentenças ou palavras que exploram situações familiares do cotidiano. Além disso, consegue comparar, ler e escrever números familiares (horários, preços, cédulas/moedas, telefones) identificando o maior e o menor valor. Também tem aptidão para resolver problemas simples do cotidiano envolvendo operações matemáticas elementares e estabelecer relações entre grandezas e unidades de medida Funcionalmente alfabetizados Características 3 – Elementar É considerado alfabetizado em nível elementar o indivíduo capaz de selecionar, em textos de extensão média, uma ou mais unidades de informação, observando certas condições e realizando pequenas inferências. Ele também resolve problemas envolvendo operações básicas com números da ordem do milhar, que exigem certo grau de planejamento e controle. O alfabetizado funcional em nível elementar tem condição de comparar e relacionar informações numéricas ou textuais expressas em gráficos ou tabelas simples envolvendo situações de contexto cotidiano doméstico ou social. Reconhece, ainda, o significado de uma representação gráfica de direção e/ou sentido de uma grandeza 4 – Intermediário É considerado alfabetizado no nível intermediário o indivíduo capaz de localizar informação expressa de forma literal em textos diversos (jornalístico e/ou científico), realizando pequenas inferências. Ele também está apto a resolver problemas matemáticos envolvendo porcentagem e proporção que exigem critérios de seleção, elaboração e controle. Além disso, o alfabetizado intermediário interpreta e elabora síntese de textos diversos (narrativos, jornalísticos ou científicos), relacionando regras com casos particulares, reconhece evidências e argumentos e confronta a moral da história com a própria opinião ou com o senso comum. Por fim, ele reconhece o efeito de sentido ou estético de escolhas lexicais ou sintáticas, de figuras de linguagem ou de sinais de pontuação 5 – Proficiente O indivíduo proficiente elabora textos de maior complexidade (mensagem, descrição, exposição ou argumentação) com base em elementos de um contexto dado e opina sobre o posicionamento ou estilo do autor do texto. É capaz de interpretar tabelas e gráficos envolvendo mais de duas variáveis, compreendendo a representação de informação quantitativa (intervalo, escala, sistema de medidas) e reconhecendo efeitos de sentido (ênfases, distorções, tendências, projeções). A pessoa proficiente também está apta a resolver situações‑problema relativas a tarefas de contextos diversos, que envolvam diversas etapas de planejamento, controle e elaboração e que exijam retomada de resultados parciais e o uso de inferências Fonte: Inaf (2018, p. 21). 12 Unidade I Apresentamos esses dados para que você possa refletir sobre a importância da educação nas escolas e fora delas. Isso pode contribuir na transformação do quadro de analfabetismo no Brasil, mesmo que os dados históricos mostrem uma redução do número de analfabetos, caindo de 12% em 2001‑2002 para 4% em 2015. Os dados dessa última edição sinalizam uma inflexão nessa tendência, indicada por um novo aumento desse patamar em 2018 (INAF, 2018). Os dados de redução do analfabetismo no Brasil são confirmados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa (IBGE), apontando uma pequena redução na taxa, que saiu de 6,8% em 2018 para 6,6% em 2019. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) retrata numericamente esses números e aponta que essa redução representa 200 mil pessoas que não sabem ler e escrever. Vale observar os dados apurados pela pesquisa do Inaf a respeito da forma como a instituição escolar pode avaliar seu nível de responsabilidade: Ao longo dos anos, houve ainda uma redução da proporção de brasileiros que conseguem fazer uso da leitura, da escrita e das operações matemáticas em suas tarefas do cotidiano apenas em nível rudimentar (de 27% em 2001‑2002 para um patamar estabilizado de pouco mais de 20% desde 2009). Indivíduos classificados nesses dois níveis de alfabetismo compõem um grupo denominado pelo Inaf como analfabetos funcionais. Os analfabetos funcionais – equivalentes, em 2018, a cerca de 3 em cada 10 brasileiros – têm muita dificuldade para fazer uso da leitura e da escrita e das operações matemáticas em situações da vida cotidiana, como reconhecer informações em um cartaz ou folheto ou ainda fazer operações aritméticas simples com valores de grandeza superior às centenas (INAF, 2018, p. 8). Vale ainda destacar que no decorrer dos anos: verificou‑se um lento crescimento e uma estagnação a partir de 2009 do crescimento da população que poderia ser considerada funcionalmente alfabetizada. No estudo de 2001‑2002, 61% dos entrevistados foram considerados funcionalmente alfabetizados; em 2007, 66%; e, nos três estudos realizados entre 2009 e 2015, o percentual de funcionalmente alfabetizados ficou estável em 73% para, em 2018, apresentar uma pequena oscilação negativa. Em síntese, apenas 7 entre 10 brasileiros e brasileiras entre 15 e 64 anos podem ser considerados funcionalmente alfabetizados conforme a metodologia do Inaf pela estimativa de 2018 (INAF, 2018, p. 9). Concordamos com os autores e estudos já citados ao apontar que o analfabetismo vai muitoalém da questão da aprendizagem da leitura e escrita, pois questões de natureza política, social e econômica determinam essa situação, mas ao observarmos os níveis de alfabetizados funcionais fica evidente a necessidade de adotar políticas públicas voltadas para a educação e de identificar a forma como a escola está desenvolvendo suas práticas pedagógicas, isto porque a utilização de métodos de forma incorreta ou mesmo a não utilização deles pode dificultar e até impedir a alfabetização e o letramento. A situação brasileira ainda é muito grave, uma vez que a soma de analfabetos plenos e analfabetos funcionais contabiliza 3 a cada 10 brasileiros. 13 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO No que se refere à capacidade leitora dos brasileiros, os dados da 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (INSTITUTO PRÓ‑LIVRO, 2020), coletados em 2019, revelavam que o Brasil tinha 100 milhões de leitores, o que seria equivalente a 52% da população. A pesquisa ainda indica, de 2015 até 2019, uma queda no percentual, ou seja, decresceu de 56% para 52%. Os 48% restantes, ou seja, os não leitores, atingem em 2019 um total de 193 milhões de brasileiros que, com mais de 5 anos de idade, não leram nenhum livro, nem mesmo em parte. A pesquisa também relata dificuldades de leitura apontadas pelos próprios participantes. No estudo ainda foram registrados os seguintes dados: 4% declararam não saber ler; 19% dos entrevistados relataram ler muito devagar; 13% disseram não ter concentração suficiente para leitura e 9% afirmaram não compreender a maior parte do que leem. Isso nos leva a inferir a necessidade de a escola cumprir com mais eficiência sua função social com ações de ensino para a capacidade leitora, uma vez que os estudantes revelam pouca autonomia em sua capacidade de ler. Precisamos de práticas pedagógicas preocupadas com a autonomia do aluno e que busquem aliar o letramento à alfabetização. Para complicar um pouco mais toda essa situação, tivemos ainda a pandemia da Covid‑19, causada pelo novo coronavírus (SARS‑CoV‑2), que teve sua fase mais aguda nos anos de 2020 e 2021. Segundo relatório global pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, 2022), durante o fechamento das escolas devido à Covid‑19, 70% das crianças de até 10 anos tornaram‑se incapazes de ler ou entender um texto simples, enquanto o índice identificado antes da pandemia era de 53%. Também foi detectado que três em cada quatro crianças matriculadas no 2º ano do Ensino Fundamental estão fora do padrão esperado para a faixa etária, sendo que antes da pandemia esse número era de uma em cada duas crianças. Como se vê, os índices de analfabetismo e a situação de desigualdade social no Brasil causam grandes problemas ao país e ao indivíduo. A exclusão social e a falta de capacitação profissional são alguns deles. O Plano Nacional de Educação (PNE) 2014/2024 pretendia zerar o analfabetismo no Brasil até 2024; no entanto, os efeitos da pandemia e a falta de políticas públicas e de ações de recuperação social são fatores que fazem com que o Brasil se distancie do alcance dessa meta. Observação O Plano Nacional de Educação (PNE) em vigor foi instituído pela Lei n. 13.005/2014, que aprovou as diretrizes, metas e estratégias para a política educacional brasileira no período de 2014 a 2024. Erradicar o analfabetismo é uma meta necessária e que precisa romper com o fantasma da exclusão social. No entanto, essa meta deve ser cumprida com qualidade e não somente com o objetivo de melhorar nossos índices nacionais e internacionais. O fim do analfabetismo deveria ser um compromisso assumido na prática por todos os responsáveis pelas políticas sociais deste país, uma vez que em documentos ele já está referendado, mas faltam ações e investimento para garantir dignidade e cidadania a muitos brasileiros. 14 Unidade I 1.1 A escrita: aspectos históricos e usos Desenhar é escrever? Você já observou uma criança desenhando? Ela desenha o que vê, o que sabe e as suas experiências de vida. Muitas vezes, ao desenhar, ela se movimenta e também fala, parecendo relatar o que escreve. O desenho dessa criança parece uma escrita. Sob essa perspectiva, podemos considerar que desenhar pode significar uma escrita. Para Derdyk (2015): O desenho é linguagem que atravessa todos os tempos – das cavernas à informática – sempre esteve presente na História da Civilização. E, de todas as linguagens, é a mais antiga. Tal como a pantomima, são linguagens nascentes. O desenho é linguagem inata: toda criança, de qualquer tempo e lugar, desenha. Toda criança possui intimidade com o desenho como ponte de investigação, expressão e comunicação com o mundo. Existe uma proximidade imensa e natural entre o ato de desenhar e a ação corporal mais do que com o que a criança deseja ou pensa em “representar”. Num primeiro momento do desenvolvimento da aquisição da linguagem do desenho, a criança é verdadeiramente o seu gesto, o seu traço, o seu movimento, e o desenho é resultante desta ação, registrando o percurso do movimento do corpo no espaço do papel, na parede, em qualquer superfície. Observação Pantomima = mímica Nossa história com a escrita começou há muito tempo. Homens e mulheres que viviam nas cavernas já deixaram suas marcas com o desejo de mostrar o que realizavam. Eles tinham a necessidade de se expressar e o fizeram de diversas formas. Uma delas foi pintando em cavernas e rochas, muito possivelmente para contar fatos e acontecimentos, simplesmente para enfeitar seu ambiente de forma estética ou, ainda, podemos inferir que o desenho pudesse ter um efeito mágico, como se fosse um bom agouro para próximas caçadas. Não podemos afirmar com certeza, mas podemos dizer que essas pinturas e desenhos foram os primeiros passos rumo à escrita. A humanidade levou muito tempo para chegar no sistema de escrita alfabético: passou pelos sistemas pictográficos e ideográficos até chegar nos silábicos, o que não foi um processo rápido. É essa perspectiva evolucionista que nos leva a pensar no esforço que o alfabetizando faz para reconstruí‑la em sua mente, pois trata‑se do mesmo caminho que o homem percorreu no seu desenvolvimento para a escrita. A criança primeiramente desenha de memória, depois substitui os traços que lembram o objeto desenho por sinais indicativos ou figuras e finalmente utiliza os signos. Assim como a humanidade, ela parte do pictórico (desenho) para o alfabeto (simbologia). O que achou dessa análise? Bem interessante, não é? 15 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Vamos entender como chegamos até a escrita atual? Milhares de anos se passaram, e embora o processo de alfabetização seja complexo, é possível aprender a ler e escrever, de certa forma, rapidamente. Mais do que nunca, essa é uma necessidade em nosso dia a dia. Veja onde e como tudo começou. Observe essa pintura que destacamos a seguir: Figura 1 Disponível em: https://cutt.ly/98d5Mmk. Acesso em: 27 jan. 2023. 16 Unidade I Exemplo de aplicação Observe atentamente a imagem e imagine o que os responsáveis por essa pintura quiseram transmitir. “Hoje caçamos uma grande capivara.” Ou “Caçamos em dupla”. Qual sua interpretação? Essa forma de expressão, mais rudimentar, ficou conhecida como escrita pictórica. À medida que o homem foi conquistando mais território e realizando atividades como plantar, criar animais e fiar, a escrita passou a ser uma necessidade para registrar seus negócios e ocupações. Perceba que a escrita nasceu de uma necessidade comercial, tornando‑se um instrumento de valor. Depois da escrita pictórica, encontramos a escrita ideográfica, que não se utilizava somente de rabiscos e figuras com a imagem que se desejava representar, mas vinculava‑se a uma ideia. Constitui‑se num sistema de escrita expresso por ideogramas, ou seja, símbolos, desenhos e gráficos, gerando caracteres desmembrados que representam ideias, objetos ou ainda palavras completas. Lembrete Escritas ideográficas são aquelasque se baseiam no uso de desenhos especiais, também chamados de ideogramas, que são símbolos gráficos ou desenhos formando caracteres separados e representando ideias ou palavras completas, associadas aos sons com que tais objetos, ideias ou palavras são representados no idioma. Os historiadores acreditam que a escrita ideográfica evoluiu das diversas formas de escrita pictográfica (hieróglifos). Saiba mais Para obter mais informações sobre os sistemas de escrita, acesse: SÉRGIO, R. Os sistemas de escritas. Recanto das Letras, 2007. Disponível em: https://cutt.ly/s9EtwpH. Acesso em: 27 jan. 2023. 17 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO A palavra ideográfico tem origem nas palavras gregas ἰδέα (ideia) e γράφω (grapho, escreva). São chamadas de ideográficas, além da escrita dos egípcios, as sumérias, as chinesas e mais tarde as japonesas. Aos poucos, a quantidade de sinais foi crescendo muito, isto porque a quantidade de palavras aumentou e ficou difícil criar novos desenhos e decorar todos os sinais. Passou‑se então a usar o mesmo sinal para palavras que tinham significado parecido: a palavra sol, por exemplo, poderia expressar sol ou dia. Essa proposta levou a outra conquista: os sinais não precisavam mais ser usados só para palavras inteiras, eles poderiam estar associados a pedaços de palavras. Veja alguns exemplos na língua portuguesa: Sol Dado Soldado Figura 2 Adaptada de: https://cutt.ly/n8d6kkz; https://cutt.ly/F8d6c4v; https://cutt.ly/x8d6Qgb. Acesso em: 27 jan. 2023. Casa Cão Casacão Figura 3 Adaptada de: https://cutt.ly/08d6FZ4; https://cutt.ly/u8d6XFS; https://cutt.ly/q8d607F. Acesso em: 27 jan. 2023. Cama Leão Camaleão Figura 4 Adaptada de: https://cutt.ly/f8fqb5P; https://cutt.ly/N8fqWIS; https://cutt.ly/W8fqBeG. Acesso em: 27 jan. 2023. 