Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

ED
UC
AÇ
ÃO
 PÚ
BL
ICA
, F
OR
MA
ÇÃ
O 
PR
OF
ISS
IO
NA
L E
 CR
ISE
 D
O 
CA
PI
TA
LIS
MO
 CO
NT
EP
OR
ÂN
EO
Autores:
Aracélia C. Farias, pedagoga e 
professora da educação básica, 
araaceliafarias@yahoo.com.br.
Betânia Moreira de Moraes, 
doutora em educação e professora 
da UECE, betaneamoraes@
hotmail.com.
Cleide Maria Quevedo Quixadá 
Viana, doutora em educação 
e professora da UnB, 
cleidequixada@gmail.com (Org.).
Cristiane Porfi rio do Rio, doutora 
em educação e professora da 
UECE, crisporio@yahoo.com.br. 
Deribaldo Santos, doutor em 
educação e professor da UECE, 
deribaldosantos@yahoo.com.br. 
(Org.).
Frederico Costa, doutor em 
educação e professor da UECE, 
frederico.costa@uece.br.
Edna Bertoldo, doutora em 
educação e professora da UFAL, 
edna_bertoldo@hotmail.com.
Edvaldo Albuquerque dos Santos, 
mestre em educação e técnico 
da Secretaria de Educação e do 
Esporte do Estado de Alagoas, 
professoredvaldo@uol.com.br.
Helena Freres, doutoranda em 
educação e professora da UECE, 
helenafreres@hotmail.com.
Ilma Passos Alencastro Veiga, 
doutora em educação e professora 
da UnB, ipaveiga@terra.com.br.
Jackline Rabelo, doutora em 
educação e professora da UFC, 
jacklinerabelo@uol.com.br (Org.).
Jorge Alberto Rodrigez, doutor em 
educação e professor da UECE, 
jorgearp@y ahoo.com.br.
Maria Cleidiane Cavalcante 
Freitas, mestranda em educação 
na UECE, cleidia necavalcante@
hotmail.com.
Maria das Dores Mendes Segundo, 
doutora em educação e professora 
da UECE, mendesegundo@uol.
com.br.
Osterne Maia, doutor em 
educação e professor da UECE, 
osterne_fi lho@uol.com.br.
Ruth de Paula, doutora em 
educação e professora da UECE, 
ruthm@secrel.com.br.
Susana Jimenez, PhD. em 
educação e professora da UECE, 
susana_jimenez@uol.com.br 
(Org.).
Valdemarin Coelho Gomes, 
doutor em educação e professor da 
UFC, rabbitmario@hotmail.com.
9 788578 261504
EDUCAÇÃO PÚBLICA, 
FORMAÇÃO PROFISSIONAL 
E CRISE DO CAPITALISMO 
CONTEMPORÂNEO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
ReitoR
José Jackson Coelho Sampaio 
Vice-ReitoR
Hidelbrando dos Santos Soares
editoRa da Uece
Erasmo Miessa Ruiz
conselho editoRial
Antônio Luciano Pontes
Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes
Emanuel Ângelo da Rocha Fragoso 
Francisco Horácio da Silva Frota
Francisco Josênio Camelo Parente
Gisafran Nazareno Mota Jucá
José Ferreira Nunes
Liduina Farias Almeida da Costa
Lucili Grangeiro Cortez
Luiz Cruz Lima
Manfredo Ramos
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Marcony Silva Cunha
Maria do Socorro Ferreira Osterne
Maria Salete Bessa Jorge
Silvia Maria Nóbrega-Therrien
conselho consUltiVo
Antônio Torres Montenegro | UFPE
Eliane P. Zamith Brito | FGV
Homero Santiago | USP
Ieda Maria Alves | USP
Manuel Domingos Neto | UFF
Maria do Socorro Silva Aragão | UFC
Maria Lírida Callou de Araújo e Mendonça | UNIFOR
Pierre Salama | Universidade de Paris VIII
Romeu Gomes | FIOCRUZ
Túlio Batista Franco | UFF
Deribaldo Santos
Susana Jimenez 
Cleide Maria Quevedo Quixadá Viana
Jackline Rabelo
1a Edição
Fortaleza - CE
2016
EDUCAÇÃO PÚBLICA, 
FORMAÇÃO PROFISSIONAL 
E CRISE DO CAPITALISMO 
CONTEMPORÂNEO
© 2016 Copyright by Deribaldo Santos, Susana Jimenez, Cleide Maria Quevedo 
Quixadá Viana e Jackline Rabelo
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Editora da Universidade Estadual do Ceará – EdUECE
Av. Dr. Silas Munguba, 1700 – Campus do Itaperi – Reitoria – Fortaleza – Ceará
CEP: 60714-903 – Tel: (085) 3101-9893. FAX: (85) 3101-9893
Internet: www.uece.br/eduece – E-mail: eduece@uece.br
Editora filiada à
 
Coordenação Editorial
Erasmo Miessa Ruiz
Diagramação
Narcélio Lopes
Capa
Cristiano Rio
Revisão de Texto
Helena Freres
Ficha Catalográfica
Bibliotecário Francisco Leandro Castro Lopes CRB 3/1103
 
E24 Educação pública, formação profissional e crise no capitalismo contemporâneo / 
 Deribaldo Santos, Susana Jimenez, Cleide Maria Quevedo Quixadá Viana, Jackline 
 Rabelo, (Orgs.). - Fortaleza: EdUECE, 2016.
 422 p. : il.
 ISBN: 978-85-7826-524-3
 1. Educação. 2. Formação profissional. 3. Crise no capitalismo. I. Santos, Deribaldo. 
 II. Jimenez, Susana. III. Viana, Cleide Maria Quevedo Quixadá. IV. Rabelo, Jackline. 
CDD: 370 
SUMÁRIO
Apresentação 
Deribaldo Santos ............................................................................................... 8
PRIMEIRA PARTE:
Pressupostos e problematizações contextuais
Marxismo, trabalho e ser social
Frederico Costa, Ruth de Paula, Betânia Moraes ............................................ 20
Concepções epistemológicas e onto-históricas da técnica e 
da tecnologia: um debate no legado de Álvaro Vieira Pinto 
Deribaldo Santos ............................................................................................. 57
Educação e desenvolvimento
Jorge Alberto Rodriguez ................................................................................. 76
Indivíduo e educação: notas sobre o processo de (des)
humanização do ser social
Betânia Moraes, Ruth de Paula, Frederico Costa ............................................ 94
A chave do saber: um exame crítico do novo paradigma 
educacional concebido pela ONU
Osterne Maia, Susana Jimenez ...................................................................... 119
A educação dos povos Ibero-americanos no contexto de crise 
estrutural do capital
Jackline Rabelo, Maria das Dores Mendes Segundo, Helena Freres, Valdemarin 
Coelho Gomes .............................................................................................. 142
SEGUNDA PARTE:
Ensino básico e formação profissional do trabalhador brasileiro 
em sintonia com os interesses da classe dominante 
Plano de Desenvolvimento e Acompanhamento do Projeto 
Político-Pedagógico junto aos sistemas de ensino integrados 
ao Programa Brasil Profissionalizado
Cleide Maria Quevedo Quixadá Viana, Ilma Passos Alencastro Veiga ......... 163
O ProJovem e a educação na sociedade contemporânea
Ruth de Paula, Betânia Moraes, Frederico Costa .......................................... 190
As determinações do capital na formação do trabalhador: 
o ensino médio regular noturno em questão
Edvaldo Albuquerque dos Santos, Edna Bertoldo ......................................... 204
Baixos índices de proficiência no ensino básico público 
cearense: primeiras aproximações
Cristiane Porfírio do Rio ............................................................................... 237
Ensino médio integrado no Estado do Ceará: o “Caminho de 
pedras” do empreendedorismo para a escola pública
Aracélia C. Farias, Deribaldo Santos, Maria Cleidiane C. Freitas ................. 273
Sorria! Você está sendo “educado para o trabalho”: uma análise 
crítica da expansão da graduação tecnológica brasileira
Deribaldo Santos, Susana Jimenez, Maria das Dores Mendes Segundo ........ 304
8
Apresentação
As retrospectivas midiáticas sobre o primeiro ano da segun-
da década do século XXI, lotaram os noticiários com relatos so-
bre as manifestações populares por democracia no mundo árabe, 
sobre as reivindicações colocadas no coração do imperialismo 
americano, pelo movimento “Ocupe Wall Street”, bem como so-
bre protestos diversos encabeçados por jovens em toda a Europa 
Ocidental, dentre outros. As análises acerca de tais eventos, con-
tudo, com as costumeiras e bem vindas exceções, não vão além 
da habitual miopia necessária à manutenção da ordem capitalista. 
Não há nos diagnósticos apresentados, de maneira geral, o reco-
nhecimento devidamente preciso quanto à natureza e ao escopo 
da crise sem precedentes na históriada humanidade, que o capi-
tal passou a degustar a partir do final da década de 1960, início 
dos anos de 1970.
Como indicado por Mészáros em seu já clássico livro Para 
além do Capital, a crise crônica que passou a afetar a sociedade 
contemporânea não se restringe mais apenas aos países da pe-
riferia do sistema; os Estados de capitalismo central passam a 
acumular altos níveis de desemprego, desesperadores índices de 
violência, desordenamento urbano, diversos e cruéis ataques ao 
meio ambiente, entre tantos outros problemas vistos a olhos nus. 
A receita aviada pelos defensores da ordem para corrigir tais 
problemas recai, infalivelmente, na reordenação das relações en-
tre Estado e mercado. O Estado de Bem Estar Social passa a ser 
acusado de desatualizado; o binômio da produção industrial tay-
lorista/fordista é considerado démodé; Lord Keynes ultrapassado. 
A nova ordem globalizada, neoliberal e pós-moderna se levanta 
9
com pompa, anunciando deter a solução para os problemas da 
humanidade, cuja fórmula reza não restar mais lugar para políti-
cas públicas universalistas, exigindo, ademais, que o Estado deixe 
agir o mercado desembaraçadamente. 
A cegueira idealista burguesa da maioria dos analistas eco-
nômicos do mundo, uns por pura falta de compreensão da rea-
lidade e outros por duvidoso perfil de caráter (em grande parte 
das vezes, os dois casos), não consegue enxergar que o capital é 
incorrigível e incontrolável. Por conseguinte, como muito bem 
nos aponta Mészáros, conquanto as crises cíclicas apenas servi-
ram, em última instância, para lhe proporcionar novas estratégias 
de sobrevivência, a crise contemporânea, de natureza estrutural, 
requer do capital que aprofunde de forma ímpar, a exploração e a 
desigualdade, com vistas a garantir sua reprodução. Portanto, as 
reformas dos Estados periféricos, particularmente, dos países da 
América Latina e, mormente as educativas efetivadas a partir da 
década de 1990 no Brasil, servem, quando muito, para expor o 
próprio limite do sistema, conjugado à impotência de, por dentro 
da ordem, reverter-se a situação de barbárie com que a humani-
dade está a conviver.
E, assim, passamos a presenciar uma ofensiva cada vez maior 
de ataque do imperialismo, desta feita, representado por seus 
guardiões (as organizações internacionais), sobre os históricos 
direitos sociais duramente conquistados pela classe trabalhadora. 
A educação, destacadamente a formação profissional efeti-
vada pela escola pública, objeto específico deste livro, em meio a 
outros setores como saúde e previdência, passa a representar uma 
das presas prediletas da política de utilização do Estado como 
forma de garantir a acumulação do lucro capitalista no quadro 
da crise estrutural.
10
Nesse escopo, manifestações de protesto se espalham por 
todo o mundo, despontando como expressões fenomênicas da 
crise, para usarmos os termos de Ricardo Antunes. Não é onero-
so lembrar os eventos de protesto ocorridos em Paris no ano de 
2005. Nessa oportunidade, os dados divulgados pelo Observató-
rio Nacional de Zonas Urbanas Sensíveis – órgão oficial do gover-
no francês – afirmaram que o índice de desemprego entre os jo-
vens protagonistas dessas manifestações girava em torno de 40%, 
enquanto a média nacional estava próxima de 11%. Não havia 
dúvida de que esses episódios, denominados pela mídia mundial, 
de distúrbios franceses, espalhar-se-iam por toda a Europa. Não 
tardamos a presenciar manifestações de igual natureza, ocorrendo 
na Grécia, na Espanha, na Inglaterra, dentre outros países.
O cenário de crise profunda por que passa o capitalismo 
contemporâneo impossibilita a acumulação do capital sem o 
aprofundamento da exploração. Com efeito, essa agudização 
ocorre com o aporte precioso e indispensável do Estado. Isso 
acontece cotidianamente, mesmo acreditando os cegos do caste-
lo, ser o Estado ineficiente, devendo, por esta razão, afastar-se da 
economia. Esse é o pano de fundo que envolve a trama de media-
ções que articulam, no atual estágio da experiência humana, os 
diferentes complexos sociais. 
É a partir desse contexto, portanto, que o presente livro 
procura analisar a problemática da escola pública brasileira, par-
ticularizando a formação profissional, a qual se destina, por exce-
lência, à classe trabalhadora.
A coletânea Educação pública, formação profissional e 
crise do capitalismo contemporâneo sintetiza, primordialmen-
te, parte das pesquisas que se desenvolvem no interior ou no en-
torno do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operá-
11
rio da Universidade Estadual do Ceará – IMO/UECE. Esse Insti-
tuto foi o responsável maior por articular diversos investigadores 
vinculados a grupos de pesquisa, programas de pós-graduação e 
laboratórios de pesquisa de quatro universidades distintas, que se 
dispuseram a apresentar suas exposições na presente publicação. 
Registramos o importante suporte em forma de fomento 
financeiro concedido pela Fundação Cearense de Apoio ao De-
senvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP e pelo Con-
selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico 
– CNPq, respectivamente através do aporte designado ao desen-
volvimento dos projetos de pesquisa Entre o mercado de trabalho 
e a formação humana: examinando criticamente a proposta de 
Ensino Médio Integrado do Estado do Ceará, do Programa de 
bolsas de produtividade em pesquisa e estímulo à interiorização 
– BPI (Edital N° 02/2010); e Graduação tecnológica no Ceará: 
contrastes e perspectivas do Instituto CENTEC/CE, do Progra-
ma Universal (Edital MCT/CNPq N° 014/2010), que garanti-
ram a concretização desta publicação.
A coletânea divide-se em duas partes distintas e comple-
mentares. A primeira parte, intitulada Pressupostos e proble-
matizações contextuais, contém as comunicações responsáveis 
por explicitar o trabalho como o complexo fundante do ser so-
cial, para, sobre esse fundamento, trazer ao debate, o lugar onto
-histórico da técnica e da tecnologia; contemplando, sob diversos 
ângulos, as relações entre os complexos do trabalho e da educação 
no quadro da crise da sociabilidade contemporânea. Já a segunda 
parte, Ensino básico e formação profissional do trabalhador 
brasileiro em sintonia com os interesses da classe dominan-
te, avança sobre a questão específica da educação pública, dire-
cionando seus exemplos para o ensino básico e para a formação 
12
profissional para, por fim, fechar suas reflexões com o debate 
sobre o chamado Ensino Superior Não Universitário (ESNU). 
Como adiantado, todavia, esta parte da publicação complementa 
aquela, pois, a partir de exemplos empíricos, expõe os limites das 
políticas públicas neoliberais, que, no liame de suas contradições, 
buscam, com efeito, por intermédio das reformulações propostas 
pelos organismos transnacionais, extrair do complexo educativo, 
formas “inovadoras” de manutenção do status quo.
A riqueza da análise sobre a importância do trabalho no 
desenvolvimento do ser social e seu rigor conceitual-didático, 
atribuiu ao artigo Marxismo, trabalho e ser social, de autoria 
de Frederico Costa, Ruth de Paula e Betânia Moraes, a desafia-
dora tarefa de abrir a coletânea. Por intermédio desta exposição, 
extraída das investigações do grupo desenvolvidas a partir das 
discussões fertilizadas no IMO, bem como no Programa de Pós-
Graduação em Educação – PPGE da UECE, e no Programa de 
Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal 
do Ceará – UFC, os autores aprofundam, de forma devidamente 
rigorosa, a relevância da categoria trabalho para o correto enten-
dimento do complexo educativo.
A confusão categorial posta em prática pela epistemologia bur-
guesa-idealista que confere à técnica e seu locus, a tecnologia, dois 
papeis contrapostos: por um lado apresentando-a como a salvação da 
humanidade, e por outro,atribuindo-lhe a culpa maior pelos males 
verificados nos países periféricos, é debatida de forma criticamente 
esclarecedora no artigo Concepções epistemológicas e onto-histó-
ricas da técnica e da tecnologia: um debate fundado no legado de 
Álvaro Vieira Pinto. Deribaldo Santos, sintetiza, neste ensaio, parte 
do trabalho desenvolvido por Vieira Pinto em seu livro póstumo O 
conceito de tecnologia, onde este Filósofo, calcado em algumas das 
13
principais teses marxianas, deslinda o verdadeiro sentido da técnica e 
da tecnologia para o mundo dos homens. 
Jorge Alberto Rodrigez, por sua vez, contribui com o debate 
ao expor em seu ensaio Educação e desenvolvimento o contexto 
que envolve a publicação do documento Educação e conheci-
mento: eixo da transformação produtiva com equidade. O autor 
dialoga com as teorias debatidas no seio da Comissão Econômica 
para América Latina e o Caribe – CEPAL, bem como no interior 
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e 
a Cultura – UNESCO, para, com base em autores como Gaspar 
Weinnberg e German Rama, tecer suas inferências sobre o pro-
cesso de desenvolvimento da educação na América Latina. 
O artigo intitulado Indivíduo e educação: notas sobre 
o processo de (des)humanização do ser social de autoria de 
Betânia Moraes, Ruth de Paula e Frederico Costa, faz parte das 
pesquisas que seus autores desenvolvem na integração entre os 
programas de pós-graduação em educação da UECE, bem como 
da UFC. O ensaio busca, inicialmente, problematizar a concep-
ção naturalizada em nossas consciências de que os indivíduos são 
essencialmente egoístas, competidores, ou seja, que o egoísmo e o 
ato de competir são inerentes à essência humana; posteriormen-
te, debate a atividade essencial da educação e o seu real papel na 
formação do indivíduo; problematiza, por fim, a concepção de 
atividade pedagógica como prática redentora geral, isto é, ques-
tiona a concepção de educação como a verdadeira tábua de salva-
ção, capaz de sanar todas as formas de miséria vigente em nossos 
dias. Os autores apontam nessa exposição para o papel efetivo da 
educação no processo de constituição do indivíduo livre e de uma 
vida plena de sentido, qual seja: uma formação assente na luta 
pela superação da exploração do homem pelo homem.
14
A chave do saber: um exame crítico do novo paradigma 
educacional concebido pela ONU, de Osterne Maia e Susana 
Jimenez, por seu turno, insere-se no debate educacional radical-
mente crítico, destacando os princípios e diretrizes formuladas a 
partir da paradigmática I Conferência de Educação para Todos, 
realizada em Jomtien, em 1990. Tratando-se, reconhecidamente, 
de um Manual de larga popularidade da vulgata pedagogista, o 
Relatório, Educação, um tesouro a descobrir, elaborado, a partir 
de Jomtien, sob a coordenação de Jacques Délors, é submetido, 
aqui, a um rigoroso exame, o qual disseca, impiedosamente, cada 
um dos quatro pilares consagrados pela ONU para a condução 
dos affairs educacionais no decantado novo milênio. Demons-
tram os autores que o modelo ONU, por estes, referido, muito 
curiosmente, através do vocábulo CHAVE (C de conhecimento, 
H de habilidade, A de atitude, V de valores e E de existencial), 
pretende superar as supostas limitações e parcialidades dos modelos 
pedagógicos anteriores, para, assim, atender às exigências colocadas 
pelo mundo contemporâneo, em toda sua linha de argumentação 
- ou mistificação - passando ao largo, como não poderia deixar de 
ser, do complexo de determinações que, efetivamente respondem 
pelos problemas e desafios a que a educação é chamada a responder 
na perspectiva da emancipação humana.
Fecha a primeira parte desta publicação o artigo A educação 
dos povos ibero-americanos no contexto de crise estrutural 
do capital, fruto de reflexões apreendidas pela pesquisa O Movi-
mento de Educação para Todos e a Crítica Marxista, gestada no 
IMO e desenvolvida de forma integrada entre a UECE, através 
do PPGE, e a UFC, no âmbito do Linha Marxismo, Educação 
e Luta de Classes – E-Luta do Programa de Pós-Graduação em 
Educação Brasileira desta universidade. Assinada por Jackline 
Rabelo, Maria das Dores Mendes Segundo, Helena Freres e Val-
15
demarin Coelho Gomes, a comunicação propõe-se a examinar a 
função social do complexo educativo nos discursos das conferên-
cias promovidas pela Organização dos Estados Ibero-americanos 
para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), ocorridas entre os 
anos de 1985 e 2008.
Para iniciar a segunda parte do livro, Cleide Maria Que-
vedo Quixadá Viana e Ilma Passos Alencastro Veiga apresentam 
o artigo Plano de Desenvolvimento e Acompanhamento do 
Projeto Político-Pedagógico junto aos sistemas de ensino in-
tegrados ao Programa Brasil Profissionalizado, no qual, as au-
toras investigam, com base no Decreto nº. 5.154/04, a estrutura 
da proposta de Plano de Desenvolvimento e Acompanhamento 
do Projeto Político-Pedagógico para a integração do ensino mé-
dio com a educação profissionalizante. De forma suficientemente 
didática, o artigo explica como funcionam os três níveis em que 
se desenvolverá a integração: 1) macro; 2) meso ou intermediário; 
e 3) micro ou de unidade escolar. O estudo faz parte das pesqui-
sas desenvolvidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em 
Educação da Universidade de Brasília – PPGE/FE/UnB, especifi-
camente dentro do grupo de pesquisa Formação de Profissionais 
da Educação – Lattes/CNPq. 
Ruth de Paula, Betânia Moraes, e Frederico Costa encon-
tram-se novamente para debater, à luz da ontologia marxiano-lu-
kacsiana, os limites da proposta de formação educacional do Pro-
Jovem, que em oposição à reprodução do gênero humano atende 
a reprodução do capital em tempos de crise estrutural. Tal discus-
são é tratada com o devido rigor crítico no artigo O ProJovem e 
a educação na sociedade contemporânea, que, por sua vez, teve 
origem no seio do IMO/UECE e decorre de uma pesquisa de 
Iniciação Científica. O artigo, com suporte teórico nos estudos 
16
de Leontiev, Duarte, Tonet, Jimenez e Mendes Segundo, defende 
que o ideário das pedagogias do aprender a aprender, presente na 
proposta do ProJovem, prenhe de subjetivismo e imediatismo, 
põe em relevo a prática em uma relação inadequada com a teo-
ria, o que contribui para o esvaziamento do conteúdo, tão caro 
à apreensão do real em seu movimento. A exposição indica que, 
desse modo, educação de jovens provenientes da classe trabalha-
dora, defendida em programas oficiais, segue alargando o fosso 
entre espécie e gênero humano, atingindo frontalmente as subje-
tividades, firmando compromisso com a reprodução do capital.
Já a exposição As determinações do capital na formação 
do trabalhador: o ensino médio regular noturno em questão, 
assinada por Edvaldo Albuquerque dos Santos e Edna Bertoldo, 
trabalha o conteúdo da dissertação Ensino médio Regular Notur-
no: as determinações do capital na formação do aluno trabalha-
dor, de autoria do primeiro autor, defendida no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas – 
UFAL, sob a orientação da segunda autora e em articulação com 
o Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Ontologia Marxiana 
da mesma Universidade. Os autores, alçados com propriedade, 
excursionam por sobre a função histórica do complexo educa-
tivo, o que lhes impede de nutrir expectativas favoráveis sobre 
a possibilidade da recém reformulação operada sobre o ensino 
médio. Com uma análise muito bem aparelhada sobre o papel do 
Estado através das leis burguesas, a comunicação adianta, a título 
de considerações finais, que as modificações cimentadas sobre o 
capital, a exemplo da Reforma do Ensino Médio, não podem 
mais que perpetuar a histórica dualidade educativa, inerente à 
educação capitalista. 
O artigo Baixos índices de proficiência no ensino básico 
17público cearense: primeiras aproximações escrito por Cristiane 
Porfirio do Rio, concentra as reflexões iniciais da pesquisa em 
andamento, intitulada A escola pública cearense contemporânea: 
examinando os determinantes dos baixos índices de proficiência 
do ensino médio, desenvolvida pela autora com o apoio do La-
boratório de Pesquisa sobre Políticas Sociais do Sertão Central e 
do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, Estética e Sociedade 
– Lapps/GPTREES da Faculdade de Educação, Ciências e Le-
tras do Sertão Central – FECLESC/UECE, que, por seu turno, 
são coligados ao IMO. A comunicação pretende expor de forma 
necessariamente sintética, a problemática dos baixos índices de 
proficiência apontados pelo Sistema Permanente de Avaliação da 
Educação Básica do Ceará (SPAECE). Para atender a esse ob-
jetivo, a exposição apoia-se na onto-metodologia marxiana para 
examinar os dados referentes à avaliação da escola básica cearense; 
dialoga com o estado da arte sobre a história da dicotomia edu-
cativa; e, como notas conclusivas, em caráter preliminar, aponta 
algumas das principais reflexões que urgem ser feitas sobre essa 
candente problemática.
A seguir, o leitor vai encontrar o artigo Ensino médio in-
tegrado no Estado do Ceará: o “Caminho de pedras” do em-
preendedorismo para a escola pública, realizado por Aracélia 
C. Farias, Deribaldo Santos e Maria Cleidiane C. Freitas. Este 
trabalho vincula-se, em larga medida, à pesquisa monográfica 
intitulada Educação profissional no contexto neoliberal: opção 
ou imposição?, defendida no Curso de Pedagogia da FECLESC, 
pela primeira autora, sob a orientação do segundo autor. Referida 
monografia, por sua vez, foi gestada em integração com o projeto 
de pesquisa Entre o mercado de trabalho e a formação humana: 
examinando criticamente a proposta de Ensino Médio Integrado 
do Estado do Ceará, cujo financiamento fomentado pela FUN-
18
CAP, possibilitou a concessão de bolsa de iniciação científica para 
Maria Cleidiane C. Freitas e para Aracelia C. Farias. Essa articula-
ção foi possível graças à integração realizada no interior do Labo-
ratório de Pesquisa sobre Políticas Sociais do Sertão Central, que, 
por sua vez, é fruto do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação, 
Estética e Sociedade – Lapps/GPTREES. A comunicação, advin-
da dessa integração, discute, com base no discurso da emprega-
bilidade que propala uma formação específica para o desempe-
nho acrítico de um ofício como garantia de um emprego, qual 
o papel que o ensino médio profissionalizante tem prestado ao 
formar mão de obra especificamente para o mercado de trabalho. 
As conclusões, mesmo que de caráter preliminar, apontam que 
as propostas de integração de conhecimentos gerais e específicos 
como solução para o problema da formação do trabalhador em 
um ambiente escolar permeados por princípios mercadológicos, 
concretizam a coisificação da educação, amarram a formação do 
trabalhador ao mercado, negam uma educação vinculada às di-
mensões fundamentais da vida, como trabalho, ciência e cultura, 
além de não potencializar a transformação radical da sociedade 
rumo à emancipação plena do gênero humano.
Sorria! Você está sendo “educado para o trabalho”: uma 
análise crítica da expansão da graduação tecnológica brasi-
leira é o trabalho que tem a honra de fechar o livro. Criado por 
Deribaldo Santos, Susana Jimenez e Maria das Dores Mendes 
Segundo, exibe os resultados fundamentais da pesquisa de dou-
torado do primeiro autor, bem como os apontamentos inicias da 
pesquisa Graduação tecnológica no Ceará: contrastes e perspec-
tivas do Instituto CENTEC/CE e debruça-se sobre o fenômeno 
afeto à expansão de vagas no Ensino Superior Não Universitário 
(ESNU) no Brasil. Contando o país com apenas 10% do con-
tingente de jovens entre 18 e 24 anos frequentando o ensino 
19
superior, de acordo com dados de oficiais de 2007, o governo 
brasileiro, sob as diretrizes dos organismos internacionais, como 
a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e 
a Cultura – UNESCO e o Banco Mundial, vem tentando ele-
var tal índice, em outros termos, democratizando o acesso a esse 
nível de ensino, conforme é apregoado. Com base nos teóricos 
clássicos da educação, reafirma-se o caráter dualista que marca 
historicamente a educação sob o capital, em geral e, no Brasil, 
em particular, delineando, a rigor, dois caminhos educativos: o 
ensino profissional para a classe trabalhadora e o ensino acadê-
mico para a elite e extratos intermediários da sociedade. Como 
se pode concluir, através do estudo em foco, este dualismo clas-
sista é reeditado com particular veemência, no seio da educação 
superior brasileira, cuja política opera uma fragmentação entre o 
ensino superior de caráter propriamente universitário; e o ensino 
superior não universitário, destinado à formação para o mercado. 
Nesse quadro, procurou-se, ademais, desvelar o papel estratégico 
desse subsistema no processo de reprodução do capitalismo peri-
férico brasileiro, identificando o caráter ideológico, economicista 
e pragmatista que fundamenta a atual política de ensino superior 
no Brasil, com particular destaque para a chamada graduação tec-
nológica.
Deribaldo Santos
Fortaleza, outubro de 2012 
20
PRIMeIRa PaRte:
PReSSUPOStOS e PRObleMatIzaçõeS 
cOntextUaIS 
Marxismo, trabalho e ser social
Frederico Costa
Ruth de Paula
Betânia Moraes
Introdução
Qualquer debate nas ciências humanas contemporâneas, em 
particular no âmbito educacional, necessariamente deverá levar 
em consideração o contexto da atual crise econômica. É claro 
que é da própria natureza do capitalismo a existência de crises. 
Pode-se afirmar que elas racionalizam as irracionalidades do sis-
tema. No entanto, desde a década de 1970 as crises capitalistas 
apresentam-se cada vez destrutivas nos seus aspectos econômicos, 
financeiros e ecológicos. De fato, conforma-se uma crise de civi-
lização só comparável historicamente à decadência do Império 
Romano. Felizmente, a crise internacional está entrando em uma 
nova fase, na qual os assuntos quase puramente econômicos e 
financeiros, que ocuparam o primeiro plano durante os últimos 
dois anos, começaram a combinar-se com um maior acirramento 
da luta de classes, ou seja, os explorados e dominados da resistên-
cia fragmentária podem avançar para um projeto de superação do 
capitalismo e da sociabilidade.
