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Sobre empatia e entrevista psiquiátrica Darlan Lima “Eu juro que é melhor Não ser o normal Se eu posso pensar que Deus sou eu” Balada do louco – Os Mutantes EMPATIA Queridos, antes de qualquer coisa, é importante deixar claro que esse texto serve tão somente para orientar vocês no que acredito ser relevante nessa caminhada no nosso ambulatório. Não se trata de texto científico ou submetido a qualquer análise crítica de outra pessoa. Antes se trata de reflexões acumuladas ao longo de minha experiência e que acredito ser válido compartilhar com vocês. Tampouco substitui a literatura médica indicada e consagrada no meio científico. Em se tratando de estudantes de graduação em Medicina no quarto semestre, o estudo da disciplina Saúde Mental no ambulatório, deve concentrar-se no desenvolvimento de habilidades na coleta de anamnese e realização do exame psíquico. Assim sendo, vamos nos concentrar no exercício de habilidades técnicas, éticas e no amadurecimento emocional necessário ao bom desempenho daquelas atividades. Para o exercício ético e técnico adequados, é fundamental o que o atendimento aconteça no campo da empatia. Por empatia, devemos entender não somente a habilidade de por em suspensão nossas vicissitudes; mas também, sermos capazes de viver e experienciar a verdade e a realidade de outro. Trata-se de reconhecer o outro como pessoa, sujeito e protagonista de sua vida, sua existência e seu vir-a-ser. A partir desse exercício, podemos mergulhar na vivência afetiva dessa outra pessoa, reconhecer seu colorido, seus processos mais íntimos e como tudo isso se desenvolve, comunica-se e interage entre si. Isso é muito importante em Psiquiatria, na medida em que é a partir da vivência deste outro no que lhe é só seu, que iremos ajuda-lo a encontrar ações mais ajustadas e criativas para construir a sua saúde. Falar em construção da saúde pelo próprio paciente em cooperação com seu médico é um desafio revolucionário. Em Psiquiatria, o reconhecimento da liberdade do outro na sua autodeterminação em direção e sentido é crucial. O que não afasta a eventual necessidade de ações incisivas e firmes para garantir a integridade psicofísica do paciente ou de outras pessoas. Tais ações nunca deverão ser usadas como forma de punição por uma expectativa do médico que não foi atendida pelo paciente. É através da empatia que o vínculo entre médico e paciente se fortalece, floresce e se desenvolve; permitindo a confiança do paciente no seu médico para poder se colocar com franqueza e honestidade nas consultas. A partir daí, o médico passa a ter mais e melhores elementos para fazer um bom diagnóstico e instituir a terapêutica adequada. O paciente diante de um médico empático sente-se mais acolhido e confiante no tratamento proposto, melhorando a adesão aos psicofármacos. Além de tudo isso (que por si só, já se justificaria a conduta empática), o encontro empático e autenticamente afetuoso é terapêutico por si mesmo. A empatia só sobrevive em um ambiente de autenticidade recíproca. Por isso, permitir e promover que o paciente seja ele mesmo em todas as suas nuances e vivacidade é muito importante. Da mesma forma devemos acreditar em nós mesmo, na nossa experiência de existência e na nossa maneira de fazer a Medicina acontecer. É nesse encontro genuíno, verdadeiro e franco entre essas duas pessoas que esta alicerçada o exercício da Psiquiatria. Como podemos ver a boa atuação em Psiquiatria- e mesmo na Medicina como um todo- requer de nós muito mais que sejamos meros técnicos em doenças. É necessário que desenvolvamos nossa sensibilidade direcionada a quem nos procura no momento de sofrimento e incertezas. É necessário que possamos ser solidários a quem se encontra em uma situação de vulnerabilidade física e emocional e que vê em nós a possibilidade de ter isto minimizado. É necessário que sejamos cooperativos com estes pacientes na sua caminhada a construção de sua saúde. É para esta caminhada que convido vocês... ANAMNESE PSIQUIÁTRICA A anamnese psiquiátrica tem particularidades em relação à anamnese clínica, ainda que objetivo seja o mesmo: estabelecer uma historicidade que permita conhecer o paciente e fornecer elementos para a construção diagnóstica e terapêutica. No entanto, as perguntas, intervenções e proposições devem ser feitas de forma diferenciada. É importante investigar o que o paciente está sentindo, quando tudo começou, como se foi desenvolvendo ao longo do tempo; o que interfere nesse sintoma (agravando ou aliviando), a história psiquiátrica prévia,uso de fármacos/psicofármacos, comorbidades e como estão sendo conduzidas etc. Repare que até aqui, pouco difere da anamnese clínica. Além