18 Unidade I A utilização dos mesmos sinais para a palavras com o mesmo significado ou a junção de sinais para simbolizar uma segunda ou terceira palavra faciltou bastante, mas ainda assim não se conseguia escrever todas as palavras que existem numa língua. À medida que os povos foram exercitando essa representação, passaram a usar um sinal somente para representar vários sons. Por exemplo, em vez de termos um sinal para RO, outro para RA e outro para RI, foi criado um único sinal para os três. Se antes havia seis a oito sinais para as palavras, eles foram se reduzindo para três, quatro ou até um. Eram menos sinais, mas nem sempre foi fácil a compreensão dessas palavras. A tentativa de se criar um registro escrito associando símbolos fonéticos surgiu algum tempo depois. Abriu‑se, assim, a possibilidade de se registrar fonemas, que no começo não contavam com as vogais – pois elas surgiram depois –, e foi assim que surgiu a escrita fonética. Nesse percurso histórico, criaram‑se os silabários, que procuravam representar as sílabas no lugar das letras isoladamente. No entanto, foram os fenícios, os quais realizavam ativamente navegações e atividades comercias com outros povos, que, por uma necessidade de poder e de controle no fluxo de mercadorias, conseguiram organizar um sistema de escrita de caracteres mais restrito, que expressavam os sons consonantais. Esse registro orientava‑se pelo som das palavras, pelos significantes, não mais pelo significado. Assim surge, em torno de 1200 a.C., o que pode se considerar o primeiro alfabeto: um sistema de representação dos sons das palavras, não de seus significados (SOARES, 2022). Foi a partir dessa referência de escrita criada pela escrita fenícia que os gregos criaram as vogais, o que acabou permitindo a criação da escrita alfabética. Alfabeto é uma palavra que tem origem em alfa e beta, as duas primeiras letras do alfabeto grego. Os gregos aperfeiçoaram o sistema fenício introduzindo nele as vogais, tornando‑se, assim, uma representação completa de todos os segmentos dos sons da fala. Em seguida, a escrita grega acabou servindo de referência, sendo adaptada pelos romanos, que acabaram construindo o sistema de escrita alfabético greco‑romano, o qual deu origem ao alfabeto como conhecemos na atualidade. Ter alcançado a elaboração de um sistema alfabético nos permitiu, com uma menor quantidade de símbolos, registrar uma grande quantidade de caracteres que pudessem representar todos os sons da fala em unidades até menores do que uma sílaba, por exemplo. Conforme o tempo foi passando, o sistema de escrita foi aos poucos se ajustando às variantes de cada povo, ao mesmo tempo em que foi sendo incluído em sua cultura. Esses ajustes vão acontecendo mediante o tempo e as necessidades. Em nossa escrita alfabética utilizamos sinais gráficos que dão sentido às frases, uma vez que sozinha a escrita alfabética não conseguiria dar conta disso: os sinais de pontuação e os acentos, que orientam a pronúncia das palavras. 19 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Em nosso cotidiano usamos também símbolos em lugar da escrita. São símbolos de conhecimento público utilizados normalmente para sinalizar permissões e/ou restrições, tipos de utilização, bem como para organizar o trânsito. Veja alguns exemplos: Figura 5 Adaptada de: https://cutt.ly/y8fwtO7; https://cutt.ly/G8fwo0Z; https://cutt.ly/m8fwhs6; https://cutt.ly/t8fwI9s; https://cutt.ly/Q8fwH6C. Acesso em: 27 jan. 2023. R–1 R–2 R–3 R–4a R–4b R–5a R–5b R–6a R–6b R–6c R–7 R–8a R–8b R–9 R–10 R–11 R–12 R–13 R–14 R–15 R–16 Figura 6 Fonte: Contran (2022, p. 11). Desde o século XX, estamos vivendo uma revolução na escrita pela intervenção dos recursos audiovisuais, como a televisão, o computador e os telefones celulares. Eles têm provocado acentuadas modificações nas formas de comunicação, chegando a criar novos gêneros discursivos e o uso de símbolos como os emojis, que representam sentimentos e emoções. 20 Unidade I Figura 7 Disponível em: https://cutt.ly/g8frvKZ. Acesso em: 27 jan. 2023. Como podemos ver, a língua é um instrumento vivo que segue as necessidades e interesses da sociedade e com isso vai criando novas possibilidades de uso e representações. Saiba mais Os vídeos a seguir tratam dos sistemas de escrita. O primeiro discorre sobre diversos sistemas de escrita e sua construção. Nele você verá que o sistema alfabético que utilizamos é apenas um dentre tantos existentes. CONSTRUÇÃO da escrita – parte 1. 2010. 1 vídeo (9 min). Publicado pelo canal Nova Escola. Disponível em: https://bit.ly/3mQ5zFc. Acesso em: 13 mar. 2023. O segundo trata da formação e evolução de vários sistemas de escrita e retrata esses sistemas que surgiram desde o final do Neolítico. HISTÓRIA da escrita. 2014. 1 vídeo (3 min). Publicado pelo canal Iuri Farias. Disponível em: https://bit.ly/42jYM7g. Acesso em: 13 mar. 2023. 21 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Conforme afirmam Colomer e Camps (2002, p. 12): A elaboração histórica dos signos gráficos em códigos sistematizados teve diversas realizações nas diferentes culturas. A elaboração mais simples configurou a chamada escrita pictórica, na qual se representavam diretamente os objetos e as ações. Mas foi somente na escrita ideográfica ou logo gráfica que os sinais gráficos estabeleceram relações com o código linguístico ao representar palavras ou morfemas da língua, como ocorre na escrita cuneiforme dos sumérios, na chinesa ou na hieroglífica egípcia. O inconveniente de ter de criar e memorizar uma quantidade tão grande de signos para poder representar componentes fonéticos e semânticos das palavras. A criação da escrita pela humanidade, de acordo com Colello (2007), desenvolveu‑se primeiramente devido à necessidade do registro e depois para que se pudesse documentar registros de propriedade e dos fluxos comerciais. Dessa forma, ela “surge com e para o poder. Surge para garantir a propriedade, a posse, o conhecimento, o controle da mercadoria, o estabelecimento de normas e procedimentos” (COLELLO, 2007, p. 11). Conhecer e compreender essa breve retrospectiva histórica é essencial para que possamos evidenciar que a escrita surge comouma convenção social, desenvolvendo‑se historicamente a partir de um esforço de diferentes culturas, por meio de um movimento coletivo abrangente, até que chegássemos ao sistema de escrita como conhecemos e utilizamos cotidianamente. A elaboração da escrita desenvolveu‑se de modos diferentes. Um exemplo é a escrita chinesa, que não é uma escrita alfabética como a nossa. Diante de toda essa diversidade, a escrita deve ser considerada uma das principais invenções da humanidade, pois a partir dela o conhecimento construído pela humanidade ao longo de sua história deixou de ser compartilhado somente de maneira oral, permitindo que os registros escritos permanecessem e fossem mais amplamente compartilhados com as novas gerações. Neste livro‑texto vamos nos deter exclusivamente sobre a escrita alfabética, que utilizamos para escrever em língua portuguesa. No entanto, vale a pena ainda conhecer as formas da escrita, como a sua direção, visto que há diferenças entre os sistemas. A escrita japonesa teve origem na milenar escrita chinesa. Chineses e japoneses escrevem e leem em linhas verticais, de cima para baixo e da direita para a esquerda. Essa forma de escrita não se utiliza de letras de determinado alfabeto, mas sim de ideogramas (de símbolos ou sinais) que retratam uma ideia ou um conceito. A seguir, um exemplo da escrita chinesa: 22 Unidade I Figura 8 – Escrita chinesa Disponível em: https://cutt.ly/h9EWlFp. Acesso em: 27 jan. 2023. Os árabes também escrevem da direita para a esquerda, mas em linhas horizontais. O sistema de escrita árabe é um abjad, o que significa que cada símbolo corresponde a uma consoante. As vogais são representadas por diacríticos inseridos acima ou abaixo ou através das consoantes. Figura 9 – Escrita árabe Disponível em: https://cutt.ly/H9EWBWB. Acesso em: 27 jan. 2023. Observação Diacrítico é um sinal gráfico que se acrescenta a uma letra para conferir‑lhe novo valor fonético. Na ortografia da língua portuguesa, são diacríticos os acentos agudo, circunflexo e grave, a cedilha e o til. É um sinal que distingue palavras. 23 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Os romanos escreviam da esquerda para a direita, em linhas, e isso está presente até os dias atuais no sistema alfabético. A escrita é uma maneira de registrar a memória de um povo em seus aspectos culturais, políticos, artísticos, sociais e religiosos, e a invenção do livro é um marco na história, pois amplia o acesso à informação, que era de domínio de poucos e foi ampliada para um público maior. O suporte da escrita também enfrentou mudanças ao longo do tempo. Os sumérios, por exemplo, escreviam na argila úmida, o que não é fácil. Observação Suporte ou portador da escrita é o meio físico ou virtual que serve de base para a materialização de um texto. São vários os tipos de suporte: jornal, revista, outdoor, embalagem, livro, software, blog etc. Veja a seguir um exemplo de texto escrito na argila. Os sinais tinham formas de cunhas, também conhecidas como escrita cuneiforme (essa palavra tem sua origem no grego cuneos, que significa cunha). Figura 10 – Exemplo de escrita cuneiforme Disponível em: https://cutt.ly/L8ftxAn. Acesso em: 27 jan. 2023. 24 Unidade I Mais tarde os egípcios utilizaram pedras e produziram sua escrita por meio de lindos desenhos denominados hieróglifos: Figura 11 – Exemplo de escrita egípcia Disponível em: https://cutt.ly/t9EVQ5r. Acesso em: 27 jan. 2023. O primeiro suporte da escrita foi a pedra, com as pinturas rupestres. Posteriormente, a argila foi outro material utilizado para “imprimir” a escrita. Não pense que esses foram os únicos suportes da escrita, pois ossos, carapaças, bronze, conchas, folhas de palmeiras, marfins entre outros foram utilizados para registro da escrita ao longo dos tempos. Os chineses, além da seda, utilizavam tiras de bambu, de que aproveitavam o caule. Este era cortado em cilindros e depois era raspado internamente, a fim de retirar um líquido que poderia atrair insetos ou apodrecer, e em seguida era colocado para secar com o calor do fogo. As folhas formavam um livro, que era costurado com linha de seda. 25 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Figura 12 – Livro chinês de bambu Disponível em: https://cutt.ly/S9EV0Fp. Acesso em: 27 jan. 2023. Com o tempo, os egípcios descobriram o uso do papiro para escrever. Esse material era retirado também de uma planta cujas hastes eram separadas em tiras bem finas e, com o uso de uma pedra plana e um martelo, era possível produzir uma folha. As folhas de papiro eram emendadas e formavam rolos. Observação O papiro é uma planta aquática (Cyperus papyrus) existente no delta do rio Nilo. Saiba mais O uso do papiro levou os egípcios a uma produção maior, mais rápida e simplificada. Para saber mais, acesse: FÜHR, M. O papiro no Egito Antigo. Apaixonados por história, 22 jan. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3Fjp7bw. Acesso em: 13 mar. 2023. 26 Unidade I Figura 13 – Papiro Disponível em: https://cutt.ly/L9EBZtj. Acesso em: 27 jan. 2023. O pergaminho, produzido com a pele de animais curtida, foi outro suporte bastante utilizado. Ele possibilitou a criação do códex, que é um ancestral do livro atual, e tem vinco e costura, o que facilita o manuseio para evitar rasgos e desgaste. Ele fez parte do processo histórico até chegar ao papel que hoje utilizamos. O papel foi inventado pelos chineses em 105 d.C. Observe que tanto a escrita como os suportes exigiram técnicas e experiências diversificadas até o surgimento dos primeiros livros. Cada povo foi utilizando diferentes materiais, mas o que nos chama a atenção é a necessidade de difundir a escrita e torná‑la um veículo de comunicação. Houve uma época em que alguns povos chegaram a atribuir à invenção da escrita uma mística, como se fosse um milagre ou alguma forma de inspiração divina. No entanto, conhecendo seu surgimento, sabemos que não se tratou disso, mas sim de uma criação coletiva, a partir de um processo histórico sociológico que envolveu a capacidade intelectual de homens e mulheres conjuntamente. Faz‑se necessário considerarmos também que a escrita sempre esteve atrelada ao poder, sendo uma resposta do homem a necessidades pessoais, sociais, econômicas e culturais. Com o surgimento das cidades, as relações de um modo geral se intensificaram e se tornaram complexas e impossíveis de serem guardadas somente na memória. As transações comerciais, as leis, as normas, as festas religiosas, os sonhos e os pensamentos precisavam ser registrados, tornando‑se visíveis de modo permanente. Assim, a escrita foi inventada como uma técnica, uma tecnologia para atender as demandas da sociedade, a qual foi se tornando grafocêntrica (centrada em imagem escrita ou gráfica). Demandas sociais conduziram a invenção da escrita a seus usos e funções. Soares (2022), de forma brilhante, nos faz uma interpretação do processo vivido pelo homem no surgimento da escrita e alia a essa explicação a construção dos conceitos de alfabetização e letramento. Esses conceitos se originaram a partir do processo histórico da invenção da língua escrita. Da mesma forma, podemos explicar que as aprendizagens de alfabetização e 27 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO letramento se diferenciam porque têm processos próprios, mas são interdependentes e sempre o foram, como se viu ao longo da história. A invenção da escrita esteve a serviço das necessidades do homem e todo o tempo esteve e está vinculada a seus usos sociais e demandas culturais (SOARES, 2022). A figura a seguir demonstra o que é alfabetização e letramento e aponta as relações entre eles: Alfabetização Letramento Processo de apropriação da “tecnologia da escrita”, isto é, um conjunto de técnicas, procedimentos e habilidades necessário para a prática da leitura e da escrita. Capacidade de uso da escrita para inserir‑se nas práticas sociais e pessoais que envolvem a língua escrita e que implicam habilidades várias, tais como capacidade de ler ou escreverpara atingir diferentes objetivos. Alfabetização e letramento são processos cognitivos e linguísticos distintos, portanto, a aprendizagem e o ensino de um e de outro é de natureza essencialmente diferente, entretanto, as ciências em que se baseiam esses processos e a pedagogia por elas sugeridas evidenciam que são processos simultâneos e interdependentes. Figura 14 Adaptada de: Soares (2022). Nessa perspectiva, os futuros professores precisam assumir o processo de alfabetização como um compromisso político‑pedagógico, para assegurar esse direito a todos os estudantes, sejam eles crianças, jovens, adultos ou pessoas idosas. Conhecer o percurso do surgimento da escrita como uma convenção social, um objeto de conhecimento, faz muita diferença, tendo em vista que nos ajuda a desnaturalizar o olhar que muitas vezes temos diante daqueles que ainda não se apropriaram da leitura e da escrita e que, por isso, são discriminados em um mundo grafocêntrico como o que vivemos. A apropriação do sistema de escrita traz embutida a garantia de direitos e de um status social, haja vista que vivemos permeados pela escrita em toda parte. Por isso, saber ler e escrever abarca certas ações, acessos e reações emocionais que validam nossa forma de estar e agir no mundo. Desenvolver a capacidade leitora e escritora envolve um duplo valor: o de propiciar o exercício da cidadania e o de poder se apropriar da linguagem de forma mais plena, usufruindo, por exemplo, da literatura ou da poesia para fruição. Como afirma Freire (1989, p. 9): A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado – e até gostosamente – a “reler” momentos fundamentais de minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão, o crítico da importância do ato de ler, se veio em mim constituindo. 