21
Pensamos que tal perspectiva deve qualificar qualquer te-
mática educacional, porque a educação é um dos momentos es-
senciais da reprodução social, tanto da ordem vigente como das 
tendências revolucionárias à sua superação. Isso exige dos intelec-
tuais engajados a retomada de estudos mais substantivos, isto é, 
que envolvam a problemática dos fundamentos, desenvolvimen-
to, contradições e possibilidades do ser social. O conhecimento 
da materialidade social é um pressuposto básico para sua trans-
formação.
Por isso, neste trabalho coletivo que se debruça sobre a edu-
cação técnica e ensino tecnológico optamos por uma abordagem 
ontológica sobre a categoria trabalho e suas conexões essenciais 
com a totalidade social, tendo como referencial teórico Marx e 
Lukács. Esse tipo de abordagem permite estabelecer coordenadas 
teóricas que possibilitam alicerces sólidos para um conjunto de 
temáticas vinculadas ao assunto central deste livro como a divisão 
capitalista do trabalho, alienação, políticas públicas, crises econô-
micas, precarização entre outros.
atividade vital humana e trabalho
O homem como um ser vivo necessita estar em constante 
metabolismo com a natureza. Sem essa interação perene com o 
meio natural o homem não conseguiria os elementos essenciais 
para sua sobrevivência e reprodução como espécie. Por isso, Marx 
e Engels (1999, p. 27) afirmam na Ideologia Alemã que: 
O primeiro pressuposto de toda história humana énaturalmen-
te a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a 
constatar é, pois, a organização corporal destes indivíduos e, por 
meio disto, sua relação dada com o resto da natureza.
22
Tal tese conduz a certas questões. Até que ponto o homem 
pode ser considerado um ser natural? Qual o estatuto do fun-
damento natural do homem? Quais os limites e potencialidades 
postos pelo aspecto natural do ser humano? Bem, de acordo com 
Marx (2004, p. 127, grifos nossos):
O homem é imediatamente ser natural. Como ser natural, e como 
ser natural vivo, está, por um lado, munido de forças naturais, 
de forças vitais, é um ser natural ativo; estas forças existem como 
possibilidades e capacidades (Anlagen und Fähigkeiten), como 
pulsões; por outro, enquanto ser natural, corpóreo, sensível, 
objetivo, ele é um ser que sofre, dependente e limitado, assim 
como o animal e a planta, isto é, os objetos de suas pulsões 
existem fora dele, como objetos independentes dele. Mas 
esses objetos são objetos de seu carecimento (Bedürfnis), objetos 
essenciais, indispensáveis para a atuação e confirmação de suas 
forças essenciais. Que o homem é um ser corpóreo, dotado de 
forças naturais, vivo, efetivo, objetivo, sensível significa que 
ele tem objetos efetivos, sensíveis como objeto de seu ser, de 
sua manifestação de vida (Lebensäusserung), ou que ele pode 
somente manifestar (äussern) em objetos sensíveis efetivos 
(wirkliche sinnliche Gegenstände).
O que significa tudo isso? Em primeiro lugar, que o homem 
não é um ser especial no sentido de se destacar da natureza por 
obra de uma força transcendente nem muito menos, por razão de 
suas carências e limitações, que ele seja um ente que só encontraria 
realização num absoluto sobrenatural. O homem é, em primei-
ro lugar, um ser natural vivo, isto é, corpóreo, sensível e objetivo 
que possui toda uma história evolutiva anterior1, isto é, uma base 
biológica não eliminável. Mas, não só isso, o homem compartilha 
1 Para mais detalhes atualizados sobre a evolução humana verificar Roberts (2011) em seu 
fascinante e bem fundamentado Evolution: the human history.
23
com os animais e as plantas, a esfera orgânica do ser, a dependência 
e a limitação de não ser auto-suficiente, pois os objetos de suas pul-
sões existem fora dele: na natureza, os quais são indispensáveis para 
a atuação e confirmação de suas forças essenciais. O homem, como 
os demais seres da esfera orgânica, vive da natureza por ser também 
parte dela: “[...] a natureza é seu corpo, com o qual ele tem de ficar 
num processo contínuo para não morrer.” (MARX, 2004, p. 84). 
O homem, porém, não é um simples ser natural que se 
adapta ao meio ambiente, segundo as leis da seleção natural. Mu-
niciado de suas próprias forças naturais – como, por exemplo, o 
cérebro grande e complexo2, a visão binocular3, o bipedismo4, a 
2 “[...] o cérebro grande e complexo, formando o centro de um extenso e delicado sistema 
nervoso. Este sistema permite uma grande variedade de movimentos controlados com 
precisão, ajustados exatamente aos impulsos recebidos pelos órgãos delicados dos sentidos 
[...] o homem foi dotado pela natureza com um cérebro bastante grande em comparação com 
seu corpo, mas esse dote é a condição que lhe permite fazer a sua própria cultura” (CHILDE, 
1975, p. 40-41). “De todos os mamíferos, os primatas são o grupo que tem os cérebros 
maiores, e os humanos estenderam enormemente esta propriedade: o cérebro humano três 
vezes maior em tamanho do que o cérebro de um macaco que tem um tamanho corporal 
equivalente” (LEAKEY, 1995, p. 61).
3 “No homem e nos primatas superiores, a associação de imagens estereoscópicas com 
sensações de fato e atividade muscular torna possível o cálculo perfeito das distâncias e 
profundidades. Sem isso, a delicadeza das mãos e dedos não bastaria para a confecção de 
instrumentos. É a cooperação perfeitamente, mas subconsciente, da mão e olho, que permite 
ao homem fazer ferramentas desde o mais rudimentar eólito até o mais sensível sismógrafo” 
(CHILDE, op. cit., p. 41-42).
4 “O advento do bipedismo não é somente uma importante transformação biológica 
mas também uma importante transformação adaptativa [...] a adoção do bipedismo era 
tão carregada de potencial evolutivo – permitindo aos membros superiores a liberdade 
de se tornarem um dia implementos manipulatórios [...] (LEAKEY, op.cit., p. 26). “Os 
antropólogos tendem a ver a importância do bipedismo na evolução humana de duas 
maneiras: uma escola enfatiza a liberação dos membros dianteiros que possibilita o transporte 
de coisas; a outra enfatiza o fato de que o bipedismo é um modo de locomoção mais eficiente 
do ponto de vista energético, e vê a habilidade de transportar coisas simplesmente como um 
derivado fortuito da postura ereta” (Idem, p. 29).
24
habilidade manual5 e a potencialidade da “fala”6 – ele é um ser 
natural ativo, no qual essas forças apresentam-se como capacida-
des e possibilidades. 
No entanto, do ponto de vista natural, a constituição física 
do homem é inferior à da maioria dos animais; não tem a pela-
gem necessária para manter o calor do corpo num ambiente frio; 
seu corpo não é tão eficiente para a fuga, defesa própria ou caça; 
não possui uma velocidade excepcional, uma coloração proteto-
ra ou uma armadura corporal; falta-lhe acuidade visual ou força 
muscular para lhe dar vantagem sobre sua presa ou defender-se. 
Não obstante tudo isso, a espécie homo sapiens historicamente 
demonstrou a superior capacidade de ajustar-se ativamente a di-
versos ambientes do que qualquer ser biológico, de multiplicar-se 
mais rápido do que qualquer mamífero superior e, o fundamen-
tal, foi capaz de, subordinando a natureza às suas necessidades, 
constituir uma nova estrutura da realidade – a esfera social – não 
presente na natureza. O que propiciou, de fato, tal salto da esfera 
biológica para a esfera social?
Segundo Marx, o segredo do desenvolvimento exponencial 
do gênero humano encontra-se no caráter específico de sua ati-
vidade vital. 
5 “[...] é grande a distância entre a mão pouco desenvolvida do macaco antropóide e a 
humana, altamente desenvolvida pelo trabalho, durante centena de milhares de anos. O 
número e a disposição dos ossos e músculos coincidem em ambos; mas a mão do mais 
primitivo dos selvagens pode realizar centenas de movimentos e atos que nenhuma mão 
simiesca poderá imitar” (ENGELS, 1985, p. 216).
6 “A fala é possibilitada por [...] um controle delicado e preciso, pelos nervos motores, 
dos músculos da língua e laringe, e uma correlação exata das sensações musculares, 
devidas a movimentos desses órgãos, com o sentido de audição [...] no Homo sapiens tais 
desenvolvimentos do cérebro e do sistema nervoso seguem lado a lado com modificações na 
disposição dos músculos da língua, não encontradas em nenhum outro gênero ou espécie de 
homem, e também não nos macacos. Em consequência, o homem é capaz de proferir uma 
variedade de sons muito maior do que qualquer outro animal” (CHILDE, 1975, p. 42).
25
Pode-se entender a atividade vital de qualquer espécie ani-
mal como o conjunto de características capazes de garantir sua 
existência e reprodução como espécie. De fato, é o fundamento 
sobre o qual cada animal singular na atividade de reproduzir a si 
próprio reproduz também a própria espécie, garantindo a con-
tinuidade desta. Por isso, diz Marx (2004, p. 84) que “[...] no 
modo (Art) da atividade vital encontra-se o caráter inteiro de uma 
species, seu caráter genérico [...].”
Para Marx (op. cit., p. 84), o animal “[...] é imediatamente 
um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela.” O 
que significa que, a atividade animal atende necessariamente às 
necessidades de sobrevivência e reprodução, porém tal atividade 
está posta nos marcos puramente naturais, no sentido de estardeterminada pela herança genética, numa relação imediata entre 
o animal e seu ambiente, satisfazendo em formas geralmente fixas 
– isto é, as que expressam a melhor adaptação ao meio –, as neces-
sidades estabelecidas biologicamente. Acrescenta-se também que 
para o animal todo objeto da realidade circundante é inseparável 
das suas necessidades instintivas, o que faz com que sua relação 
com o objeto não exista enquanto tal, independentemente do 
objeto7, ou seja, o animal não se distingue de sua atividade vital.
Porém, Marx (op. cit., p. 84) explica o seguinte:
O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto da sua 
vontade e da sua consciência. Ele tem a atividade vital conscien-
te. Esta não é uma determinidade (Bestimmtheit) com a qual ele 
coincide imediatamente. A atividade vital consciente distingue 
7 “[...] também os animais se encontram numa relação com o meio ambiente; relação 
que se torna cada vez mais complexa, e finalmente se encontra mediada por um tipo de 
consciência. Porém, como esta se mantém no âmbito biológico, não pode se produzir 
uma separação e contraposição entre sujeito e objeto como a que tem lugar no homem” 
(LUKÁCS, 2004, p. 82-83). 
26
o homem imediatamente da atividade vital animal. Justamente, 
[e] só por isso, ele é um ser genérico. Ou ele somente é um ser 
consciente, isto é, a sua própria vida lhe é objeto, precisamente 
porque é um ser genérico. Eis por que a sua atividade é atividade 
livre.
Assim, na perspectiva marxiana a atividade vital consciente 
destaca o homem do restante da natureza, pois como sua ativi-
dade vital torna-se objeto da sua consciência, o homem ao entrar 
em relação com qualquer coisa – incluindo sua própria atividade 
– é capaz de fazer a distinção entre o objeto da sua relação e a 
própria relação, pois a:
[...] separação entre objetos que existem independentemente 
do sujeito, e sujeitos que podem refletir aqueles, por meio de 
atos da consciência, com uma aproximação mais ou menos 
adequada, e que podem convertê-los em uma posse intelec-
tual própria. Esta separação entre sujeito e objeto que se fez 
consciente, é um produto necessário do processo de trabalho 
e, ao mesmo tempo, o fundamento da forma de existência 
especificamente humana (LUKÁCS, 2004, p. 82).
A partir disso, o reflexo da realidade não se confunde com 
o que é vivido. A atividade humana não é uma com o próprio 
homem. O homem não tem uma relação imediata com sua ativi-
dade vital como os animais, mas mediada pela consciência. Daí a 
possibilidade da liberdade, pois ao apreender o reflexo da realida-
de destacadas das relações imediatas que existem entre a realidade 
e o homem, este consegue distinguir as propriedades estáveis da 
própria realidade e as utilizar para a satisfação de suas necessida-
des. Ele, mesmo de maneira rudimentar, põe sua atividade vital 
como objeto de projeção e reflexão consciente. 
27
O homem é ainda um ser genérico, pois ele não tem apenas 
consciência de si mesmo como indivíduo, mas de sua própria 
atividade vital, isto é, o homem possui uma vida interior e outra 
exterior. Isso porque o ser humano se destaca da pura naturali-
dade ao fazer dela objeto para sua consciência, o que o torna um 
ente ativo que não se adapta simplesmente às condições naturais, 
mas que transforma conscientemente a realidade a sua volta. Daí 
a importância da sociabilidade e da linguagem na constituição da 
realidade humana. No entanto, a consciência não é algo abstrato 
ou vinculado a uma transcendência espiritual, ou seja, destacada 
da mundaneidade. Marx (2004, p. 85) destaca a natureza sensível 
e mundana da consciência na atividade vital humana:
O engendrar prático de um mundo objetivo, a elaboração da na-
tureza inorgânica é a prova do homem enquanto um ser genéri-
co consciente, isto é, um ser que se relaciona com o gênero en-
quanto sua própria essência ou [se relaciona] consigo enquanto 
ser genérico. É verdade que também o animal produz. Constrói 
para si um ninho, habitações, como a abelha, castor, formiga etc. 
No entanto, produz apenas aquilo de que necessita imediata-
mente para si ou sua cria, produz unilateral[mente], enquanto o 
homem produz universal[mente]; o animal produz apenas sob o 
domínio da carência física imediata, enquanto o homem produz 
mesmo livre da carência física, e só produz, primeira e verdadei-
ramente, na [sua] liberdade [com relação] a ela; o animal só pro-
duz a si mesmo, enquanto o homem reproduz a natureza; [no 
animal,] o seu produto pertence imediatamente ao seu corpo 
físico, enquanto o homem se defronta livre[mente] com o seu 
produto. O animal forma apenas segundo a medida e a carência 
da species à qual pertence, enquanto o homem sabe produzir 
segundo a medida de qualquer species, e sabe considerar, por 
toda parte, a medida inerente ao objeto; o homem também for-
ma, por isso, segundo as leis da beleza. Precisamente por isso, na 
elaboração do mundo objetivo [é que] o homem se confirma, 
em primeiro lugar e efetivamente, como ser genérico. Esta pro-
28
dução é a sua vida genérica operativa. Através dela a natureza 
aparece como a sua obra e a sua efetividade (Wirklichkeit). O 
objeto do trabalho é portanto a objetivação da vida genérica do 
homem: quando o homem se duplica não apenas na consciência, 
intelectual[mente], mas operativamente, efetiva[mente], con-
templando-se, por isso, a si mesmo num mundo criado por ele. 
(grifos nossos).
Até aqui nota-se que a característica essencial da atividade 
vital humana é ser ela consciente e, portanto, algo específico e 
distintivo do homem em relação ao restante da natureza. Ela não 
é algo derivado imediatamente de sua estrutura biológica, em-
bora tenha como condição esta, pois sem cérebro não há pos-
sibilidade de pensamento. Foi no marco das condições sociais 
mais primitivas que surgiram os primeiros lampejos de consciên-
cia. Isso conduz ao caráter essencialmente genérico da atividade 
humana, por meio dele o homem se auto constitui de maneira 
diversa da história natural. É do engendramento prático de um 
mundo objetivo – um mundo que não existia naturalmente – na 
transformação da natureza inorgânica que o homem se consubs-
tancia em ser genérico, consciente. Através de sua atividade vital 
o homem se relaciona com o gênero enquanto sua própria essên-
cia e ao mesmo tempo consigo mesmo enquanto ser genérico. 
O que significa que a essência genérica humana não possui uma 
natureza mística ou incognoscível, mas que é objetiva e material-
mente identificável na atividade própria do homem: é o conjunto 
das relações sociais.
É por meio de sua atividade vital consciente, ou seja, o tra-
balho8, que se expressa o elemento ontológico primaz da realida-
8 Para Marx (2004, p. 114), a atividade vital consciente é sinônimo de trabalho: “[...] 
toda assim denominada história mundial nada mais é do que o engendramento do homem 
mediante o trabalho humano, enquanto o vir a ser da natureza para o homem [...].” 
29
de humana, pois é na elaboração do mundo objetivo – isto é, a 
criação contínua pelo trabalho do mundo humano, imanente-
mente social – que o homem se confirma efetivamente como ser 
genérico. Isso porque o gênero para o homem não é algo abstrato 
e independente dos homens reais e concretos, mas está posto no 
trabalho, o núcleo de sua vida genérica operativa, que garante não 
apenas a sobrevivência dos indivíduos e sua reprodução biológica, 
mas também reproduz – garantindo a continuidade e desenvolvi-
mento – as características do gênero humano, o qual não se reduz 
à mera soma dos indivíduos, mas se constitui pela totalidade das 
relações sociais, das mais simples às mais complexas. Esse novo 
mundo que surge a partir da vida produtiva humana, no qual a 
natureza transformada aparece como sua obra e sua efetividade, 
é também objetivação da vida genérica do homem, em que oho-
mem se duplica não apenas intelectualmente, mas operativamen-
te por meio de seus projetos que se efetivam materialmente, daí 
a possibilidade de contemplar-se a si mesmo num mundo criado 
por ele. Portanto, é o trabalho que alicerça a dimensão genérica 
do ser social, pois ele só é possível como atividade coletiva, isto é, 
só é realizável através da relação com outros homens.
Em síntese, é possível observar, a partir de Marx, que o tra-
balho/atividade vital humana, é algo ontologicamente diverso da 
atividade vital dos animais. Por meio de um processo que envol-
veu um largo espaço temporal, o trabalho estruturou-se e desen-
volveu-se numa série de determinações que acabaram por superar 
o rígido padrão natural dos animais. Essas determinações não são 
encontradas no ser biológico. Elas de fato expressam um salto 
ontológico9 em relação à natureza. O trabalho é um novo tipo de 
9 “[...] cada salto significa uma transformação qualitativa e estrutural no ser, na qual a 
fase inicial contém dentro de si determinadas condições e possibilidades das fases posteriores 
e superiores, mas estas não podem se desenvolver a partir da fase inicial segundo uma 
30
atividade vital específico de uma única espécie, a humana. E os 
homens pelo trabalho destacam-se da natureza e afastam cada vez 
mais as barreiras naturais. 
trabalho e ser social
O interessante na perspectiva marxiana é a identificação de 
dois momentos indissoluvelmente ligados do processo de antro-
pogênese, ou seja, de constituição do ser social como uma esfera 
específica regida por uma legalidade diferenciada da natureza: de 
um lado o trabalho revela o vínculo impossível de ser eliminado 
entre o homem e a natureza, e por outro lado expressa o caráter 
diferencial da atividade humana em relação ao processo de repro-
dução meramente biológico. 
A especificidade do mundo dos homens reside no fato de 
no seu ato fundante, o trabalho, revelar-se uma ruptura com os 
mecanismos reprodutivos encontrados na esfera biológica. Luká-
cs (2004) exemplifica tal ruptura ao destacar a radical diferença 
ontológica existente sob as aparentes semelhanças entre a forma 
de organização de determinadas espécies na natureza e a divisão 
do trabalho própria da sociabilidade humana:
[...] as chamadas sociedades animais (e também a “divisão do 
trabalho” em geral dentro do reino animal) são diferenciações 
biologicamente fixadas, tal como se pode observar da melhor 
maneira no “Estado das abelhas”. Quer dizer, assinalamos, que 
a margem de como pode ter se constituído, uma organização 
semelhante, essa já não possui uma possibilidade de evolução 
imanente a partir de si mesma; não é mais que uma forma parti-
continuidade simples e retilínea. Esta ruptura com a continuidade normal da evolução é o 
que constitui a essência do salto, e não o surgimento, temporalmente súbito ou paulatino da 
nova forma de ser” (LUKÁCS, 2004, p. 60-61).
31
cular de adaptação de um animal a seu ambiente; e quanto mais 
perfeitamente funcione a ‘divisão do trabalho’ assim constituída, 
quanto mais firmemente se faz fundamentada no biológico. A 
divisão do trabalho na sociedade humana produzida pelo tra-
balho cria, ao contrário [...] suas próprias condições de repro-
dução, e, por certo, de tal maneira que a reprodução simples 
do existente em cada caso conforma só o caso limite da típica 
reprodução ampliada. Isto não exclui, naturalmente, a aparição 
de becos sem saída na evolução; suas causas, não obstante, se en-
contram sempre determinadas pela estrutura da respectiva socie-
dade, e não pela constituição biológica de seus membros (p. 61).
Do exposto até aqui, e em particular, da citação acima, é 
possível situar o equívoco metodológico, muito comum nas ciên-
cias humanas estabelecidas, em utilizar conceitos comuns tanto 
à esfera biológica quanto à esfera do ser social. O que significa a 
atribuição de determinações próprias da atividade natural à ativi-
dade humana. Tal crítica parte do pressuposto básico de que a ati-
vidade vital dos animais é sua ancoragem biológica, ou seja, sua 
atividade sustentar-se-ia em determinações genéticas e relações 
biológicas com o meio ambiente que levariam a uma estabilida-
de só perturbada por mudanças ambientais, mutações aleatórias 
ou pressões da seleção natural. Por isso, o pensador magiar ilus-
tra suas teses ontológicas levantando o exemplo do “Estado das 
abelhas”, cujas funções realizadas pelos membros que compõem 
a colmeia estão regidas pela necessidade biológica, limitando as 
possibilidades de desenvolvimento ulterior que leve à ruptura 
com o padrão reprodutivo de sua existência. 
Já a atividade humana manifesta-se pela constante expansão 
de possibilidades do modo de reprodução de sua própria existên-
cia – possibilidades estas não mais unilateralmente determinadas 
pela naturalidade do seu organismo, mas mediadas cada vez mais 
32
socialmente. Noutras palavras, a reprodução no ser social, que 
tem como motor o trabalho, se realiza em condições diferentes 
do modo de reprodução próprio ao ser biológico. Portanto, no 
ser social as condições de reprodução são postas socialmente pela 
atividade consciente humana de transformação material da natu-
reza, que tem como núcleo a objetivação de um projeto previa-
mente idealizado – por mais tosco ou inconsciente que seja. O 
aspecto radicalmente novo do ser social está na forma da trans-
formação material da realidade, que nele é determinada pelo pôr 
consciente de uma finalidade. 
Assim, podemos concluir que a antropogênese, a qual coin-
cide com a sociogênese, representa um salto em relação à esfera 
biológica. Isso porque a atividade originária do ser social funda as 
determinações essenciais da especificidade do gênero humano. O 
trabalho, como objetivação primária, não é apenas resultante da 
hominização, ele, ao mesmo tempo, é a causa e resultado dessa 
hominização; não é apenas produto típico do ser do homem, é 
o fundamento da própria condição de ser homem. O homem, 
sustentado em sua naturalidade, vai além dela porque em sua es-
sência – que não é o imutável imposto pela natureza ou por qual-
quer espécie de transcendência espiritualista – é um ser que se 
institui a si mesmo por meio de sua atividade vital consciente. O 
segredo da antropogênese-sociogênese é o trabalho. O que impõe 
a qualquer estudo sobre um complexo determinado do ser social 
identificar, mesmo tangencialmente, alguns elementos básicos da 
categoria trabalho. 
33
Determinações do trabalho
Como foi visto no tópico precedente, é pelo trabalho que a 
espécie humana se conforma como um novo tipo de ser, até en-
tão inexistente na natureza, e cuja essência não está imposta pela 
herança genética ou por condições biológicas predeterminadas. 
De fato, surge um tipo de ser que até onde conhecemos é sui 
generis. O ser social se caracteriza por uma complexidade que é 
inexplicável em termos de categorias naturais. A categoria traba-
lho além de revelar a essência do ser humano em sua característica 
imanente de viver em comunidade e de ter uma existência gené-
rica, é o fundamento da própria comunidade humana, porque ao 
manipular de maneira orientada a natureza, ela produz relações 
tipicamente humanas, relações produtivas, sociais, linguísticas, 
axiológicas e culturais. Se existe a possibilidade posta de uma es-
pécie evoluir para um padrão mais complexo de sociabilidade, foi 
o trabalho que impulsionou o salto dessa espécie geneticamente 
predisposta para a esfera do ser social.
Isso leva à necessidade de uma maior explicitação de algu-
mas determinações do trabalho, que Marx (1987, p. 2002), de 
maneira mais detida, em sua obra de maturidade O Capital: críti-
ca da economia política, define da seguinte maneira:
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o 
homem e a natureza, processo em que o ser humanocom sua 
própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio ma-
terial com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de 
suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, 
braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos re-
cursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida huma-
na. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, 
ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as 
potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o 
34
jogo das forças naturais. [...] uma aranha executa operações se-
melhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto 
ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto 
da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes 
de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho 
aparece um resultado que já existia antes idealmente na ima-
ginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material 
sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha 
conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do 
seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. 
Partindo dessa conceituação marxiana de trabalho, é possí-
vel destacar algumas conclusões. Primeira, o ser social não pode 
existir sem a natureza, mas diferente dos animais, o homem, por 
meio do trabalho, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio 
com a natureza, pois como ser que tem como fundamento a na-
tureza, utiliza-a como uma de suas forças. Assim, aproveitando as 
possibilidades do seu corpo, naturalmente posto, apropria-se dos 
recursos naturais imprimindo-lhes forma útil à vida humana10. 
O que significa, de um lado, que não há nada de sobrenatural 
na atividade humana, nem uma centelha divina ou qualquer ele-
mento transcendental que oriente atividade humana em relação à 
natureza como uma alma ou espírito; por outro lado, é pelo e no 
trabalho que os elementos naturais, inorgânicos e orgânicos, tor-
nam-se úteis à vida humana. Dessa maneira, por meio do traba-
lho inicialmente a satisfação material das necessidades humanas 
são atendidas no intercâmbio com a natureza. 
10 “Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo 
que se queira. Mas eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam 
a produzir seus meios de vida, passo este que é condicionado por sua organização corporal. 
Produzindo seus meios de vida, os homens, os homens produzem, indiretamente, sua própria 
material” (MARX; ENGELS, 1999, p. 27).
35
Segunda, quando o homem transforma a natureza, produ-
zindo objetos para atender às suas necessidades, ele também se 
transforma. Inicialmente porque desenvolve novas habilidades 
necessárias, superando o que há de instintivo ou espontâneo sob 
o domínio da consciência que põe fins, para adequar a materiali-
dade natural às suas exigências. E concomitantemente com isso, 
para superar a resistência que o ser natural expressa à sua adequa-
ção às necessidades humanas, é de fundamental importância o 
conhecimento da legalidade natural11 do setor específico da natu-
reza que é objeto da intervenção humana. Por isso, ao modificar 
a natureza externa o homem desencadeia um processo em que 
desenvolve suas potencialidades adormecidas, submetendo ao seu 
domínio o jogo das forças naturais, por meio do aparecimento de 
novas habilidades, novos conhecimentos e, consequentemente, 
novas possibilidades de intercâmbio com a natureza e de sociali-
zação, isto é, começa a fazer história. 
Terceira, em termos gerais, é através da capacidade de figurar 
na mente um projeto, antes de efetivá-lo, que a transformação 
da natureza é regulada e controlada pelo homem, pois o homem 
não se limita apenas ao natural sobre o qual opera; o homem vai 
além, e reside aí sua especificidade. No processo de trabalho o 
homem imprime ao material um projeto que tinha consciente-
mente em mira – seja um machado de pedra ou uma indústria. 
O objeto resultante do trabalho é algo inexistente na natureza, 
embora seja uma combinação de elementos naturais, como um 
primitivo machado de pedra. É algo, em termos naturais, inédi-
to no horizonte da natureza, porque é uma homogeneização de 
11 “[...] uma das condições objetivas do trabalho, de acordo com o ser, é que só um reflexo 
correto da realidade tal como existe, independentemente da consciência, pode consumar a 
realização de causalidades naturais indiferentes e heterogêneas em relação a posição do fim; 
pode consumar a transformação de ditas causalidades em causalidades postas e subordinadas 
à posição teleológicas” (LUKÁCS, 2004, p. 98-99).
36
elementos heterogêneos: a finalidade previamente construída na 
consciência e os elementos naturais que obedecem a uma legalida-
de própria. Assim, o trabalho revela-se como o elemento fundante 
e predominante no desenvolvimento do ser social, pois é nele que 
primordialmente se produz o novo que impulsiona a humani-
dade para patamares cada vez mais complexos de sociabilidade. 
Nesse processo, é importante destacar, que a capacidade de pro-
jetar antecipadamente é a lei determinante do modo de operar da 
atividade humana de produzir objetos úteis à satisfação de suas 
necessidades. Nesse sentido, Lukács (2004, p. 62) destaca que:
[...] através do trabalho, se realiza uma posição teleológica dentro 
do ser material enquanto surgimento de uma nova objetividade. 
Assim é que o trabalho se converte, por um lado, em modelo 
de toda práxis social na medida em que nesta – ainda quando 
através de mediações muito diversificadas – se realizam sempre 
posições teleológicas, em última instância, de ordem material. 
O que significa que é a partir do trabalho12 que o ser so-
cial revela suas determinações estruturais, pois só no ato singular 
de trabalho o homem é capaz de agir teleologicamente, propor 
finalidades, antecipar metas. Assim, são criados artefatos, repre-
sentações e símbolos que expressam uma nova forma de objeti-
vidade só encontrada no ser social. Antes de ser uma concessão 
ao idealismo, essa compreensão marxiana da teleologia além de 
ser uma radical ruptura com qualquer forma de idealismo e de 
religiosidade, também representa uma superação do materialismo 
pré-marxiano. 
12 “[...] o trabalho pode servir de modelo para a compreensão das outras posições 
teleológicas sociais, já que o trabalho, de acordo com seu ser, é a forma originária [Urform] 
destas posições” (LUKÁCS, 2004, p. 62).
37
equívocos da finalidade como categoria cosmológica e 
função da teleologia no trabalho e no ser social 
De acordo com Lukács (2004), um grande problema onto-
lógico surge quando a posição teleológica não fica circunscrita ao 
trabalho. Grandes filósofos, como Aristóteles e Hegel, elevaram 
a teleologia a uma categoria cosmológica universal, o que tem 
como resultado uma oposição insolúvel entre causalidade e teleo-
logia. Dessa maneira:
Toda filosofia de orientação teleológica devia declarar a supe-
rioridade da teleologia por sobre a causalidade, a fim de harmo-
nizar intelectualmente seu Deus com o cosmos, com o mundo 
do homem; inclusive quando Deus só dá corda ao relógio do 
universo e, com ele, põe em marcha o sistema da causalidade, re-
sultando inevitável uma hierarquia semelhante de criador e cria-
tura e, com isso, a prioridade da posição teleológica. Por outro 
lado, todo materialismo pré-marxista que negava a constituição 
transcendente do mundo, também questionava a possibilidade 
de uma teleologia realmente efetiva (LUKÁCS, 2004, p. 68).