dessas perguntas, procure investigar sobre a rotina do paciente, seus gostos, contatos afetivos, laços familiares, laços sociais, entretenimento, atividade laboral, renda, hobbies, espiritualidade, desejos, aspirações, qualidade do sono, eventos marcantes (bons ou ruins), sua infância, adolescência, filhos etc. Note a amplitude. Isso é muito bom! A anamnese pode se transformar num delicioso encontro, com toda sua beleza e leveza; mas nunca se deve abrir mão da intencionalidade. Isto significa que a anamnese psiquiátrica deve conter investigações rica de sentido, onde as perguntas cumprem um papel, estão a serviço da obtenção de alguma informação relevante. Jamais deverá servir a pura curiosidade do médico, nem tampouco se transformar em um “papo de comadres”, onde se pergunta por perguntar sem compreender a utilidade da informação obtida. Vale ressaltar que ainda que a anamnese psiquiátrica peça investigação de situações específicas a esta anamnese, o que a torna peculiar não é o que se pergunta, mas a forma como essa pergunta é feita; a forma habilidosa que a anamnese deve ser conduzida pelo médico. Dito isto, concentre-se na sua postura diante do paciente: um sorriso amigável, tom calmo de voz, leveza dos movimentos fazem bem. Por outro lado nunca percam sua autenticidade, fluidez e espontaneidade, afinal é perceptível toda atuação forçada. Priorizar perguntas abertas, como aquelas que abrem espaço para uma ampla possibilidade de respostas. Perguntar ao paciente “como você está?”, abre espaço a uma infinidade de respostas. Perguntar “você está bem?”, limita a resposta a sim ou não. Oferecer a cada paciente o tempo que ele precisa para processa o que você perguntou e a resposta que ele acha importante lhe dar. Valorize o silêncio. Ele dá a chance do paciente assimilar sua própria vivência e responder de forma autêntica, sem pressa. Em situações de atendimento ambulatorial, na maior parte das vezes não se faz necessário e nem é possível dar conta de todas as questões do paciente em uma única consulta. Por isso tenha calma, valorize o que é colocado e anote alguma dúvida que possa ser sanada em momento posterior. A mente humana é sábia e oferece constantemente informações importantes. Ademais, o paciente pode ainda não estar pronto para abordar alguns assuntos. Então, desde que não haja grave perigo ou ameaça ao paciente ou a terceiros; tenha sabedoria e paciência nessa investigação. E nunca esqueçam que em Psiquiatria o que não é dito é tão importante quanto o que é dito. Algumas situações específicas pedirão determinadas atitudes da parte de vocês. Pacientes com comprometimento de algumas funções psíquicas (pacientes com retardo mental, em surto psicótico etc) podem requerer uma postura mais ativa na consulta, sendo necessário perguntas mais estruturadas e diretas, muito próximas àquelas que se tem como resposta sim ou não. Fato importante é a necessidade de ouvir cônjuges, familiares, amigos, colegas de trabalho, chefes, professores, autoridades policiais, colegas médicos que assistem ao paciente em outras especialidades, psicólogos, equipe multiprofissional assistente etc; quando se fizer necessário e sempre com a anuência do paciente.Jamais entre em conluio, acordos ou conchavos com outras partes, por mais tentador que seja. Você pode comprometer definitivamente a boa aliança com seu paciente. EXAME PSÍQUICO O exame psíquico é parte fundamental da entrevista psiquiátrica, e contribui bastante para a formulação diagnóstica. Segue abaixo as principais funções psíquicas e suas definições, expostos de modo sucinto, objetivo, direto e –principalmente- pragmático. As sentenças abaixo que se seguem ao sinal - são exemplos de como se pode registrar no prontuário. As sentenças abaixo que se seguem ao sinal * são exemplos de alterações da referida função psíquica As sentenças que se seguem ao sinal # dizem o nome da alteração APARÊNCIA É a forma que o paciente se apresenta fisicamente na consulta. Estado de higiene, autocuidado, sinais de alteração de peso, sinais corporais atípicos, roupas, maquiagem, odor, uso de adereços etc. -Paciente adequadamente vestido, higienizado, com preservação do autocuidado, barba bem feita. Aparenta perda de peso rápida. Nota-se tatuagem de dragão em todo o dorso e de teias de aranha nos joelhos. Com odor característico e vestindo roupa própria de academia. CONDUTA É a forma como o paciente se comporta na consulta. Cooperação com a consulta, se está abordável, comportamento adequado e desejável ou não à situação. -Tranquilo, abordável, cooperativo. Sorri amigavelmente no início da consulta -Inadequado, debochado, irônico, sarcástico. Não responde às minhas perguntas e fita-me com olhar de desdém ORIENTAÇÃO