28 Unidade I Para você, futuro(a) professor(a), é essencial não esquecer que a escrita foi e é uma convenção social, ou seja, foi algo criado histórica e coletivamente. Por isso, ninguém nasce sabendo ler e escrever, o que nos leva a considerar que não podemos naturalizar essa capacidade, já que é algo que precisa ser ensinado para que possa ser aprendido. Cada um, quando vai se alfabetizar, de certo modo reconstrói todo um percurso que a própria humanidade teve que percorrer até chegarmos à escrita que utilizamos hoje. 2 REVISÃO DE ANTIGAS FORMAS DE ENSINAR Você já está com um bom entendimento sobre o surgimento da escrita, e agora prosseguiremos na compreensão sobre as antigas formas de ensinar. Estamos associando as antigas formas de ensinar aos velhos métodos tradicionais que continuam ainda presentes em algumas escolas das redes públicas e em instituições escolares privadas, como veremos a seguir. Começamos essa conversa por informações necessárias para uma análise mais completa das questões que envolvem a alfabetização e os métodos de alfabetização, como o acesso à escola pública no Brasil. Ela tornou‑se um direito somente no início do século XX, e ainda no começo dos anos 90 o índice de crianças e adolescentes que estavam fora dela era superior a 15%. Além disso, aqueles que a frequentavam não conseguiam se alfabetizar. Por muito tempo a escola pública foi um local para poucos, e a democratização do acesso foi um processo lento. Atualmente, o acesso já está conquistado, mas pretende‑se uma outra meta maior: melhorar a permanência dos estudantes na escola, visto que ainda temos muito abandono, em especial durante a pandemia de 2019 e depois dela. Observação Você sabia que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1971 só garantia o direito ao acesso às escolas para crianças de 7 a 14 anos? Somente a partir de 1988, com a nova Constituição, foi garantido o Ensino Fundamental gratuito a todos os brasileiros. A partir de 1996, com a LDB (Lei n. 9.394/96), tivemos a normatização dos preceitos da Constituição de 1988, e o acesso e a democratização da educação começaram a se dar de forma progressiva. Vale ressaltar que junto ao ensino público se iniciou “o processo de escolarização e da alfabetização, e desde seu início o debate de como garantir o domínio da leitura e da escrita” (SOARES, 2016, p. 16) já era uma questão bastante polêmica. Para entender sobre as antigas formas de ensinar, não podemos deixar de citar especialmente o fracasso no processo de alfabetização. O fracasso escolar é uma situação crônica e multifacetada no Brasil, que vem com o rótulo dos altos índices da reprovação, do abandono e da evasão. Como já dissemos, a questão que envolve o analfabetismo e o fracasso escolar extrapola os muros da escola, uma vez que envolve questões de natureza social, política e econômica, um conjunto de problemas que se interligam e se potencializam. 29 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Morais (2012) salienta que o fracasso da escola em alfabetizar todos os alunos recai exclusivamente sobre as crianças mais pobres, das classes populares. O sistema educacional brasileiro acaba por refletir a desigualdade e a perversidade do sistema econômico. Nessa linha, precisamos pensar que a escola não pode ficar com toda a responsabilidade da redução da desigualdade social do país. Desse bolo, a escola é uma fatia. Mais uma situação comum e que vale ser lembrada é atribuir a responsabilidade do fracasso escolar às famílias. Todo cuidado é pouco nessa hora, para não reproduzirmos uma fala do senso comum: “as crianças vão mal na escola porque as famílias são desestruturadas”. Temos, sim, novos arranjos e estruturas familiares; no entanto, elas não determinam o desempenho escolar de um estudante. Outro aspecto a ser observado é a reprovação, a qual gerou estudantes multirrepetentes, que acabaram por abandonar a escola, pois a cada repetição as práticas escolares se mantinham, e os estudantes reiniciavam os estudos do zero. Essa era a escola responsável pela reprovação em massa, a qual era considerada ótima por uma parcela da população e da qual muitos ainda manifestam saudades, mas vale afirmar que ela era altamente excludente. A maioria dessas crianças repetentes eram pobres e descendentes de indígenas ou africanos, o que reforça as desigualdades do ponto de vista étnico‑racial. Assim, podemos dizer que a escola de ontem não era melhor que a de hoje. Se assim fosse, não teríamos os dados de abandono e fracasso escolar em patamares ainda presentes, os quais são inaceitáveis. Em nosso entendimento, o sistema de ciclos, bastante criticado até por políticos em campanha eleitoral, com o apoio de algumas famílias, é ótimo para resolver as questões que envolvem a repetência e o abandono escolar. No entanto, para esse sistema funcionar é necessário que sejam implementadas políticas públicas que apoiem a escola. Isto significa dizer que seria preciso um conjunto de medidas para atender a essa proposta, como um número maior de professores na escola, o funcionamento do contraturno para atividades de reforço para alunos com dificuldade e uma gestão pedagógica coletiva envolvendo professores e coordenação no acompanhamento desses estudantes. Esse suporte para a escola não aconteceu, e a impressão que isso passa para as famílias é que os estudantes passam de ano sem aprender, o que reforça um modelo já consagrado: a escola que reprova, a que exclui. Saiba mais Assista os cinco vídeos do Prof. Dr. Vitor Henrique Paro disponíveis no endereço a seguir, que trata sobre os ciclos de alfabetização: CICLOS e progressão continuada. 2013. 5 vídeos (90 min). Publicado pelo site Victor Henrique Paro. Disponível em: https://cutt.ly/R9AxYPO. Acesso em: 30 jan. 2023. Ainda soba análise das interfaces que agravam a situação do fracasso escolar, pode‑se afirmar que a formação inicial dos professores nos cursos de Pedagogia tem sido superficial, o que impacta a aquisição de conhecimentos necessários para a formação de um professor alfabetizador (GATTI, 2014). A melhoria da qualidade social está também vinculada à formação inicial e continuada. 30 Unidade I A formação continuada a serviço dos professores não é garantida na maioria dos planos de carreira nas redes públicas. As escolas que não contam com um horário adicional para a formação docente em serviço deixam de oferecer acompanhamento e apoio ao trabalho do professor pela gestão pedagógica. Morais (2006, p. 13) faz uma observação importante sobre a formação docente: É necessário reconhecer que muito precisa ser feito no sentido de assumir como política de estado a formação continuada dos professores, em especial a dos que se dedicam à alfabetização. Os esforços feitos nos últimos anos parecem‑nos ainda insuficientes para dar conta da gravidade da questão. Acreditamos que é hora de termos políticas federais, estaduais e municipais que garantam a real formação continuada dos professores da Educação Básica. Para que essas não funcionem como apêndices ou ações descartáveis dos sistemas de ensino, é urgente priorizar a formação dos formadores de professores, em cada âmbito local. Não dá para deixar de tratar a baixa questão salarial dos professores, que acaba por levá‑los a ter dois empregos e não conseguir tempo para planejar as aulas adequadamente. Somado a tudo isso, o número de alunos nas salas de aulas das escolas públicas é alto, o que prejudica o atendimento e as intervenções nas especificidades de cada estudante no período de alfabetização. Todas essas questões apresentadas são questões objetivas que interferem no processo de alfabetização. Elas serão retomadas ao final deste tópico. Complementando sobre o fracasso no processo de alfabetização, vamos apresentar os estudos de Cruz e Albuquerque (2009) e Oliveira (2010). Os autores apontam um grave problema que ocorre com as crianças que terminam os três primeiros anos do Ensino Fundamental: elas continuam sem o domínio da escrita alfabética. Esses estudos indicam que não há uma progressão no que é ensinado e aprendido nesse ciclo inicial, “arrastando‑se” o processo de alfabetização para além do tempo. Sem metas definidas e tampouco sem a organização do sistema de ensino em ciclos, corremos o risco de tomar uma direção com baixas expectativas de aprendizagem, ou seja, essa indefinição do que ensinar e como ensinar evidencia uma ausência de metodologias da alfabetização (MORAIS, 2012). O sucesso da alfabetização no nosso país é muito complexo e envolve diversos desafios e problemas a serem enfrentados. Assim, em nosso estudo, analisaremos os diferentes métodos de alfabetização e as transformações históricas associadas ao seu processo. Veremos que a história da alfabetização no Brasil sempre esteve permeada por discussões e embates sobre os métodos de alfabetização utilizados pelos professores. Conforme afirma Mortatti (2006), uma variedade de concepções, prescrições, materiais, normas e regras acabou por gerar disputas metodológicas e divisões entre os especialistas. Esse é um grande problema para as escolas e em especial para os professores, uma vez que interfere no planejamento e na organização do tempo didático e do ambiente alfabetizador, nas escolhas dos materiais e especificamente na forma como ensinar. Apresentaremos a seguir um breve panorama da história da alfabetização, em que serão mostrados os diferentes métodos, tendo como ponto de partida as últimas décadas do século XIX. Nesse período, 31 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO aprender a ler e escrever dependia do conhecimento dos nomes das letras, e depois de aprendido o alfabeto, combinavam‑se as vogais para a formação de palavras e frases. Chamado método da soletração, teve parceria das Cartas ABC, nos abecedários e silabários. Essa aprendizagem era baseada na grafia, ignorando as relações da fala com a escrita, como se as letras representassem os sons da língua (SOARES, 2016). Veja a seguir a capa do livro ABC da infância: primeira coleção de cartas para aprender a ler, editado pela Livraria Francisco Alves em 1956. A autoria é anônima e a primeira edição é de 1905. Figura 15 – Capa do livro ABC da infância: primeira coleção de cartas para aprender a ler Fonte: ABC... (1956, capa). Segundo Soares (2016), a partir do final do século XIX e início do século XX, duas vias didáticas se alternam para alfabetizar. De um lado foi se dando prioridade ao valor sonoro das letras, de forma que a soletração avançou para os métodos silábicos e fônicos (chamados de métodos sintéticos) e por outro lado passou‑se a reconhecer a necessidade de tornar a aprendizagem significativa para a criança, dando‑se origem aos métodos analíticos. Entre eles temos o método da palavração, introduzido no Brasil em 1880 pela Cartilha maternal de João de Deus (SOARES, 2016). 32 Unidade I A) B) Figura 16 – Cartilha maternal, de João de Deus Fonte: A) De Deus (1977, capa); B) De Deus (1881, folha de rosto). A partir da década de 1970, sentiu‑se a necessidade, nos países desenvolvidos, de ter uma mão de obra qualificada para a produção, em função de necessidades tecnológicas. Essa qualificação da mão de obra se referia à capacidade de os trabalhadores saberem lidar com o uso funcional da leitura e da escrita e não apenas o domínio do código. Entenda‑se que se observou que uma parcela significativa dos trabalhadores sabia codificar a escrita, mas sua capacidade era insuficiente para as práticas sociais. Nesse momento, entendeu‑se que o processo de alfabetização não estava atendendo as necessidades, e para tanto era preciso pensar no letramento como uma exigência profissional. O letramento vem como uma necessidade de se trabalhar as práticas de leitura e escrita mais complexas do que as trabalhadas no início do processo. Em alguns países como Estados Unidos e França, o conceito de letramento está mais vinculado à apropriação do sistema de escrita alfabética; já no Brasil ele se mistura a outros, de maneira a superporem‑se, e muito frequentemente se confundirem (SOARES, 2003). Entre as décadas de 1970 e 1980, houve um movimento pendular entre os métodos analíticos e sintéticos de alfabetização. Novas perspectivas teóricas surgem a partir dos anos 1980, entre elas a psicogênese da escrita, que confrontava os velhos métodos de ensinar: 33 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO [...] com o surgimento do paradigma cognitivista, sob a versão da epistemologia genética de Piaget, que aqui se difundiu na área da alfabetização sob a discutível denominação de construtivismo, paradigma introduzido e divulgado no Brasil sobretudo pela obra de Emília Ferreiro, e sua concretização em programas de formação de professores em documentos de orientação pedagógica e metodológica (SOARES, 2016, p. 20). Nos anos 1980, os conceitos de letramento se expandem no Brasil em consequência das necessidades sociais, culturais e econômicas. Como já apontamos, criou‑se a necessidade de avançar na reformulação de objetivos que desenvolvessem habilidades com uma variedade de gêneros textuais. Surge assim o letramento associado à alfabetização. A proposta avança para além da aprendizagem da técnica da escrita, com a introdução das práticas sociais da língua escrita (SOARES, 2016). Os métodos tradicionais de ensino até a década de 1980 privilegiam a leitura em detrimento da escrita, limitando a escrita a cópias, e com isso adiavam o contato do aprendiz com os usos e funções sociais da escrita. Pensava‑se que a escrita de textos seria uma consequência do domínio da leitura. Nos métodos tradicionais as crianças só escreviam palavras que já conheciam, aprendendo num passo a passo em que era preciso primeiro ler e reconhecer para depois escrever. A partir dessa década, em função doconstrutivismo, a escrita passa a desempenhar um outro papel na alfabetização. A escrita espontânea ou inventada fazia parte do processo de apropriação do sistema de escrita, quando passou‑se a considerar que era possível escrever textos mesmo antes de dominar o sistema alfabético, isto porque os textos estavam associados à função da comunicação. As crianças deveriam aprender a construir suas ideias e ao mesmo tempo coincidir com um ajuste da compreensão do sistema alfabético. O enraizamento do termo letramento no termo alfabetização causou, no Brasil, o falso pressuposto de que o letramento é suficiente para se considerar o sujeito alfabetizado, relegando a aprendizagem do sistema de escrita a um segundo plano, quase apagando a alfabetização propriamente dita. A grande mudança conceitual trazida pela psicogênese da escrita na prática sofreu interpretações equivocadas. O grande equívoco se dá quando muitos educadores passaram não só a questionar e negar o uso de tais métodos como também apostar numa alfabetização sem metodologia e sem um plano de ação intencional, o que Morais (2012) chamou de um “fenômeno brasileiro” denominado “desinvenção da alfabetização”. Alguns chamavam essa nova abordagem de construtivismo. Esse falso pressuposto de que o letramento seria suficiente para se considerar o sujeito alfabetizado relegou a aprendizagem do sistema de escrita a um segundo plano. Essa situação contribuiu para que não se tratasse mais nas salas de aula o ensino das unidades menores (palavras e sílabas). Dessa forma, ficou muito difícil a descoberta das convenções da escrita pelo aprendiz sem a intervenção de um docente, independentemente do seu grupo sociocultural (MORAIS, 2012). 