É evidente que as correntes filosóficas de caráter teleológico 
possuem, consciente ou inconscientemente, um fundamento re-
ligioso, o qual é uma expressão mistificada e mistificadora de pro-
blemas reais. As religiões sustentam-se, em última instância, na 
constituição da teleologia como uma categoria objetiva. De certaforma, essa teleologia objetiva confirma e justifica, de maneira 
distorcida, a racionalidade da história como um todo – a origem 
e sentido do universo, o caos das ações individuais, o conflito 
entre classes e nações, a contradição entre o humano e desumano, 
a finalidade da existência.
Enquanto a causalidade é um princípio do movimento autôno-
mo, baseado em si mesmo [...] a teleologia é, de acordo com sua 
38
essência, uma categoria posta: todo processo teleológico implica 
a possibilidade de um fim e, com ele, uma consciência que põe 
fins (LUKÁCS, 2004, p. 63). 
Se a teleologia é aceita como uma categoria objetiva significa 
que a “racionalidade da história”, tanto natural como social, é 
manifestação de uma finalidade posta por uma intenção superior. 
Assim, no caso do mundo dos homens, suas ações não são por si 
mesmas dotadas de sentido e de razão; elas recebem um sentido 
e adquirem uma racionalidade a partir de algo exterior ao ser 
social, pois:
A concepção teleológica da natureza e da história não significa, 
pois, meramente que ambos possuem uma finalidade, que es-
tejam orientados a um fim, senão também que sua existência, 
seu movimento – tanto como processo total como no plano do 
detalhe – devem ter um autor consciente (Idem, p. 63).
Portanto, a concepção teleológica da natureza e da história, 
oriunda do caráter cosmológico da teleologia, provoca uma inver-
são ao acrescentar um sujeito, misterioso, inatingível e arbitrário 
– deuses, absoluto, “razão superior”, “ideia absoluta” – a por fins 
no universo. A natureza, que possui como característica essencial 
a causalidade, o automovimento baseado na essência dinâmica 
do próprio ser natural, ganha um sentido e finalidade, enquanto 
o mundo dos homens que possui como núcleo o trabalho – que 
tem como lei interna a teleologia –, torna-se simples instrumento 
de um pôr metafísico, fazendo com que a liberdade, categoria 
própria do ser social, seja em última instância, apenas suposta, e 
tornando a unidade dialética entre liberdade e necessidade fictí-
cia. A possibilidade de escolha entre alternativas, própria da ati-
vidade humana, revela-se aparente, pois a história dos homens 
39
está ordenada por um sujeito metafísico que coloca finalidades, 
na qual os indivíduos, no final das contas, são executores cons-
cientes ou inconscientes de uma necessidade predeterminada. O 
resultado é que os homens podem agir na história, mas só apa-
rentemente a fazem efetivamente, o destino do gênero humano 
já está infalivelmente estabelecido por uma força transcendente. 
No limite, tal postura teórica leva a uma desconstituição da espe-
cificidade do ser social:
Pois se as diversas teorias idealistas ou religiosas sobre o domínio 
universal da teleologia forem corretas [...] cada pedra, cada mos-
ca seria, pois, uma realização do “trabalho” de deus, do espírito 
universal, etc. [...] com isso, deveria desvanecer-se, consequente-
mente, a diferença ontológica decisiva entre sociedade e natureza 
(LUKÁCS, 2004, p. 78).
Ao contrário das teorias idealistas e das concepções reli-
giosas, de acordo com Lukács, Marx nega a existência de toda 
teleologia fora do trabalho ou da práxis humana. A perspectiva 
teórica inaugurada por Marx é radicalmente humanista e ateia. A 
suposta existência de um sujeito transcendental ao impor fins ao 
cosmos, em última instância, significa que a história humana não 
seria mais fruto exclusivo do agir humano13. Por isso, de acordo 
com Lukács (2004, p. 67): “[...] para Marx, o trabalho não é uma 
das múltiplas formas de aparição da teleologia em geral, senão o 
único ponto em que pode demonstrar-se ontologicamente uma 
posição teleológica enquanto fator real da realidade material.”
A teleologia, despida de qualquer misticismo, revela toda 
sua potencialidade, porque:
13 Para Lessa (2002, p. 71), “[...] toda teleologização do real significa abrir mão, em alguma 
medida, do radical caráter social do mundo dos homens. Teleologiamente orientada, a 
história humana não seria mais fruto exclusivo do agir dos homens em sociedade.”
40
Quando Marx, delimitando exata e estritamente o âmbito da te-
leologia, circunscreve esta ao trabalho (à práxis social), eliminan-
do-a de todos os outros modos de ser, não faz que a teleologia 
perca importância; pelo contrário, ela aumenta, já que é preciso 
entender que o nível do ser mais alto conhecido por nós – o ser 
social – só chega a constituir-se como um nível específico graças 
ao efeito real que nele exerce o teleológico; só graças ao dito 
efeito se eleva o social por cima do nível em que se baseava sua 
existência – o da vida orgânica – e se converte num novo modo 
de ser independente. Só podemos falar racionalmente sobre o 
ser social sem concebermos que sua gênese, sua diferenciação 
em relação a sua base, sua autonomização, se baseia no trabalho, 
quer dizer na realização continua de posições teleológicas (Idem, 
p. 67-68).
Aqui surge, numa clareza meridiana, o que identifica a ativi-
dade humana frente aos processos típicos da natureza. A inflexão 
que dá identidade à condição humana frente ao ser natural é a 
realização contínua de posições teleológicas. Portanto, a teleolo-
gia, própria do ato de trabalho, é o elemento nuclear que provoca 
a descontinuidade entre o mundo dos homens e o ser biológico, 
pois,
[...] em comparação com as formas anteriores do ser inorgânico 
e orgânico, surgiu com o trabalho uma categoria qualitativa-
mente nova dentro da ontologia do ser social. Uma novidade 
tal é a realização da posição teleológica como um produto ade-
quado, pensado e desejado. Na natureza há só realidades e uma 
transformação ininterrupta de suas respectivas formas concretas, 
um contínuo ser-diferente [Anderssein] (LUKÁCS, 2004, p. 78). 
Isto é, na atividade vital humana há algo de inusitado dian-
te da natureza. Um processo transformativo orientado por uma 
consciência – por mais primitiva que seja. Assim surge algo novo, 
fruto da realização da posição teleológica, algo que não poderia ter 
41
surgido por processos naturais, mas um produto adequado pensado 
e desejado. O homem, ele mesmo um ser com raízes naturais, para 
satisfazer suas carências, entra num metabolismo consciente e ne-
cessário com a natureza, e tendo ela como pressuposto produz 
o ser social14. O que traz uma diferença essencial em relação ao 
restante dos animais, pois, enquanto
[...] a consciência dos animais, principalmente dos mais evo-
luídos, parece ser uma faticidade inegável, porém é um fator 
parcial – de caráter débil e auxiliar – se seu processo de re-
produção, o qual é biologicamente fundado e se desenvolve de 
acordo com as leis da biologia (Idem, p. 79).
No mundo dos homens, ao contrário, “A realização como 
categoria da nova forma do ser mostra [...] uma consequência 
importante: a consciência do homem cessa, com o trabalho, de 
ser um epifenômeno no sentido ontológico.” (LUKÁCS, 2004, 
p. 79). Isso porque:
Só no trabalho, na posição do fim e de seus meios, consegue a 
consciência, através de um ato conduzido por ela mesma, me-
diante a posição teleológica, ir mais além da mera adaptação 
ao ambiente – na que incluem também aquelas atividades dos 
animais que transformam a natureza objetivamente, de maneira 
involuntária –, e consumar na própria natureza mudanças que 
para ela resultam impossíveis e inclusive impensáveis. Na medi-
da, pois, em que a realização se converte em um princípio trans-
formador, inovador da natureza, a consciência (que ocasionou o 
impulso e a orientação para isso) pode ser, no plano ontológico, 
algo mais que um epifenômeno (Idem, p. 80-81).
14 Para Lukács (2004, p. 79) “[...] a atividade do ser natural homem permite que surja, 
sobre a base do ser inorgânico e orgânico [...] um nível de ser particularmente novo. Mais 
complexo e mais complicado, quer dizer, o ser social.”42
O trabalho, a categoria dinâmico-complexa do ser social, 
tem como núcleo a posição teleológica. É no ato de trabalho que 
inicialmente se efetiva o caráter não epifenomênico da consciên-
cia, necessariamente ativo. Já que todo processo de transformação 
orientada da realidade natural, para a satisfação de necessidades 
socialmente postas, é essencialmente determinada pela posição 
do fim15, pois a efetivação da posição de uma finalidade posta 
pela consciência exige de imediato que o sujeito busque realizá-la 
objetivamente por meio de sua atividade sensível. O que coloca 
a necessidade de encontrar na malha da causalidade natural os 
meios capazes de plasmar objetivamente sua finalidade. Dito de 
outra maneira, a busca de meios, condição imposta para objeti-
vação, significa o impulso para a apreensão – por mais elementar 
e inconsciente que seja – de aspectos da legalidade natural, isto 
é, de propriedades e características presentes no real que possibi-
litam a realização da finalidade. Tal dialética entre fins e meios, 
presente no interior da teleologia do ato de trabalho, é algo que 
faz com que a atividade humana vá além da mera adaptação ao 
ambiente. Assim, a realização de posições teleológicas implica 
um princípio inovador e transformador da natureza, totalmente 
impulsionado pela consciência, o que evidência um salto em re-
lação à consciência encontrada nos animais superiores, pois pela 
primeira vez:
[...] um projeto intelectual se converte em realização material; 
em que a postulação pensada de um fim transforma a realida-
de material; introduz na realidade algo material que representa, 
frente à natureza, algo qualitativa e radicalmente novo (LUKÁ-
CS, 2004, p. 69).
15 Para Lessa (2002, p. 86), “[...] toda ação humana tem sua gênese e seu momento 
predominante na posição do fim.” 
43
Então, a teleologia – tanto na posição dos fins quanto na dos 
meios – surge como uma inflexão frente à causalidade natural. 
O que faz do trabalho, modelo de toda práxis, algo essencial-
mente consciente. Para satisfazer suas necessidades e carências, 
o homem por meio da posição teleológica, aproveita a própria 
atividade espontânea da natureza fazendo com que ela se torne 
uma atividade posta, isto é, a serviço dos interesses humanos. 
O que não significa uma subversão das propriedades da nature-
za, seus fundamentos ontológico-naturais, pois há um aspecto 
ontologicamente decisivo na função da causalidade natural no 
processo de trabalho: 
[...] sem encontrar-se submetido a uma transformação intrínseca, 
surge, a partir dos objetos naturais, a partir das forças naturais, 
algo totalmente distinto; o homem que trabalho pode introduzir 
as propriedades da natureza, as leis do seu movimento, em com-
binações perfeitamente novas conceder-lhes funções e formas de 
ação perfeitamente novas. Tendo em vista que isso, no entanto, 
só pode consumar-se dentro da índole ontologicamente insuperá-
vel das leis naturais, a única transformação das categorias naturais 
só pode consistir em que estas – num sentido ontológico – sejam 
postas; seu ser-posto é a mediação de sua subordinação sob a posi-
ção ontológica determinante, através da qual, ao mesmo tempo, a 
partir de um entrelaçamento de causalidade e teleologia, surge um 
objeto, um processo, etc. unitariamente homogêneo (Idem, p. 71).
Portanto, o homem, a partir da objetividade natural, pro-
duz algo totalmente distinto da natureza: da madeira e da pedra 
surge, por exemplo, um machado. Subordinando à posição teleo-
lógica, os elementos e a legalidade naturais são reordenados para 
a produção de um objeto ou processo, que em última instância, é 
uma síntese de causalidade e teleologia. Surge dessa maneira uma 
causalidade posta como resultado da transformação da causalida-
44
de espontânea da natureza, a partir de uma objetivação, em outra 
causalidade, ou em outro mundo objetivo, que corresponde ao 
mundo dos homens, ou seja, tudo aquilo que foi produzido pela 
atividade humana e que não existia de forma espontânea na na-
tureza. A causalidade posta continua a ser causalidade, no sentido 
de que ela contém os elementos naturais que continuam porta-
dores das qualidades naturais e estão sujeitos às determinações 
naturais, mesmo sob o império da realização do fim previsto16. 
A realização do trabalho só ocorre quando a finalidade se 
objetiva, ou seja, quando a matéria e as conexões naturais, pela 
atividade material do sujeito, são plasmadas em um objeto novo. 
Há no trabalho a unidade de dois momentos que são ontologica-
mente distintos: a teleologia e a causalidade, ou noutros termos, 
subjetividade e objetividade. A realização do trabalho constitui 
uma objetivação de uma prévia ideação do sujeito, que o efetua. 
O que não significa alguma forma de identidade entre sujeito e 
objeto, pois a objetivação é a mediação necessária que entrelaça a 
teleologia com a produção de um novo ente objetivo, ontologica-
mente distinto da consciência que o concebeu como finalidade, e 
que apresenta uma história própria e diferenciada da história de 
seu produtor. Portanto, as objetivações que são produzidas pelo 
trabalho, tendo como pressuposto a natureza, enquanto objeti-
vidades, não se confundem com o sujeito, ambos têm existência 
autônoma em relação um ao outro. Portanto, no trabalho emerge 
pela primeira vez a distinção entre sujeito e objeto.
A posição teleológica impõe ao sujeito que trabalha exi-
gências novas, jamais encontradas na esfera natural. Primeiro, 
16 “O sentido da causalidade posta consiste [...] em que as cadeias causais, etc., são eleitas, 
postos em movimento, abandonados em seu próprio movimento, etc., a fim de favorecer a 
realização do fim decidido em um começo.” (LUKÁCS, 2004, p. 121).
45
o homem no processo de trabalho deve necessariamente realizar 
escolhas entre alternativas concretas17 – que se colocam acima de 
qualquer reação instintiva A escolha das materiais naturais mais 
compatíveis com a realização um fim posto pela consciência é de 
fato uma opção entre vários tipos de elementos do qual se desta-
cam aqueles que mais se aproximam, por suas características, ao 
objetivo desejado, o que é do ponto de vista da consciência, algo 
complexo e cheio de contradições18. A partir daí, escolhidos os 
materiais mais adequados e colocados os procedimentos de con-
secução da finalidade, a sequência de atos que transforma a prévia 
ideação em um produto objetivo é orientado por um novo con-
junto de decisões alternativas. Na verdade, a finalidade, a escolha 
dos meios e a efetivação da prévia ideação, vinculam-se através 
de inúmeras decisões alternativas. E isso, vai além do processo de 
constituição do objeto, este devido à própria legalidade natural, 
necessita de manutenção, o que inicia outra corrente de decisões 
alternativas que, com o desenvolvimento do ser social, tornam-se 
mais complexas e diversificadas. Isso evidencia a imanência do 
caráter social do trabalho, pois o indivíduo defronta-se cada vez 
mais com causalidades postas, produzidas por outros indivíduos. 
O que significa que as novas decisões tomadas têm como foco 
não mais a utilidade imediata de uma objetivação a ser efetivada, 
implicando uma ampliação e complexidade maior do conjunto 
das decisões alternativas. Para Lukács (2004, p. 92), “O desenvol-
17 “Quando o homem primitivo escolhe, dentre uma massa de pedras, uma que lhe aparece 
apropriada para seus fins, e abandona as restantes, é claro que aqui se apresenta uma escolha, 
uma alternativa” (LUKÁCS, 2004, p. 89). 
18 “A pedra escolhida como instrumento é eleita [...] através de um ato de consciência que 
já não possui caráter biológico. É preciso reconhecer determinadas propriedades da pedra – 
através da observação e da experiência; quer dizer, através do reflexo e sua elaboração de acordo 
com a consciência -, que a tornam apropriadaou inapropriada para a finalidade planejada. 
O ato que, visto de fora, é extremamente simples e unitário – a escolha de uma pedra -, é 
de acordo com sua estrutura externa, sumamente complexo e está cheio de contradições” 
(LUKÁCS, 2004, p. 89)
46
vimento do trabalho contribui [...] para basear cada vez mais em 
decisões alternativas o caráter alternativo da práxis humana, do 
comportamento do homem frente ao ambiente e a ele mesmo.”
Essas escolhas, manifestadas no processo de trabalho, re-
presentam, também, a gênese ontológica da liberdade: categoria 
essencial para o gênero humano, a qual não é objeto de nossa 
pesquisa, e está sustentada em valorações inicialmente como útil
-inútil, bom-mau, vinculada ao resultado do ato de trabalho. O 
que confirma que, é a partir do trabalho, no seu sentido estrito, 
ou seja, em sua forma originária, como órgão do metabolismo 
entre homem e natureza, que “[...] é possível mostrar aquelas ca-
tegorias que, de maneira ontologicamente necessária, se derivam 
dessa forma originária; categorias que [...] fazem do trabalho um 
modelo para a práxis humana em geral” (LUKÁCS, 2004, p. 97). 
Inclusive naquelas formas mais evoluídas de práxis social que o 
objeto sobre qual atua a posição teleológica não é algo puramen-
te natural, senão a própria consciência de um grupo humano; 
quando a posição do fim não tem por objetivo transformar uma 
realidade da natureza, mas provocar mudanças na atividade de 
outros homens. 
trabalho e economia: a dialética infraestrutura-supe-
restrutura
A compreensão do trabalho como fundamento da sociabili-
dade humana possibilita o enfrentamento de uma questão extre-
mamente controversa na tradição marxista e objeto dos críticos 
do marxismo: a relação entre infraestrutura e superestrutura. Essa 
questão gira em torno do estatuto do momento ideal, ou seja, da 
subjetividade no contexto geral da sociabilidade humana, e oscila 
na tradição marxista entre o voluntarismo – como no “grande 
47
salto para frente” na China maoísta ou no foquismo guevarista – 
e o mais grotesco determinismo – como na eliminação do sujeito 
pelo althusserianismo. Tal tensão levou, por exemplo, Anderson 
(1984, p. 39), numa obra clássica do debate contemporâneo (A 
Crise da Crise do Marxismo) a afirmar a insolubilidade da questão 
nos termos postos pelo marxismo clássico: 
[...] a natureza das relações entre estrutura e sujeito na história 
e sociedade humanas [...] sempre constituiu um dos problemas 
mais centrais e fundamentais do materialismo como explicação 
do desenvolvimento da civilização humana. Podemos ver isso 
imediatamente ao refletirmos sobre a permanente oscilação, a 
potencial disjunção nos próprios textos de Marx entre sua atri-
buição do papel de motor primário da transformação histórica 
à contradição entre as forças produtivas e as relações de produ-
ção, de um lado – pensemos na famosa “Introdução” de 1859 à 
Contribuição à Crítica da Economia Política –, de outro à luta de 
classes – pense-se no Manifesto Comunista. A primeira refere-se 
essencialmente a uma realidade estrutural, ou mais propriamen-
te interestrutural: a ordem daquilo que a sociologia contempo-
rânea chamaria de integração sistêmica (ou, para Marx, desin-
tegração latente). A segunda refere-se às forças subjetivas em 
conflito e confronto pelo domínio das formas sociais e processos 
históricos: o âmbito daquilo que a sociologia contemporânea 
chamaria de integração social (que é igualmente desintegração 
ou reintegração). Como se articulam na teoria do materialismo 
histórico estes dois diferentes tipos de causalidade, ou princípios 
explicativos? A isso, o marxismo clássico, mesmo no auge de 
suas forças, não forneceu nenhuma resposta coerente.
No entanto, o último Lukács, que realizou uma verdadeira 
refundação da filosofia marxista a partir do próprio Marx, en-
contra-se na contramão da perspectiva proposta por Anderson 
(1984). Isso porque o Lukács de Por uma Ontologia do Ser So-
cial (1981), está convencido de que o cerne da reflexão marxia-
48
na centra-se na concepção de que no ser social consubstancia-se 
uma articulação, só separável pela abstração, entre causalidade e 
teleologia, isto é, as atividades humanas são condicionadas por 
determinações postas e impostas aos indivíduos singulares e, si-
multaneamente, a totalidade social tem por fundamento a síntese 
das ações teleologicamente orientadas dos indivíduos. Assim, as 
categorias de determinismo e liberdade, objetividade e subjeti-
vidade, necessidade e contingência, quando não são entendidas 
aprioristicamente como imanentemente antagônicas, revelam-se 
no movimento social como categorias reflexivas constituintes da 
própria racionalidade do ser social. Por isso, partindo da categoria 
trabalho, Lukács (1981, p. 335) situa o lugar do momento ideal 
no complexo nuclear do ser social ao dizer que, “[...] o fato mais 
fundamental, mais material da economia (o trabalho) tem o cará-
ter de uma posição teleológica.” 
Isso significa uma ruptura com toda uma tradição marxista 
– o marxismo da Segunda Internacional e o stalinismo – que ne-
gava qualquer elemento de subjetividade na economia, identifi-
cada como a infraestrutura material da sociedade e contraposta à 
superestrutura, esta sim, o locus privilegiado da consciência. Des-
sa forma, a “infraestrutura econômica” foi reduzida – para garan-
tir seu suposto caráter materialista – a uma esfera cuja legalidade 
seria semelhante às leis da natureza19, enquanto a consciência, 
derivada mecanicamente daquela, se manifestava sob a forma de 
“superestrutura”. O seguinte texto de Stálin (1985, p. 3) sobre a 
natureza da economia e de suas leis, evidencia isso:
Aqui, da mesma forma que nas Ciências Naturais, as leis do 
desenvolvimento econômico são leis objetivas, que refletem os 
19 Pois, “[...] a dinâmica do ser natural é determinada pela causalidade sem a teleologia” 
(LUKÁCS, 2004, p. 345). 
49
processos do desenvolvimento econômico, que se realizam in-
dependentemente da vontade dos homens. Os homens podem 
descobrir essas leis, conhecê-las, e, baseando-se nelas, utilizá-las 
no interesse da sociedade, dar outro rumo à ação destrutiva de 
algumas leis, limitar sua esfera de ação, dar livre curso a outras 
leis que abrem caminho para diante; mas não podem destruí-las 
ou criar novas leis econômicas. Uma das peculiaridades da Eco-
nomia Política consiste no fato de que suas leis, diferentemente 
das leis das Ciências Naturais, não são duradouras. Pelo menos 
a maioria delas atua no decorrer de um determinado período 
histórico, depois do qual cede lugar a novas leis. Mas essas leis 
não são destruídas, perdem sim sua validade, em conseqüência 
de novas condições econômicas, e saem de cena para dar lugar 
a novas leis que não se criam pela vontade dos homens mas sur-
gem à base de novas condições econômicas.
Nessa perspectiva, a esfera econômica não é um produto da 
atividade humana, sendo as mudanças das leis econômicas deter-
minadas por novas condições econômicas de origem indetermi-
nada. Porém, Lukács (1981) partindo de Marx e, portanto, não se 
identificando com nenhuma perspectiva idealista de tornar inde-
pendentes os momentos de objetividade e subjetividade esclarece:
[...] tem predominado um certo dualismo metódico, no qual o 
campo da economia foi apresentado como subordinado a uma 
legalidade, necessidade, etc., interpretada em termos mais ou 
menos mecanicistas, enquanto que aquele da superestrutura, da 
ideologia, resultava o único setor no qual apareciam as forças 
motrizes ideais, muito frequentemente vistas em termos psico-
lógicos (p. 336). 
Daí Lukács (op. cit.) identificar três vertentes básicas que os-
cilam entre uma ótica mecanicista e os germes de certa dialética. 
A primeira liga-se a Kautsky, patriarca da Segunda Internacional, 
principalmente em sua fase tardia,e devido a não solução no seu 
50
pensamento da tensão entre o darwinismo e a herança marxiana, 
acaba por reconduzir a esfera social à categoria de substância bio-
lógica20. A segunda é posta por Max Adler, um dos teóricos do 
austro-marxismo que tentou combinar o pensamento marxiano 
com o kantismo, que dissolve de maneira idealista cada momento 
material da realidade social, e também as relações econômicas, 
em relações espirituais, assim, “[...] a totalidade da sociedade dos 
homens transforma-se em um produto – kantianamente enten-
dido – da consciência” (LUKÁCS, 1981, p. 337). E por último:
[...] a economia política e a teoria da sociedade stalinista ope-
ram, em parte, com categorias idealístico-subjetivas, voluntaris-
tas, nas quais a objetividade social apresenta-se definitivamen-
te como um resultado das resoluções do partido; e em parte, 
quando a pressão dos fatos obriga o reconhecimento de alguma 
maneira da validade objetiva da teoria do valor, opera-se com o 
dualismo da “necessidade” mecânico-materialista e a das deci-
sões voluntaristas (Idem, p. 337).
Portanto, a visão de mundo gerada pelo stalinismo se sus-
tentava em dois elementos excludentes: a concepção stalinista ex-
posta anteriormente, e que indica que a história, fundada nas leis 
econômicas, é apenas o desdobramento automático da legalidade 
infraestrutural, e o apelo constante à ação dos indivíduos – ou 
para a derrubada do capitalismo ou para a construção do socialis-
mo – como cumpridores de um destino já pré-estabelecido, não 
produzido por atos humanos. O interessante é que o extremado 
voluntarismo stalinista – orientado pelas decisões partidárias, ti-
das como expressões da objetividade social, e tendo como fun-
20 “Este desconhecimento da constituição real da práxis econômica e social o leva a 
tomar acriticamente, dos manuais acadêmicos, a mais superficial concepção da relação 
entre teleologia e causalidade, onde a primeira, considerada uma forma do pensamento 
dos estágios primitivos, com o progresso do conhecimento, acaba por fazer desaparecer a 
vantagem da causalidade.” (LUKÁCS, 1981, p. 337). 
51
damento categorias idealístico-subjetivas, como a fé na “vitória 
do socialismo” e a crença na infalibilidade do partido e de seus 
dirigentes –, tem como pressuposto uma concepção não explícita 
de um indivíduo até certo ponto passivo diante da história21, o 
que correspondia, em última instância ao domínio político-social 
da burocracia sobre as massas trabalhadoras. 
Porém, o elemento comum às três posições, com destaque 
para a stalinista devido sua influência no movimento operário 
do século XX e em diversas vertentes da tradição marxista, é que 
“[...] todas estas teorias não souberam explicar nem a unidade 
dinâmico- estrutural e a peculiaridade do ser social, nem as dife-
renças e contradições que se verificam em tal esfera” (LUKÁCS, 
1981, p. 337). Noutras palavras, por seus limites teóricos inter-
nos e por injunções histórico-políticas, elas não atentaram para 
o fato de que:
A objetividade e a legalidade específicas da realidade econômica 
têm como sua base indispensável o fato de ser – e Marx sublinha 
muitas vezes – um processo histórico, que é criado pelos pró-
prios homens que estão interessados e constituem a sua história, 
realizada por eles mesmos [...] a teoria marxiana do ser social, 
discutindo precisamente a problemática do seu fundamento 
material, a economia, põe a luz à interdependência dialética, 
à referência recíproca, à indissolubilidade ontológica na eco-
nomia entre as atividades humanas preparadas de forma ideal 
e a legalidade econômico-material desenvolvida a partir delas. 
Analisando a ontologia do trabalho, Marx demonstrou que é 
insustentável a tradicional contraposição entre teleologia e cau-
salidade (Idem, p. 345).
21 “Se o socialismo é considerado uma decorrência inevitável do desdobramento objetivo 
das leis do desenvolvimento do capital, seria desnecessária a atividade dos revolucionários para 
que a história o atingisse. Ao negar o papel ativo dos indivíduos na história – atividade esta 
plena de mediações, entre elas a luta de classes –, o stalinismo chegou a um passo de justificar a 
completa passividade do indivíduo frente aos destinos da humanidade” (LESSA, 1995, p. 44).
52
Nesses termos e na perspectiva inaugurada por Marx, a 
economia que é essencial para compreensão da totalidade e dos 
grandes complexos parciais do ser social não é reduzida a uma ob-
jetividade quase natural, seu elemento nuclear (o trabalho) tem o 
caráter de uma posição teleológica que se realiza materialmente, 
ou seja, é uma síntese de subjetividade e objetividade. Portanto:
[...] as leis econômicas objetivas, independentemente da deci-
são individual, aliás, independente também da somatória social, 
definitivamente são na sua estrutura e dinâmica reconduzíveis a 
esses “elementos”, às características das posições, à sua dialética 
de ideal e real (LUKÁCS, 1981, p. 344). 
O que significa que a infraestrutura econômica não se cons-
titui como a esfera absoluta da objetividade, nem os complexos 
componentes da superestrutura são os lugares próprios da pura 
subjetividade. Dito de outro modo, tanto infraestrutura como 
superestrutura, dependendo da especificidade de cada esfera, têm 
como fundamento a atividade humana – a qual possui como 
princípio e modelo o trabalho –, e, portanto, se expressam como 
uma síntese entre momento ideal e transformação do real. Tal 
síntese é própria da especificidade ontológica do ser social e pode 
ser encontrada tanto em seu momento basilar, a transformação 
da natureza visando à produção de valores de uso, como nas ati-
vidades sociais mais complexas – arte, política, educação, ciência, 
moral, entre outras formas de práxis. Nessa perspectiva, a diferen-
ça entre o trabalho e outras formas de práxis sociais é que
[...] as posições práticas, frequentemente mediatizadas de ma-
neira fortemente complexa, que a divisão do trabalho produz, 
trazem um caráter teleológico-causal, com uma única diferen-
ça, importantíssima, com relação ao trabalho a que as fina-
lidades que são suscitadas e que ao se realizarem, não visam 
53
diretamente a um caso concreto da troca orgânica da sociedade 
com a natureza, mas, ao contrário, tendem a influir sobre ou-
tros homens, de modo que eles cumpram por si só os atos de 
trabalho desejados pela posição do sujeito [...] a cada momen-
to, a posição teleológica volte a direcionar a consciência de um 
outro homem (ou mais homens) em uma determinada direção, 
querendo induzi-lo a cumprir a posição teleológica desejada 
[...] seu “material” não é absolutamente homogêneo como no 
próprio trabalho, no qual só existe a alternativa objetiva, se a 
consciência captou a realidade objetiva corretamente ou não. 
Aqui, o “material” da posição do fim é o homem, que deve ser 
induzido a tomar uma decisão alternativa (LUKÁCS, 1981, 
p. 337-338). 
Lukács (op. cit., p. 339) diz também que os
[...] atos teleológicos que somente mediatizados se referem ao 
intercâmbio orgânico com a natureza, de imediato são dirigidos 
para influenciar a consciência sobre as decisões de outros [...] o 
momento ideal está presente como motivação e objeto, tanto 
na posição quanto no objeto dessa intenção; por isso, o peso do 
momento ideal aumenta em confronto com as posições originá-
rias do trabalho, e cujo objeto é necessariamente real. 