Averigua se o paciente sabe quem ele é, quem o médico é, onde esta, momento do dia, mês, ano etc. -Orientado no tempo ,espaço, pessoas e si mesmo. -O paciente sabe quem ele é, me chama pelo nome, me reconheceu. Mas disse que estava no restaurante da sua tia aguardando ela chegar. Mesmo com o clarão do sol entrando pela janela, perguntou se o jantar não ia ser servido, pois parecia já ser tarde da noite. PSICOMOTRICIDADE Avalia a mímica corporal do paciente -Paciente com tremores em mãos e orofaciais -Bastante inquieto, fica andando de um lado para outro. -Em negativismo FALA Avalia o ritmo da fala #Loquacidade, taquilalia, logorréia, bradlalia, mutismo, disartria, ecolalia. -O paciente fala o tempo todo e não me deixa intervir AFETO É a expressão instantânea do colorido emocional do paciente #Deprimido, hipomodulado, eutímico, distanciado, pernóstico, elevado, eufórico, disfórico, angustiado, restrito, apático, embotado etc. -O paciente está com o afeto embotado, quase não se nota expressão viva nele. Parece que está apagado HUMOR É expressão habitual do colorido emocional do paciente Vide acima PENSAMENTO- ESTRUTURA Evidencia como as ideias se articulam na mente do paciente. Se há nexo, conexão frasal e sintática. #Circunstancial, tangencial, salada de palavras, afrouxado, fragmentado, desagregado, presença de neologismos *“Os ossos negativos ofensível suja tudo e quermem” – Estamira *“Você é comum, eu não sou comum, só o formato que é comum. Vou explicar tudinho agora. É cegar o cérebro, o gravador sanguíneo de vocês. O meu eles não conseguiram. É a bronca dele, do Trocadilo”- Estamira *“Estamira, Estamar, Estaserra”- Estamira *“Quem revelou o homem como o único condicional, ensinou ele a proteger, lavar e cuidar mais” - Estamira PENSAMENTO-CONTEÚDO Evidencia a idéia por si mesma, sua natureza. Alguns pensadores consideram que a alteração do Juízo crítico seria uma forma de alteração no conteúdo do pensamento. Eu não considero, nem Paulo Dalgalarrondo. Para nós o conteúdo fala tão somente da natureza da idéia do pensamento em si, sobre o que ele tá versando. Se esse versar não está congruente com a realidade, trata-se de alteração no Juízo crítico. Frequentemente as alterações de Conteúdo de pensamento e Juízo crítico veem casados : *“Felizmente , depois que eu comecei a revelar, erra só quem quer”- Estamira *“O Trocadilo fez de tal forma, que as pessoas que menos tem, mais desprezam, mais jogam fora” – Estamira #Temas variados, como místico-religioso, sexual, paranoide, desvalia, desesperança etc JUÍZO CRÍTICO É a capacidade de identificar o real. A capacidade de distinguir a realidade do que não é realidade Vide exemplos no das passagens de “Estamira” destacados no tópico de Conteúdo do pensamento AUTOPATOGNOSE É a percepção de que se esta doente *“Eu sei que não é normal ver diabinhos no quintal” *“Eu tenho certeza que todo mundo está me gravando pelo celular “ *“Parece estranho ouvir minha irmã me chamar, já que ela está na Espanha. Mas é tão real....não sei.....” ATENÇÃO- VIGILÂNCIA É o exercício da apercepção difusa ou a possibilidade de redirecionar espontaneamente sua percepção para o que for relevante no momento #Vigil, hipervigilante ATENÇÃO- TENACIDADE É o exercício do apercepção concentrada em um objeto ou evento específico por ser relevante #Hipotenaz, tenaz, hipertenaz MEMÓRIA É a habilidade de registrar e resgatar eventos e fenômenos #Défict de memória ou memória preservada COGNIÇÃO É a habilidade de apreender eventos e fenômenos #Défict cognitivo ou cognição preservada EU É a vivência de singularidade, identidade, naturalidade, unicidade, estabilidade, dinamismo e fluidez da própria existência. Esta vivência é particular #Alterações na Unidade do EU, na Consciência executiva do EU, na Identidade do EU ao longo do tempo, na Consciência da existência do EU, na Consciência opositiva do EU SENSOPERCEPÇÃO É a habilidade de apreender eventos ou fenômenos através dos órgão do sentido #Alucinações auditivas, visuais, tatéis, gustativas, olfativas, cinestésicas ou cenestésicas #Ilusões auditivas, visuais, táteis, gustativas, olfativas, cinestésicas ou cenestésicas *“Eu VI um vulto” *“Eu OUÇO minha irmã me chamar” *“Tô SENTINDO que minha perna esta encurtando” *“Eu CHEIRO a defunto podre” PERSONALIDADE Trata-se da integralidade fluida, dinâmica, harmônica, peculiar, singular e específica das funções psíquicas. O que confere qualidade de unicidade à existência da pessoa. Esta percepção é dispersiva, ou seja é realizada por si e percebida também pelos outros. #Esquizóide, esquizotípica, anancástica, borderline, paranoide, antissocial, narcicista, histriônica, normal
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