34 Unidade I Saiba mais Leia o texto a seguir: SOARES, M. A reinvenção da alfabetização. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, 2003, v. 9, n. 52, p. 1‑7. Tendo em vista que o processo de alfabetização envolve a compreensão da cadeia sonora, mais o uso e as funções atribuídas às práticas sociais, e ainda é um forte veículo de comunicação, podemos definir a alfabetização como um processo específico e indispensável de apropriação do sistema de escrita alfabético, que permite ao estudante ler e escrever com autonomia. O letramento é um processo de inserção e participação da cultura escrita ao conviver com diferentes manifestações da escrita em sociedade (BRASIL, 2008). Embora sejam conceitos diferentes, os estudantes, ao longo do processo de aprendizagem, deveriam simultaneamente vivenciar situações em que ambos fossem trabalhados de forma complementar e inseparável, o que vem ao encontro dos estudos de Soares: [...] alfabetizar letrando, ou letrar alfabetizando [...] é, sem dúvida, o caminho para a superação dos problemas que vimos enfrentando nessa etapa da escolarização [e consiste também] em dar às crianças acesso efetivo e competente ao mundo da escrita (SOARES, 2009, p. 4). É preciso, como propõe Soares (2003), “reinventar” o ensino de alfabetização; no entanto, ela reforça que enfrentamos outra dificuldade: há um contingente significativo de educadores querendo retornar aos velhos métodos fônicos e silábicos como solução para superar o fracasso das escolas da alfabetização. Quem acompanha o trabalho realizado nas salas de aula da grande maioria das escolas públicas brasileiras sabe que ainda continuamos a utilizar os velhos métodos e que quando os professores se propõem a novas práticas de leituras de texto verifica‑se que há pouca atividade de produção de textos, sempre recaindo na apresentação das “famílias silábicas” ou no treino das “relações fonema‑grafema” (MORAIS, 2012, p. 26). Morais (2012) ainda afirma que práticas inspiradas na Teoria da Psicogênese de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999), chamada por muitos de “construtivismo”, não acontecem com frequência em nossas salas de aula. São observadas raras práticas com produções de textos; no geral, as práticas se apoiam em cópias de letras e famílias silábicas. O termo psicogênese pode ser entendido como a origem, a gênese ou mesmo a história da aquisição de conhecimentos e funções psicológicas de cada ser humano no seu processo de desenvolvimento ao longo da vida e vale para qualquer tipo de conhecimento. Quando citamos a aquisição da escrita, nos referimos às concepções dos estudos psicogenéticos voltados para a apropriação do sistema de escrita desenvolvidos por Emília Ferreiro e Ana Teberosky. Soares (2012), ao afirmar a necessidade de se reinventar a alfabetização, nos convoca a pensar nos processos de alfabetização e letramento, que, embora distintos, são indissociáveis, como já dissemos. Como vimos, o letramento é o resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e de escrita. É 35 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO também o estado ou a condição que adquire um grupo social, ou um indivíduo, como consequência de ter se apropriado da escrita e de suas práticas sociais. Apropriar‑se da escrita é torná‑la própria, ou seja, assumi‑la como propriedade. Um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado, pois ser letrado implica usar socialmente a leitura e a escritura e responder às demandas sociais de leitura e de escrita. A alfabetização é um longo processo circunscrito entre duas vertentes indissociáveis: a aquisição do sistema de escrita e a sua efetiva possibilidade de uso no contexto social. Mais do que conhecer as letras e as regras ortográficas, sintáticas ou gramaticais, o ensino da língua escrita requer a assimilação das práticas sociais de uso, contribuindo assim para a conquista de um novo status na sociedade (SOARES, 2008). Cabe‑nos, enquanto educadores, buscar formas adequadas de ensinar para alfabetizar letrando, pois o significado de aprender a escrever, nas palavras de Emília Ferreiro (2001, p. 9), consiste na ideia de que a escrita é importante na escola porque é importante fora dela, e não o contrário. Para entendermos o que acontece no processo de alfabetização nas escolas, é necessário ter clareza dos pressupostos teóricos e das propostas didáticas que caracterizam os diferentes métodos. Muito mais relevantes do que a simples adoção de um método ou outro para alfabetizar são as concepções de aprendizagem, de sujeito e de educação que estão implícitos em cada um deles, porque por trás de cada método existe uma teoria que o sustenta. Os métodos tradicionais de alfabetização são utilizados desde o século XVIII e têm como embasamento teórico a visão associacionista empirista da aprendizagem (MORAIS, 2012). Eles trazem em comum a concepção de que a escrita é a representação gráfica da linguagem oral, portanto, cada som produzido pela fala deveria ser representado por um sinal convencionado culturalmente. Sob essa perspectiva, pode‑se afirmar que ler e escrever, nessa concepção, são atos de codificar e decodificar. A escrita alfabética foi compreendida como um código em que o registro escrito seria possível pela transposição das unidades sonoras para o papel, ou seja, a escrita seria uma simples codificação da fala. Essa concepção acabou por desencadear teorias sobre a escrita como objeto de conhecimento e fizeram surgir métodos de alfabetização que tratam da ideia da escrita como uma transposição da fala para o registro da escrita. Essa visão coloca o estudante na condição de alguém que para aprender precisa repetir e memorizar, levando‑o a decorar a equivalência entre as formas gráficas (letras) e os sons que elas substituem (fonemas). Dessa forma, os estudantes seriam capazes de “decodificar” e “codificar” palavras e, com muito treino e com um acúmulo de tarefas, eles conseguiriam “decodificar” e “codificar” frases e textos. Essa visão reduz a escrita alfabética a um código e, segundo Morais (2012), é errônea, já que falsamente simplifica a escrita, pois há um grande trabalho cognitivo que um aprendiz (criança, jovem e adulto) precisa realizar para se alfabetizar (FERREIRO, 1995). Para Ferreiro (1995), a escritanão pode ser vista como um simples código, porque seria colocar em primeiro lugar a discriminação visual e auditiva em detrimento de questões mais importantes, como as questões conceituais, que exigem por parte dos aprendizes pensamento, reflexão, comparação e estabelecimento de relações sobre a escrita alfabética, e há que se considerar a importância dos conhecimentos prévios que esses aprendizes carregam e que muito contribuem para o processo de aprendizagem. 36 Unidade I A concepção que aborda a escrita como um código está ainda presente nas práticas cotidianas, como se pode observar em várias atividades e livros didáticos. Observe os exemplos a seguir, que apresentam folhas de atividades para imprimir (a 17 em duas folhas e a 18 unitária), de língua portuguesa para o 2° ano do Ensino Fundamental. VAMOS DECIFRAR? Nome do/a aluno/a ________________________________________________ VAMOS FAZER UMA LEITURA? Lá em cima do _______________ Tem um copo veneno Quem bebeu morreu O culpado não fui eu OBSERVE OS CÓDIGOS N I P A O AGORA, TROQUE OS SÍMBOLOS PELAS LETRAS E DESCUBRA A PALAVRA QUE ESTÁ FALTANDO NO TEXTO QUE VOCÊ LEU. VAMOS COMPLETAR? Dentro do copo havia ____________ A) 37 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO DECIFRANDO Você sabia que código é um sinal e para utilizar você deve atribuir um significado para ele? Por exemplo, substituir letras para formar palavras. O código deve ser de conhecimento de quem escreve e de quem vai ler as palavras. Observe atentamente os códigos atribuídos a cada letra: p a t Forme as palavras utilizando os códigos acima: + + = = B) Figura 17 Adaptada de: https://cutt.ly/c8WZcyI; https://cutt.ly/n8WZbAb; https://cutt.ly/X8WZmde; https://cutt.ly/S8WZWU7; https://cutt.ly/A8WZTED; https://cutt.ly/M8WZU12; https://cutt.ly/78WZOAo. Acesso em: 3 mar. 2023. 38 Unidade I ESCOLA:_____________________ DATA: ___/___/___ ALUNO/A:____________________ TURMA: _________ 1. Vamos decifrar os códigos e descobrir o nome de duas frutas? E R O L M A C Decifre o nome das duas frutas: 2. Vamos formar palavras? Ligue as sílabas e forme as palavras. Você deve escrever as palavras descobertas na frente das figuras! GA XE POR SA PEI SA CA TO ME TA Figura 18 Adaptada de: https://cutt.ly/X8WZmde; https://cutt.ly/S8WZWU7; https://cutt.ly/A8WZTED; https://cutt.ly/M8WZU12; https://cutt.ly/78WZOAo; https://cutt.ly/f8WXSZr; https://cutt.ly/V8WXZx9; https://cutt.ly/j8WCzIb; https://cutt.ly/n8WCctJ; https://cutt.ly/H8WCbj5; https://cutt.ly/w8WCmeN; https://cutt.ly/t8WCUQm. Acesso em: 3 mar. 2023. São chamados métodos tradicionais aqueles que se apoiam em uma visão empirista/associacionista de aprendizagem. Morais (2012, p. 27) afirma que essa prática pedagógica que adota os métodos tradicionais considera o aluno uma tábula rasa que recebe informações externas prontas e, por meio da repetição constante de exercícios e da memorização, se apropria da escrita. A aprendizagem é 39 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO considerada simples acúmulo de informações, e o objeto de conhecimento, a escrita, é considerado um código da língua oral. Os métodos tradicionais têm como característica textos repetitivos e descontextualizados da realidade do aluno, grande ênfase no domínio do código escrito e atividades pautadas na cópia e na memorização. O percurso da alfabetização se caracteriza por uma sequência de ações: • em primeiro lugar, o aluno deveria aprender a codificar e decodificar; • depois, aprender a gramática; • e por último, a produção de textos. Todos os métodos (tradicional, sintético ou analítico) caracterizam a escrita com um mero código de transcrição da língua oral, ou seja, uma lista de símbolos (letras) que substituem fonemas que já estariam identificados na mente dos alfabetizandos como unidades mínimas. Observe uma página da cartilha Caminho Suave, que expressa bem as características que acabamos de mencionar, ou seja, consiste em um texto repetitivo e descontextualizado para os estudantes: A) B) Figura 19 Disponível em: A) https://cutt.ly/e9A9TI5. Acesso em: 30 jan. 2023; B) Lima (2019, p. 60). 40 Unidade I Exemplo de aplicação Você sabia que a cartilha Caminho suave surgiu no final dos anos 40 e foi a mais utilizada no Brasil? Sua autora, a professora Branca Alves de Lima, criou inúmeros desenhos que traziam em si a representação de letra como F da faca e G do gato, técnica denominada “alfabetização por imagem”, e, assim, facilitou a memorização das famílias silábicas. Entre as décadas de 1950 e 1990, estima‑se que mais de 48 milhões de brasileiros tenham aprendido a ler seguindo as frases simples dessa cartilha, que ainda desperta memórias afetivas de muitos adultos, como a lembrança de um método eficiente para ensinar a ler. Em 1995, o MEC retirou a cartilha dos catálogos de livros; contudo, até hoje ela continua sendo vendida. Ao longo dos anos, sua capa e conteúdo foram sendo atualizados. Busque no Google e confira essas atualizações. Ao longo dos anos, foram desenvolvidos vários métodos de alfabetização. Entre os tradicionais, encontramos: • Métodos sintéticos: foram os mais utilizados ao longo da história nas escolas brasileiras. Nesse grupo encontramos três tipos principais: o alfabético, o silábico e o fônico. Todos têm como princípio que o aluno deve partir das unidades menores, ou seja, das letras, sílabas e fonemas, e a aprendizagem é gradativa e cumulativa. A criança vai fazendo sínteses ou, como explica Morais (2012), “somando pedaços” para poder chegar a codificar e decodificar. — O método alfabético tem como proposta que o estudante seja capaz de memorizar a formação da sílaba. Isso significa dizer que B com A é BA, que B com E é BE, e assim, de pedacinho em pedacinho, ele aprenderia a ler as sílabas, para depois uni‑las, formando palavras até chegar o dia em que ele será capaz de ler um texto. Veja a seguir alguns exemplos de atividades que enfocam esse método: 41 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Figura 20 – Atividades para a letra B — O método silábico tem como proposta partir das sílabas já unidas, como BA BE BI BO BU, e ao mesmo tempo em que se decora as sílabas pode‑se juntá‑las ou separá‑las para que o estudante possa ser capaz de ler e escrever futuramente. Veja exemplos de atividades: Figura 21 – Atividades para a letra B 42 Unidade I Figura 22 Adaptada de: https://cutt.ly/08fcMb0; https://cutt.ly/s8fc944; https://cutt.ly/l8fc53X; https://cutt.ly/D8fvrxJ. Acesso em: 27 fev. 2023. — O método fônico tem como proposta isolar os fonemas, que seriam as unidades mínimas das palavras, na mente dos estudantes. Para tanto, seria preciso treinar a pronúncia isolando os fonemas e decorando as letras equivalentes, e com isso seriam feitas as correspondências fonema‑grafema, para que os estudantes possam formar palavras e posteriormente ler um texto. Veja exemplos a seguir: 43 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO A E I O U a e i o u Figura 23 – Exemplo de atividade de alfabetização pautada no método fônico Complete com as vogais observando as boquinhas G___T___ ___B___LH___ C___V___L___ B___L___ ___ ___ ___R___B___ J___ ___N___NH___ Figura 24 – Modelo de atividade utilizado no método fônico (boquinha): complete as vogais 44 Unidade I Os métodos sintéticos em geral apresentam uma concepção que se apoia principalmente nas capacidades perceptivas e motoras e envolvem exercícios de discriminação auditiva e visual e de lateralidade, o que leva os aprendizes a realizarem cansativos exercícios de coordenação. Veja alguns exemplos: Vamos ligar os pontilhados? Figura 25 Adaptada de: https://cutt.ly/U8fRPEV; https://cutt.ly/38fRFP8; https://cutt.ly/V8fRN2k; https://cutt.ly/C8fR9JX; https://cutt.ly/78fR6QO. Acesso em: 27 fev. 2023. 