Assim, não existe ação humana que não seja uma transfor-
mação orientada por uma prévia ideação, que não seja uma ob-
jetivação de um momento ideal. O que significa, que dentro das 
coordenadas ontológicas postas por Marx e explicitadas por Lu-
kács, a consciência (momento ideal) é uma categoria essencial no 
ser social, sem ela não há a mínima possibilidade de reprodução 
social e de desenvolvimento do gênero humano. Quanto mais a 
malha da materialidadesocial amplia-se em complexidade, den-
sidade e riqueza de possibilidades, a importância da subjetividade 
revela-se mais efetiva. Isso é explicável pelo fato de que no traba-
lho as posições teleológicas visam diretamente à troca orgânica 
54
entre sociedade e natureza, cujo material é mais homogêneo e 
na qual as alternativas são objetivas, enquanto noutras formas de 
práxis, que possuem também o caráter teleológico-causal, o obje-
tivo é tentar influir sobre outros homens para que eles cumpram 
por si só os atos de trabalho desejados pela posição do sujeito. 
Assim, a função da posição teleológica se torna mais com-
plexa ao buscar constantemente direcionar a consciência de um 
ou mais homens em uma determinada direção, querendo indu-
zi-lo a cumprir a posição teleológica desejada para determinada 
forma histórica de reprodução social, tendo em vista que o seu 
“material” não é absolutamente homogêneo como no próprio 
trabalho, pois o objeto da finalidade é o homem, que deve ser 
induzido a tomar determinada decisão alternativa. O caráter mais 
complexo nesse tipo de práxis, é que há uma estrutura ontoló-
gica diversa daquela que desempenha os elementos naturais no 
processo de trabalho, pois nela, “[...] o ‘material’ é qualitativa-
mente mais oscilante, ‘maleável’, imprevisível, que no trabalho” 
(LUKÁCS, 1981, p. 338). O que faz efetivamente com que o 
peso do momento ideal aumente consideravelmente em relação 
às posições originárias do trabalho. 
Isso só é compreensível sob um pressuposto ontológico 
de que, quanto mais desenvolvidas as formações sociais, mais 
imprescindíveis para a reprodução social torna-se constituição 
de uma malha de ações práticas e coordenadas entre diferen-
tes indivíduos orientadas para a manutenção e ampliação de 
determinadas estruturas. Para tal mecanismo ter uma estabili-
dade efetiva, o pressuposto básico é que os indivíduos sejam 
convencidos a agir de modo apropriado para cada forma deter-
minada de sociabilidade. O que implica, em última instância, 
o surgimento de um conjunto específico de objetivações que 
55
atuam diretamente sobre a subjetividade. Essa é a matriz onto-
lógica da gênese de complexos sociais como o Estado, a moral, 
os costumes e, do que nos interessa, da educação e da ideologia. 
Portanto, quanto maior a complexidade social – nos modos de 
produção escravista e feudal, por exemplo, os mecanismos de 
exploração eram essencialmente extra-econômicos, porém no 
capitalismo os mecanismos de exploração são eminentemente 
econômicos – sendo maior a importância e necessidade de in-
fluir sobre a subjetividade individual, e também social, para que 
aja, nas situações historicamente determinadas, de acordo com 
as formas socialmente estabelecidas de maneira hegemônica.
Por isso, a indissociabilidade entre momento ideal e ação 
na práxis humana22 é inerente à concepção marxina-lukacsiana 
de que, diferentemente da natureza, o ser social é produto da 
atividade humana. Daí que a origem, a substância e a reprodução 
do ser social são impossíveis sem a mediação constante da ativi-
dade humana, pois objetivam prévias ideações, tanto na natureza 
como na materialidade social.
22 “[...] do ponto de vista ontológico, não se trata de dois atos autônomos, um ideal e 
outro material, que de alguma maneira se interligam, não obstante esta ligação mantenha a 
própria estrutura de cada um deles; ao contrário, a possibilidade da união de cada um dos 
atos, isoláveis apenas no pensamento, é vinculada à necessidade ontológica do ser do outro. 
Isto é, o ato da posição teleológica, somente por meio da real efetivação da sua realização, 
torna-se um verdadeiro ato teleológico; sem isso, torna-se um mero estado psicológico, uma 
imaginação, um desejo, etc., que tem com a realidade material, no máximo, uma relação de 
espelhamento. E, por outro lado, a específica corrente causal que é movida teleologicamente, 
e na qual consiste a parte material do trabalho, não pode produzir-se por si mesma, a partir 
da causalidade produzida em-si no ser natural, não obstante nela operem exclusivamente 
momentos causais naturais [...]” (LUKÁCS, 1981, p. 335-336).
56
Referências
ANDERSON, Perry. A crise da crise do marxismo: introdução a um 
debate contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
CHILDE, Gordon. A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: 
Zahar, 1975.
LEAKEY, Richard. A origem da espécie humana. Rio de Janeiro: Roc-
co, 1995.
LESSA, Sérgio. Crítica ao “praticismo” revolucionário. Práxis, n. 4, Belo 
Horizonte, p. 35-64, jul.1995.
______. Mundo dos homens: trabalho e ser social. São Paulo: Boitem-
po, 2002.
LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social. 
São Paulo: Boitempo, 2010.
______. Ontologia del ser social: el trabajo. Buenos Aires: Herramien-
ta, 2004.
______. Per una ontologia dell´essere sociale. Roma: Ed. Riuniti, 
1981, v. 1 e 2.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 11. ed. São Paulo: 
Bertrand Brasil – DIFEL, 1987, v. 1.
______; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (Feurbach). 11. ed. 
São Paulo: Hucitec, 1999.
______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
ROBERTS, Alice. Evolution: the human story. London: DK, 2011.
STALIN, Joseph. Problemas econômicos do socialismo na U.R.S.S. 
São Paulo: Anita Garibaldi, 1985. 
TROTSKY, Leon. A revolução traída: o que é e para onde vai a URSS. 
São Paulo: Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2005.
57
Concepções epistemológicas e onto-históricas da 
técnica e da tecnologia: um debate no legado de 
Álvaro Vieira Pinto
Deribaldo Santos
O presente estudo intenta alargar a compreensão dos con-
ceitos de técnica e de tecnologia, para, a partir de uma análise 
onto-histórica, que tenha o trabalho como pressuposto social das 
demais práxis sociais, entender o complexo de fatores que leva o 
discurso dominante a apresentar essas duas categorias como os 
determinantes fundamentais do atraso econômico e sócio-cultu-
ral dos países da periferia do capital. Particularmente, no Brasil, 
é defendido, nessa trilha, o desenvolvimento tecnológico como 
elemento em primeira instância, para a superação das condições 
locais de dependência. 
Em nossa exposição assumimos, primordialmente, as pes-
quisas do filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto (1901-1987), 
como base para a compreensão crítica dos conceitos de técnica e 
de tecnologia, em suas distinções e entrecruzamentos. 
Como veremos adiante, as conclusões alcançadas no estu-
do em tela apontam, mesmo que em caráter aproximado, para 
dois usos contrapostos do conceito de tecnologia. De um lado, a 
tecnologia é encarada com positividade extrema, capaz de operar 
como salvadora maior dos problemas de desenvolvimento eco-
nômico e social; de outro, esta é vista como o grande mal da 
sociedade contemporânea, vilã, por si mesma, do desemprego e 
da desintegração social. 
58
Nos dois casos, como nos reafirmam as ponderações de 
Vieira Pinto a partir de Marx, a tecnologia aparece como sujeito 
autônomo das transformações que, para o bem ou para o mal, 
estariam desenhando na face da sociedade contemporânea, os 
contornos de uma era tecnológica. Em ambas as linhas de in-
terpretação, desconsideram-se as relações que se tramam entre o 
avanço tecnológico e a prática histórico-social dos homens. Mui-
to menos, são traçadas, em qualquer das hipóteses, as devidas 
conexões entre a tecnologia e as necessidades de auto-reprodução 
do capital. 
Buscando apanhar a problemática pela raiz, tentaremos des-
vendar os pressupostos que respondem pela parcialidade de am-
bas as visões, restituindo, nesse movimento, para o trabalho e a 
luta de classes, a posição central no processo de reprodução social, 
como condição imprescindível ao correto entendimento quanto 
ao lugar da técnica e da tecnologia na história e no devir humano.
Por fim, em carátermais específico, este trabalho almeja 
mostrar que, no momento atual de crise profunda por que passa 
o capital1, as distorcidas compreensões do que é técnica e tec-
nologia, apenas servem para manter o Brasil, como outros paí-
ses do mesmo porte, (como um sistema de intertravamento) em 
condições de desvantagem em relação aos países do capitalismo 
central. Entende-se, com efeito, que, ao consumir passivamente 
os artefatos e elementos tecnificados de toda ordem e espécie ad-
vindos dos países produtores de técnica e tecnologias avançadas, 
1 De acordo com Mészáros (2002), o capital vem atravessando desde o último meio século 
aproximadamente, uma crise de natureza estrutural, qualitativamente distinta das crises 
cíclicas que acompanharam historicamente esse modo de produção. Para fazer frente a uma 
crise de espetacular magnitude, que alcança a totalidade dos complexos que comprazem a 
práxis dos homens, aí incluídos, evidentemente, após o trabalho, a ciência, a educação e a 
tecnologia, o sistema do capital aciona mecanismos que aprofundam de maneira ímpar, a 
barbárie social.
59
garante, outrossim, a estes, o direito indestrutível e ahistórico de 
melhor abocanhar a divisão social internacional do trabalho em 
condições privilegiadamente superiores. 
Para enfrentar a empreitada aqui enunciada, buscamos, em 
primeiro plano as contribuições de Vieira Pinto, contidas nos 
dois volumes de sua obra, O conceito de tecnologia, em sua edi-
ção de 2008. 
Com base no pressuposto marxiano que assume o trabalho 
como ato fundante do ser social, nosso autor entende que apenas 
a aplicação correta das leis gerais da dialética pode exprimir todas 
“as formas de movimentos do mundo material em seu curso his-
tórico” e, assim, nos colocar na trilha do adequado conhecimento 
(VIEIRA PINTO, 2008a, p. 72). 
Como ressalta Marcos Cezar de Freitas (2006, p. 84), aquele 
autor “empreende uma operação conceitual muito assemelhada 
ao método lukacsiano, o que lhe permite afirmar que estudar o 
trabalho e a tecnologia corresponde a investigar a cultura daque-
les que têm acesso imediato à realidade, como diria Lukács2”. 
Sobre o método seguido por Vieira Pinto, Freitas ainda nos diz 
que ele se vale da antropologia para complementar sua argumen-
tação (2006, p. 84).
É oportuno recorrermos às elaborações do próprio Vieira 
Pinto, que renega, no todo de sua análise de cunho antropológi-
co, a autonomia da cultura com relação à técnica, ou, em última 
instância, ao trabalho. 
2 É oportuno assinalar que Lukács empreendeu uma recuperação do pensamento de 
Marx, resgatando o marxismo como uma ontologia do ser social, dissipando, por essa via, as 
sombras do economicismo e do determinismo arrogados historicamente ao legado marxiano. 
A esse respeito, é importante consultar os Prolegômenos para uma Ontologia do Ser Social, 
última obra do filósofo húngaro, recentemente publicada em português.
60
Uma das mais nocivas substancializações que cometemos qua-
se inconscientemente, passando assim despercebida, é a que se 
refere à cultura. Aparece-nos como uma realidade em si. Defi-
nimos então as técnicas declarando-as pertencentes a certa cul-
tura, substantivada, entificada, quando a verdade encontra-se na 
expressão inversa. [...] atribuímos certas técnicas antiqüíssimas, 
por exemplo à cultura paleolítica, quando deveríamos dizer o 
oposto, pois são as técnicas executadas em tal fase do desenvol-
vimento humano que configuram o conceito chamado cultura 
paleolítica (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 65).
É enfático, por certo, o autor, ao conceber a técnica como 
algo material, condicionada historicamente por seus produtores, 
tendo no trabalho humano a mediação original. Por definição, 
todo ato humano é, em si, uma ação técnica, pois quando o ho-
mem torna-se um ser social produtor de si mesmo, constitui-se 
simultaneamente em ser técnico. Assim transcorre a tese central 
de Vieira Pinto: “a técnica define primeiramente uma qualidade 
do ato material produtivo; só no segundo momento do processo 
cognoscitivo se transfere do ato ao agente, o homem que pratica 
atos técnicos, isto é, produtivos de um fim bem determinado” 
(VIEIRA PINTO, 2008a, p. 176). 
Precisamente, a técnica consiste em “obedecer às qualidades 
das coisas e agir de acordo com as leis dos fenômenos objeti-
vos, seguindo os processos mais hábeis possíveis em cada fase do 
conhecimento da realidade” (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 62). 
Como forma de ilustrar melhor nosso argumento, reportamo-
nos ao exemplo contido na ficção de Arnald (1981), A guerra do 
fogo, quando a mulher integrante da tribo que detinha o conhe-
cimento de, através da manipulação de artefatos naturais, pro-
duzir o fogo com suas mãos, expõe essa técnica para uma tribo 
cuja evolução cultural não lhe permitira, a partir de habilidades 
manuais, fazer brotar das próprias mãos o fascinante fogo. 
61
Não resta dúvida de que existe um caráter necessariamente 
técnico em toda e qualquer ação humana, pois agir significa um 
modo de ser em-si ligado a alguma finalidade que o indivíduo se 
propõe a alcançar. A dialética da ação com o causador, do sujeito 
com o objeto, do produto desenvolvido com as mãos a partir do 
que se apresenta a ele posto pela natureza; e, posteriormente, o 
que esse homem realiza a partir do já produzido pelos seus ante-
passados, imbrica-se na gênese onto-histórica da técnica.
[...] o adjetivo “técnica” aplica-se primordialmente por sua de-
rivação filosófica autêntica, e em caráter existencial justo, ao ato 
da produção de algo. É o ato que fundamentalmente deve ser 
julgado “técnico”, ou não. E entre os atos, aquele que direta e 
mais originalmente recebe esta qualificação é o de produzir. Sen-
do um ato definidor da existência humana, porque exprime a 
condição primordial da conservação dela, permitindo ao ser vivo 
conservado raciocinar sobre si, é a ele que compete natural e ori-
ginalmente a qualificação “técnico” (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 
175, aspas do original).3 
É importante pontuar com o autor que a reflexão sobre a 
técnica apenas se torna objeto da filosofia quando aquela se sepa-
ra de quem a executa. Isso ocorre por existir uma desvalorização 
do trabalho manual em relação a um nível superior especializa-
do das funções sociais, que se desenrola na educação através do 
que podemos entender como dicotomia educativa. Em geral, no 
chão do cotidiano, técnico é o trabalhador a quem se atribuem 
recursos intelectuais específicos, é aquele que vem nos socorrer 
3 Vieira Pinto acrescenta: “Mantendo-nos, porém no âmbito da ocorrência original, e a 
mais significativa, vemos claramente o papel mediador assumido pela operação que se reveste 
da qualidade objetiva de “técnica”, termo que recebe então a função gramatical de adjetivo 
determinante de uma função humana. Nem todo ato humano detém este título. A rigor, 
seriam até raros, reduzindo-se àqueles praticados com a consciência exata do que significam 
enquanto meios para alcançar um fim” (2008a, p. 176). Como forma de aprofundamento 
dessa questão, vale à pena acompanhar o autor na demonstração da substantivação da técnica. 
62
quando algum dos aparelhos que permeia a vida moderna, e que, 
geralmente, possui fios e botões, para de funcionar. Na realidade, 
como esclarece Vieira Pinto, isso significa que apelamos para es-
pecialistas conhecedores das ações específicas necessárias para re-
colocar o equipamento em seu perfeito estado de funcionalidade. 
Assim, esse trabalhador personifica o portador da técnica, “a sa-
ber, da mediação, representada pelos atos adequados, que deverão 
levar ao fim pretendido, a retomada do funcionamento normal 
do aparelho ou da máquina” (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 177).
Dessa forma, a técnica começa a se distanciar de sua gênese, 
pois, parafraseando o filósofo, deixa de ser um adjetivo enquan-
to meio para se atingirum fim para iniciar sua caminhada em 
direção à substantivação. Os demais erros metodológicos que a 
empurram para uma concepção fantasiosa, entificando-a como 
algo sobrenatural, que perde a relação dialética do ato com o 
agente operador da ação técnica, devem ser computados para as 
visões anti-históricas da realidade, as quais são impossibilitadas 
de perceber o vício de raciocínio, largamente divulgado pelos es-
critores impressionistas, espelhados na troca de um adjetivo por 
um substantivo, como no caso dos pensadores Martin Heidegger 
e Oswald Spengler (VIEIRA PINTO, 2008).4 O primeiro autor 
concebia a técnica presente na vida do homem moderno como 
um prejuízo incalculável, do qual a humanidade precisa se esqui-
var indo à procura dos métodos tecnicamente menos elaborados. 
Já o segundo filósofo acreditava que o ponto de partida para se 
analisar essa questão, é a alma. “Para esse imaginário compositor 
de um romance de história”, como registra Vieira Pinto, antes 
de ilustrar diretamente as palavras de Spengler, o problema está 
4 Não podemos deixar de registrar que tanto o primeiro filósofo quanto o segundo 
administraram ou forneceram ideias forjadas sobre concepções irracionais que serviram para 
consubstanciar umas das páginas mais nefastas da história do século XX: o nazismo. 
63
invertido e fincado em uma base biologista de caráter animista: 
“[a] técnica é a tática da vida; é forma íntima do comportar-se na 
luta que é idêntica à própria vida” (Spengler, citado por VIEIRA 
PINTO, 2008a, p. 143).
De acordo com Vieira Pinto, ademais:
Seria errôneo julgar que, sem querer ou sem perceber, chega-
mos à mesma concepção exposta nas lucubrações de Heidegger, 
a noção da técnica como ocultação do ser. Parece-nos que 
Heidegger, se em palavras assim se exprime, na realidade dota 
a técnica de valor entitativo, de modo que ele, tanto quanto 
Spengler, acaba por chegar ao resultado oposto ao que visa, na 
verdade em vez de mostrar a técnica ocultando o ser, faz o ser 
ocultar a técnica. Esta, convertida numa entidade em si, oculta 
sua própria natureza (2008a, p. 177). 
Por conseguinte, não se constituindo uma entidade em si, 
qualquer técnica só pode ser considerada boa ou má quando rela-
cionada às suas finalidades, nunca em sentido moral, porquanto 
somente o conjunto da humanidade tem a decisão de ser bom 
ou mau. Seria até dispensável lembrar que a bomba atômica que 
ocasionou o extermínio de milhares de vidas humanas nas cida-
des japonesas de Hiroshima e Nagasaki, por exemplo, foi tecnica-
mente perfeita, pois atingiu o alvo objetivo de quem a lançou, ou 
seja, não falhou. Como explica filosoficamente Vieira Pinto: “[...] 
o ato [técnica] realiza, enquanto mediação, o fim intencional do 
agente, é a mediação na obtenção de uma finalidade humana 
consciente” (VIEIRA PINTO, 2008a, 175-8).
Rigorosamente, para esse filósofo (2008a, p. 218-20) não 
podemos estudar a técnica sem posicioná-la dentro do valor fun-
damental e exato do seu logos: a tecnologia. Ancorado com o 
primeiro significado etimológico, “a tecnologia tem de ser a teo-
64
ria, a ciência, o estudo, a discussão da técnica”. Incluem-se, nessa 
definição, as artes, as habilidades de fazer algo, “as profissões e, 
generalizadamente, os modos de produzir alguma coisa”. Nesse 
sentido, radica-se o que é primordial para um aprofundamento 
filosófico da questão, proporcionando-nos as ferramentas impres-
cindíveis para compreender de forma pormenorizada, as categori-
zações ingênuas ou mal intencionadas do conceito de tecnologia. 
Na verdade, no entendimento mais comum e popular, a tecnolo-
gia aparece como sendo pura e simplesmente equivalente à técnica, ao 
conjunto de todas as técnicas (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 220-
1)5., ou, ainda, como sinônimo da variante americanizada, bas-
tante recorrente entre nós, a charmosa expressão know how, ligada 
à coisa estrangeira, o que, por sua vez, transmite a ideia de tratar-
se, irrevogavelmente de algo superior.
O filósofo brasileiro explica que, em função da evolução 
acentuada das bases materiais, sobretudo após a Segunda Guerra 
Mundial, com o crescimento acelerado da produção industriali-
zada, a tecnologia passou a tomar assento no debate filosófico, 
assumindo, contudo, majoritariamente, uma posição deveras 
problemática6. 
5 O conceito de ideologia da técnica é a quarta noção que Vieira Pinto (2008a, 2008b) 
enxerga aparecer na definição de tecnologia. Justamente nessa categorização o autor pretende 
trabalhar com mais acuidade. 
6 Será oportuno conferir a esse respeito, um interessante apanhado realizado pelo autor 
costarriquenho Amán Rosales Rodríguez (2002, 2006), acerca do tratamento conferido por 
Popper e Rapp, o primeiro, reconhecidamente, um dos mais influentes pensadores das ciências 
sociais, do último século; e o segundo, um filósofo que tem contribuído sistematicamente 
com o debate ético-político sobre a problemática da tecnologia. A partir das indicações 
de Rodríguez, podemos inferir que, para além das signiifcativas complexificações que 
distinguem a obra dos dois filósofos em tela, estes trazem em comum o feito de desconsiderar 
a relação da tecnologia com o trabalho, o qual detém em si o ato teleológico, o que, por sua 
vez, cega completamente qualquer tentativa correta de análise do problema. As investigações 
conduzidas por Popper e Rapp, assim como suas congêneres, por conseguinte, têm que se 
contentar com enunciados que, no máximo de seus limites históricos, apontem para algum 
65
Na trilha de suas argumentações, o filósofo se remete com 
particular excelência, à suposição largamente apregoada de que 
viveríamos contemporaneamente, uma era tecnológica. 
Explica o autor que, nunca houve, a rigor, uma era que não 
fosse tecnológica, todas as épocas são extraordinárias perante os 
seus criadores: a humanidade. “Supor o contrário, seria imaginar 
que a história se repita, estacione ou corra para trás; o homem, 
jamais seria humanizado se não fosse tecnológico” (VIEIRA PIN-
TO, 2008a, p. 47). Assim, como bem esclarece o autor, o termo 
“era tecnológica” é utilizado como uma panaceia para expressar 
a distinção dos tempos atuais com relação às fases remotas da 
humanidade ou para distinguir nações desenvolvidas das menos 
favorecidas no cenário geo-político dito globalizado. De forma 
ideológica, no caso particular dos países periféricos, tal conceito 
atua como silenciador das consciências, fazendo-as aceitar como 
verdade definitiva o seu estado de atraso; de viés, ainda concentra 
os elementos de adaptação das resistências internas, o que, por 
conseguinte, trava uma possível reação contrária à dominação 
estrangeira. Por isso, “toda época, na palavra de seus ideólogos7, 
julga-se privilegiada, vê-se como o término de um processo de 
conquistas materiais e culturais que com ela se encerram”, apa-
rentando que estamos em uma época distinta das demais pelas 
maravilhas desfrutadas, particularmente, por alguns privilegiados 
(VIEIRA PINTO, 2008a, p. 40). 
tipo de determinismo, de pessimismo do controle da humanidade sobre sua materialidade, 
ou de otimismo ingênuo: ambas as visões somente podem esbarrar nas conhecidas fantasias 
pós-modernas. 
7 Vieira Pinto questiona que talvez possa se dizer, “com valor de lei sociológica, que os 
serviçais em todos os tempos pensam analogamente”: é a invasão dos literatos impressionistas 
na filosofia (2008a, p. 41-4). 
66
A realidade, no entanto, expõe que o homem maravilha-se 
diante do que é produto seu porque, 
em virtude do distanciamento do mundo, causado pela perda 
habitual da prática de transformação material da realidade, e 
da impossibilidade de usar os resultados do trabalho executado, 
perdeu a noção de ser o autor de suas [próprias] obras, as quais 
por isso lhe parecem estranhas (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 35). 
A expressão “eratecnológica”, em seu sentido onto-históri-
co, apenas serviria para evocar toda época da evolução humana 
onde o homem age sobre a natureza com as técnicas que cria ou 
de que dispõe para solucionar as contradições existentes entre ele 
e o meio natural. Nesse movimento, o sujeito utiliza as proprie-
dades dos corpos, as forças naturais desantropomorfizadas que 
existem independentes de sua vontade, como forma de fortalecer 
o rendimento de seu trabalho sobre os objetos naturais que rece-
bem sua ação. O simples atrito entre dois pedaços de sílex para 
produzir faíscas, como lembrado por Lukács (1982) a partir dos 
documentos de Pareto, serve como ilustração da relação que o 
homem conquista através do desenvolvimento de seus reflexos da 
realidade buscando vencer as oposições naturais às suas crescen-
temente mais sofisticadas exigências. Tal reflexo8, como lembra 
Vieira Pinto, formou-se graças a um sistema nervoso suficiente-
mente desenvolvido para elaborar, em forma de ideias abstratas e 
universais a compreensão do real. 
Portanto,
8 “Os atos realizados na natureza irracional por instinto, como lembra Vieira Pinto, nele 
[no homem] se elevam à condição reflexiva, começando a merecer a qualificação de técnica” 
(2008a, p. 159). Lukács (1982) entende reflexo como sendo a tentativa consciente de captar 
o movimento da realidade procurando entendê-la. Para este autor, o reflexo é pressuposto 
para o trabalho, ou seja, este seria impossível sem aquele. 
67
Toda fase da história humana, em qualquer cultura, caracte-
riza-se, do ponto de vista descritivo, pelas produções técnicas 
capaz de elaborar. O salto representado pela habilidade de polir 
a pedra, em contraste com a simples fragmentação, tem tão alta 
importância que pode ser utilizado como manifestação divisória 
de dois pólos multimilenares da evolução humana. A passagem, 
posterior, à agricultura, à domesticação de animais e à produção 
de utensílios de barro são fatos de transcendência comparável à 
da chamada Revolução Industrial dos tempos modernos e, na 
atualidade, à introdução das novas fontes de energia obtida das 
reações nucleares (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 61-3). 
De todo modo, a tecnologia, na chamada “era tecnológica”, 
sofre dois ataques frontais. Se, por um lado, é tida como demo-
níaca, por outro, é apresentada como a endeusada saída para to-
dos os males da humanidade, sobretudo no caso dos países que 
orbitam na periferia do capitalismo avançado. Ambas as posições, 
por não levarem em conta o fato absolutamente primordial - a 
relação produtiva que o homem mantém com o seu entorno - 
são completamente falsas. Contudo, como argumenta o autor, as 
acrobacias verbais e as fantasias literárias dos filósofos, que se de-
bruçam sobre a filosofia da técnica, traduzem, geralmente, ame-
drontadas apologias da sociedade que julgam “do conhecimen-
to”, tecnocrata, da informação, “tecnológica”, ou qualquer outra 
alcunha a ela atribuída, são “incapazes de perceber as limitações 
e as anamorfoses das próprias especulações, são manigâncias cuja 
intenção ideológica, enquanto serviços relevantes prestados aos 
grupos poderosos, é indispensável ” (2008a, p. 155). O ataque 
ideológico contra a tecnologia feito por esses pseudos-críticos é 
um tiro que sai pela culatra, “pois ao censurá-la pura e simples-
mente, sem revelar a sua essencial dialética para o desenvolvimen-
to da humanidade, inocentam os agentes que a manipulam: os 
grandes conglomerados capitalistas” (2008a, p. 179).
68
Do mesmo modo que é errôneo denegrir a tecnologia, atri-
buindo-lhe um caráter diabólico, será inexato encará-la como 
algo divino, advindo de um demiurgo, independente da vontade 
coletiva da humanidade. Essa categoria não “constitui um pro-
duto cultural que por um insondável direito só possa ter nascido 
nos centros mais adiantados” perante a divisão social do traba-
lho internacional (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 267). Esse estado 
de levitação, muito bem usado pelos países imperialistas e por 
seus defensores nas nações dependentes, demonstra-se bastante 
apropriado para atribuir à tecnologia a aparência de divindade 
transcendente, escondendo, consequentemente, que, cada grupo 
humano em determinada fase histórica, localizado geografica-
mente dentro de suas possibilidades naturais e espaciais, reflete 
as exigências sociais enfrentadas pelos indivíduos em geral. Outro 
elemento desconsiderado por esses impressionistas da razão é a 
relação entre o que é disponível e o que é carente ao conjunto hu-
mano e em que caráter esse coletivo se depara com a dialética do 
particular como mediador entre o universal e o singular para po-
sicionar algumas individualidades humanas em condições cultu-
rais, políticas e econômicas capazes, também por isso, de resolver 
no âmbito de sua comunidade e, com o auxílio dela, os problemas 
demandados por seu tempo.
O que guarda particular gravidade é o fato de que análises 
carentes do substrato onto-histórico-dialético acabam por impor 
formulações sumamente afinadas com as exigências postas pelo 
capital contemporâneo em crise crônica, que aplaude através do 
direcionamento de seus investimentos em pesquisas – geralmente 
públicos –, toda a panaceia que circunda o mundo universitá-
rio com a aparantada auto denominação de pesquisa tecnológi-
ca-aplicada.
69
Esse contexto é graficamente perigoso nos países cujas fron-
teiras estão limitadas à periferia do capital. Freitas (2006) advoga, 
com base nas investigações desenvolvidas por Vieira Pinto, que 
as consequências levadas a cabo por esse filósofo em “debulhar o 
conceito de tecnologia têm alcance expressivo e tocam aspectos 
dramáticos dos dias que seguem”. Vieira Pinto, prossegue Freitas 
(2006, p. 92), “demonstra que um dos maiores danos causados 
pelo desnível entre países de capitalismo desenvolvido e os de 
capitalismo periférico é a disseminação da crença de que grandes 
problemas resultam somente da ineficiência de gestão e falta de 
instrumentos adequados de ‘engenharias sociais’”.
O que Vieira Pinto enxerga no contexto em que analisa a pro-
pagação das imagens da “era tecnológica” é, ao contrário, um 
mergulho no provincianismo próprio da consciência ingênua: 
“o laboratório de pesquisas, anexo à gigantesca fábrica, tem o 
mesmo significado ético da capelinha outrora obrigatoriamente 
exigida ao lado dos nossos engenhos rurais” (FREITAS, 2006, p. 
92, aspas do original destacando a fala de Vieira Pinto).
Esse comentário é especialmente ilustrativo e muito bem 
apropriado para o caso brasileiro. Respaldado pela ideologia 
de uma elite atrasada, cuja cegueira faz-lhe decretar o processo 
educativo, especialmente a formação específica para um ofício 
imediato, como elo principal para assegurar o apregoado desen-
volvimento econômico dito sustentável via aparelhamento das 
chamadas inovações tecnológicas. 
É por esse prisma fetichizador e em tudo distanciado de 
uma proposta de educação plena e omnilateral, que devemos 
compreender a utilização pelas políticas públicas educacionais, 
principalmente, aquelas que decalcam o ensino profissionalizante 
como saída para os problemas educacionais dos filhos dos traba-
70
lhadores. Em primeiro plano, ao se pleitear a suposta necessidade 
de o país ingressar na chamada era tecnológica, reivindicam-se 
prementes reformulações educacionais para que o complexo es-
colar possa seguir a reboque do desenvolvimento da tecnologia, 
coloca-se a educação secundarizada ao desenvolvimento econô-
mico. Isso, em primeira instância, já cria adversas consequências, 
pois assume que o projeto de escola deve se subordinar aos di-
tames economicistas. Não seria inadmissível tomar como prova 
da dita subordinação, no Brasil, o ato político de transferência 
da educação profissionalizante e tecnológica e até a superior, da 
esfera do Ministério da Educação para a alçada do Ministérioda 
Ciência e Tecnologia com a interferência do Ministério do Traba-
lho, em alguns casos.
Para esse cenário, “o estado de levitação” e ambivalência da 
tecnologia “demonstra-se muito apropriado para dar-lhe a apa-
rência de divindade transcendente” (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 
291). Para além da aparência, como entende Freitas em diálogo 
com Vieira Pinto, “a idéia de ‘era tecnológica’ é uma operação 
ideológica com a qual cada grupo dominante apresenta sua versão 
de ‘fim da história’. O momento no qual se triunfa passa a ser o 
momento no qual a história estaria vivendo seu ápice” (FREITAS, 
2006, p. 92, aspas do original). Para este autor, o conceito de tec-
nologia, desenvolvido por aquele filósofo, implica a compreensão 
de que “qualquer ‘desnível’ entre os povos resulta da apropriação 
indébita que as nações ricas fazem das riquezas do mundo subde-
senvolvido” (FREITAS, 2006, p. 90-2, aspas do original)
Como a história já se encarregou de registrar, através da es-
poliação, da pilhagem, do genocídio, entre outras diversas prá-
ticas de acumulação, alguns povos se desenvolveram diferente-
mente de outros. Esse desenvolvimento, na era do capitalismo 
71
monopolista e de crise crônica do capital contemporâneo, torna 
mais alarmante o desnível no acúmulo de técnicas e tecnologias 
entre as nações de centro e as da periferia. 
No semblante nada animador de crise doentia por que pas-
sa o capitalismo monopolista do início do século XXI, um dos 
principais prejuízos causados pelo histórico desenvolvimento 
econômico desigual entre as nações de centro e periferia, é a apo-
logética e inescrupulosa propaganda em defesa de cursos voltados 
especificamente para fazeres práticos (nesse caso, exclusivamente 
para os filhos dos trabalhadores). Pior ainda, é o acastelamento 
de tal educação como opção para ajudar o país dependente a sair 
do subdesenvolvimento. Essa cínica e ideológica publicidade feita 
pelas elites dos países desenvolvidos, contando, para isso, com a 
locupletação das antiquadas elites locais, procura encobrir a luta 
de classe e dissimular a distribuição social internacional do traba-
lho. No estágio atual de desenvolvimento do capital, essa divisão 
atingiu, graças à acumulação desigual da riqueza da humanidade, 
patamares estrondosos. 
Freitas entende que o raciocínio de Vieira Pinto, “nesse sen-
tido, é lapidar e radicalmente ao avesso: sem acabar com a desi-
gualdade, não deixaria de ter importância a ferramenta [mais] 
rústica na sociedade” (2006, p. 92-3, aspas do original). 
Acrescenta Freitas, sobre o caráter rigorosamente classista da 
análise de Vieira Pinto: 
Olhando mais uma vez para os desníveis entre as sociedades, 
Vieira Pinto acredita que alguém agressivamente chamado “pri-
mitivo”, vivendo praticamente ocupado todo o tempo nos afa-
zeres da subsistência individual e da espécie, está muito mais 
imerso numa sociedade tecnocrática do que nós, que dispomos 
72
de maior liberdade de movimentos. Vieira Pinto prefere dizer 
que quanto mais se desenvolve a tecnologia tanto mais regride a 
tecnocracia. Por isso, recusou-se a ver na disseminação do uso da 
máquina e do computador um elemento comprovador da “qua-
lidade” presente na opção vulgarmente defendida pelas elites 
de então: entrar na era tecnológica para superar a desigualdade 
(FREITAS, 2006, p. 93, aspas do original). 
O autor de O conceito de tecnologia mostra com todas as 
letras que a propaganda ideológica tecida em torno desse mes-
mo conceito tem por finalidade fazer com que os países da peri-
feria do desenvolvimento aceitem “como veredicto definitivo o 
seu estado de vida e ainda” orgulhem-se do pouco que ganham, 
naturalizando o que é uma construção histórica social (VIEI-
RA PINTO, 2008a. p. 44). Pois não há “a técnica”, mas sim a 
humanidade executora de determinadas ações que recebem dos 
homens esta qualificação. A técnica jamais pode ser pensada dis-
sociada de seu criador: o homem; do mesmo modo que ela não 
tem por si só como chegar a dominá-lo. Ela não pode ser pensada 
sem o homem, “pelo simples motivo de estar sempre subordina-
da aos interesses dele”, o que acarreta na impossibilidade de, em 
qualquer hipótese, sobrepujá-lo. Na realidade, portanto, jamais 
a tecnologia escapará do poder do conjunto da humanidade, ad-
quirindo força de determinação absoluta. Ideias que correm em 
contrário a essa perspectiva, como destaca rigorosamente o autor, 
não passam de ilusões teóricas, que apenas podem ser concebidas 
por dentro “das ficções literárias dos pensadores terroristas” con-
temporâneos ou mesmo clássicos (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 
158). Encaminhando-nos para a finalização de nossa exposição, 
devemos reiterar, com Vieira Pinto, que, com efeito, “a aparência 
da razão excluída pela concepção alarmista decorre do fato de ha-
ver grandes massas humanas espoliadas mediante o emprego de 
73
procedimentos, instituições ou equipamentos técnicos”. Porém, 
como bem adverte o filósofo, a técnica não opera por si própria, 
além do mais, “o autor da espoliação identifica-se sempre com 
um grupo ou classe social que se vale dos instrumentos técnicos 
para a satisfação de seus fins” (VIEIRA PINTO, 2008a, p. 158). 
Confirma o filósofo que a tecnologia “deve ser, por ne-
cessidade, patrimônio da espécie” humana (2008a, p. 269). O 
problema da desigualdade e da miséria não deve ser procurado 
nas entranhas da tecnologia, essa é uma condição da evolução da 
humanidade e precisa ser olhada da forma já alertada por nós, 
em Santos (2005), como a conditio sine qua non para a emanci-
pação plena do gênero humano. A alarmante mazela social que 
a conjuntura atual do capitalismo degusta não é motivada pelas 
máquinas construídas pelo trabalho do ser social, a tecnologia 
não tem como carregar em sim um aspecto moral de ser boa ou 
de ser má. Exclusivamente, o emprego que se faz dela é, em es-
sência, onde devemos procurar o cerne da questão, sobretudo, na 
aplicação das possibilidades que o maquinário coloca a serviço 
do capital: garantir o acúmulo do lucro para uma privilegiada 
parcela da população mundial. 
De fato, é inegável que o acúmulo de conhecimento co-
laborou com o imenso entrançamento de nosso cotidiano por 
dispositivos tecnológicos de toda ordem e espécie, contamos com 
um cabedal de técnicas disponíveis de proporções jamais vistas. 
Porém, maravilhamo-nos com o que nossos sentidos podem 
apreender, da mesma forma como qualquer outro ser social em 
qualquer outra época da história. Depois que o homem criou 
suas primeiras ferramentas tornou-se socialmente técnico, daí por 
diante cada fase histórica posterior tem que ser necessariamente 
mais rica em aspectos tecnológicos que a anterior: a história só 
74
anda para frente. Essa é uma lei social básica, desprezada pelos 
interesseiros cientistas sociais que discutem esse assunto; uns por 
que possuem a enfermidade da cegueira idealista; outros, motiva-
dos por sua má formação de caráter; já outros mais e, dentre estes, 
talvez figure a maioria, pela combinação de ambos os fatores. 
Enxergando através da iluminação possibilitada pelas pes-
quisas de Álvaro Vieira Pinto (2008b), nossa reflexão quer epi-
grafar energicamente que a diferença histórica da suposta “era 
tecnológica” das demais repousa, fundamentalmente, no encap-
sulamento ideológico que a reveste. A atualidade do capitalismo 
contemporâneo, em crise profunda, amalgama sedutoras propos-
tas capazes de levar o homem inteiro9 e inclusive grande parte 
da intelectualidade a acreditar que os extraordinários engenhos 
robotizados que a junção da mecatrônica e da telemática possibi-
litam para a cibernética, que hoje enchem de deslumbramento os 
olhos dos habitantes do mundo tido como globalizado, é apenas 
e tão somente o resultado da acumulação histórica do resultado 
do trabalho humano. 
9 Entendemos “o homeminteiro” da mesma forma que o concebe Lukács em sua grande 
Estética (1982). Conforme esse autor, diz-se homem inteiro aquele imerso no cotidiano em 
toda a extensão de sua existência, em contraposição ao homem inteiramente que ultrapassa 
o imediatamente caótico da cotidianidade através, por exemplo, da ciências, da arte ou da 
religião. Uma vez elevado por sobre o cotidiano, o homem retorna a este enriquecendo-o 
com as objetivações superiores. Contudo, não há separação mecânica entre os dois momentos 
e ambos se processam em um solo comum. Com efeito, o homem inteiro e o homem 
inteiramente existem a partir da cotidianidade.
75
Referências
FREITAS, Marcos Cezar de. Economia e educação: a contribuição de 
Álvaro Vieira Pinto para o estudo histórico da tecnologia. In: Revis-
ta Brasileira de Educação v. 11 n. 31 jan./abr. 2006. Disponível em: 
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v11n31/a07v11n31.pdf, acesso efetua-
do em 22/7/09.
LUKÁCS, Gyorgy. Estética 1: La peculiaridad do lo estético. Barcelona: 
Grijalbo, 1982. 
LUKÁCS, Gyorgy. Prolegômenos para uma Ontologia do Ser Social. 
São Paulo: Boitempo Editorial, 2010.
LUKÁCS, Georg. Estetica I: la peculiaridad de lo estético. Barcelona: 
Grijalbo, 1982.
MÉSZÁROS, István. Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo Edi-
torial, 2002. 
RODRÍGUEZ, Amán Rosales. Popper y la tecnología. In. Revista de 
Filosofía Vol. 27 Núm. 1 (2002): 135-159. Disponível em: http://www.
ucm.es/BUCM/revistas/fsl/00348244/articulos/RESF0202120135A.
PDF, acesso efetuado em 21-7-09
______. Aspectos históricos y normativos del desarrollo tecnológico se-
gún Friedrich Rapp. In: Revista de Filosofía Vol. 31 Núm. 1 (2006): 37-
59. Disponível em: http://www.ucm.es/BUCM/revistas/fsl/00348244/
articulos/RESF0606120037A.PDF, acesso efetuado em 21-7-09.
SANTOS, Deribaldo. A reforma do ensino técnico-profissionalizan-
te: uma política pública a serviço do mercado? 2005. Dissertação (Mes-
trado)-Programa de pós-graduação em Políticas Públicas e Sociedade, 
Universidade Estadual do Ceará-UECE, Fortaleza: UECE, 2005.
VIEIRA PINTO, Álvaro. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: 
Contrapontos, 2008a. Vol. 1.
VIEIRA PINTO, Álvaro. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: 
Contrapontos, 2008b. Vol. 2.
76
Educação e desenvolvimento
Jorge Alberto Rodriguez
O fim dos anos de 1960 e início dos anos 70 significaram, 
ao mesmo tempo, o apogeu e o fim de um longo período, inicia-
do no pós-segunda guerra, conhecido como a época de ouro do 
capital, caracterizado por um rápido e prolongado desenvolvi-
mento econômico. Este modelo de desenvolvimento surgido nos 
países industrializados, e que foi mecanicamente transferido para 
os países periféricos, assentava-se em dois pressupostos essenciais: 
que os obstáculos ao crescimento haveria que buscá-los nas pró-
prias sociedades subdesenvolvidas; e que o desenvolvimento era 
um problema exclusivamente econômico, e os desequilíbrios cor-
rigir-se-iam de modo natural uma vez superado o estágio inicial 
de crescimento.
Foi este modelo que entrou em crise no início da década 
de 1970, e entre as causas para tal, podemos citar as seguintes: 
em muitos países em vias de desenvolvimento tinha-se produzi-
do um crescimento econômico real, entretanto, isto não levou a 
uma convergência entre o centro e a periferia; as desigualdades 
no sistema internacional tenderam a piorar consolidando desta 
forma mecanismos que levaram à exclusão de muitos deles; esta 
mesma exclusão entre países atingiu o interior de muitos deles 
aumentando os índices de desigualdades sociais, tanto nos países 
em processo de desenvolvimento como nos desenvolvidos (in-
dustrializados).
77
As consequências foram a geração de uma forte dualidade 
social e péssimas condições de vida, intensos processos de migra-
ção do campo para as cidades, criando cinturões de miséria, altos 
índices de desemprego o que levou a uma fragilidade política e a 
uma cultura de levar vantagem a qualquer custo, incentivando e 
promovendo a corrupção.
A abordagem da questão “Educação e desenvolvimento” 
não é nova, é muito interessante a realizada por Weinberg e Rama 
(1986), na qual estes atores identificaram os modelos ou estilos 
educacionais pelos quais tem passado as sociedades latino-ameri-
canas ao longo de sua história, principalmente no período Colo-
nial e no de emergência e estruturação dos Estados nacionais após 
sua independência, colocando em evidência que certos modelos 
de desenvolvimento social condicionam determinados modelos 
ou estilos educacionais.
Embora ambos atores tratem da mesma temática, “os mo-
delos educacionais no desenvolvimento das sociedades latino-a-
mericanas”, cada um a encara de diferente ponto de vista. En-
quanto Weinberg aborda a questão dos modelos oscilando entre 
dois conceitos, tradicional e moderno, ora prevalecendo um, ora 
prevalecendo o outro numa visão histórica; Rama irá privilegiar 
um ponto de vista lógico, o que não quer dizer que ambos pontos 
de vista não estejam presentes nas duas abordagens, não de for-
ma explicita mas de forma implícita, tanto a histórica perpassa a 
abordagem de Rama como a lógica a de Weinberg.
O artigo de Weinberg gira em torno de uma argumentação 
centrada sobre dois conceitos, “moderno” e “conservador”, no 
desenvolvimento da argumentação ocorre o deslocamento de um 
pelo outro, conforme o evoluir histórico de nossas sociedades. 
78
Assim, o modelo da ilustração ou iluminista é portador de um 
espírito modernizador, em conseqüência, posiciona-se contra o 
tradicionalismo conservador, simbolizando um confronto entre a 
razão do iluminismo e a fé da tradição, entre a colônia e a metró-
pole, exigindo da colônia que as idéias iluministas adquiram uma 
concretude política, e, portanto, o rompimento com a metró-
pole. E neste processo, a educação passaria a ter um papel chave 
enquanto elemento articulador da participação que propiciaria a 
passagem do súdito fiel para o cidadão ativo. Aqui, a emancipa-
ção ou independência, fruto da concreção das idéias iluministas, 
traz uma grande novidade que é a incorporação da dimensão po-
lítica, o que a torna qualitativamente diferente.
Com independência das colônias o confronto deixa de ser 
entre o tradicional e o moderno e passa a ser entre conservado-
res (tradicional) e liberais (modernos). No contexto de Estados 
nascentes e a necessidade de sua consolidação faz a balança pen-
der para o lado conservador, já que os liberais eram modernos 
demais para aquele momento. Para os conservadores, que absor-
vem as idéias dos liberais europeus, a educação obrigatória pa-
recia-lhes contraditória com o princípio da liberdade de ensino. 
Entretanto, para a nova geração de liberais, a consolidação dos 
Jovens Estados cobrava a superação da miséria, do isolamento 
e da fragmentação lingüística; e isto só seria possível através da 
elaboração/execução de políticas educacionais de longo prazo. 
Neste sentido, a emergência em alguns países da região dos cha-
mados estadistas educacionais, (Benito Juarez, no México; Do-
mingo Faustino Sarmiento, na Argentina; e José Pedro varela, no 
Uruguai), com sua visão de futuro, irão fazer a diferença entre 
países ao vislumbrarem possibilidades que só a educação poderia 
torná-las concretas.
79
Das visões destes estadistas surge o modelo que Weinberg 
(1983) chama de “Educação Popular”, que concebe a educação 
como o grande instrumento de integração nacional, que trans-
formará as massas em povo, os súditos em cidadãos. A educação 
é o instrumento modernizador ideal que irá alavancar o progres-
so e consolidar os nascentes Estados Nacionais. No entanto, o 
crescente progresso propiciado pela revolução industrial, coloca, 
às elites dominantes, a necessidade do controle e da estabilidade 
social que lhes permita desfrutar tranqüilos os frutos do progres-
so. Esta tranquilidadeé trazida pelo positivismo que, ao fazer a 
síntese entre o tradicional e o moderno (entre conservadores e 
liberais), vinculando o progresso à ordem, desta forma, o libera-
lismo torna-se conservador antepondo a ordem à liberdade como 
condição para o progresso.
No momento em que as ideias modernistas tornam a pre-
valecer, isto se dará em favor das classes médias num modelo de 
desenvolvimento favorável ao crescimento do setor terciário, o 
qual caracteriza os sistemas educativos latino-americanos ainda 
vigentes. Podemos dizer que, historicamente, a América Latina 
desenvolveu-se oscilando entre esses dois polos, o modernizante 
e o conservador, num processo conduzido pelas elites intelectual 
e economicamente dominantes, tendo alcançado, no máximo, a 
inclusão das classes médias e mantendo as massas fora do proces-
so e do acesso aos bens materiais e intelectuais (conhecimento), 
propiciados pelo progresso. 
Contra as massas em nenhum momento se exitou o uso da 
força repressiva para conter seus arroubos de pressão popular. A 
antiga ordem e progresso, virou, entre os anos 1960 e parte dos 
80, na maioria de países da região, a ideologia desenvolvimentista 
da segurança nacional, presente na frase “segurança e desenvolvi-
80
mento”, que caracterizou o modelo chamado de “congelamento 
político”, citado por Rama (1986). Assim, no nosso percurso his-
tórico, enquanto os grupos conservadores eram a favor de um 
Estado forte para retardar ou impedir as mudanças, os liberais o 
enfraqueciam ao implementar transformações para as quais não 
dispunham dos meios adequados a sua concretização. E, nestes 
casos, parece confirmar-se o que Weinberg diz “... as idéias ante-
cipam-se quase sempre, mas não necessariamente, às exigências 
que a realidade coloca, postulando objetivos de difícil alcan-
ce, por carecerem, às vezes, de agentes para sua concretização”. 
(WEINBER, 1986:p.19). Na nossa América Latina, e no que se 
refere a desenvolvimento econômico e a educação, isto tem acon-
tecido com bastante freqüência, muitas idéias não frutificaram 
porque chegaram cedo demais e as condições para se tornarem 
concretos não estavam historicamente dadas.
A abordagem de Rama sobre esta temática, conforme já foi 
dito, tem uma preocupação mais lógica que histórica. Inicia-se 
pelo modelo tradicional e encerra com o de congelamento polí-
tico. Ao falarmos de tradicional estamos falando em conservador 
e, portanto, de um modelo que é contra a mudança e a favor da 
manutenção de uma ordem social que ainda não sentiu a ne-
cessidade de se modernizar, típica de sociedades cuja economia 
é de base agrícola nas quais o controle político é exercido pelas 
oligarquias ou elites rurais.
Este era o perfil dos Estados nascentes logo após os proces-
sos de independência. Entretanto, o desenvolvimento econômico 
irá trazer problemas que demandam a ruptura com o modelo 
tradicional, isto é, para preservar o Estado é preciso modernizá
-lo, daí surgem os modelos intermediários chamados por Rama 
(1986) de: modernização social, participação cultural e tecnocrá-
tico: todos eles agindo no mesmo processo de modernizar para 
81
conservar, o que historicamente pode ser identificado, e situado, 
entre as últimas décadas do século XIX até meados do século XX 
para os modelos de modernização social e participação cultural, e 
a partir da década de 1960 para o tecnocrático, coincidindo com 
a entrada forte do planejamento na economia e na educação.
Por último, este autor aborda o modelo por ele chamado 
de congelamento político, o qual representa o impasse a que se 
chegou com as diversas tentativas de modernizar para conservar. 
Este modelo irá conviver, na maioria de países da região com o 
modelo tecnocrático a partir de meados da década de 1960, no 
Brasil, e de 1970 até meados dos anos 80 nos outros países da 
região, quando, por causa da crise econômica que inviabilizou o 
modelo tecnocrático, inicia-se um processo de abertura política e 
de redemocratização do Estado, assumindo, novamente, posição 
de destaque as ideias da modernização conservadora, isto é, mo-
dernizar o Estado para conservá-lo, a velha estratégia das elites.
Não podemos esquecer que em cada um destes modelos a 
educação apresenta uma função relevante, uma dimensão eco-
nômica, política e social. Assim, por exemplo, no modelo tradi-
cional a sua função é conservar, através da socialização, a ordem 
constituída mediante a inculcação dos valores da elite dominante; 
a base econômica é a agricultura; o controle político é exercido 
pela oligarquia rural, socialmente há uma frágil organização das 
outras classes sociais. Em contrapartida, no modelo de moderni-
zação social há uma integração das massas e a participação é um 
valor que perpassa o sistema educacional, aberto a demanda de 
grupos em processo de incorporação; a economia apresenta cres-
cimento moderado com distribuição e o mercado interno adquire 
cada vez maior importância; a relação entre as classes integradas 
ao sistema é instável; estrutura capitalista de classes, diferenciação 
82
interna da burguesia, ascensão das classes médias e proletárias; no 
de congelamento político temos uma reimposição da autoridade 
e dos valores da classe dominante, desmobilização popular, redu-
ção do diálogo intelectual; na economia há crise pelo esgotamen-
to do modelo ou por projeção das lutas de classes; politicamente 
há uma junção entre setores da classe alta com apoio de setores 
médios e presença militar; socialmente se dá uma reestruturação 
forçada das relações de classe, redução dos níveis de renda e di-
minuição da participação das classes médias e proletária Rama, 
et al.(1986).
Como sabemos, a década de 1980 foi, economicamente, o 
que muitos analistas chamam de a década perdida. Ainda que do 
ponto de vista político tenha havido significativos avanços em 
termos da implementação de amplos processos de redemocratiza-
ção, este retorno aos Estados democráticos foi opacado pelo fraco 
desempenho do social. Nessa década, e na seguinte, foram produ-
zidos os mais altos índices de exclusão social, o desenvolvimento 
não foi o suficiente para amenizar o desastre social provocado 
pelas políticas neoliberais implementadas nos países da região. 
Se a lógica que subjazia aos processos de desenvolvimento era a 
econômica, crescer para ter riqueza para distribuir, a educação 
entrava como um elemento importante para o desenvolvimento 
mas não necessário para melhorar a justiça social.
É neste contexto que a Comissão Econômica para América 
Latina e o Caribe – CEPAL, e a Organização das Nações Unidas 
para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, publicam o 
documento: “Educação e Conhecimento: eixo da transformação 
produtiva com equidade”, fruto de um ciclo de estudos e de am-
plos debates sobre as possibilidades de desenvolvimento humano, 
e este só se tornará viável se for dado, a todos os cidadãos, as 
83
oportunidades formativas para participar democraticamente da 
construção do desenvolvimento.
Para que isto aconteça, a incorporação e difusão do progres-
so técnico deverá de ser o elemento alavancador da transformação 
produtiva e de sua compatibilização com a eqüidade e a demo-
cracia. Na difusão do progresso técnico a CEPAL considera que 
intervêm diversos fatores, entre os quais destaca o fortalecimento 
da base empresarial, a abertura da economia; a formação de re-
cursos humanos e os incentivos que facilitam o acesso e a geração 
de novos conhecimentos.
O documento CEPAL/UNESCO constitui-se numa tenta-
tiva inicial de se pensar políticas capazes de favorecer a construção 
de vínculos sistêmicos entre educação, conhecimento e desenvol-
vimento, partindo dos contextos predominantes na década de 
1990. Estas iniciativas devem aproveitar, no que for possível, as 
experiências adquiridas dentro e fora da região, considerando ascontribuições teóricas no referente a educação e desenvolvimento 
humano, além de assimilar a percepção existente na América La-
tina e no Caribe sobre os resultados da atual inter-relação entre 
educação, economia e sociedade e as limitações identificadas.
Segundo o documento citado, a América Latina e o Caribe, 
no início da década de 1990, estavam a enfrentar desafios de duas 
índoles: os de natureza interna diziam respeito à necessidade de 
consolidar e aprofundar os processos democráticos, a coesão so-
cial, a eqüidade e a participação; externamente, há urgência em 
compatibilizar as aspirações de acesso aos bens e serviços produ-
zidos no mundo moderno com a geração de meios que permitam 
o atendimento de tais aspirações. Neste sentido, há um consenso, 
entre os países desenvolvidos e aqueles de industrialização tardia, 
84
no que diz respeito à centralidade da educação e da produção de 
conhecimento enquanto elementos não únicos mas necessários 
para alavancar o desenvolvimento. Desta forma, a reforma dos 
sistemas de produção e difusão de conhecimento adquire impor-
tância fundamental se de fato se quer construir alternativas que 
permitam enfrentar, e superar, os desafios internos de consolida-
ção da cidadania, e os externos relativos à competitividade.
Observações nesse sentido indicam que apesar do notável 
avanço, em termos quantitativos, dos sistemas educativos, cientí-
fico-tecnológicos e de capacitação, ocorrido nas últimas décadas 
do século XX na maioria de países da região, tais avanços não 
foram suficientes, sobretudo se levarmos em conta as necessida-
des socioeconômicas e a eqüidade no atendimento às diversas 
camadas sociais. Diante disto, surge a necessidade de se elaborar 
uma estratégia que viabilize mudanças efetivas nos setores educa-
cionais, científico-tecnológicos e de capacitação que propiciem 
a construção de uma cidadania vinculada, ao mesmo tempo, à 
democracia e à competitividade internacional. Tal estratégia deve 
ser capaz de induzir as condições para um crescimento sustentá-
vel apoiado na incorporação e difusão do progresso técnico. Na 
base desta estratégia está a cidadania e a competitividade que tem 
como eixos de políticas a eqüidade e o desempenho, e como ins-
trumentos para sua realização, a reforma institucional, a descen-
tralização e a integração nacional.
Esta estratégia proposta no documento da CEPAL apresen-
ta três características: o caráter indutivo torna-se essencial para 
sua viabilização na medida em que parte do reconhecimento das 
mudanças observadas na realidade regional e internacional; da 
valorização de novas idéias-força presentes nas posições, aspira-
ções e percepções dos diversos atores do processo de geração e 
85
difusão de conhecimento e da análise de experiências específicas, 
executadas ou em andamento na América Latina e no Caribe, e 
passíveis de serem aproveitadas nos outros países da região. Outra 
característica é sua natureza sistêmica, ao considerar tanto os vín-
culos existentes entre educação, capacitação, ciência e tecnologia 
e o sistema produtivo como as múltiplas relações que integram 
economia e sociedade. Por último, a proposta enfatiza a mudan-
ça institucional, mesmo considerando importante a existência de 
recursos financeiros, reconhece que só eles não são suficientes e 
que a reforma pretendida não se efetivará se não houver transfor-
mações profundas nas instituições que as adaptem às demandas 
da sociedade.
São, também, três as principais linhas que orientam a estra-
tégia proposta de modo a concretizar as mudanças pretendidas. 
Do ponto de vista político, trata-se de levar em conta a produção 
e difusão do conhecimento, o que demanda, além da construção 
de amplos consensos entre os atores sociais, a disponibilidade de 
recursos financeiros que permitam o seu desenvolvimento sem 
problemas. Em relação aos conteúdos, a centralidade está nos re-
sultados da educação, da capacitação e da ciência e tecnologia. O 
terceiro eixo ou linha refere-se ao campo institucional, no qual se 
trata, sobretudo, de superar o isolamento a que se condenaram 
tanto as unidades educacionais como aquelas voltadas para a pro-
dução e transmissão de conhecimento.
Em termos de políticas para viabilizar a estratégia propõem-
se sete vertentes. A primeira, ao igual que a terceira linha que 
orienta a estratégia, está voltada para a superação do isolamento 
dos sistemas educacionais, de capacitação e científico-tecnológi-
co, expondo-os às demandas sociais, no suposto de que a corre-
ção desta anomalia poderá servir de elemento impulsionador de 
86
mudanças, tanto no interior destes setores como em suas relações 
com os outros; os resultados decorrentes dessa primeira vertente 
estarão na base das duas seguintes, a de assegurar o acesso univer-
sal aos códigos da modernidade – estes entendidos como o con-
junto de conhecimentos e habilidades necessárias à participação 
na vida pública e ao desenvolvimento produtivo do indivíduo na 
sociedade moderna – e fazê-lo de maneira criativa.
As outras quatro vertentes de política são de natureza ins-
trumental: responsabilidade na gestão institucional; profissiona-
lização e protagonismo dos educadores; compromisso financeiro 
da sociedade com a educação, a capacitação e o desenvolvimento 
científico-tecnológico; cooperação regional e internacional. Para 
cada uma das sete vertentes de política são elaboradas diretrizes 
que balizaram iniciativas relativas ao desenvolvimento dos diver-
sos graus e modalidades da educação formal, capacitação e desen-
volvimento científico-tecnológico, além dos vínculos entre estes 
setores e a estrutura produtiva. Segundo a proposta, caberá a cada 
país da região a elaboração e a execução das políticas levando 
em conta suas peculiaridades e circunstâncias. Resulta disto que 
somente no âmbito de cada país será possível estabelecer priori-
dades, delinear planos de ação e colocá-los em prática, mobilizar 
meios, recursos e apoios necessários para viabilizar as reformas 
desejadas.
A cooperação regional e internacional tem um importante 
papel na viabilização desta estratégia e das políticas propostas. Po-
demos destacar quatro áreas em que esta cooperação terá caráter 
essencial: a primeira delas situa-se na área de formação de recur-
sos humanos no intuito de melhor utilizar o potencial instalado 
nas universidades e centros acadêmicos: uma outra é a articulação 
entre o sistema de educação e geração de conhecimento, por um 
87
lado, e o setor produtivo e o desenvolvimento social, por outro. 