45 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTOAtividades Observe e assinale: 1. Faça um X no desenho posicionado à esquerda da menina: 2. Faça um circulo no desenho posicionado à direita do menino: 3. Pinte o lápis mais largo e circule o lápis mais estreito: 4. Marque o menino que está entre as duas árvores: Figura 26 – Alfabetização: matemática – lateralidade Adaptada de: https://cutt.ly/M8WkTdP; https://cutt.ly/y8WkU6A; https://cutt.ly/m8WkPwW; https://cutt.ly/T8WkSMM; https://cutt.ly/m8WkFKt; https://cutt.ly/18WkHX5; https://cutt.ly/T8WkKZL; https://cutt.ly/R8WkZD8; https://cutt.ly/q8WkCG1; https://cutt.ly/M8WkBpL. Acesso em: 3 mar. 2023. 46 Unidade I Nome: _______________________________________________________________ Data: _________________________________________________________________ Raciocínio lógico Ligue cada animal ao restante de seu corpo: Figura 27 – Discriminação visual Adaptada de: https://cutt.ly/z8fTmwr; https://cutt.ly/g8fTIj5; https://cutt.ly/X8Ws0gS; https://cutt.ly/S8fYcdL. Acesso em: 27 fev. 2023. • Métodos analíticos: no que se refere aos métodos analíticos, também temos três tipos: a palavração, a sentenciação e o método global. Eles conduzem o aluno, no final, a trabalhar com as unidades menores. Por motivo perceptivo e motivacional, os alunos começam com as unidades maiores (palavras, frases e pequenos textos) e aos poucos são convidados a repartir as palavras em pedaços menores. — O método de palavração se apoia no reconhecimento de um conjunto de palavras que devem ser memorizadas. Dessa forma, as palavras devem ser também ilustradas, com o objetivo de facilitar a memorização; só depois dessa etapa é que devem ser desmembradas em sílabas, e posteriormente as sílabas em letras ou fonemas. 47 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Nome: _______________________________________________________________ Data: _________________________________________________________________ Atividade: Vamos escrever os nomes? Observe os desenhos e escreva o nome de cada um: B L P T Figura 28 Adaptada de: https://cutt.ly/o8fYH95; https://cutt.ly/x8fYVK4; https://cutt.ly/S8fY26K; https://cutt.ly/O8fY6sK. Acesso em: 27 fev. 2023. — O método de sentenciação tem como ponto de partida as sentenças completas, isto é, as frases que são trabalhadas a cada lição, que por sua vez devem ser copiadas e memorizadas. Só depois é que se passa a trabalhar as palavras de forma isolada e, ao final, trata‑se das partes menores como sílabas ou letras. Vale salientar que, nesse caso, muitas vezes as frases ou sentenças trabalhadas acabam por não fazerem sentido e não fazem parte do contexto do estudante, criando um texto irreal. — O método global tem como proposta introduzir o texto por meio de uma história ou narrativa que tem como objetivo ensinar as frases e as palavras das quais se abstraem as sílabas a serem memorizadas. De acordo com Morais (2012), essas histórias não apresentam qualidade literária, elas são um pretexto para se explorar as palavras e dividi‑las em pedaços sonoros. Para finalizar a análise histórica dos métodos de alfabetização, fecharemos essa seção a partir dos estudos de Magda Soares (2016) e de Artur Gomes de Morais (2006; 2012). 48 Unidade I Como se vê, os velhos métodos exercem um controle do ensino, com uma visão autocêntrica e fazem uso de material de apoio limitado. Os ensinamentos são em pequenas doses e ainda há outra questão complicada: em sala de aula, cria‑se um clima competitivo, selecionando‑se os capazes ou os mais habilitados para aprender. Seguindo nossa reflexão, podemos concordar com Soares (2016) quando a autora afirma que tanto os métodos analíticos como os sintéticos têm como foco a aprendizagem do sistema alfabético‑ortográfico da escrita. Ainda que nos métodos globais da palavração e da sentenciação a compreensão tenha como ponto de partida o texto, as frases e as palavras, a aprendizagem está a serviço da decomposição das palavras em sílabas e fonemas. A autora relata que o estudante depende de estímulos externos intencionalmente selecionados ou artificialmente elaborados que têm como objetivo inicial a apropriação da tecnologia da escrita. Como já dissemos, o construtivismo não é um método, e sim uma fundamentação conceitual do processo de aprender que trouxe uma ruptura com os métodos tradicionais. Nos velhos métodos o estudante recebe o conhecimento pronto de forma passiva. Sob a perspectiva do construtivismo, o estudante ocupa a figura central. O protagonismo do professor nos métodos tradicionais foi deslocado para o aprendiz na proposta construtivista, que o conduzirá a construir de forma progressiva o conhecimento do princípio alfabético como um sistema de representação dos sons da fala por sinais gráficos. Isso ocorre pela mediação do docente a partir de oportunidades e situações didáticas que colocarão o aprendiz em contato com textos reais que circulam nas esferas sociais, diferentemente dos textos artificiais elaborados para “aprender a ler” dos métodos tradicionais (SOARES, 2016). Para Soares (2016), os métodos tradicionais foram rejeitados justamente por contrariarem o processo psicogenético de aprendizagem da criança e também o objeto de aprendizagem, a língua escrita. No construtivismo, o foco da aprendizagem é descentralizado do professor, o qual carrega consigo um método pré‑concebido para uma prática pedagógica que estimula, acompanha e orienta a aprendizagem do estudante, respeitando suas singularidades. Nessa linha, é inadmissível a adoção de um único método para ensinar. Dando continuidade à análise dos métodos, vale salientar algumas considerações sobre o método fônico. De acordo com Morais (2012), esse método tem sido tratado por jornalistas, políticos e acadêmicos que o defendem como um método milagroso, que tem um ensino sistemático de letras e sons, ou seja, aquilo que faltou nas concepções construtivistas de alfabetização. Ainda tem ocorrido o que o autor denominou como um desserviço à população, uma vez que a mídia trata o método silábico e o fônico como se fossem o mesmo. Segundo Morais (2005; 2012), torna‑se necessário relembrar a característica principal do método fônico: os aprendizes deveriam aprender a pronunciar isoladamente cada fonema e memorizar a letra que o representa. Assim, os defensores do método acreditam que: • seria fácil para o aprendiz segmentar as palavras orais em fonemas, pronunciando‑os isoladamente; 49 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO • esse procedimento constituiria um requisito para a aprendizagem bem‑sucedida das relações letra‑som; • para aprender a “codificar” e “decodificar” palavras, seria suficiente um casamento da habilidade de segmentá‑las em fonemas (consciência fonológica, numa acepção muito reduzida) com a capacidade de memorizar as letras que a eles correspondem, dominando seu traçado (MORAIS, 2006). Outra crítica feita por Morais (2005) em relação ao método fônico é que seus defensores ignoram ou querem ignorar que apenas os indivíduos muito alfabetizados conseguem isolar os fonemas das sílabas, tarefa quase impossível para alguém que não é alfabetizado, pois esse indivíduo desconhece a relação entre todo e parte, entre todo e partes faladas e entre todo e partes escritas. Essa compreensão não pode ser transmitida por meio de associação entre fonemas e letras que os representam, pois o indivíduo deve construir mentalmente essa relação por meio da reflexão sobre o sistema alfabético da escrita (FERREIRO apud MORAIS, 2005). Mais uma fragilidade encontrada por Morais (2005, 2012) em relação à adoção do método fônico para alfabetizar é que os materiais didáticos para esse fim desconsideram totalmente a perspectiva do letramento. Portanto, são materiais que “submetem as crianças a textos surrealmente artificiais e limitados, contribuindo para a deformação das competências envolvidas na leitura e na produção de textos” (MORAIS, 2005, p. 11). Para Curto, Morillo e Teixidó (2000, p. 17‑18), todos os métodostradicionais têm conceitos básicos em comum ao se referirem ao que é a linguagem escrita e às concepções do que é ensinar: 1 – A aprendizagem se dá por etapas, do mais simples para o mais complexo, de maneira sequencial e cumulativa. Por exemplo, primeiro a palavra, em seguida a letra. 2 – As crianças, ao iniciarem o ensino, não sabem nada, é preciso começar do zero. 3 – Primeiro ler (reconhecer) e depois escrever. 4 – Para compreender o escrito é preciso decifrar. Não é possível escrever um texto sem antes dominar o código de transcrição do sistema alfabético. 5 – Não se pode inventar a escrita, e sim reproduzi‑la. Diante do exposto, pode‑se observar que encontramos divergências de concepções no que se refere ao objeto de aprendizagem da leitura e da escrita. Soares (2016) aponta que os métodos de alfabetização no Brasil sempre foram uma questão, e aqui ela traz um sentido duplo para a palavra questão. De um lado, significa dificuldades a serem resolvidas; de outro, é um objeto de muitas divergências. O conceito de alfabetização, de acordo com as ciências linguísticas, a psicologia cognitiva e a psicologia 50 Unidade I do desenvolvimento, é “um processo complexo que envolve vários componentes, ou facetas, e demanda diferentes competências” (SOARES, 2016, p. 27). A partir dessa multiplicidade de facetas, cada qual privilegiando um ou alguns dos componentes do processo de aprendizagem, pode‑se, portanto, concluir que as concepções de aprendizagem da escrita se diferenciam a depender da faceta do processo de aprendizagem da escrita que defendem como objeto de aprendizagem, com suas competências e objetivos a perseguir. A autora apresenta três principais facetas presentes nos métodos (SOARES, 2016): • A faceta linguística, que diz respeito à representação visual da cadeia sonora da fala, o que representa a alfabetização. • A faceta interativa, que apresenta a língua escrita como veículo de comunicação entre as pessoas. • A faceta sociocultural, que está vinculada aos usos e funções e também aos valores atribuídos à escrita. As duas últimas facetas são consideradas letramento. O que observamos nas três facetas apresentadas pela autora é que cada uma resulta num objeto de aprendizagem. Na faceta linguística, que tem como objeto de conhecimento a apropriação do sistema ortográfico alfabético e as convenções da escrita, as competências visadas são a codificação e a decodificação. Nessa faceta se inserem os métodos analíticos e sintéticos. A faceta interativa circunscreve o construtivismo, em que a faceta linguística não é o foco da aprendizagem, mas sim as competências a ela vinculadas, visto que consideram a inserção do estudante no mundo da cultura do escrito, ou seja, como decorrência da função social da escrita, criando um vínculo com as facetas interativa e sociocultural. Resumidamente, a partir dos estudos realizados, concordamos com Soares (2016) quando a autora afirma que os diferentes métodos de alfabetização estão atrelados a seus diferentes objetos de conhecimento, uma vez que eles definem o que se ensina e quando se ensina. A autora entende “métodos de alfabetização como um conjunto de procedimentos que, fundamentados em teorias e princípios, orientam a aprendizagem inicial da leitura e da escrita” (SOARES, 2016, p. 16). Como pudemos ver, a aprendizagem inicial da língua escrita é um fenômeno complexo que envolve duas funções – ler e escrever – considerando as facetas linguística, interativa e cultural, que se distinguem pela natureza de cada uma, mas que se complementam como facetas de um mesmo objeto de estudo (SOARES, 2016). 51 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Saiba mais Soares (2016) propõe a leitura de uma história tradicional da Índia sobre seis cegos e um elefante. Assim como a autora, nós também sugerimos a reflexão sobre essa parábola. Essa leitura contribuirá para que você estabeleça conexões entre as partes e o todo e reconheça a natureza do processo de alfabetização. Você deve compreender que não podemos entender somente uma parte e erradamente generalizar o todo. Para compreender o processo de alfabetização, não podemos focar em uma faceta ou tentar fragmentá‑la ou sistematizá‑la. A HISTÓRIA dos sete homens sábios e o elefante. Esalq, [s.d.]. Disponível em: https://cutt.ly/89GjbfN. Acesso em: 31 jan. 2023. Os métodos não atuam sozinhos: eles sofrem influência dos fatores, que muitas vezes podem condicionar ou determinar seus resultados. São fatores dos campos sociais, culturais, econômicos e políticos. Como já abordamos anteriormente, há um conjunto de questões objetivas que trazem consequências na aprendizagem. É uma ilusão pensar que os métodos tenham um valor absoluto ou atuem de forma autônoma. Os alfabetizadores contribuem na inter‑relação entre os alfabetizandos ao realizar esse processo numa determinada comunidade, em situação de aprendizagem coletiva, e juntos poderão construir esse processo de extrema complexidade para todos. Não temos a intenção de diminuir a importância dos métodos, ou subestimar os estudantes, ou ainda valorizar em demasia os docentes, e sim apresentar a existência de muitas facetas que interferem no processo pedagógico. Saiba mais Leia a obra a seguir, que você encontra na Biblioteca Virtual da UNIP: SOARES, M. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2016. Nele, além de analisar os métodos, a autora apresenta outras pesquisas a respeito do processo de alfabetização nas páginas 67 a 85. O professor alfabetizador é um profissional que atua com conhecimento no processo de alfabetização inicial da criança e de acesso à cultura letrada, e que deverá provocar nos estudantes o desejo de aprender e compreender as regras que definem o sistema de escrita alfabético. Em paralelo, espera‑se que os aprendizes se tornem leitores competentes e aprendam as especificidades e funcionalidades da leitura e da escrita. 