Uma terceira área é a da pesquisa educacional, em especial a re-
lacionada com a geração, difusão e utilização do conhecimento. 
Por último, a de implantação das propostas de estratégia aqui 
exposta, em termos operacionais e institucionais.
No momento atua (uma análise rápida dos resultados da 
operacionalização desta estratégia permite-nos constatar, que se o 
sucesso alcançado não foi o esperado, houve de fato consideráveis 
avanços, houve uma maior integração entre os centros e grupos 
de pesquisa da região, foram criados múltiplos espaços para di-
vulgação de conhecimento e do progresso científico-tecnológico, 
um maior intercambio, em todos os âmbitos, entre os países da 
região, podemos dizer que apesar de continuarmos com altos ín-
dices de exclusão social, fruto de políticas de lógicas eminente-
mente econômicas, há avanços e embora lentos apontam para um 
processo em andamento ainda indefinido mas com possibilidades 
de resgate de parte da divida histórica de exclusão a que tem sido 
submetidas as nossas sociedades), e apesar dos esforços realiza-
dos durante a última década (os países latino-americanos) na in-
tenção de construir um modelo de desenvolvimento econômico 
mais justo que permitisse reverter, ou ao menos amenizar, os altos 
índices de exclusão social, os dados parecem indicarque o esforço 
dispendido não está de acordo com os resultados alcançados. A 
região enfrenta altos níveis de risco em termos de vulnerabilida-
de financeira e social, como também de fragmentação da capaci-
dade produtiva e de iniquidade no acesso aos bens. Econômica 
e socialmente isto se manifesta nas diferenças de oportunidade, 
instabilidade no trabalho, baixos salários, baixa mobilidade so-
cial, acesso desigual das mulheres ao mercado de trabalho, o não 
reconhecimento da diversidade étnica e cultural. Disto decorre 
88
que o principal desafio a ser enfrentado pela região neste início 
de século na opinião de Ocampo (2002), secretário geral da CE-
PAL, é o de construir sociedades mais equitativas e com pleno 
exercício da cidadania, se de fato se quer medir a qualidade do 
desenvolvimento, este deve ser o critério a ser utilizado e não ape-
nas o de crescimento econômico embora este seja fundamental 
para formar os recursos que possam resultar em níveis mais altos 
de bem-estar para a população.
Embora a exclusão, em todos os sentidos, não seja nova pois 
ela tem estado presente em todos os modelos históricos de desen-
volvimento da região, ela reflete estruturas econômicas, sociais, 
de gênero e étnicas que se reproduzem de geração em geração. 
Às formas originais de discriminação étnica Acrescentaram-se os 
mecanismos de segmentação social, tornando as desigualdades 
um problema de múltiplas origens que se acumularam ao longo 
da história da América Latina. A estes mecanismos já tradicionais 
de produção e reprodução das desigualdades foram incorpora-
dos, nas últimas décadas, outros fatores que as agudizaram: os 
efeitos dos programas de ajuste econômico, em especial aqueles 
implementados em decorrência da crise da dívida externa, que 
acabaram por provocar aumentos significativos nos índices de 
empobrecimento; o aumento nos índices de desemprego e da 
dificuldade de inserção produtiva como reflexos das reformas: e 
os atrasos e estratificações da educação diante de um processo de 
globalização no qual o conhecimento é um elemento essencial 
enquanto fonte de geração de ingressos e de bem estar.
Neste mundo globalizado, em que os processos econômicos, 
sociais e culturais se mundializam adquirindo prioridade sobre 
aqueles de caráter nacional ou regional, surgem oportunidades de 
desenvolvimento, mas também, expõem-se as fragilidades. Nes-
89
te sentido, os atrasos evidenciados na educação, o emprego e a 
proteção social colocam-se como obstáculos às possibilidades de 
desenvolvimento. Não há dúvida que, para superar estes obstácu-
los e sair do círculo vicioso da exclusão e da iniqüidade e passar 
para o círculo virtuoso da integração e da equidade a educação 
tem um papel central pois, sociedades melhor educadas dão um 
maior dinamismo ao emprego e, melhor protegidas, podem par-
ticipar com maiores vantagens no processo global. É, enfim, fun-
damental provocar a ruptura dos grandes mecanismos causadores 
da exclusão concentrando esforços para demolir as estruturas de 
reprodução intergeracional da pobreza e da desigualdade median-
te ações que enfrentam os quatro fatores que as determinam: o 
educacional, o ocupacional, patrimonial e o demográfico e os 
obstáculos da discriminação étnica e de gênero que contribuem 
para agravá-las (CEPAL, 2002).
Historicamente, a CEPAL tem tentado articular as políticas 
econômicas e as políticas sociais, uma vez que, por um lado, sem 
crescimento econômico e sem desenvolvimento produtivo é di-
fícil implementar ações no sentido de redução da pobreza e dos 
níveis de bem estar. E por outro, sem desenvolvimento social a 
economia é ameaçada pela falta de integração social e pelos baixos 
níveis de competitividade decorrentes dos atrasos na formação de 
recursos humanos. Daí a importância das políticas sociais pois a 
qualidade do desenvolvimento social repousa no ritmo e susten-
tabilidade do desenvolvimento econômico da mesma forma que 
a democracia repousa no compromisso da cidadania.
Entre as diversas linhas da política social, a que concentra 
na atualidade os maiores esforços é sem dúvida a educação. Ela é 
considerada o elemento chave que de fato pode incidir de manei-
ra simultânea sobre a equidade, o desenvolvimento e a cidadania, 
90
fatores essenciais à inserção nos contextos atuais perpassados por 
crescentes níveis de inovação e conhecimento e drásticas mudan-
ças trazidas pela globalização das economias e dos novos modos 
de produção. Daí que, para a CEPAL, a educação se constituir no 
melhor meio que permitirá um dinamismo sustentado da popu-
lação com equidade social e um fortalecimento das democracias 
fundadas no exercício ampliado, e sem exclusões, da cidadania. A 
educação é, pois, uma necessidade e, ao mesmo tempo, um direi-
to social e cultural. Ter educação possibilita o acesso a melhores 
empregos e salários, participar de redes pelas quais circula o co-
nhecimento e integrar-se à revolução da informação. E, sobretu-
do, é fundamental para acabar de vez com a reprodução geração 
após geração da pobreza e das desigualdades.
Historicamente, os sistemas educacionais da região têm 
servido, ao mesmo tempo, para integrar e para dividir. Tem in-
tegrado na medida em que tem propiciado o acesso crescente a 
níveis básicos de leitura e escrita possibilitando a socialização de 
crianças e jovens; tem dividido na medida em que esse acesso 
tem-se dado de forma diferenciada em termos de qualidade e de 
sucesso educativo segundo a origem socioeconômica, gênero, 
identidade cultural e localização geográfica, repercutindo na tra-
jetória de vida dos alunos. Um dos indicadores que melhor reflete 
o potencial dos sistemas educativos é o que aponta a cobertura 
ou atendimento a demanda. Como se sabe, os que se referem à 
educação primária ou fundamental, são altos na maioria de países 
da região, há, entretanto grande atraso na educação secundária ou 
média e superior se comparados com os países industrializados ou 
com aqueles de industrialização tardia como é o caso de alguns 
países asiáticos. As altas taxas de repetências, o abandono e o ab-
senteísmo, sobretudo dos alunos oriundos de famílias pobres e 
91
de regiões de alta vulnerabilidade, são obstáculos ao avance dos 
sistemas, uma vez que os indicadores apontam que somente a 
metade destes alunos que entram no ensino fundamental con-
segue completar o ciclo. Segundo dados da CEPAL, atualmente, 
para a região latino-americana, exige-se uma média de 10 a 11 
anos de educação formal para ter uns 90% de chances de não cair 
ou continuar na pobreza (CEPAL, 1996).
Uma análise mais detalhada dos indicadores aponta taxas de 
matrícula no ensino fundamental superiores a 90%, embora con-
tinuem baixas as do nível médio (70%) e do superior (26%). Ao 
analisar o número médio de anos de estudo tanto dos pais como 
dos membros de uma mesma família que trabalham nota-se uma 
grande correspondência entre a distribuição dos ingressos e a 
distribuição da educação – a maior nível educativo, maior nível 
de ingressos - . Lamentavelmente, 80% dos jovens urbanos são 
oriundos de lares onde os pais tem menos de 10 anos de estudo, 
e de 60% a 80% deles não atingem o patamar educativo básico 
para ter acesso ao bem estar que atualmente requer, dependendo 
dos países, em torno de 12 anos de estudo (CEPAL, 1997).
Esses dados indicam que aproximadamente entre 48% e 
64% dos jovens latino-americanos terão suas oportunidades 
futuras limitadas pela sua origem, sendo pior ainda dos que vi-
vem em áreas rurais. Este enorme número de jovens que herdam 
uma educação insuficiente e deficitária enfrentaram durante sua 
vida a precariedade do emprego, com baixas taxas de retorno, 
acesso limitado a opções de bem estar e poucas opções de dar a 
seus filhos uma educação que possibilite aos mesmos superar a 
reprodução intergeracional da pobreza. Dependendodo país e 
das regiões dentro deles, entre 72% e 96% das famílias em si-
tuação de pobreza ou indigência tem pais com menos de 9 anos 
92
de estudo em média, isto faz com que as pessoas oriundas desses 
lares consigam 8 anos ou menos de estudo e, no geral, não ultra-
passam a condição de obreiro ou de operário com ingressos que 
não lhe permitem dar bem estar à sua família (CEPAL, 1997). 
Pressupõem os diversos organismos não haver dúvida de que só a 
educação poderá contribuir para romper de vez com o círculo vi-
cioso da pobreza, daí ela ocupar lugar central nas políticas sociais 
implementadas desde a última década do século XX, e nas quais 
a CEPAL e a UNESCO tem papel de destaque.
93
Referências
ARELLANO, J.P.M. (2002): Competitividade internacional e educação 
nos países de América Latina e o Caribe, in: Revista Ibero-americana de 
Educação, Nº 30, OEI, Madrid, Espanha.
CEPAL. UNESCO. – Educação e Conhecimento: eixo da transforma-
ção produtiva com equidade. – Brasília: IPEA/CEPAL/INEP, 1995.
COHEN, E.(2002): Educação, Eficiência e Eqüidade: uma difícil con-
vivência, in: Revista Ibero-americana de Educação, Nº 30, OEI, Ma-
drid, Espanha.
CORSI, F.L. (2002): A questão do desenvolvimento à luz da globaliza-
ção da economia capitalista, in: Revista de Sociologia Política, Nº 19, 
Curitiba, Brasil.
FRANCO, R. (2002): A educação e a segunda geração de reformas na 
América Latina, in: Revista Ibero-americana de Educação, Nº 30, OEI, 
Madrid, Espanha.
HOPENHAYN, M. (2002): Educar para a sociedade da informação e 
da comunicação: uma perspectiva latino-americana, in: Revista Ibero-a-
mericana de Educação, Nº 30, OEI, Madrid, Espanha.
OCAMPO, J.A. (2002): A educação na atual inflexão do desenvolvi-
mento de América Latina e O Caribe, in: Revista Ibero-americana de 
Educação, Nº 30, OEI, Madrid, Espana.
RAMA, G. [et al]. Desenvolvimento e Educação na América Latina, 
[tradução de Maura Iglesias]. – São Paulo: Cortez: Autores Associados, 
1986 – 4ª edição.
94
Indivíduo e educação: notas sobre o processo de 
(des)humanização do ser social 
Bêtania Moraes
Ruth de Paula
Frederico Costa
A análise aqui apresentada se acercará de três questões cen-
trais: 1) o que é indivíduo; 2) o que é educação; 3) as relações 
entre indivíduo e educação.
Nessa direção, buscaremos primeiro problematizar a con-
cepção naturalizada em nossas consciências de que os indivíduos 
são essencialmente egoístas, competidores, ou seja, que o egoís-
mo e o ato de competir são inerentes à essência humana - Homo 
homini lupus1, daí a impossibilidade de superação da exploração 
do homem pelo homem; segundo, discutir a atividade essencial 
da educação e o seu real papel na formação do indivíduo; por fim, 
problematizar a concepção de atividade pedagógica como prática 
redentora geral, isto é, questionar a concepção de educação como 
a verdadeira tábua de salvação, capaz de sanar todas as formas de 
miséria vigente em nossos dias.
O legado de Marx, pressuposto teórico que fundamenta 
a análise aqui empreendida, é considerado, por nós, o patamar 
de conhecimento mais elevado que a humanidade produziu até 
hoje. Entendemos que o referido teórico não elaborou uma filo-
1 Sentença latina criada por Plauto (254-184) em sua obra Asinaria, um dos mais antigos 
textos do latim, a qual significa o homem é o lobo do homem. Tal expressão foi popularizada 
por Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVII.
95
sofia dentre outras ou uma ciência dentre outras, mas, sim, es-
boçou os fundamentos de uma ontologia do ser social (Lukács, 
1979), elucidando os princípios gerais e fundamentais para o en-
tendimento do mundo dos homens e de seu devir. Não é exagero 
afirmar que temos a partir do pensamento marxiano, em relação 
a toda tradição filosófica e científica que o antecede, uma nova e 
revolucionária concepção de mundo não superada até hoje, em-
bora passados quase um século e meio de sua última publicação 
O Capital (1867). 
À luz, então, de sua onto-crítica, na reflexão sobre o que é o 
indivíduo rastrearemos sua gênese, bem como tentaremos trace-
jar - conceituamos tracejar aqui como tratar de forma breve e re-
sumida -, o processo de humanização do ser social. Abordaremos, 
então, não só o conhecimento do que o indivíduo é, mas também 
o conhecimento do que o ele pode vir-a-ser.
Sobre a educação, buscaremos apanhar sua natureza essen-
cial (a continuidade em meio às contínuas transformações que 
permite assinalar quais são os elementos que têm um caráter es-
sencial); bem como a função que o referido complexo exerce no 
processo de humanização do homem (ter como objetivo a pos-
sibilidade de desenvolvimento e realização do indivíduo como 
partícipe do gênero humano).
Encerraremos nosso ensaio apresentando alguns elementos 
que permitem fazer a crítica da vontade educativa presentificada 
na consciência e ação dos educadores, reafirmando a necessidade 
de recuperação da prática educativa como espaço importante de 
formação do indivíduo. 
96
O exercício mais importante dessa análise incide na des-
construção do entendimento de indivíduo como possuidor de 
uma essência humana dada e imutável. Nesse sentido, é neces-
sário compreender pela raiz que o ser humano não possui uma 
essência a-histórica, uma essência que rege o processo histórico 
e a vida de cada ser humano (determinada por uma hierarquia 
presente no cosmos, ou por um ser transcendental) ou ainda uma 
essência natural, biológica que seria desenvolvida ou reprimida 
(explicada a partir da evolução das espécies - a lei da seleção na-
tural, por exemplo, ou pela tese de Piaget segundo a qual há uma 
única lei geral que rege os organismos vivos, do molusco à in-
teligência humana). Todas essas elaborações teóricas sobre o ser 
social, sobre o mundo dos homens, as quais atravessam toda a 
história da filosofia - dos primeiros filósofos até a modernidade -, 
tem uma veia, uma explicação metafísica, deslocando do homem 
a autoria de sua história.
Marx instaura uma nova relação dos homens com sua his-
tória: revela que os homens fazem a história sim, sua história não 
é determinada pelo cosmo, por Deus ou por sua singularidade 
biológica. Afirma, então, num acerto de contas com a filosofia de 
sua época, que
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela 
religião e tudo o que se quiser. Os próprios homens começam 
a se distinguir quando iniciam a produção dos seus meios de 
vida, passo em frente que é conseqüência de sua organização 
corporal. Ao produzirem seus meios de existência os homens 
indiretamente produzem a sua própria vida material (MARX, 
ENGELS, 2005, p. 44-45).
Revela, assim, que o homem se auto-produz pelo trabalho. 
O trabalho é atividade vital consciente, atividade sensível, eter-
97
na e ineliminável relação do homem com a natureza. Sem tra-
balho não há homem socialmente constituído. Com o trabalho 
os homens saltam e rompem com o mundo orgânico/animal se 
constituindo numa nova forma de ser. O trabalho é, portanto, o 
momento predominante que inaugura o novo ser, o ser social/
humano (LUKÁCS, 1981).
Diferente de todos os animais que encontram as condições 
de sua existência - sobrevivência e reprodução da espécie -, dadas 
na natureza e determinadas biologicamente, o homem produz as 
condições de sua existência, através do trabalho, transformando 
a natureza no mundo humano. Enquanto a essência da atividade 
vital, o nome já diz “aquela que garante a vida” do ser orgânico, 
tanto no reino vegetal quanto animal, repousa sobre o repor o 
mesmo da reprodução da vida (semente, goiabeira, goiaba, se-
mente... / abelha, a sua engenharia biológica determina a produ-
ção do mel, reprodução da abelha...), é da essência da atividade 
vital humana a incessante produção do novo. Cada novo objeto 
produzidotraz em si novas necessidades e novas possibilidades. 
Tomemos como exemplo o momento que o homem conseguiu 
não mais carregar o fogo e sim produzir o fogo através da fricção 
de duas pedras ou duas lascas de madeira: ao descobrir o fogo 
nasce a necessidade de aperfeiçoar a produção do fogo - com a 
descoberta da pólvora, cria o fósforo, além o isqueiro, a eletrici-
dade etc; nascem novas possibilidades, por exemplo, de alimen-
tação, de proteção contra o frio, de defesa contra os predadores 
etc. O trabalho, no entanto, produz não só um novo objeto, mas 
também um novo homem - o homem é um antes do fogo e outro 
depois do fogo. O processo de produção do novo objeto estabele-
ce no homem novos conhecimentos e novas habilidades na esfera 
do pensar, do fazer, do sentir/dos afetos e dos comportamentos 
- reside nesse processo o motor da história humana.
98
Marx (2005), partindo desse pressuposto real, revela que a 
base dinâmico-estruturante do novo tipo de ser - o ser social é, 
portanto, o trabalho. No novo objeto tem-se o fundamento do 
desenvolvimento da sociabilidade, ou seja, das formas de orga-
nização social através do desenvolvimento das forças produtivas 
(no começo da história dos homens temos o comunismo primi-
tivo, na idade antiga o escravismo, na idade média o feudalismo, 
e o capitalismo inaugurando a transição entre idade moderna e 
contemporânea). No novo homem tem-se o fundamento do de-
senvolvimento da individualidade, isto é, altera-se o modo de ser 
do indivíduo através do desenvolvimento de novas capacidades e 
habilidades humanas:
Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a 
Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, 
media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele 
mesmo se defronta com a matéria natural como uma força na-
tural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes 
à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de 
apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua pró-
pria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Na-
tureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo 
tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências 
nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio 
domínio (O Capital, Tomo I, 1985, p. 149, grifos nossos).
Ao modificar a natureza o indivíduo, em uma via de mão 
dupla, modifica ao mesmo tempo sua própria natureza. Como 
vimos argumentando, o homem não nasce homem, ou seja, a 
humanidade não está dada ao homem por hora do nascimen-
to: o homem aprende a ser homem, assim, a essência humana é 
uma essência histórico-social. Pertencer ao gênero/comunidade 
humana implica por parte de cada exemplar da espécie humana, 
99
isto é, por parte de cada indivíduo a apropriação das objetivações 
que constituem o patrimônio do seu gênero, ou seja, a apropria-
ção dos conhecimentos, habilidades, valores, comportamentos 
produzidos histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. 
Cada criança/indivíduo para humanizar-se tem que fazer seu/in-
teriorizar o patrimônio humano.
Trata-se de uma apropriação ativa e não passiva, pois ao 
apropriar-se do que já existe cada indivíduo o recria e o renova 
(não é uma apropriação passiva, fotográfica), configurando, desse 
modo, sua própria singularidade. Está explicado porque cada ho-
mem é uma individualidade única/singular.
Para compreendermos o atual momento histórico no qual 
os indivíduos aparecem como essencialmente egoístas e competi-
tivos faz-se necessário apreender as formas históricas pelas quais o 
indivíduo veio a ser o que é. Em outras palavras, faz-se necessário 
recuperar o processo de autoconstrução do homem, a história de 
sua humanização: desde a forma comunal primitiva na qual o 
indivíduo é ser de comunidade/beirando a naturalidade, passan-
do pela antiguidade e pela sociedade feudal que se encontra na 
fronteira com a modernidade, chegando ao indivíduo moderno/
contemporâneo (esse identificado como essencialmente egoísta e 
competitivo).
Antes, porém, é necessário demarcar o alicerce sobre o qual 
se edifica no curso da história o indivíduo e sua humanidade. 
Chamamos de alicerce porque caracteriza o ser humano, a es-
sência de seu ser, em qualquer momento histórico, por isso é re-
velado por Marx como essencial e ineliminável. Esse alicerce é 
constituído pelo tríade: naturalidade; atividade vital consciente e 
generidade (TEIXEIRA, 1999; MORAES, 2007).
100
A naturalidade reflete o pressuposto real no qual cada exem-
plar da espécie humana herda uma individualidade biológica 
com seus atributos e carecimentos; indivíduos que pelo trabalho, 
intercâmbio ineliminável do homem com a natureza, e em so-
ciedade, ou seja, só no encontro com outros indivíduos - ativi-
dade vital consciente e essencialmente genérica -, rompem com 
os limites naturais de sua existência, desencadeando o processo 
de individuação e humanização. Criam, assim, o meio no qual 
efetivamente vivem, um mundo humano gerido pelo modo de 
produção, pelas relações de produção que se estabelecem e pela 
organização social resultante. Na interatividade com os demais 
indivíduos, cujo ato originário é a atividade produtiva/o traba-
lho, a individualidade humana se forma e se efetiva, a partir sem-
pre de sua individualidade biológica e de uma dada forma de 
sociabilidade.
Se por um lado as referidas categorias (naturalidade, ativi-
dade vital consciente e generidade) são determinações essenciais 
e inelimináveis, por outro lado têm um caráter dinâmico, pois 
estão sob o influxo de constantes transformações historicamente 
determinadas que criam a cada momento novas bases para a exis-
tência humana, caracterizando, assim, o ser social como portador 
de uma substância histórica potencialmente ilimitada.
Concluindo esse primeiro momento de nossa reflexão, apre-
sentamos de modo muito resumido as formas dinâmicas que ca-
racterizam a individualidade ao longo da história dos homens.
A individualidade em seu estágio primitivo, ou seja, na for-
ma comunal de existência, se expressa como afirmação de uma 
dependência absoluta do indivíduo frente à comunidade: o ser 
dos indivíduos como mera manifestação ou extensão da comu-
101
nidade. Temos nesse momento histórico quase a negação pura e 
simples da individualidade: “Ele [o indivíduo] aparece à origem 
como ser do gênero (Gattungswesen), tribal, animal de rebanho” 
(MARX apud ALVES, 1999, p.48.), ou seja, beirando a natura-
lidade. Os indivíduos não têm nome, idade, nacionalidade etc., 
nascem, vivem e morrem como dependente, membro de um 
conjunto maior - este estado se manifesta de início de maneira 
totalmente natural na tribo; depois nas diferentes formas da co-
munidade surgida da oposição e da fusão das tribos.
Os indivíduos estão limitados pela comunidade, bem como 
têm suas potências humanas limitadas por esta mesma relação 
com o conjunto social. Basta observar que sua atividade produ-
tiva girava em torno da coleta de grãos, da caça e da pesca, de 
forma que os conhecimentos e as habilidades humanas encon-
travam-se limitados pelo modo de produzir a existência naquele 
determinado momento histórico - há uma grande dependência 
das qualidades físicas como força, velocidade e resistência.
Lembremos: a produção do novo, novas necessidades e pos-
sibilidades no âmbito da vida material e novos conhecimentos e 
habilidades na esfera do indivíduo - base dinâmico/estruturante 
do mundo dos homens -, gesta a formação de um sistema de in-
tercâmbio propriamente social que irá dissolver a forma/sistema 
do rebanho e colocar progressivamente a possibilidade de exis-
tências individuais.
Era uma época em que a luta do homem contra a nature-
za era demasiadamente desigual. Na luta pela sobrevivência os 
homens criam cada vez mais ferramentas, armas e surge, no ho-
rizonte da História, a possibilidade daapropriação privada do 
trabalho alheio. Aumentam, assim, os meios de obtenção dos 
102
alimentos ao passo de se produzir mais do que era preciso para o 
consumo imediato. Com a aparição do excedente, desenvolveu-se 
um intercâmbio entre as tribos.
Com a apropriação do trabalho alheio, instaura-se, então, a 
propriedade privada dos meios de produção. Os grupos (clãs, tri-
bos) mais fortes, mais produtivos, mais bem armados começaram 
a dominar os mais fracos. Como resultado a escravatura foi se 
estabelecendo e fazendo reformas substanciais na forma de pro-
dução da vida, transformando a primitiva sociedade sem classes 
numa nova forma de organização social dividida em duas classes: 
o senhor e o escravo. Nasce a exploração do homem pelo homem 
sob o modo de produção escravista, o qual impera durante a Ida-
de Antiga.
Na comunidade antiga clássica a individualidade, ainda, 
aparece como fazendo parte de um todo maior que ultrapassa o 
indivíduo, permanece a vida em comum como o principal pres-
suposto da produção e das ações dos homens, no entanto o ele-
mento comunal é a polis/cidade e não o campo. O valor não está 
no indivíduo Pedro, Paulo, João, mas no cidadão romano, por 
exemplo. O que é o indivíduo nesse momento histórico? Uma 
pessoa que pertence à cidade, à comunidade da polis. Aparece 
pela primeira vez na história humana a figura estatal, o Estado 
como a comunidade pública separada da propriedade privada do 
indivíduo proprietário. As relações superam o patamar dos laços 
naturais na tribo, dos laços da tradição e passam a ser relações 
políticas (a etiologia da palavra implica em cidadão, sujeito de 
direito e deveres), girando em torno da manutenção da polis.
Conforme explicita Alves (1999, p. 65), em sua análise: 
103
A comunidade como Estado, espaço material e formal distinto 
do mundo privado, aponta para a emergência de uma nova de-
terminação da individualidade, inexistente no modo anterior. 
Naquele, a propriedade individual era imediatamente proprie-
dade da comunidade, sua extensão ou braço. Na antigüidade 
clássica, greco-romana, em graus variados, a propriedade priva-
da existe já como posse particularizada do solo onde se assenta a 
cidade. Assim, surge o indivíduo sob uma dupla figura, proprie-
tário, sujeito privado, e cidadão, sujeito público.
No entanto, o momento predominante aqui é e continua 
sendo o viver comunal. Portanto, a determinação da pertença co-
munitária, mesmo em sua forma estatal, não refuta ainda a limi-
tação imanente à individualidade antiga. Trata-se de um sujeito 
coagido, delimitado, circunscrito por sua existência de membro 
da cidade. Trata-se, ainda, de uma forma geral da atividade igual-
mente limitada a produção, voltada para a subsistência dos seus 
membros e para a auto-suficiência da comunidade.
O dado histórico da antiguidade clássica mais importante 
para a individualidade é que os homens iniciam o itinerário de 
dissolução do sistema de rebanho, através do surgimento de uma 
contradição entre indivíduo e comunidade, em outras palavras, 
“surge o indivíduo sob uma dupla figura, proprietário, sujeito 
privado, e cidadão, sujeito público” (ALVES, 1999, p. 65), ele-
mento esse constitutivo, para Marx, do processo de individuação 
humana. Caracteriza, portanto, o primeiro momento de efetiva 
constituição do homem em distinção daqueles modos comunitá-
rios mais primitivos.
Da decadência do modo de produção escravista surge o 
modo de produção feudal vigente na Idade Media. Representa 
a segunda formação sócio-econômica alicerçada na exploração 
104
do homem pelo homem: a classe dos latifundiários nas figuras 
da nobreza e do clero versus a classe dos servos na pessoa do 
camponês. Diferente da idade antiga, a base das relações passa 
a ser o campo em oposição a cidade, presencia-se a ruralização 
da urbe em conflito à emergência do comércio através do inter-
câmbio dos burgos. É, portanto, denominada por Marx como 
forma societária de transição (ALVES, 1999). Embora o modelo 
da vida seja determinado pelo modo comunal agrário do feudo, 
a diferença marcante em relação à comunidade antiga está no 
desenvolvimento do trabalho artesanal e urbano ao lado e fora da 
propriedade fundiária. Essa mudança é determinante para o de-
senvolvimento do indivíduo, na medida em que muda a relação 
do trabalhador com os meios de sua atividade, ele passa a ser pro-
prietário das ferramentas de seu trabalho e não mais “ferramentas 
falantes”, isto é, um elemento do processo produtivo ao lado do 
gado ou como apêndice da terra. No entanto, no sistema urbano 
medieval as capacidades humanas desenvolvidas estão na esfera 
das aptidões unilaterias encontram-se limitadas ao exercício de 
um único ofício sob a lógica da hierarquização das tradições (a 
relação entre mestre e companheiro). Assim, tem o conjunto de 
seu ser delimitado apenas por uma única possibilidade de exis-
tência (ferreiro, serralheiro...), não tendo, sequer virtualmente, a 
possibilidade de desenvolver-se de modo multilateral. O mundo 
feudal embora tenha dado passos decisivos no processo de hu-
manização é também e ainda, como Marx (apud ALVES, 1999), 
o indica, uma totalidade limitada e limitante para o desenvolvi-
mento do ser da individualidade ou, talvez, um desenvolvimento 
ainda limitado e limitante do indivíduo.
Em suma, pode-se afirmar que a determinação própria do 
indivíduo nestas formas históricas anteriores a modernidade e seu 
modo de produção capitalista caracteriza-se tanto pelo precário 
105
desenvolvimento das forças produtivas quanto pelas potências 
acanhadas e limitadas dos indivíduos - essa dupla limitação cons-
titui, portanto, o elemento definidor da individualidade ou da 
quase que a pura e simples negação da individualidade (ALVES, 
1999).