52 Unidade I 3 TEORIA DA PSICOGÊNESE DA ESCRITA: A ESCRITA ALFABÉTICA COMO SISTEMA NOTACIONAL E SEU APRENDIZADO COMO PROCESSO EVOLUTIVO “Ler não é decifrar, escrever não é copiar” Emília Ferreiro “Quando uma criança escreve tal como acredita que poderia ou deveria escrever certo conjunto de palavras, está oferecendo um valiosíssimo documento que necessita interpretado para ser avaliado. Aprender a tê‑las, interpretá‑las é um longo aprendizado que requer uma atitude teórica definida.” Emília Ferreiro Convidamos você a conhecer um pouco sobre Emília Ferreiro antes de estudar a Teoria da Psicogênese da Escrita. Emília Ferreiro tornou‑se conhecida em nosso país a partir das pesquisas que desenvolveu sobre a gênese ou a origem do conhecimento ao explicar as formas como a criança demonstra conhecer a escrita em cada etapa do processo de alfabetização. Nascida na Argentina e radicada no México, fez doutorado em Genebra sob orientação de Jean Piaget, de quem se tornou posteriormente colaboradora. Iniciou suas pesquisas empíricas ao lado de Ana Teberosky. Os resultados desse trabalho publicado em 1979 está na obra Los sistemas de escritura em el desarrollo del niño. O seu primeiro livro traduzido no Brasil, Psicogênese da língua escrita, se tornou uma revolução conceitual no campo da alfabetização. Ferreiro e Teberosky comprovaram que as crianças elaboram hipóteses, argumentam e discutem as ideias que têm sobre a linguagem escrita. As autoras, ao estudarem a gênese do pensamento infantil, provocaram o surgimento de outras pesquisas e causaram impactos em vários campos de estudos. Lembrete O termo psicogênese pode ser entendido como a origem, a gênese ou mesmo a história da aquisição de conhecimentos e funções psicológicas de cada ser humano no seu processo de desenvolvimento ao longo da vida e vale para qualquer tipo de conhecimento. Quando citamos a aquisição da escrita, nos referimos às concepções dos estudos psicogenéticos voltados para a apropriação do sistema de escrita desenvolvidos por Emília Ferreiro e Ana Teberosky.As pesquisadoras, quando realizaram seus estudos, utilizaram‑se de concepções construtivistas. Consideramos necessário apresentar esses pressupostos para você conhecer e sobretudo poder argumentar com colegas, pais de alunos, entre outros, sobre eles. Não é raro e tampouco incomum nos 53 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO depararmos com equívocos e distorções conceituais que acabam por se tornar expressões presentes no cotidiano escolar e que nada mais são do que o senso comum. É frequente ouvirmos dizer que Emília Ferreiro criou um método de alfabetização, e quanto a isso cabe‑nos afirmar que ela não o fez. Ela e Teberosky nos proporcionaram saber como a criança se apropria do processo de escrita durante a alfabetização. Com esse conhecimento foi possível construir uma ação didática que permite ao professor intervenções e diálogo com os aprendizes por meio das hipóteses que eles apresentam, pois eles trazem conhecimentos prévios sobre a escrita quando chegam à escola ou quando são expostos à cultura letrada. Vamos saber quais são esses pressupostos que as autoras defendem no que se refere à alfabetização? • Os conhecimentos prévios são os saberes que as crianças já possuem e são essenciais para a construção de novos conhecimentos. Isto porque toda nova aprendizagem se apoia nos conhecimentos que foram construídos anteriormente, e nessa perspectiva o professor precisa conhecer as hipóteses das crianças e entender seus conhecimentos prévios para organizar boas intervenções e estimular o avanço do aprendiz. Saiba mais A Teoria Construtivista foi desenvolvida por Jean William Fritz Piaget (1896–1980), psicólogo suíço, em 1920, e foi essa teoria de aprendizagem que deu fundamentação para a psicogênese da língua escrita. Para saber mais, acesse: LAJONQUIÈRE, L. Piaget: notas para uma teoria construtivista da inteligência. Psicologia USP, São Paulo, v. 8, n. 1, 1997. Disponível em: https://cutt.ly/L9GNq5Q. Acesso em: 31 jan. 2023. BARBOSA, P. M. R. O construtivismo e Jean Piaget. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, 23 jun. 2015. Disponível em: https://cutt.ly/s9GN1hh. Acesso em: 31 jan. 2023. • As crianças pensam, refletem sobre o objeto de conhecimento e têm um papel ativo na aprendizagem. • O erro é um fator importante e não deve ser evitado, mas sim problematizado, pois faz parte do processo de evolução da aprendizagem. • O aprendiz é um protagonista, sujeito do seu processo e capaz na produção do conhecimento. 54 Unidade I • Para aprender, o sujeito, além de acionar seus conhecimentos prévios, precisa pensar, refletir e ter uma mediação feita por outras pessoas/docentes que vão auxiliar no avanço da construção do novo conhecimento. • Os desafios devem fazer parte do processo porque favorecem a reflexão. São as resoluções de problemas que favorecem a aprendizagem. • O aprendiz precisa transformar a informação. Só assim ele poderá assimilá‑la (BRASIL, 2003). A partir do exposto, percebemos o quanto foi significativa a contribuição das pesquisadoras, em especial na atribuição dada ao aprendiz do seu papel de sujeito ativo e protagonista da reconstrução da escrita. Cabe‑nos, enquanto educadores, fazer as devidas interpretações e pensar sobre o papel da escola e do professor, a organização dos espaços, os materiais e os métodos de ensino, assim como entender de que modo as crianças aprendem a ler e a escrever e sobretudo as formas de como ensinar, uma vez que ainda se vê com pouco respeito as ideias das crianças. 3.1 Teoria da Psicogênese da Escrita: interpretações e principais contribuições A teoria de Ferreiro e Teberosky, a partir de 1979, conceitualizou a aquisição da escrita pela criança por meio da definição de níveis de compreensão do sistema de escrita. O foco da pesquisa se deu sob o ponto de vista do processo cognitivo da criança, tendo como objeto de conhecimento a escrita, um sistema de representação sob a perspectiva da psicogênese e dentro da teoria piagetiana. Depois de elaborada a Teoria da Psicogênese, Ferreiro produziu diversos textos em que apresentou sínteses esclarecedoras dos níveis de desenvolvimento da criança na perspectiva da escrita, com um detalhamento das etapas do desenvolvimento lógico feito pela criança para a compreensão da escrita. Observação Nível é o termo frequentemente utilizado por Soares (2016) na descrição das etapas da criança em determinado momento do processo. Em A teoria da psicogênese da língua escrita, título da obra de Ferreiro e Teberosky no Brasil, as autoras apresentam o desenvolvimento da leitura e da escrita em cinco capítulos, sendo quatro sobre a leitura e um a respeito da escrita, com os níveis de evolução. Apresentaremos os níveis desenvolvidos pelas autoras para que você possa compará‑los adiante com uma descrição mais detalhada sobre o que as crianças pensam e notam em cada etapa. A obra inicial das autoras, assim como aquelas publicadas posteriormente, define os seguintes níveis de desenvolvimento da escrita pela criança: 55 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Quadro 2 – Níveis de desenvolvimento da escrita a partir de Ferreiro e Teberosky Níveis Significado Nível 1 Diferenciação entre as duas modalidades básicas de representações gráficas: o desenho e a escrita Uso de grafismos que imitam as formas básicas de escrita: linhas onduladas (garatujas), se o modelo é a escrita cursiva, e linhas curvas e retas, ou combinação entre elas, se o modelo é a escrita de imprensa Reconhecimento de duas características básicas do sistema de escrita: a arbitrariedade e a linearidade Nível 2 Uso de letras sem correspondência com seus valores sonoros e sem correspondência com as propriedades sonoras das palavras (número de sílabas), em geral respeitando as hipóteses da quantidade mínima (não menos de três letras) e da variedade (letras não repetidas), nível a que se tem atribuído a designação de pré‑silábico Nível 3 Uso de uma letra para cada sílaba da palavra, inicialmente reunidas de forma aleatória, sem correspondência com as propriedades sonoras das sílabas; em seguida, letras com valor sonoro representando um dos fonemas pelas sílabas (nível silábico) Nível 4 Passagem da hipótese silábica para a alfabética, quando a sílaba começa a ser analisada em suas unidades menores (fonemas) e combinam‑se, na escrita de uma palavra, letras representando uma sílaba e letras representando os fonemas das sílabas (nível silábico‑alfabético) Nível 5 A escrita alfabética, para Ferreiro e Teberosky, é a fase final do processo, momento em que a criança compreendeu que nessa escrita as palavras são representadas por combinações de grafemas (letras) e fonemas (sons) Adaptado de: Soares (2016). Ferreiro (2001) considera imprópria a denominação pré-silábico. A autora alega que a denominação caracteriza negativamente o que ela gostaria de caracterizar positivamente. No entanto, conforme Soares (2016), já é uma denominação incorporada e permite uma fácil identificação desse nível. A autora aprofunda seus estudos e verifica no nível silábico‑alfabético momentos de alternância e desordens nas formas peculiares e próprias das crianças ao analisarem as sílabas nas tentativas da escrita. Ela faz também faz uma analogia entre a escuta das sílabas pelas crianças e a escuta de acordes musicais (SOARES, 2016). Vale destacar que na fase alfabética não há ainda domínio da norma ortográfica. Essa seria uma tarefa de aprendizagem que vai acontecer mais adiante. Ferreiro e Teberosky, ao proporem a Teoria dos Níveis de Leitura e Escrita, utilizam como referência a Teoria de Desenvolvimento Cognitivo de Piaget e dizem que se trata de uma apropriação do conhecimento e não propriamente aprendizagem. É importante que você, futuro educador, possa compreender que a Teoria da Psicogênese da Escrita, numa ótica construtivista, se propõe a explicar o processo evolutivo da escrita pela criança, as hipóteses que ela formula para responder o que a escrita nota ou representa, e como a escrita criarepresentações ou notações (SOARES, 2016). As respostas para essas dúvidas variam por etapa ou fase, dependendo do momento em que o aprendiz se encontra (MORAIS, 2012). Fato é que para Ferreiro e Teberosky (1999), no processo evolutivo, será preciso entender dois aspectos do sistema alfabético: um de natureza conceitual e outro convencional, que criam um conjunto de propriedades para que o aprendiz possa reconstruir e compreender o sistema alfabético. 56 Unidade I Os estudos apresentam uma variabilidade de respostas que uma mesma criança pode dar ao escrever uma palavra, assim como uma variabilidade de percursos para um mesmo grupo de alunos durante o primeiro ano de ensino regular da alfabetização. Outro ponto importante da Teoria da Psicogênese da Escrita é que os conhecimentos do sistema de escrita alfabética (SEA) se constroem num percurso evolutivo, em fases que são universais e comuns para todos os aprendizes. No entanto, verificou‑se que as diferentes oportunidades socioculturais exercem influência no ritmo de apropriação do sistema de escrita alfabética. Veja este exemplo: crianças que escutam histórias com frequência, sejam elas lidas em casa ou na escola, são capazes de pegar um livro sozinhas e fingem ler, numa postura de leitor. Essa interação não garante a apropriação do sistema de escrita alfabética, mas oferece ao pequeno leitor a importante função social da leitura e da escrita. Figura 29 Disponível em: https://cutt.ly/H8fU5dq. Acesso em: 27 fev. 2023. Juntamente com isso, os dados de pesquisa revelam diferenças de ritmo na apropriação da escrita, especialmente por parte das crianças de menor renda, tendo em vista as poucas oportunidades que têm com a cultura letrada. Para tanto, há que se acreditar no trabalho pedagógico docente, com o emprego de jogos de palavras e situações de reflexão de textos da produção oral, conforme constatou a pesquisa de Vieira, Souza e Morais (2011), sobre ser possível um bom avanço dessas crianças. 3.2 Características das hipóteses de escrita A Teoria da Psicogênese da Escrita será apresentada sob a perspectiva e as interpretações dos autores estudados, e algumas delas não estão presentes na teoria original, uma vez que já trazem as contribuições e dificuldades encontradas na prática, como analisado por Morais (2012) e aqui apresentado para você. Adotaremos, a exemplo de Morais (2012), o alfabeto como um sistema de escrita ou um sistema de escrita alfabética (SEA). Vejamos a seguir os níveis, etapas, períodos ou níveis de hipótese de escrita. 57 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO 3.2.1 Pré‑silábica O que a escrita representa ou nota? A escrita nessa fase é uma reprodução de traços típicos que, para as crianças, são identificados como escrita. Isso ocorre porque a escrita é tida como uma forma de desenho e não são estabelecidas correspondências entre as pautas sonoras e os sinais gráficos. As crianças imaginam que eles representam os objetivos em si e não os seus nomes. Não há relações entre os fonemas e os grafemas, e as letras podem valer pelo todo, não tendo valores em si mesmas. Nessa fase, a criança não compreendeu qual a função da escrita e quase sempre a confunde com desenho. Algumas vezes ela cria diferenciações entre os grafismos e parte da combinação das letras, e no geral se apoia no próprio nome. Como a escrita representa ou nota? Na fase pictórica, a criança registra garatujas, desenhos sem figuração e, mais tarde, desenhos com figuração: Figura 30 Fonte: Moraes (2012, p. 55). 58 Unidade I Figura 31 Fonte: Brasil (2001, p. 138). Na fase gráfica primitiva ocorre o registro de símbolos, pseudoletras misturadas com letras e números: Figura 32 Fonte: Brasil (2001, p. 138). 59 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Nas primeiras tentativas, a criança produz signos que já não são desenhos, mas tampouco são escritas convencionais: Figura 33 Fonte: Curto, Morillo e Teixidó (2000, p. 28). Essa etapa pode ter um longo período com muitas possibilidades de hipóteses e notações. Ela envolve muito trabalho cognitivo, e observa‑se que na evolução dessa fase as crianças vão interpretando como se nota a escrita. Observamos que cada vez mais cedo as crianças passam a reproduzir a escrita, tendo em vista a profusão de materiais escritos com que elas têm contato e em especial o uso das tecnologias da informação. Assim, elas começam a usar letras, embora misturem com números e outros símbolos escritos e até cheguem a “criar” letras (MORAIS, 2012, p. 56). No realismo nominal, Algumas crianças que já usam algumas letras percebem que não se pode escrever as palavras do mesmo jeito e a partir disso interpretam que a escrita deve ter as características físicas ou funcionais dos objetos. Por exemplo, para a palavra formiga ela vai usar poucas letras pelo fato de ser pequena e para a palavra boi, muitas letras porque é um animal muito grande (MORAIS, 2012, p. 56). 