O incremento do comércio e das atividades em seu entor-
no geram novas necessidades e novas possibilidades - artesana-
to, corporações de ofícios, crescimento da atividade mercantil, 
acumulação de capital que passou a ser investido na produção, 
originando, assim, a indústria - esse processo determina a falên-
cia do modo de produção feudal. As relações do tipo comunal/
natural - estratificada, hierarquizada e hereditária -, são questio-
nadas tendo como momento decisivo a revolução francesa, cuja 
bandeira empunhada era a exigência de liberdade, igualdade e 
fraternidade. Os homens adentram na era moderna caracterizada 
por um processo baseado na indústria e na cidade. As relações 
deixam de ser naturais para serem dominantemente sociais. A 
sociedade deixa de se organizar segundo o direito natural e passa 
a se organizar através de um direito estabelecido formalmente: o 
contrato social. Todos os homens são, pela primeira vez na histó-
ria, livres e iguais, no entanto os elementos necessário à produção 
da vida - meios de produção e força de trabalho -, pertencem 
a classes distintas: a capitalista e a trabalhadora. O trabalhador, 
então, como proprietário da força de trabalho vende sua força 
de trabalho mediante contrato celebrado com o capitalista. Marx 
(1985) ao adentrar na essência do sistema capitalista revela que 
só formalmente ou no plano da aparência os homens são livres, 
iguais e proprietários. Na realidade, o modo de produção capita-
lista, assim como no escravismo e no feudalismo, tem por base a 
exploração do homem pelo homem, não só tem por base, mas é 
106
a forma mais incrementada da referida exploração. Os indivíduos 
aparecem como iguais proprietários de mercadorias (capitalista/
proprietário dos meios de produção e trabalhador/proprietário 
da força de trabalho), portanto livres para comprar e vender suas 
mercadorias entre si, regidos apenas por seus interesses particu-
lares. No entanto, a classe trabalhadora nem efetivamente é pro-
prietária de sua força de trabalho, porque não tem o direito de 
decidir não vendê-la, nempor que preço vendê-la ao capitalista, 
sob o imperativo de morrer de fome, por exemplo. 
Vivemos, outrossim, sob uma nova forma de servidão: a 
exploração sem medida da classe trabalhadora; a qual convive, 
contraditoriamente, com o desenvolvimento sem precedentes das 
forças produtivas. Tal fenômeno, no plano da individualidade, se 
expressa na emergência do desenvolvimento das capacidades hu-
manas no patamar mais rico e complexo da história do indivíduo 
conjugada, é certo, ao imperativo da maioria da comunidade hu-
mana está impedida de se apropriar desse patrimônio tanto mate-
rial quanto espiritual, visto que, a riqueza, embora produzida pelo 
trabalhador, pertence aos donos dos meios de produção, do capital.
Com a modernidade “assistimos a um só tempo tanto a má-
xima sociabilidade quanto a emergência da individualidade pro-
priamente dita, nas formas mais plenas e complexas que se tem 
notícia” (ALVES, 1999, p. 48). 
Ainda a esse respeito Moraes (2007, p. 79), esclarece que a 
individualidade humana sob o capital
[...] é, por um lado, afirmada enquanto portadora de uma subs-
tância inegavelmente mais rica, mais complexas daquelas formas 
presentes nas organizações sociais comunais que antecedem a era 
107
moderna e, por outro lado, negada enquanto personificações das 
relações econômicas nas figuras do capitalista e do trabalhador, 
na impossibilidade, portanto, da individualidade realizar-se na 
absoluta explicitação de suas potencialidades humanas, ou seja, 
de modo livre e universal. 
Esse processo, como apontado acima, não se dá sem con-
tradições, tem como eixo o divórcio entre indivíduos ativos (os 
trabalhadores) e as condições de sua atividade (pertence aos pro-
prietários do capital), instaurando uma unidade negativa, na qual 
as condições de trabalho não somente se tornam independentes, 
mas, de certa maneira, se opõem aos indivíduos.
Os indivíduos se encontram livres uns dos outros. O in-
tercâmbio social entre os homens é regido pela lei do valor, da 
troca de mercadorias equivalentes (pensemos no mecanismo que 
regula nossas vidas: trabalhar, com o dinheiro do salário, que é 
o valor equivalente do trabalho realizado, trocar por meios de 
subsistência - alimentação, moradia, vestuário, saúde, educação 
e, assim, sucessivamente). A interdependência social se apresenta 
como simples meio de realizar fins particulares, de forma que a 
moderna individualidade humana “se caracteriza pelo egoísmo 
racionalmente exercido” (MARX apud ALVES, 2001, p. 259). 
Os indivíduos se encontram desta maneira determinados, acima 
de tudo, como sujeitos da troca. A lei que regula a troca de merca-
dorias regula também as relações humanas. Os indivíduos, o que 
são? Tornam-se meros cambistas e indiferentes humanamente 
falando. A diversidade dos conhecimentos e habilidades engen-
dradas pela atividade humana necessárias à produção de riqueza 
perde seu significado, pois a lógica da equivalência como pressu-
posto do intercâmbio social cancela a diferença entre homens e 
coisas – tudo se torna mercadoria. Não importa o indivíduo Pau-
108
lo, Pedro, João com seus atributos humanos, com sua individua-
lidade singular, ou seja, os homens tornam-se meras personagens 
econômicas nas figuras do capitalista e trabalhador, de forma que 
suas individualidades encontram-se reduzidas a meros momentos 
do processo reprodutivo do capital (MORAES, 2007).
Temos, enfim, com a modernidade, indivíduos cindidos en-
tre a ampliação das potências humanas e o esvaziamento da inte-
ratividade marcada pela indiferença, pelo exercício egoísta entre 
indivíduos: “cada um por si e Deus por todos”.
O capital é assim definido por Marx (apud ALVES, 1999) 
como não-ser do indivíduo, uma vez que a posição da riqueza 
material coincide com a negação do indivíduo.
No entanto, como já argumentado, “[...] é justo e correto 
afirmar que o mundo do capital, e a individualidade a ele corres-
pondente, aparece a Marx portando uma tendência civilizatória” 
(ALVES, 2001, p. 299), tendência essa que pertence somente ao 
capital, porque inexistente nos modos de produção assentados no 
pressuposto da naturalidade comunal.
Sob a forma do capital o ser dos indivíduos e a sociabilida-
de são portadores de uma universalidade virtual, uma vez que a 
riqueza como capital requer a expansão das potências humanas e 
ao mesmo tempo o aprisionamento de tais potências. Portanto, a 
libertação das forças produtivas da sua determinação como capi-
tal constitui o pressuposto de uma individualidade efetivamente 
livre e universal.
Em uma sociabilidade alicerçada sobre o trabalho social, “A 
individualidade não mais seria uma singularidade isolada, alma 
109
dos indivíduos contrapostos e indiferentes, postos em contato 
apenas em virtude da troca de equivalentes” (ALVES, 2001, p. 
306). Outrossim, o fazer-se indivíduo implicaria em tomar o ou-
tro indivíduo como sua maior riqueza. Os homens passarão a se 
encontrar para efetivar sua vocação de ser mais, de humanizar-se. 
Em poucas palavras, a nova sociedade terá por fundamento “a 
realização social dos indivíduos e não como sua dispersão, egoís-
mo e separação” (ALVES, 2001, p. 306).
Por fim, numa nova configuração do ser social as várias di-
mensões da vida social se veriam radicalmente alteradas. Sendo o 
eixo da interação social a cooperação entre indivíduos livremente 
associados e não a competição, fundada na exploração do homem 
pelo homem, “/.../ certamente tender-se-ia à abolição de com-
portamentos atravessados e enviesados pelo egoísmo racional” 
(ALVES, 2001, p. 307).
Adentremos agora no segundo momento de nossa exposi-
ção: a discussão sobre educação e sua relação com o processo de 
formação do indivíduo. 
Como vimos argumentando, o homem não nasce homem; 
ao contrário dos animais, o homem não nasce “sabendo” o que 
deve fazer para dar continuidade à sua existência e à da espécie, 
ele, então, aprende a ser homem com outros homens que estão 
de posse do patrimônio humano, ou seja, “das propriedades e 
aptidões historicamente formadas da espécie humana” (LEON-
TIEV, 2004, p. 270). Esse processo é, portanto, um processo de 
educação.
Saviani (1995, p. 17) definiu precisamente a natureza essen-
cial da educação ao afirmar que ela é “o ato de produzir, direta 
110
e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade 
que é produzida historicamente e coletivamente pelo conjunto 
dos homens”. Destaca-se nessa definição o caráter conservador da 
educação. Segundo Tonet (2005, p. 217-218), o acento conserva-
dor reside no fato de que “a maior parte do tempo e das energias 
no processo educativo é gasto na assimilação [apropriação] dos 
elementos existentes, sem os quais não se poderia criar o novo e 
sem os quais o próprio indivíduo não se constituiria [objetivação] 
como indivíduo”. Tal caráter conservador poderá estar dirigido 
tanto no sentido reacionário/alienador (político-ideológico de 
manutenção da sociedade de classes/manutenção da alienação) 
ou revolucionário/emancipador (na perspectiva da transformação 
social/humanização/emancipação humana).
A educação é, portanto, uma mediação entre o indivíduo e 
a história humana. É importante destacar que a matéria prima da 
ação educativa são indivíduos portadores de consciência e liberda-
de, trata-se da ação sobre consciências, portanto não podemos pre-
ver como reagirá o educando. Essa determinação em nada diminui 
o papel e a importância do educador no processo de formação do 
educando. A ação sobre a consciência é de suma importância para 
a formação de uma consciência revolucionária ou reacionária. Daí 
a importância de levarmos aos nossos alunos o melhor conheci-
mento sobre a história humana já sistematizada, seja na área das 
ciências exatas (matemática, biologia, física, química...), seja na 
área das ciências humanas (história, geografia...).O método sem 
dúvidas tem um peso importante nesse processo, no entanto, as-
sistimos nos últimos anos o deslocamento cada vez mais para as 
questões do como aprender, tornando secundário o que aprender. 
A educação escolar tem assumido cada vez mais encargos que ex-
trapolam aquilo que é especificamente pedagógico (família, fome, 
violência, desemprego, atividades sociais, de lazer) e cada vez me-
111
nos a natureza essencial de sua atividade: transmitir os conheci-
mentos necessários ao processo de humanização. Por quê?
Ora, a educação como todas as formas de atividade dos ho-
mens se encontram determinadas socialmente. No período da 
humanidade primitiva o homem se educava no e pelo trabalho 
passado às gerações pelo costume, pela tradição. Com a crescente 
complexificação do ser social e a divisão da sociedade em clas-
ses, ou seja, com o aparecimento de uma classe que não precisa 
trabalhar para viver, pois ela vive do trabalho alheio, surge uma 
educação diferenciada, surge a escola - a escola era o lugar a que 
tinha acesso a classe ociosa. Por contraposição, a educação geral, 
da maioria do povo, continua a se dar no próprio processo de 
trabalho. A educação até esse momento da história se realizava 
através de seu caráter conservador reacionário de reprodução das 
relações sociais vigentes. A sociedade moderna, contratual, cen-
trada na cidade e na indústria, vai trazer consigo a necessidade e 
exigência de generalização da escola - exigência de disseminação 
dos códigos formais, do código da escrita, do domínio dos nú-
meros, enfim, o acesso à cultura letrada. De modo que a forma 
escolar emerge como forma dominante de educação na sociedade 
atual (SAVIANI, 1994). 
No curso do desenvolvimento da sociedade capitalista ocor-
reu com a educação escolar um processo contraditório identifica-
do por Saviani (1994) de hipertrofia versus desvalorização. Em 
poucas palavras, a exigência da escola se alarga tanto vertical (ela é 
espichada para baixo/educação infantil e para cima/ pós-gradua-
ção), como horizontalmente (a expansão de tempo de permanên-
cia nas escolas/tempo integral), isto é o que ele chama hipertrofia 
da escola. Estende-se, mas perde substância: se coloca dentro da 
escola toda uma série de atividades que acabam descaracterizan-
112
do-a, de forma que tudo é mais importante do que o ato de en-
sinar, de transmitir o conhecimento acumulado historicamente, 
conhecimento esse essencial ao processo de formação humana. 
Essa desvalorização é intencional e essencial para o processo de 
reprodução das relações sociais capitalistas de dominação. Ge-
neraliza-se a educação escolar, mas se saber é poder, é necessário 
que a instrução para a classe trabalhadora seja dada em doses ho-
meopáticas (SMITH apud SAVIANI, 1994), ou seja, o mínimo 
de instrução necessária à sua formação como mão-de-obra do 
processo produtivo.
Na atual forma de organização social capitalista a educação 
escolar se generaliza, mas continua a realizar-se predominante-
mente sob o caráter conservador reacionário de reprodução das 
relações sociais vigentes. 
Findamos, pois, esse ensaio, problematizando a concepção 
de atividade pedagógica como prática redentora geral, assente aos 
paradigmas educacionais dominantes.
Como vimos analisando, é imperioso para a correta colo-
cação da problemática que gravita em torno da relação indiví-
duo-educação a justa compreensão da determinação social de tais 
complexos, bem como de suas formas de manifestação. 
Nesse sentido, recupera Alves (2004) ao fazer a crítica à 
“vontade educativa”, contemporânea e ideologicamente dissemi-
nada no seio da educação escolar, assentada na máxima popular 
de que “querer é poder” - daí radica a crença de que a educação 
é capaz de redimir, pela mão dos educadores, toda e qualquer 
mazela social em curso -, que 
113
O educador, como todo indivíduo realmente vivo e ativo, nada 
tem em comum com a imagem do semideus, existindo de ma-
neira absolutamente livre e, por isso mesmo, absolutamente 
marginal frente às determinações sociais. É ele, ao contrário, ser 
social, delimitado pelo modo de ser específico da época social a 
que pertence, o qual é convocado pelas próprias circunstâncias 
sociais a agir e levar a efeito a sua atividade. Atividade esta que 
não é, nem pode ser entendida, como exercício puro da vontade 
educativa (se me permitirem a analogia com outra força mítica 
dos nossos dias, a vontade política). Pois, de modo semelhan-
te aos que operam nos parâmetros da vontade política, aqueles 
que advogam a onipotência da vontade em termos educacio-
nais, tendem a subestimar o ônus efetivo das determinações da 
realidade social e, imaginando-se imperadores do real, sucum-
bem miseravelmente ao peso do próprio mundo, convertendo 
tudo, ora num simples jogo de quem está no poder (política), 
ora numa questão de método pedagógico (educação) (ALVES, 
2004, p.05, grifos do autor).
Muito às avessas, a ‘onipotência da vontade em termos edu-
cacionais’ tem erigido, outrossim, ainda conforme o autor, o que 
ele denomina de “incompetência socialmente produzida” (AL-
VES, 2004, p. 06), a qual salta da escola, expressa nos fenômenos 
da evasão, da repetência ou na glorificada e hodierna “solução 
inclusiva”, ancorando-se, de pronto, na precária formação para 
o trabalho. Nesse seio, gostaríamos de destacar, ainda, três outras 
questões levantadas pelo estudioso: o “[...] pressuposto simplista 
de supor a fonte dos problemas pedagógicos, somente, na “pos-
tura” ou no “tipo” de educador e de escola (versão autoritária x 
versão plural da educação)” (ALVES, 2004, p.06); seu registro/
denúncia do fato de que “[...] a aculturação posta pela vivên-
cia escolar é recusada em benefício da ‘realidade do aluno’ eri-
gida em paradigma” (ALVES, 2004, p.06, grifos do autor); bem 
114
como a necessidade de desvelamento face ao apelo “inovador” de 
transformar o tempo/espaço da aula em momento lúdico e/ou de 
administração dos desejos, tensões e motivações dos educandos, 
advogando, que nada é “[...] mais inepto que abolir as coações 
imanentes ao estudo e a qualquer tarefa, na esperança de alcançar 
a “audiência” ou anuência do ‘cliente da sala de aula’” (ALVES, 
2004, p. 11, grifos do autor).
Não obstante, é importante sublinhar, que a crítica e a im-
pugnação da vontade educativa, tecida pelo autor e incorporada 
às nossas reflexões, não equivale ao descarte da atividade pedagó-
gica e do entendimento da importância e necessária intervenção 
educativa no processo de tornar-se homem do homem. 
Em referência ao seu caráter conservador/emancipatório, no 
solo da correlação de forças que marca a função social da educa-
ção escolar predominantemente volta à reprodução das relações 
de dominação, tornam-se as atividades educativas emancipató-
rias, como já registramos, mais que pertinente e necessária.
Principalmente em nossos dias, em que decorre da crise es-
trutural instituída no seio do processo de (re)produção metabó-
lica do capital (MÉSZÁROS, 1999), uma crise do pensamento 
em geral, na qual Chasin (1999, p. 55 apud ALVES, 2004, p. 
09), caracteriza-a por uma tríplice destituição: “[...] a destituição 
ontológica, a desilusão epistêmica e o descarte do humanismo. 
Ou seja, a aversão pela objetividade, a descrença na ciência e a 
destituição do homem”. 
Neste contexto, é interessante observar, como o faz Alves 
(2004) que, ao final e ao cabo, as posições que se advogam pro-
gressistas e libertárias em educação (porque instituídas no seio do 
115
movimento de renovação face o caráter essencialista, conteudista 
e autoritário da pedagogia tradicional), acabam por reproduzir, re
-editar, a tríplice negação humana referida. Nas palavras do autor:
Pois, que outra coisa pode significar uma posição pedagógica em 
que a formação cultural perde substância, o estímulo à ciênciaé trocada pelo “livre jogo das opiniões”, e o rigor é rebaixado 
à imposição da opinião do professor, senão que a humanidade 
atual perdeu seu rumo possível, e com ela a educação? (ALVES, 
2004, p. 09).
Embora a conjunção social se revele um retrato nada liber-
tário; apesar da forma escolar se constituir modo dominante de 
educação na sociedade atual, cujo caráter social repousa na fun-
ção de predominantemente reproduzir o socialmente existente, 
ainda, assim, a natureza essencial da educação como complexo 
mediador entre o indivíduo e a história humana jamais poderá 
ser cancelada, ao fado de se cancelar a própria condição de huma-
nização do homem e de sua existência humana.
O adjetivo predominantemente revela a importância da 
atividade educativa no processo de formação das consciências 
e de transformação social. Por quê? Porque ao se generalizar o 
acesso à instrução, primeiro fica difícil fixar limite do quanto de 
instrução/conhecimento não coloca em risco o controle sobre o 
saber da classe trabalhadora, segundo há o espaço da correlação 
de forças entre a reivindicação de uma boa escola pelas massas 
trabalhadoras e o controle da educação pelas camadas dominan-
tes, terceiro a relação do ato educativo se dá entre consciências, 
educador/educando, portanto o controle nunca pode ser absolu-
to. Como a educação escolar se alicerça sob tais contradições nós 
educadores convivemos de um lado com a impossibilidade de 
116
estruturar a educação, no seu conjunto, de modo a estar voltada 
para a emancipação humana, mas por outro lado temos a possibi-
lidade de realizar atividades educativas emancipadoras (TONET, 
2005). Nesse sentido, concordamos com o filósofo alagoano que 
a esse respeito afirma: “É melhor fazer pouco na direção certa, do 
que muito na direção errada” (TONET, 2005, p. 214). Destaca, 
nessa perspectiva, ser necessário:
[...] 1) ter clareza quanto ao objetivo final a ser atingido: o fim 
das relações de exploração do homem pelo homem;
2) compreender bem a lógica que preside a sociedade capitalista;
3) ter clareza acerca da natureza e das funções sociais da educa-
ção, de modo a nem subestimá-la nem superestimá-la;
4) ter um domínio tal da área com a qual se trabalha que per-
mita oferecer o melhor conhecimento possível aos educando;
5) articular as lutas específicas dos educadores com as lutas mais 
gerais de transformação da ordem social vigente (TONET, 
2005, p. 214).
É, pois, no entendimento da contradição que marca sua 
determinação onto-histórica: educação em seu sentido universal 
e educação escolar instituída e historicamente determinada, que 
apanhamos o lugar e o papel efetivo da educação no processo de 
constituição do indivíduo livre e de uma vida plena de sentido, 
qual seja: na luta pela superação da exploração do homem pelo 
homem.
117
Referências 
ALVES, Antônio José Lopes. A individualidade Moderna nos Grun-
drisse. Dissertação de Mestrado em Filosofia pela Universidade Federal 
de Minas Gerais. 1999.
ALVES, Antônio José Lopes. A individualidade Moderna nos Grundris-
se. Ensaios Ad hominem – No 1, Tomo V – Dossiê Marx. São Paulo: 
Estudos e Edições Ad hominem, 2001.
ALVES, Antônio José Lopes. A determinação onto-societária no ato de 
educar: In: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências Hu-
manas – Nº01, Ano I, Outubro de 2004, periodicidade semestral. 
Disponível em: <http://www.verinotio.org/revistas_anteriores_interno.
php?revista=01>. Acesso efetuado em 17 Nov. 2008. 
LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: 
Centauro, 2004.
LUKÁCS, Georg. Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. 
São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1979.
LUKÁCS, Georg. Il lavore. [trad. Ivo Tonet]. In: Per l’ontologia 
dell’essere sociale. Vol. II*, 1 ed. Roma: Editora Riuniti, 1981 (texto 
mimeog., s/d)
MÉSZÁROS, István. - A Crise Estrutural do Capital. Revista Outubro. 
Nº 4, SP, Instituto de Estudos Socialistas, 2000.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrinch. A ideologia alemã. Tradução de 
Frank Muller. São Paulo: Martin Clared, 2005.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova 
Cultura, Livro Primeiro, Tomos I e II, 1985.
MORAES, Betãnia. As bases ontologias da individualidade humana e 
o processo de individuação na sociabilidade capitalista: um estudo a 
partir do Livro Primeiro de O Capital de Karl Marx. Tese de Doutorado 
em Educação pela Universidade Federal do Ceará. 2007. 
SAVIANI, D. O trabalho como princípio educativo frente às novas tec-
118
nologias. In: FERRETTI, C. J. et al. ( Orgs.). Novas tecnologias, tra-
balho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994. 
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações, 5ª 
ed. São Paulo, Autores Associados, 1995.
TEIXEIRA, Paulo T. Fleury. A individualidade humana na obra mar-
xiana de 1843 a 1848. Ensaios Ad hominem / Estudos e Edições Ad 
hominem – No 1, Tomo I – Marxismo. São Paulo: Estudos e Edições Ad 
hominem, 1999.
TONET, Ivo. Educação, cidadania e emancipação humana. Ijuí. Edi-
tora Unijuí, 2005.
119
A chave do saber: um exame crítico do novo 
paradigma educacional concebido pela ONU
Osterne Maia
Susana Jimenez
A Conferência Mundial ocorrida em Jomtien, na Tailândia, 
em 1990, em torno do tema Educação para Todos, represen-
tou, reconhecidamente, um marco no pensamento educacional 
contemporâneo. Promovida pela Organização das Nações Uni-
das - ONU, através de alguns de seus principais organismos - 
UNESCO, UNICEF, PNUD e Banco Mundial - contou com 
a participação de mais de 150 países. Após o evento e ao lon-
go de quase quatro anos, um grupo de notáveis pensadores da 
área de educação, constituído como a Comissão Internacional 
sobre a Educação para o Século XXI, coordenada pelo pedagogo 
francês, consultor da ONU, Jacques Delors, coordenou o Relató-
rio Educação: um Tesouro a Descobrir, o qual busca traduzir os 
princípios pedagógicos, bem como especificar os problemas e as 
soluções apontadas naquela Conferência. Particularmente, no ca-
pítulo quatro da segunda parte, intitulado Princípios: os Quatro 
Pilares da Educação, a Comissão assinala as bases e os fundamen-
tos que devem guiar a pedagogia que responderá adequadamente 
aos desafios do século XXI.
As importantes mudanças econômicas, políticas e sociais 
que têm ocorrido no cenário mundial fazem parte do contexto 
que justifica, em tese, essa nova pedagogia e as reformas educacio-
nais a ela inerentes. Segundo a Comissão, dois problemas centrais 
120
marcariam globalmente os processos educacionais: a hipervalori-
zação dos aspectos cognitivos e práticos do saber em detrimento 
de outras dimensões fundamentais do ser humano, o apego a um 
modelo de formação ultrapassado, baseado no aprendizado de 
conteúdos e habilidades mais ou menos estáveis, vinculados a 
uma determinada qualificação ou profissão. Em outras palavras, 
a educação atual enfatizaria excessivamente a teoria, o conteúdo, 
a informação (o aprender a conhecer) e/ou a prática, ou seja, as 
habilidades e os saberes necessários à operacionalização de tarefas 
(o aprender a fazer). O plano das relações que os homens estabe-
lecem entre si (o aprender a conviver) dos valores e das atitudes 
(o aprender a ser) seria sonoramente ignorado pela educação tra-
dicional e ‘científica’ de hoje.
No entanto, proclamam os especialistas da ONU, o contex-
to atual está prenhe do contexto futuro. Assim, o final do século 
vinte já conteria as sementes do século vinte e um que, naquele 
momento, se anunciava: uma sociedade dominada pelos gran-
diosos avanços no campo do conhecimento e da comunicação e, 
por isso mesmo, denominada sociedade do conhecimento ou da 
informação, em que o saber teórico deveria articular-se intima-
mente ao saber prático e às demais dimensões do ser humano. De 
fato, conforme a ONU, a sociedade do conhecimentoseria a de-
corrência direta das importantes mudanças ocorridas na forma de 
produção das riquezas, no desenvolvimento atual da ciência e das 
relações sociais e políticas (aí incluído o papel do Estado, das ins-
tituições e dos sujeitos na organização dessa sociedade). Para fazer 
frente a um mundo em constante mudança, a educação passaria 
a ser contínua. Para habilitar o trabalhador, nesse novo cenário, 
elege-se o modelo das competências, tido como mais dinâmico, 
abrangente e complexo que os esquemas até então vigentes. O 
121
processo de aprendizagem passa a ter como objetivo dotar o aluno 
de estruturas de pensamento que deverão emergir para substituir 
o acúmulo quantitativo de informações. Caberá ao sujeito desen-
volver-se como totalidade sistêmica e como um leitor crítico do 
real, única forma de ajustar-se ao mundo globalizado em que as 
informações são cada vez mais padronizadas e efêmeras.
Segundo os teóricos da Comissão, nesse novo contexto, a 
educação funcionaria como uma bússola, uma ferramenta privile-
giada para nortear a transmissão do saber em geral (informações, 
conteúdos, experiências) e do saber-fazer evolutivo, base das com-
petências futuras, aquelas que permitiriam ao sujeito adaptar-se 
à nova civilização cognitiva que celeremente se instala entre nós.
Em sintonia com as mais modernas teorias de aprendizagem, 
o modelo de competências apontaria não para a aprendizagem de 
conteúdos e habilidades, mas para o aprender a aprender: mais do 
que a apreensão de informações ou da aquisição da capacidade de 
operar no mundo, aprender é uma atitude embutida de valores e 
carregada de afetos e desejos. Paradigma da escola rogeriana1 em 
educação e mesmo das escolas interacionistas inspiradas, por ve-
zes indiscriminadamente, em Piaget, Vigotsky ou Paulo Freire, o 
aprender a aprender, que sintetizaria as quatro grandes dimensões 
da aprendizagem, implicaria em reformas profundas no sistema 
educacional, na realidade da escola e da relação entre o professor 
e o aluno. 
Esse modelo, denominado por nós de CHAVE (C de co-
nhecimento, H de habilidade, A de atitude, V de valores e E de 
existencial), é a base das atuais reformas educacionais postas em 
1 Estamos fazendo referência à teoria de aprendizagem centrada no aluno, criada pelo 
psicólogo americano Carl Rogers (1902-1987).
122
vigor em muitos países, inclusive no Brasil, pois, em tese, apon-
taria para a superação dos complexos problemas educacionais 
contemporâneos por dois motivos principais: em primeiro lugar, 
por sintonizar-se com as importantes mudanças econômicas, po-
líticas e sociais ocorridas no mundo; em segundo lugar, por inte-
grar as quatro dimensões centrais do processo de aprendizagem 
humana e, assim, superar os problemas postos pelos paradigmas 
que focavam o processo em uma, ou no máximo, em duas esferas 
(e, mais grave, não conectadas) do saber.
No presente texto, exporemos, de forma breve, as dimensões 
da aprendizagem e os desafios a elas inerentes na ótica dos teóri-
cos da Comissão, para, a seguir, interpor os senões, as lacunas e 
as contradições por nós identificadas quanto ao referido modelo. 
A primeira dimensão, considerada pelos teóricos da Comis-
são, é a do aprender a conhecer (dimensão dominada pelas ativi-
dades teóricas). Também denominada de essa da compreensão ou 
do entendimento, essa dimensão diz respeito à cognição, à apren-
dizagem de conteúdos e de informações tecnicamente úteis e ins-
trumentalizáveis. Por muitos anos substrato da escola tradicional, 
avalia-se que o ensino assim perpetrado focava-se demasiadamen-
te no conteúdo, além de não servir à aplicação prática (porque 
excessivamente teórico), mostrando-se desinteressante, estático e 
descontextualizado. Ainda mais, argumentava-se que uma pers-
pectiva marcadamente cognitivista não favorecia a pesquisa ou 
proporcionava uma visão ampla do real. Com o avanço tecno-
lógico, o domínio de conteúdos passou a ser sinônimo de acú-
mulo de informações tecnicamente úteis. Tal visão instrumental, 
porém, estaria longe de responder às necessidades atuais da so-
ciedade em que a utilização dos instrumentos do conhecimento 
precisa ser cada vez mais fundamentada, dinâmica e relacional. 
123
Nesse sentido, caberia à escola fornecer os meios para desenvol-
ver as capacidades profissionais de cada indivíduo (conceitos ou 
conteúdos e instrumentos metodológicos ou procedimentos), in-
tegradas às capacidades de comunicação (referências ou atitudes) 
com vistas ao alcance dos fins a que deveria servir a educação: 
promover um agir baseado na compreensão do mundo num pa-
tamar para além do saber instrumental, mais ainda, resgatando, o 
prazer em aprender e o pensamento autônomo. 
No entanto, além de avaliar que o eixo da compreensão en-
contrava-se dominado pelo saber instrumental, a Comissão le-
vantava outro problema. As rápidas transformações, geradas pelo 
progresso científico e pelas mudanças na base produtiva, estariam 
pondo em xeque o saber do especialista, daquele que conhecia 
ampla e profundamente uma única e exclusiva área de interesse. 
Para os consultores da ONU, se a omnidisciplinaridade seria, por 
um lado, uma ilusão, far-se-ia necessário, hoje, conciliar uma cul-
tura geral vasta com uma maior profundidade numa área específi-
ca de atuação. Somente assim o sujeito deteria um conhecimento 
sistêmico da realidade, podendo sopesar melhor a repercussão de 
suas ações no conjunto do sistema como um todo e assim superar 
a fragmentação e a rigidez de uma leitura muita especializada e, 
às vezes, mecânica do real. 