60 Unidade I Figura 34 Adaptada de: https://cutt.ly/M8f54XP; https://cutt.ly/Q8f6uJR. Acesso em: 27 fev. 2023. Outras hipóteses A partir do desejo de escrever diferentes palavras, as crianças formulam hipóteses próprias, nunca antes ensinadas pelos adultos: • Hipótese da quantidade mínima de letras: as crianças julgam que palavra, para ser palavra, precisa ser escrita com no mínimo três letras. • Hipótese da variedade de letras: as crianças descobrem que não se pode ler palavras com sequências de letras iguais – ou seja, as notações não podem ser iguais – e passam a colocar no interior das palavras a variedade de recursos que conhecem (letras, números, desenhos). A seguir, podemos observar mais exemplos de escritas pré‑silábicas. Algumas crianças utilizam o próprio nome para fazer uma escrita universal que serve para escrever qualquer coisa que elas imaginam. 61 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO A) B) Figura 35 Fonte: A) Curto, Morillo e Teixidó (2000, p. 31); B) Brasil (2001, p. 139). 3.2.2 Silábica Na hipótese de escrita silábica, a criança, especialmente, já consegue associar a escrita à sua fala, atribuindo uma letra para cada fonema que pronuncia. A criança nessa fase apresenta um avanço em relação à hipótese anterior (pré‑silábica), uma vez que conseguiu estabelecer uma relação entre a pauta sonora e a escrita. O que a escrita representa ou nota? Nesse momento, algumas crianças começam a notar uma sequência de letras ou marcas gráficas para determinada palavra e começam a ler o que escrevem, dividindo as sílabas e buscando fazer a correspondência dos segmentos silábicos. Ela aprende a contar as sílabas e se torna capaz de colocar uma letra ou marca gráfica para cada pedaço, ou seja, um símbolo, aceitando, com hesitação, palavras que possuam de uma a duas letras, e utilizando uma letra para escrever uma palavra ou uma frase. Nesse nível se inicia a sonorização da escrita, uma vez que esta representa a sua fala. 62 Unidade I Ao longo do processo silábico a criança tem um grande salto quando percebe que para cada sílaba pronunciada ela tem que colocar uma letra. Ainda não tem a mesma visão das crianças alfabetizadas, mas descobriu o vínculo entre a parte oral e a escrita, e redescobre o que a humanidade inventou há muitos anos (MORAIS, 2012). Silábico sem valor sonoro Figura 36 Fonte: Brasil (2001, p. 139). Silábico com valor sonoro Figura 37 Fonte: Brasil (2001, p. 141). 63 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Figura 38 Outras hipóteses Tornou‑se habitual no meio pedagógico brasileiro, de acordo com Morais (2012), analisar as escritas alfabéticas segundo duas categorias: • Silábicas quantitativas ou “sem valor sonoro”: em regra, a criança nesta categoria coloca para cada sílaba oral uma letra, mas que não tem relação sonora com as sílabas que está notando. • Silábicas qualitativas ou “com valor sonoro”: a criança dá um passo evolutivo, pois além de colocar uma letra para cada sílaba pronunciada, há um valor convencional sonoro correspondente ao fonema que forma a sílabaoral em questão. Por exemplo, em jabuti ela poderia notar → A U I. Conflitos Alguns conflitos dessa fase decorrentes das hipóteses da quantidade mínima e variedade provenientes da fase anterior (MORAIS, 2012, p. 61): • Palavras dissílabas ou monossílabas. Exemplo: a criança aceitar colocar pé como → E. • Palavras notadas com a mesmas sílabas. Exemplo: arara → A A A. • Palavras diferentes, usando as mesmas letras. Exemplos: vovó e Totó → O O. 64 Unidade I Outros exemplos de escrita silábica: Figura 39 Fonte: Morais (2012, p. 59). 3.2.3 Silábica‑alfabética O que a escrita representa ou nota? Nessa etapa a criança já sabe que a escrita é uma notação da fala. Ela descobre que precisa “colocar mais letras” e começa a pensar no interior das sílabas orais, de forma que vai precisar notar pequenos sons, e em vez de colocar uma única letra precisará notar esses sons intermediários. É um tipo de reflexão mais sofisticada, que é a consciência fonêmica. No exemplo apresentado por Morais (2012), em apito, se antes escrevia A I O, agora terá que aprender as consoantes e seu valores sonoros. Esse período pode ser visto com uma fase de transição e de grande aprendizagem na correspondência grafema‑fonema. 65 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Como a escrita representa ou nota? Essa fase se caracteriza por ser uma transição e tem uma mudança radical no como. Figura 40 Fonte: Morais (2012, p. 64). Conflito Nesse nível o conflito existe, pois as crianças precisam negar a lógica de seu nível silábico, uma vez que passam para a hipótese alfabética e começam a acrescentar letras nas primeiras sílabas, ao mesmo tempo em que estabelecem as partes sonoras que são semelhantes entre as palavras e expressas por letras também semelhantes. Há, então, a correspondência silábica e a alfabética para a correspondência entre os sons e as grafias, e vogais e consoantes começam a ser combinadas em uma mesma palavra, com a finalidade de que os sons sejam combinados, lendo termo a termo, mas não havendo, ainda, uma escrita que seja socializável. Observação Quanto mais a criança avança no aprendizado, mais curto é o processo, isto porque ela vai ampliando as relações que estabelece. 66 Unidade I Mais exemplos de escritas silábico‑alfabéticas: Figura 41 Fonte: Morais (2012, p. 65). Figura 42 67 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO 3.2.4 Alfabética O que a escrita representa ou nota? As crianças, nesta etapa que é a fase final do processo de apropriação do sistema de escrita alfabética, conseguiram entender o que e como a fala nota, colocando, na sua grande maioria, uma letra para cada fonema pronunciado. No entanto, elas ainda cometem erros ortográficos que serão resolvidos ao longo de seu processo de escolaridade. Como a escrita representa ou nota? Figura 43 Disponível em: https://cutt.ly/R9HM9Fv. Acesso em: 31 jan. 2023. Conflito Já nesse nível, as crianças conseguem ler e escrever aquilo que pensam e falam, compreendem a lógica que é estabelecida na base alfabética do sistema escrito e conhecem o valor convencional que é atribuído a todas as letras, o que possibilita a formação das sílabas, das palavras e das frases. No entanto, pode ser que esses aprendizes ainda não consigam dividir as frases de acordo com a correspondência entre os fonemas e as grafias e, por mais que compreendam uma sílaba que tenha uma, duas e até mesmo três letras, podem acabar omitindo algumas delas quando misturam as hipóteses silábicas com as hipóteses alfabéticas, de modo que estar nesse nível não significa, ainda, do ponto de vista ortográfico e lexical, saber realizar a leitura e a escrita corretamente. 68 Unidade I Observações Pensar que a criança que acabou de chegar na hipótese alfabética e que acredita no princípio alfabético – ou seja, na ideia de que cada letra deveria equivaler a um único som e cada som deveria ser adotado por uma única letra – está alfabetizada é um engano para as crianças e também para os docentes. Estes deverão investir em intencionais e cuidadosos processos de ensino‑aprendizagem na relação som‑grafia no que diz respeito às convenções do sistema. Trata‑se de um aprimoramento que vai depender de leitura e de produção textual em que vai se exercitar a relação grafema‑fonema e as diferentes relações CV (consoante + vogal), um exercício frequente dos valores sonoros que cada letra pode assumir para chegar ao domínio da escrita alfabética. Mais um exemplo de escrita silábico‑alfabética: Figura 44 69 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Veja o exemplo a seguir, em que a criança escreve foneticamente, mas não ortograficamente: Figura 45 Fonte: Brasil (2001, p. 5). Os avanços das crianças em todos os níveis do processo evolutivo na aquisição da língua escrita dependem de forma significativa do trabalho pedagógico docente, com o emprego de jogos de palavras e situações de reflexão sobre textos, assim como sobre a produção oral. Não basta, como professores, conhecermos as características das fases da escrita, porque esse conhecimento isolado não conduz a uma didática da alfabetização, ou seja, precisamos pensar em situações de aprendizagem que favoreçam especialmente a análise e a reflexão do sistema de escrita e a correspondência fonográfica. Devem ser atividades de análise tanto quantitativa como qualitativa das palavras e entre as correspondências dos segmentos falados e escritos com palavras do contexto do aprendiz e em textos reais (MORAIS, 2012). A contribuição da pesquisa de Ferreiro e Teberosky foi de um valor inestimável, mas é fato que tivemos alguns equívocos e distorções – entre eles, segundo Soares (2003), a diminuição do trabalho que envolve a reflexão sobre a faceta linguística. Isto porque sendo a escrita um objeto de conhecimento em construção, faz‑se necessário trabalhar as relações convencionais e arbitrárias entre fonemas e grafemas. 70 Unidade I Com a ampla difusão da proposta da psicogênese da escrita, tivemos um forte discurso que se opôs ao uso dos tradicionais métodos de alfabetização. Os aprendizes deveriam se aproximar do SEA por meio da interação com diferentes textos escritos, com atividades significativas para a produção e leitura de textos. Vale salientar que essa interação não pode acontecer de forma espontânea, ela exige um trabalho reflexivo por parte dos estudantes e uma atuação didática do docente. De acordo com Soares (2003, p. 11), “para a prática de alfabetização, tinha‑se, anteriormente, um método e nenhuma teoria; com a mudança de concepção sobre o processo de aprendizagem da língua escrita, passou‑se a ter uma teoria e nenhum método”. Para a autora, há três tipos de conhecimento que acontecem no processo de apropriação da escrita: o conhecimento das letras, a evolução psicogenética e a consciência fonológica, que são desenvolvidos simultaneamente. Os aprendizes precisam pensar nos pedaços sonoros das palavras para compreender como funciona o sistema de escrita, e assim entendemos, conforme Morais (2012), que a compreensão do alfabeto envolve um conjunto de processos cognitivos. Quem se propõe a defender a proposta na perspectiva da psicogênese argumenta, por exemplo, que durante a fase pré‑silábica, se a criança está na garatuja, é preciso esperar que ela avance. Soares (2003) propõe que essa criança seja estimulada e ouça o som das palavras para saber que isso é o que é escrito. Antes de finalizarmos este tópico, sintetizamos as contribuições da psicogênese da escrita, que reiteram algumas reflexões já feitas anteriormente: • Sobre a diferença entre pensar o processo de alfabetização como um sistema de codificação e decodificação e um sistema notacional, como já vimos, nos métodos tradicionais, para o estudante aprender, ele precisava treinar e memorizar, decorando a equivalência entre as formas gráficas (letras) e os sons (fonemas), ou seja, ele precisava “decodificar” ou “codificar” as palavras. Tem‑se a impressão de ser um processo de fácil compreensão, mas essa é uma visão reducionistae simplificada do trabalho cognitivo que é realizado para se alfabetizar. • Ferreiro e Teberosky defendem, na Teoria da Psicogênese da Escrita, que a tarefa do estudante não é aprender um código e sim um sistema notacional. Nas situações de notação da escrita exige‑se do aprendiz um trabalho cognitivo que não se dá rapidamente. A escrita é um sistema de registro, ou seja, notacional, com suas regras e convenções que o aprendiz precisa compreender para que possa se apropriar delas e reconstruí‑las na sua mente. É uma perspectiva evolutiva que pressupõe gradativamente ir dominando as regras do sistema alfabético como um sistema notacional, ou seja, as letras notam, ou representam, ou substituem os sons (MORAIS, 2012). • A humanidade levou muito tempo para chegar ao sistema de escrita alfabética. Foi um processo evolutivo, e os avanços na compreensão desse sistema exigiram a compreensão das características do sistema de escrita com suas propriedades e convenções. Diante do exposto, acreditamos que seja possível reinventar o processo de alfabetização; iniciando‑se com um bom investimento da formação do docente, uma vez que, apropriado de saberes, este poderá fazer escolhas; contestar algumas distorções que circulam no meio pedagógico e que aos poucos devem ser superadas e substituídas por práticas que se direcionam para alfabetizar letrando, ou seja, alfabetizar ao mesmo tempo que letrar; e ensinar a ler e escrever com práticas sociais de leitura e escrita (SOARES, 2003). 71 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Nesse sentido, a proposta de se explorar o letramento com a utilização de diferentes gêneros textuais não substitui o processo de alfabetização. Letramento e alfabetização estão associados e caminham lado a lado, se complementando. Acreditamos que as crianças devem, desde pequenas, realizar atividades que as levem a pensar sobre as características do sistema de escrita. Isso significa dizer que essas vivências devem ser lúdicas e inseridas em propostas que envolvam diferentes textos. Para tanto, não é preciso estar alfabetizado. A escrita alfabética é uma construção social cultural humana e, para ser conquistada, será preciso criar oportunidades sociais e de aprendizagem para que os estudantes, especialmente os dos meios mais populares, possam apropriar‑se dela por meio de vivências de práticas de leitura e escrita. 4 O QUE ESTÁ ESCRITO E O QUE SE PODE LER Simular uma leitura, o que isso significa? Não é incomum observarmos uma criança, mesmo sem saber ler, ao pegar um livro adotar uma postura leitora. Segura o livro corretamente, sabe virar suas páginas, lê em voz alta e não apresenta uma fala coloquial. Especialmente quando essa criança já teve experiências anteriores com adultos que leem para ela. O gesto, o tom de voz, a postura adequada, as sequências pausadas das páginas revelam conhecer como se lê. As crianças que desde muito cedo quando têm oportunidades de contato com histórias, contos e outros textos lidos por adultos não só são estimuladas ao interesse pela leitura como adotam o modelo leitor, sem contar que provavelmente poderão tornar‑se bons leitores. Figura 46 Adaptada de: https://cutt.ly/48gwgys. Acesso em: 27 fev. 2023. As crianças, da mesma forma que têm ideias do que podem escrever, também apresentam um conjunto de ideias sobre o que se pode ler e o que não se pode ler, ou seja, elas também criam hipóteses para a leitura. Ao coordenar o Grupo‑Referência do Programa de Alfabetizadores do MEC (BRASIL, 2001), Telma Weisz explicita que as crianças não sabem que para escrever é preciso registrar um conjunto de palavras que vão expressar o que se quer comunicar e que isso requer muitas experiências com a escrita. A autora apresenta, por meio de Emília Ferreiro e seus colaboradores, os experimentos desenvolvidos com crianças de diferentes níveis sociais e idades e o que elas pensam sobre a diferença entre “o que está escrito” e “o que se pode ler”. Os estudos de Ferreiro com as crianças entre 3 e 4 anos revelaram que para elas as letras são apenas letras e não representam o nome de um algum objeto. Um pouco mais tarde, passam a pensar que as letras se tornam objetos substitutos e costumam achar que qualquer coisa que esteja escrito perto de uma figura deve ser o nome da figura. Por exemplo, se em uma caixa de remédio há algo escrito, deve ser “remédio”, ou, quem sabe, pílulas. Essa associação sistemática que as crianças realizam é chamada da “hipótese do nome” (BRASIL, 2001). 72 Unidade I A proximidade espacial entre a escrita e as gravuras é a informação necessária para as crianças “dizerem” o nome do objeto ilustrado. Na pesquisa de Ferreiro ficou evidente que o significado atribuído ao escrito (texto) depende do contexto, ou seja, muda tantas vezes quantas varia o contexto. Saiba mais Sugerimos que assistam os vídeos do MEC no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores: O QUE está escrito e o que se pode ler – parte 1. 2010. 1 vídeo (9 min). Publicado pelo canal Nova Escola. Disponível em: https://bit.ly/2WsJDhR. Acesso em: 15 mar. 2023. O QUE está escrito e o que se pode ler – parte 2. 2010. 1 vídeo (10 min). Publicado pelo canal Nova Escola. Disponível em: https://bit.ly/3FquGFe. Acesso em: 15 mar. 2023. Nesses vídeos que acabamos de indicar são apresentadas várias entrevistas com diferentes crianças que ilustram esses experimentos. O entrevistador mostra às crianças imagens de animais com seus respectivos nomes. Se o texto escrito, por exemplo, for leão e acompanha a figura do leão, para a criança no texto está escrito leão, mas se acompanha a figura do macaco, para o mesmo texto irá dizer macaco também. Há uma total dependência entre o texto e o contexto. O entrevistador coloca uma imagem para criança e traz o nome do macaco para o elefante, e a criança diz que aquele nome “vira” elefante. Nesse momento elas ainda não perceberam a estabilidade das palavras e estão presas à proximidade física do nome à imagem. Com o tempo, as crianças passam a perceber algumas propriedades do texto e a entender as suas propriedades em relação à imagem. Elas percebem que as letras têm a condição de objeto que representa outro objeto e passam a construir a seguinte hipótese: um conjunto de letras que acompanha um desenho ou uma foto deve ser a escrita do nome daquilo que aparece na imagem. Nessa linha, as crianças justificam afirmando que pode ser um ou mais nomes da imagem ou, em outros casos, fazem a segmentação de uma palavra dentro de uma frase. As crianças, ao longo de seu processo de compreensão do que se lê, vão descobrindo as propriedades quantitativas do texto e começam também a perceber as propriedades qualitativas, tanto no sentido de antecipar o significado do que está escrito quanto para verificar a adequação de suas antecipações. Essas situações são necessárias para que o aprendiz evolua conceitualmente, e para tanto ele precisará de oportunidades em contato com a escrita. Da mesma forma que há uma variedade de interpretações para o que está escrito, as crianças também têm um conjunto de ideias do que se pode ler, e quase sempre essas ideias são hipóteses muito interessantes. Com relação à letra, a maioria concorda num ponto: deve haver pelo menos três letras e 73 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO elas devem ser diferentes entre em si. Sobre o conceito de letras, há opiniões diferentes dependendo da cultura de cada criança (CURTO; MORILLO; TEIXIDÓ, 2000). A interpretação do texto ao lado da imagem também traz interpretações coerentes realizadas pela criança e permite ao professor explorar essas hipóteses como um eficaz material de reflexão, um estímulo à aprendizagem do que está escrito e um procedimento de leitura. Para você, futuro professor, é necessário saber as hipóteses que as crianças têm sobre o sistema de escrita para não as considerar erros ou tolices infantis, pois elas fazem parte da evolução conceitual que as crianças devem percorrer, e só assim poderemos contribuire fazê‑las ultrapassar suas limitações. Como explica Weisz (BRASIL, 2001), nosso olhar adulto e alfabetizado deve acolher o ponto de vista do aprendiz no enfrentamento desses desafios. Saiba mais Leia o texto a seguir: FERREIRO, E. Os processos construtivos de apropriação da escrita. In: FERREIRO, E.; PALACIO, M. G. Os processos de leitura e escrita: novas perspectivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. Leia também o capítulo “A compreensão do sistema de escrita: construções originais da criança e informação específica dos adultos”, da seguinte obra: FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 2001. E também o capítulo “Leitura sem imagem: a interpretação dos fragmentos de um texto”, do livro: FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. 74 Unidade I Resumo Esta unidade teve como objetivo contextualizar o surgimento da escrita na história da humanidade, apresentando o processo de evolução que tantos avanços possibilitou ao homem. Foi abordado o período histórico em que a escrita ainda não existia e também o seu surgimento, sendo observados também seu processo histórico e sua influência no progresso da humanidade em várias dimensões (científica, tecnológica e artística). Ter alcançado a construção de um sistema alfabético nos permitiu, com uma menor quantidade de símbolos, registrar uma grande quantidade de caracteres que pudessem representar todos os sons da fala em unidades até menores do que uma sílaba, por exemplo. Conforme o tempo foi passando, o sistema de escrita foi aos poucos se ajustando às variantes de cada povo, ao mesmo tempo em que eles iam incluindo a escrita em sua cultura. Para o futuro professor, é essencial não nos esquecermos de que a escrita foi uma convenção social, ou seja, foi algo criado histórica e coletivamente e que, por isso, ninguém nasce sabendo ler e escrever, o que nos leva a considerar que não podemos naturalizar essas capacidades, já que se trata de algo que precisa ser ensinado para que possa ser aprendido. De certo modo, é como se cada um, quando vai se alfabetizar, reconstruísse todo um percurso que a própria humanidade teve de construir até chegarmos à escrita que utilizamos hoje. Iniciamos a unidade abordando a questão do fracasso escolar, especialmente no que diz respeito às causas que retratam questões que extrapolam os muros da escola. Foi possível também evidenciar o valor da alfabetização em nossa sociedade, considerando o preconceito sofrido por aqueles que ainda se encontram analfabetos nesta sociedade cercada pela cultura letrada. Foi possível conhecer alguns métodos de alfabetização que se pautam na concepção de escrita como um código, como os métodos sintéticos e os analíticos. Vimos também que, historicamente, tal concepção tem se alterado, principalmente devido aos avanços das pesquisas atuais que rejeitam a escrita como um código e defendem a concepção de que a escrita é uma representação. Também foi analisada a Psicogênese da escrita, trabalho de Emília Ferreiro e Ana Teberosky que se apoia na perspectiva construtivista, abordando as hipóteses de escrita construídas pelas crianças durante a aquisição do sistema de escrita alfabético. A pesquisa das autoras não é um método de ensino, mas sim o conhecimento essencial para construirmos 75 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO uma ação didática que permite ao professor intervenções e diálogo com os aprendizes por meio das hipóteses que eles apresentam. A partir de tudo o que foi apresentado, vale a pena salientar que todo professor precisa observar, acompanhar e criar um ambiente alfabetizador e acolhedor para que os estudantes possam ter voz e manifestar suas hipóteses na construção do sistema de escrita. Por fim, podemos dizer que a alfabetização se caracteriza por um conjunto de técnicas e procedimentos necessários para a apropriação do sistema de escrita, enquanto o letramento é a capacidade do uso da escrita em diferentes práticas sociais. Ambos são processos cognitivos e linguísticos distintos e têm naturezas de ensino e aprendizagem diferentes, mas caminham lado a lado, uma vez que são processos simultâneos e interdependentes. 76 Unidade I Exercícios Questão 1. Leia o texto a seguir: No Dia Mundial da Alfabetização, índice de analfabetismo ainda preocupa Brasil ainda tem mais de 14 milhões de pessoas analfabetas DF ocupa o último lugar no ranking regional Figura 47 Instituído há 55 anos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Dia Mundial da Alfabetização, celebrado em 8 de setembro, foi criado para destacar a importância social da alfabetização. No entanto, os altos níveis de analfabetismo no Brasil ainda assustam. Pelo menos 6,6% da população brasileira com mais de 15 anos não sabem ler ou escrever. O desmonte da educação, em franco processo de aceleração, é apontado por especialistas como principal fator para o aumento da taxa de analfabetismo. Os primeiros passos da alfabetização no Brasil tiveram início ainda no período colonial, com a tentativa de padres jesuítas de catequizar os indígenas, em 1554. Os métodos eram falhos e ineficazes e, quando os religiosos foram expulsos, em 1759, nem 1% da população nativa estava matriculada nas escolas. A partir de 1876, surgiram os primeiros métodos de ensino de leitura, com o alfabeto, conhecidos como “método da palavração”, iniciando pelo ensino da leitura de palavras e, depois, da análise dos fonemas das letras. Já em 1890, inicia‑se a segunda fase desse processo, com educadores contrários ao modelo anterior. Surge, então, a pedagogia, que defendia “o que ensinar”. A partir de 1920, tivemos outras questões pedagógicas ligadas ao neurodesenvolvimento da criança, com habilidades visuais, auditivas e motoras infantis. A partir de 1960, surge então o método Paulo Freire, conhecido e defendido até hoje. 77 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO O índice atual de analfabetismo no país é quatro vezes maior do que em 2018. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 14.194.397 pessoas que não sabem ler, escrever nem realizar as operações básicas de matemática. Quatro anos atrás, eram cerca de 11 milhões. Adaptado de: https://cutt.ly/t9ZJiAh. Acesso em: 1 fev. 2023. Com base na leitura, avalie as afirmativas: I – Nos cerca de três séculos em que os jesuítas se ocuparam da tarefa de alfabetização dos indígenas no Brasil colonial, houve significativo avanço nos níveis quantitativos da educação formal no país. II – De 2018 para 2022, tivemos, no Brasil, o aumento de mais de 3 milhões de pessoas que não sabem ler, escrever nem realizar as operações básicas de matemática. III – Em 2022, quase 7% da população brasileira com mais de 15 anos não sabia ler ou escrever. É correto o que se afirma em: A) III, apenas. B) I e II, apenas. C) I e III, apenas. D) II e III, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa D. Análise da questão Conforme o texto aponta, “O desmonte da educação, em franco processo de aceleração, é apontado por especialistas como principal fator para o aumento da taxa de analfabetismo”. Além disso, “na região Centro‑Oeste, 4,9% das pessoas estão incluídas no índice de analfabetismo. Os estados com maior concentração são Mato Grosso (MT), com 6,2%, Goiás (GO) e Mato Grosso do Sul (MS), com 5,1%, e Distrito Federal com 2,7%”. Adaptado de: https://cutt.ly/j9ZLAEc. Acesso em: 1º fev. 2023. 78 Unidade I Questão 2. Leia o texto a seguir: Qual é a diferença entre alfabetização e letramento? A alfabetização é o processo de aprendizagem que desenvolve a habilidade de ler e escrever. Já o letramento desenvolve o uso competente da leitura e da escrita nas práticas sociais. Então, uma das principais diferenças está na qualidade do domínio sobre a leitura e a escrita. Enquanto o sujeito alfabetizado sabe codificar e decodificar o sistema de escrita, o sujeito letrado vai além,sendo capaz de dominar a língua no seu cotidiano, nos mais distintos contextos. Quadro 3 Alfabetização Letramento Conceito Processo de aprendizado da leitura e da escrita Desenvolvimento do uso competente da leitura e escrita nas práticas sociais Uso Uso individual da leitura e escrita Uso social da leitura e escrita Indivíduo Alfabetizado é o sujeito que sabe ler e escrever Letrado é o sujeito que sabe usar a leitura e a escrita de acordo com as demandas sociais Atividades envolvidas Codificação e decodificação da escrita e dos números Organização de discursos, interpretação e compreensão de textos, reflexão Ensino O indivíduo fica apto a desenvolver os mais diversos métodos de aprendizado da língua O sujeito fica habilitado a utilizar a escrita e a leitura nos mais diversos contextos De acordo com Magda Soares, professora e pesquisadora da educação, a diferença está no domínio que o sujeito tem sobre leitura e escrita. O sujeito alfabetizado sabe ler e escrever, mas pode estar pouco habituado a usar essas habilidades no seu cotidiano. Já o indivíduo letrado tem domínio da leitura e da escrita nas mais diversas situações e práticas sociais. Adaptado de: https://cutt.ly/D9ZXEHd. Acesso em: 1º fev. 2023. Em relação à alfabetização e ao letramento, avalie as asserções e a relação proposta entre elas: I – Os termos alfabetização e letramento correspondem a conceitos distintos. porque II – A alfabetização engloba o conjunto de técnicas e procedimentos necessários ao aprendizado da leitura e da escrita, enquanto o letramento refere‑se à capacidade de uso da leitura e da escrita para a inserção da pessoa em práticas sociais e implica habilidades de, por exemplo, interpretação e reflexão. 79 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Assinale a alternativa correta: A) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II justifica a I. B) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II não justifica a I. C) A asserção I é verdadeira, e a asserção II é falsa. D) A asserção I é falsa, e a asserção II é verdadeira. E) As asserções I e II são falsas. Resposta correta: alternativa A. Análise das asserções I – Asserção verdadeira. Justificativa: segundo Soares (2022), a alfabetização e o letramento correspondem a processos cognitivos e conceitos linguísticos distintos. II – Asserção verdadeira. Justificativa: segundo o texto, “a alfabetização é o processo de aprendizagem que desenvolve a habilidade de ler e escrever”, enquanto “o letramento desenvolve o uso competente da leitura e da escrita nas práticas sociais”. Adicionalmente, lemos que, “uma das principais diferenças está na qualidade do domínio sobre a leitura e a escrita”, visto que “o sujeito alfabetizado sabe codificar e decodificar o sistema de escrita”, mas “o sujeito letrado vai além, sendo capaz de dominar a língua no seu cotidiano, nos mais distintos contextos”. Ambas as asserções são verdadeiras e a segunda justifica a primeira.