A segunda dimensão, considerada pelos teóricos da Comis-
são, é a do aprender a fazer. Dominada pelas atividades práticas 
do homem, sobreporia o homo habilis ao homo sapiens, o homem 
como habilidade ao homem como cognição. A supervalorização 
da habilidade atinge seu ápice nas modernas fábricas tayloristas e 
fordistas em que a prescrição de atividades repetitivas e mecânicas 
possibilitava enormes ganhos de produtividade. No entanto, as 
mudanças tecnológicas, entre outras, teriam abalado a estabilida-
124
de do taylorismo-fordismo: o desempenho de atividades repeti-
tivas inviabilizava a criatividade e a inovação, elementos centrais 
no novo modo de organização do trabalho; por outro lado, as 
tarefas repetitivas passariam a ser prerrogativa das máquinas, so-
brando para o homem a realização de tarefas de conteúdo, cada 
vez mais, cognitivo e imaterial. Neste sentido, indagava-se: Quais 
os pilares da educação profissional do futuro num mundo em 
acelerada mudança? Como garantir a tão necessária inovação? 
Para a ONU, caberia à escola passar da noção de qualificação à 
noção de competência. O conhecimento (capacidade cognitiva, 
domínio da informação) deveria resultar em ações - habilidades - 
tarefas mais intelectuais exigem conhecimentos que resultam em 
habilidades mais imateriais; as ações, por sua vez, deveriam sin-
tonizar-se mais adequadamente com o método científico (proce-
dimentos) e os conceitos que o amparam (fundamentos científi-
cos); o conhecimento amplo, como cultura geral vasta (‘cocktail’ 
individual), viabilizaria habilidades cada vez mais abrangentes e 
menos instrumentais.
O outro grande problema, porém, estaria colado a essa di-
mensão: na medida em que as atividades no trabalho tornam-se 
crescentemente imateriais, e a produção (mercantil ou não) faz-se 
igualmente sempre mais imaterial, além de voltada para a área de 
serviços, aumentam os problemas ligados aos chamados “déficits” 
relacionais ou, dizendo de forma mais simples, intensifica-se a 
demanda por habilidades ligadas às relações interpessoais. Como 
poderá, então a escola, fornecer aptidões e habilidades que fa-
voreçam interações estáveis, eficazes e personalizadas, para além 
de um instrumentalismo que venha a controlar as relações entre 
as pessoas?Ora, numa sociedade predominantemente dominada 
pela área de serviços e de relações interpessoais, o grande desafio 
do futuro será tratar as pessoas não como objetos (relação ins-
125
trumental), mas, precisamente, como pessoas (relações persona-
lizadas). E essa missão caberá exatamente à escola (como agência 
privilegiada), segundo os especialistas da ONU. 
Assim, a terceira dimensão enfocada apela ao aprender 
a conviver, que caracterizaria o eixo da cooperação. Embora se 
situe na base do desenvolvimento capitalista de produção, tal 
dimensão, mais diretamente ligada ao desenvolvimento de ati-
tudes, valores e saberes relacionais, não teria encontrado na es-
cola formal, tradicional, seu devido lugar. Muito pelo contrário, 
a escola não só falhou quanto ao desenvolvimento de estratégias 
de transmissão sistemática e explícita daqueles valores, como 
tampouco construiu instrumentos sólidos de avaliação de ‘capa-
cidades’ e atitudes afetas ao plano da convivência. No entanto, o 
avanço das telecomunicações, da financeirização da economia e 
da globalização tenderia a aproximar, de forma vertiginosa, os in-
divíduos e grupos humanos. Como, deve-se indagar, diante desse 
quadro, evitar os conflitos, os preconceitos e a violência? Segundo 
a ONU, caberia à educação do futuro três missões nesse sentido: 
(1) transmitir saberes sobre a diversidade humana, conscienti-
zando os estudantes quanto à semelhança e à interdependência 
entre os povos, construindo, a partir de uma interdependência 
real, uma solidariedade desejada; (2) cultivar, através do ensino, 
o reconhecimento - despreconceituoso - do outro (baseado no 
princípio liberal do conhecer a si para conhecer o outro); (3) via-
bilizar, no âmbito da escola, projetos em comum, fundados na 
cooperação, motivadores e não habituais. 
Aprender a viver junto, base da cooperação, decorreria de 
uma realidade que vai se tornando cada vez mais palpável As na-
ções dependem umas das outras para se desenvolverem, no en-
tanto, havemos de cuidar para que essa dependência não tome 
126
a forma de relações de exploração, o que elimina a possibilidade 
de equidade e de justiça na distribuição da riqueza social. O mes-
mo ocorre nas relações entre as pessoas e entre as organizações. 
As pessoas, as organizações e as nações, embora diferentes, asse-
melham-se nesse aspecto, assim sendo, somente a consciência da 
necessidade e da importância da mútua dependência poderá via-
bilizar relações verdadeiramente solidárias e justas. Com a globa-
lização e o desenvolvimento de tecnologias modernas de comuni-
cação, não haveria como negar a crescente interdependência entre 
os seres humanos. Nessa lógica, insiste a ONU, caberia à escola 
fomentar valores e atitudes que alarguem as esferas de conheci-
mento sobre o outro, sua história, suas tradições e sua cultura.
A segunda missão da educação, diretamente ligada a esse 
eixo, seria a de viabilizar leituras da realidade amplas e críticas, 
acima de ortodoxias, dogmatismos e outras visões estreitas da rea-
lidade. A postura dogmática (ou ortodoxa) inviabiliza o diálogo e 
a abertura para o outro, decorrente de um conhecimento míope 
de si mesmo. À medida que nos fechamos para o mundo, me-
nos nos conhecemos, porque reduzimos o leque de perspectivas à 
luz das quais podemos nos perceber. Contraditoriamente, a mera 
abertura para o outro não se torna sinônimo de autoconhecimen-
to, caso não decorra de uma atitude legítima e congruente como 
conseqüência de um profundo conhecimento de si mesmo.
A terceira missão da educação, conectada ao eixo da coope-
ração, acenaria para a viabilização de projetos sociais e educacio-
nais concebidos e realizados em comum pelas partes interessadas. 
Tais projetos devem servir de motivação no sentido de buscar 
soluções para problemas em comum e de comum interesse de 
ambas as partes. É necessário, ademais, que sejam desenvolvidas 
atividades não habituais, favorecendo, dessa forma, a quebra e a 
127
superação de costumes arraigados e de visões unilaterais e dogmá-
ticas da realidade. 
Por fim, a quarta dimensão analisada pelos especialistas da 
ONU trata do aprender a ser, que dimensiona o último e mais 
importante eixo considerado, o da integração. Nesse aspecto, 
dois problemas também são centrais: o primeiro relaciona-se à 
crescente desumanização do mundo com a evolução técnica (o 
tecnicismo); o segundo diz respeito ao enorme poder da mídia e à 
padronização crescente da comunicação, dos valores e da cultura, 
gerando uma contínua erosão da diversidade e da singularidade 
entre os povos. À medida que avança a reestruturação produtiva e 
o desenvolvimento da ciência, mais distante tem ficado a integra-
ção das várias dimensões do homem, visto que os valores, atitudes, 
emoções e desejos, acabam sendo subsumidos pelo tecnicismo da 
dimensão procedural (habilidade) e cognitiva (conhecimento).
 Diante desse quadro, o papel da educação seria o de con-
tribuir para o desenvolvimento total da pessoa, preparando a ju-
ventude para elaborar pensamentos autônomos e críticos, elabo-
rando seus próprios juízos de valor. A liberdade de pensamento 
tem que ser um imperativo da educação: motor da inovação, da 
criatividade e da capacidade de conviver com um mundo em mu-
dança constante, advogam os teóricos da Comissão.
É evidente que a elaboração de um modelo sistêmico e am-
plo é, não só inegavelmente tentador, como, ao que tudo indica, 
oferece uma resposta bastante simples a um problema deveras 
complexo. De fato, desenvolver um modelo que considere as 
múltiplas e fundamentais dimensões do homem parece, à primei-
ra vista, não só justo como reparador: permitir-se-á fazer justiça 
e ressaltar, no processo educacional, os saberes até então descon-
128
siderados e, ao mesmo tempo, solucionar ou reparar o problema 
que torna a educação atual despreparada para enfrentar a realida-
de econômica, política e social do século XXI (função “diagnósti-
ca e terapêutica” do modelo, como se diria na linguagem médica).
Vale ressaltar, contudo, que a própria realização de uma 
Conferência Mundial de Educação, seguida de medidas de alcan-
ce global, sob o patrocínio do Banco Mundial, não pode deixar 
de indicar a direta vinculação do referido empreendimento com 
o projeto atual de gestão do capital, o qual, conforme explicita 
Mészáros (1995), na busca de superação de uma crise inédita em 
seu processo de reprodução, vem lançando mão de estratagemas 
extremos, aplicados tanto ao campo da produção como ao pla-
no político-ideológico. Nesse contexto, o Banco Mundial, passa, 
precisamente a partir do início da década passada, a investir pesa-
damente na esfera educacional, impondo discursos e projetos aos 
países periféricos, com o fim de garantir a estabilidade política, 
pela via de um sistema educacional que garanta a incontestabi-
lidade do mercado como força organizativa central, produzindo, 
ao mesmo tempo, determinadas ‘disposições ideológicas’ (Leher, 
1998) necessárias ao ajustamento dos trabalhadores às perversas 
condições infligidas por esse mesmo mercado. 
Assim, abusando casuisticamente do fato meramente cir-
cunstancial do advento de um novo milênio, saca-se da algibeira 
a sempre oportuna apologia ao ‘mundo em constante mutação’ 
e, reeditando noções pinçadas de antigos receituários pedagógi-
cos, prescreve-se um pomposo ideário educacional que tem como 
carro chefe o modelo de competências. A grande vantagem anun-
ciada a favor do referido modelo seria, como vimos, sua pretensa 
capacidade de dotar a educação do dinamismo necessário para fa-
zer frente a esse mundo em mudança, onde, consequentemente, 
129
o processo educacional passa a ser contínuo e flexível, não mais 
estático e rígido. 
O resgate da secular noção de competência, que acompa-
nhou a própria história da didática, corresponderia, isso sim, aonovo padrão toyotista de produção e à consequente fragmentação 
e precarização do trabalho (Hirata, 1994). Obedeceria, em ou-
tras palavras, aos atuais imperativos do mercado. Além do mais, 
particularmente caro ao ethos empresarial, tal modelo tem sido 
sobejamente questionado em seu caráter fundamentalmente ins-
trumentalizador, que as tentativas de ampliação para o plano do 
‘ser’ não conseguem, a nosso ver, disfarçar.
Não é de estranhar, assim, que os termos que definem o mo-
delo proposto, em nenhum momento, façam referência explícita 
à totalidade econômica e político-social, cujo desenvolvimento 
histórico resultou no modo de produção capitalista que domi-
na a sociedade moderna atual, ou estabeleçam qualquer ligação 
explícita entre os dilemas do atual desenvolvimento capitalista e 
as determinações do modelo educacional que lhe é compatível. 
Nesse sentido, valeria a pena indagarmos, por exemplo, se a 
fluidez profissional seria uma realidade inerente ao novo mundo 
do trabalho ou representaria, ao contrário, um sintoma da fragili-
zação da estabilidade do sistema de assalariamento que viabilizou 
a implantação do sistema capitalista de produção ou, se não esta-
riam aí as bases pelas quais a discussão sobre a empregabilidade se 
tornou tão central nos dias de hoje. 
Ao invés de colocar a questão em termos macro-econômicos 
mais gerais, os especialistas da ONU estabelecem uma relação di-
reta entre o que entendem como novas necessidades educacionais 
130
e a dita sociedade do conhecimento ou da informação, no con-
texto do presente século. Como é sabido, tal paradigma pretende 
desqualificar o trabalho e, por conseguinte, as relações de classe, 
como referência central de organização da sociedade contem-
porânea, cuja configuração delineada pelo avanço tecnológico e 
comunicacional teria erigido a ciência - em lugar do trabalho – 
ao posto de principal força produtiva. A opção pelo conceito de 
sociedade do conhecimento já encerra, em seus próprios termos, 
uma contradição, pois não é exatamente o modelo excessivamen-
te cognitivista ou mesmo tecnicista (tecnologia da informação) 
que se pretende criticar? No mínimo, a opção haveria de ter recaí-
do em um novo e desejável paradigma: o da sociedade sistêmica, 
multidimensional, de saberes integrados, ou algo equivalente... 
Mais grave, porém, é a missão estabelecida pela ONU para 
a nova educação do século XXI (que, aliás, recorre ao caráter re-
dentorista da educação, invariavelmente chamado à cena, nos 
momentos de maior aprofundamento das contradições do sis-
tema social): ser uma bússola capaz de nortear a transmissão do 
saber em geral e do saber-fazer evolutivo, este último tomado 
como base das competências futuras. Nada mais contraditório 
com o paradigma do aprender a aprender do que propor um mo-
delo educacional que, a rigor, volta a apelar essencialmente para 
a transmissão de conhecimentos. Ora, se há uma contribuição 
fundamental das modernas teorias de aprendizagem (em especial, 
das chamadas teorias interacionistas) é, exatamente, a de contri-
buir para a superação do modelo tradicional de educação centra-
do apenas na transmissão dos saberes já produzidos: a aprendi-
zagem só ocorre de fato quando há produção ou re-produção de 
conhecimento enquanto ato autônomo do aprendiz na relação 
com o professor e com o mundo, o que não se constitui, em ab-
soluto, sinônimo do ‘aprender a aprender’, esta, uma formulação 
131
pesadamente ideológica, avessa à consideração pela objetividade 
e que isenta a escola da tarefa de promover a apreensão do conhe-
cimento tout court 2. 
É de se estranhar, ademais, que seja exatamente o saber-fazer 
evolutivo a base das competências futuras numa sociedade cada 
vez mais imaterial. Parece deveras estranho que um modelo que 
se diz multidimensional,se confesse sempre a cada momento uni-
dimensional, ora inserindo-se numa sociedade do conhecimento 
(em que a dimensão do conhecimento é central), ora numa socie-
dade do saber-fazer (onde a centralidade é agora deslocada para as 
habilidades, procedimentos e aptidões). 
Na análise de cada dimensão da aprendizagem elencada, 
outras contradições se apresentam. A dimensão do aprender a 
conhecer é apresentada pelos teóricos da ONU como o eixo da 
compreensão como sinônimo de cognição. Do ponto de vista 
epistemológico, porém, seria mais cabível denominá-lo de eixo 
da explicação, mais compatível com a visão de ciência que predo-
mina na prática científica atual. De fato, na perspectiva científica 
contemporânea, cabe à ciência explicar os fatos, descobrir, des-
crever e explicitar as causas materiais que determinam as formas 
pelas quais o real se manifesta (perspectiva positivista de ciência, 
em sentido amplo). Já a perspectiva compreensiva está mais di-
retamente associada a uma visão mais fenomenológica do fato 
científico, onde a mera descrição deste é insuficiente para a com-
preensão dos fundamentos que o definem como essência. Em 
termos mais simples: para o positivista, o conhecimento é um 
conjunto de informações adquiridas a partir da descrição pre-
2 Sobre um exame suficientemente denso e elucidativo do ‘paradigma’ centrado no aprender 
a aprender, vale a pena conferir Duarte, Newton – Vigotski e o “aprender a aprender”: 
Crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. SP, Editora Autores 
Associados, 2000.
132
cisa do modo do funcionamento do real; para o fenomenólogo, 
o conhecimento não é um mero acúmulo de informações, mas 
um processo dinâmico, onde só se aprende alguma coisa caso se 
compreenda o sentido do fato na dinâmica dos elementos que o 
compõem. 
Se a questão epistemológica não é considerada relevante 
para os especialistas da ONU, é importante, então, analisarmos 
qual teoria do conhecimento dá amparo à argumentação daqueles 
teóricos. Tal teoria se explicita claramente em dois momentos da 
análise da dimensão do aprender a conhecer: quando os especia-
listas da ONU defendem um conhecimento puro (aprender por 
prazer) como o fim da educação e quando avaliam como ilusória, 
a omnilateralidade do conhecimento. O que significa estabele-
cer um conhecimento puro (conhecer por conhecer) como fim 
supremo da educação, como aquele capaz de superar o saber ins-
trumental? Será possível, mantidas as atuais injunções sociais que 
pesam sobre os processos de desenvolvimento da ciência, chegar-
se a um conhecimento desinteressado, independente do seu fim 
no sentido utilitário? Ou, tomando-se a questão por outro veio, 
poderá a ciência produzir um conhecimento neutro e intocado 
pelos interesses das classes, como queriam os teóricos do positi-
vismo? O uso do conhecimento científico não deve ser objeto de 
preocupação da ciência, mas apenas sua produção? Ora, o mito 
da neutralidade científica foi exatamente a ‘ideologia’ que o capi-
talismo moderno sustentou para desviar qualquer discussão mais 
crítica sobre o uso e os fins políticos, práticos e mercantis do co-
nhecimento científico. Se, por um lado, contudo, devemos insur-
gir-nos contra o aprisionamento da ciência a interesses situados 
na ótica da imediaticidade pragmática do mercado, havemos de 
reconhecer que, em seu sentido amplo, o conhecimento é sempre 
ontológica e logicamente interessado, no sentido de responder 
133
a necessidades humanas. Em outras palavras, o conhecimento é 
fruto da interação do homem com o mundo, é produzido pelo 
homem que faz perguntas decorrentes de seus carecimentos, que 
age no mundo segundo um fim (sua existência no mundo) e é, 
ao mesmo tempo, a resultante da possibilidade do homem de 
explicar, compreender e agir sobre esse mundo segundo as leis de 
seu funcionamento (compreensão lógica do mundo pelo desen-
volvimento da consciência).
Ao mesmo tempo, parece insustentável a peremptória afir-
mação da ONU de que a omnilateralidade seria inalcançável,em vista da grande quantidade de informações hoje disponível. 
Epistemologicamente, isto seria o equivalente a negar o caráter 
de unitariedade do conhecimento científico, o que, a nosso ver, é 
extremamente problemático, por encerrar o pressuposto de que 
a objetividade do real apenas seria acessível de forma parcial, se-
gundo a verdade sempre relativa de uma especialidade. 
Na discussão acerca da dimensão do aprender a fazer, por 
seu turno, outras questões fundamentais vêm à tona. Com vi-
mos indicando, conforme o argumento central dos educadores 
da ONU, a grande missão da educação do futuro é superar o 
saber instrumental e prático, herdeiro da produção mais material 
ligada diretamente à transformação da natureza, em nome de um 
novo saber-fazer em que as relações de trabalho serão dominadas 
pelas relações interpessoais, fruto do desenvolvimento cada vez 
maior da área de serviços e da produção imaterial. Essa alega-
ção impõe uma questão deveras espinhosa: como fazê-lo, ou seja, 
como construir um intercâmbio verdadeiramente humano entre 
as pessoas, sem conturbar a lógica da atual sociedade produtora 
de mercadorias, cuja ‘racionalidade, mercantiliza, inclusive, as ex-
periências mais ‘imateriais’ dos seres humanos. 
134
Há uma discussão de fundo a ser encetada aqui entre traba-
lho concreto e abstrato, bem como entre trabalho material e ima-
terial. De fato, a elaboração conceitual sobre o trabalho abstrato 
por Marx é consagrada como a grande contribuição desse filósofo 
ao conhecimento moderno, pois é a partir daí que se pode che-
gar ao cerne do atual sistema de produção capitalista de rique-
za, a mais-valia. Sem a menor intenção de esgotar tal discussão, 
mas apenas com a intenção de colocá-la em termos muito gerais, 
lembremos que, em Marx, trabalho abstrato não corresponde a 
trabalho intelectual (em oposição ao trabalho manual mais inti-
mamente ligado ao saber-fazer e ao homo habilis), tampouco a 
trabalho imaterial ou mesmo improdutivo. Para Marx, a grande 
descoberta do sistema capitalista produtor de mercadorias foi re-
duzir os diferentes trabalhos concretos a uma abstração: ‘trabalho 
em geral’ que, regido pelo capital, produz um bem mercantili-
zável segundo um tempo médio (ou socialmente necessário) e 
que, ao realizar-se como troca de ‘equivalente’, produz riqueza 
social. Ou seja, não interessa ao sistema capitalista de produção 
conhecer as condições concretas de trabalho, em si, em que uma 
mercadoria é produzida ou mesmo em que medida, no curso do 
processo produtivo, predominou o emprego de habilidades ou de 
cognição. Interessa ao capital saber qual o tempo socialmente ne-
cessário de trabalho (em termos da média das várias possibilida-
des concretas do mercado) para produzir um bem: é este cálculo 
implícito que permite ao capital comprar a mercadoria força de 
trabalho por um valor inferior à riqueza efetivamente produzida 
por essa força de trabalho, pressuposto da produção da mais-va-
lia. Do ponto de vista lógico, porem, é mais fácil quantificar e 
racionalizar processos de trabalho mais concretos, cujas operações 
mais abstratas já foram transferidas para ferramentas, máquinas 
e outros instrumentos simbólicos, facilmente palpáveis e contro-
135
láveis. No entanto, o mesmo não se pode dizer das tentativas de 
racionalização e de instrumentalização das atividades mais inte-
lectuais (imateriais, para os teóricos da ONU?) e não palpáveis 
(logo, mais “abstratas”). Ora, é aqui que se instala a contradição: 
haveria de fato interesse do atual sistema produtor de riquezas 
de superar o saber instrumental, mesmo que as atividades apre-
sentem-se cada vez mais ‘imateriais’? Dizendo de outra forma: 
é possível superar o saber instrumental, sob qualquer condição 
ou circunstância, sem comprometer a racionalidade necessária à 
reprodução segura do capital? Não passará, assim, ‘ipso facto’, de 
mero recurso discursivo, a atribuição à escola da expressiva mis-
são de superar o saber instrumental, imprescindível à conservação 
do próprio modo de produção para o capital? 
Já a análise da dimensão do aprender a conviver, ou do eixo 
da cooperação, coloca, pelo menos, quatro questões importantes 
que merecem uma discussão mais aprofundada. A tese central dos 
especialistas da ONU quanto a esse ponto afirma a necessidade 
de transformar-se a dependência real existente entre as nações (e, 
por extensão, entre as pessoas e as organizações) em efetiva solida-
riedade. Ora, colocada a questão em tais termos, as complexas di-
ferenças econômicas, sociais e políticas entre as nações aparecem 
como resultantes apenas do nível de conscientização de seus po-
vos, o qual não seria, ainda, o adequado. No entanto, apenas mui 
ingenuamente, poderíamos negar que as relações reais de depen-
dência entre as nações, para além das diversidades culturais ou do 
nível de consciência alcançado pelos diferentes povos, têm sido 
historicamente determinadas através de processos dinâmicos, via 
de regra conflituosos, envolvendo claras diferenças de interesse, 
riqueza e domínio. Diante do quadro das relações internacionais 
que se configuram no presente, marcado pelo acirramento do im-
136
perialismo globalmente dominante, como esperar que o desen-
volvimento tecnológico e a intensificação das comunicações irão 
criar automaticamente a percepção crescente da interdependên-
cia entre os povos, quando o próprio avanço tecnológico tende, 
indubitavelmente, a tornar tal interdependência ainda mais desi-
gual, reforçando o poderio dos países do capitalismo central, sob 
o predomínio incontestável, ainda mais, de um só dentre todos!1 
Da mesma forma, um aumento quantitativo da ‘comunicação’, 
esta, aliás, predominantemente seletiva e mistificadora, jamais irá 
gerar mecanicamente um aumento automático da percepção dos 
reais condicionantes e manifestações da aludida interdependên-
cia. Tal percepção só se efetivará se os processos de comunicação 
mudarem qualitativamente, o que exigirá que o jogo de forças e 
de interesses venha a ser, de fato, explicitado e, mais, de alguma 
forma, superado. Tal superação não poderá ser alcançada, con-
tudo, sob as sombras da barbárie capitalista, mas, ao contrário, 
deverá equivaler a uma nova forma de organização da sociedade.
Dentre as missões que cabem à escola para melhorar o 
aprender a conviver, duas são destacadas pela ONU: viabilizar 
uma leitura crítica do real, no para além dos dogmas e das or-
todoxias e desenvolver projetos coletivos motivadores e não ha-
bituais. De fato, o argumento anterior pode se repetir em parte 
aqui: não há garantia alguma de que a resolução em comum de 
projetos motivadores e não habituais leve ao acolhimento auto-
1 Para uma análise do imperialismo como concomitante necessário do impulso necessário 
do capital em direção ao monopólio (2001:12) é importante consultar Mészáros, sobretudo 
em sua última obra: O Século XXI – Socialismo ou Barbárie. (SP, Boitempo, 2001), que, 
já no seu prefácio, destaca: A nova fase histórica do imperialismo hegemônico global não é 
apenas a manifestação das atuais relações de poder no mundo da ‘política das grandes potências’, 
para vantagem dos Estados Unidos, contra a qual um futuro realinhamento entre os Estados 
mais poderosos ou mesmo algumas demonstrações bem organizadas na arena política poderiam se 
afirmar com sucesso. Infelizmente,é muito pior. Pois esses eventos, mesmo se acontecerem, ainda 
deixariam intactas as determinações estruturais subjacentes.
137
mático das propaladas diferenças e à superação dos preconceitos. 
Reafirmando-se a diferença de classe como fundamental, o que, 
evidentemente não confere com a visão dos teóricos da ONU, 
mas, sem deixar de reconhecer o estatuto próprio das demais di-
ferenças – de raça, etnia, gênero etc - ressaltadas no discurso da 
pós-modernidade, devemos enfatizar que, se tais vivênciaspro-
movidas no espaço escolar não se fizerem acompanhar de mudan-
ças efetivamente amplas, estruturais, essas tenderão a reduzir-se 
ao fracasso, à descrença e ao ressentimento ou, na melhor das 
hipóteses, permanecerão no terreno inócuo das boas intenções. Já 
com relação a uma leitura crítica do real, alguns reparos precisam 
ser feitos: em primeiro lugar, ortodoxia é tachada, equivocada-
mente, pelos especialistas da ONU como sinônimo de rigidez e 
dogmatismo, numa confusão categorial que favorece o relativis-
mo e o ecletismo. Etimologicamente, ortodoxia pode ser definida 
como opinião correta. Embora, epistemologicamente falando, 
de um modo geral, a toda opinião (doxa) se contrapõe a ciência 
(episteme), o mesmo não se pode dizer quando a opinião se de-
monstra correta, pois é a partir daí que se formará o próprio solo 
da ciência, que não brota do nada, mas das complexas relações 
entre subjetividade e objetividade. De fato, um saber consolida-
do, mesmo como ciência, passa a guiar-se pelos pilares das suas 
verdades constituídas, ou seja, por sua ortodoxia, sem o que, não 
teria direção clara ou a necessária, ainda que, em certa medida, 
provisória estabilidade. O problema, sem dúvida é quando tais 
verdades se transformam em dogmas rígidos e imutáveis porque 
correspondentes a certos interesses inconfessáveis. 
No entanto, mais importante do que a questão da ortodoxia 
está a defesa, pelos educadores da ONU, da tese segundo a qual 
somente um conhecimento profundo de si mesmo permite o ver-
dadeiro diálogo com o outro (o “conhece-te a ti mesmo” socrático 
138
colocado como pré-condição para se conhecer o outro). Ora, o 
que ampara tal tese é a visão místico-liberal que professa possuir 
o sujeito uma força interior que, uma vez desenvolvida, capa-
cita-o a ser congruente consigo mesmo e, depois, com o outro. 
No entanto, a construção do saber é sempre relacional, mesmo 
quando não há condições de se constituir um diálogo entre seres 
autônomos e congruentes. As determinações do real, o contexto e 
a história dos sujeitos estarão sempre presentes nas possibilidades 
do diálogo. O conhecimento é uma construção coletiva que ocor-
re segundo determinações históricas e contextuais, jamais o fruto 
de vontades individuais e autônomas que seguem a exclusividade 
de suas forças interiores. Evidentemente, este é um processo inter
-relacionado: o sujeito não é, em si, um ente coletivo, assim como 
a autonomia coletiva só se efetiva no conjunto das autonomias 
individuais. No entanto, tal processo só pode realizar-se na tensão 
da dinâmica marcada pelas determinações do real e das possibili-
dades de autonomia de cada um diante de tais determinações. A 
liberdade não é, dessa forma, resultante de uma atitude interior, 
mas uma decorrência necessária, real e provável das próprias de-
terminações dessa mesma realidade.
Por fim, algumas considerações e senões podem ser levan-
tados diante das teses embutidas na última dimensão apontada 
pela ONU: a do aprender a ser, ou ao eixo da integração. As 
justas preocupações dos educadores da Organização com a desu-
manização crescente do homem à medida que avançam as trans-
formações técnicas da sociedade juntam-se à preocupação com 
a crescente erosão das diferenças entre as culturas e os valores 
de cada povo ao passo que se intensifica o poder da mídia e das 
telecomunicações com suas linguagens padronizadas e tecnica-
mente planejadas. Entendem esses especialistas que, se a escola 
não preparar a juventude para elaborar pensamentos autônomos, 
139
críticos e livres, a capacidade criativa e inovadora da sociedade 
futura estará irremediavelmente comprometida. Mas, como as es-
colas devem agir para enfrentar tão poderosas inimigas, do porte 
da mídia, das empresas transnacionais de telecomunicação? Na 
verdade, o diagnóstico da ONU carece de uma discussão mais 
profunda que nos é sonegada naquele texto. De fato, devería-
mos nos perguntar: por quais razões o tecnicismo avançou sobre 
a ciência, a ponto de termos hoje a tecnificação da ciência e não a 
cientificização da técnica, ou porque um subproduto da ciência, a 
técnica transforma a própria ciência em prisioneira de sua lógica. 
Da mesma forma, poderíamos indagar: por que os processos de 
comunicação foram rigorosa e tecnicamente padronizados. Sem 
dúvida, a resposta a tais perguntas não está restrita ao solo da pró-
pria ciência e da própria comunicação. Assim, seria igualmente 
ingênuo imaginar que a solução pudesse decorrer simplesmente 
da vontade consciente e transformadora da escola. De fato, a tec-
nificação da ciência responde, como vimos apontando, a inte-
resses sociais mais amplos. Nesse sentido, parece pouco provável 
concluir que o desenvolvimento da capacidade de inovação e da 
criatividade seja, em si, um imperativo categórico do sujeito a ser 
corretamente estimulado ou mesmo desenvolvido pela educação. 
Na verdade, as bases do pensamento crítico e inovador só podem 
se consolidar se a totalidade social puder também ser questiona-
da: como exigir inovação sem correr os riscos de desencadear aí 
transformações mais profundas? Ora, é sempre na tensão desse 
limbo que toda organização social se move. No caso em questão, 
o ajustamento à ordem impõe-se como o limite intransponível 
da crítica, que, desse modo, estará fatalmente confinada a pon-
tualidades cotidianas, à esfera imediatamente dada da existência 
social. 
140
O modelo proposto pela ONU, que permitiria como em 
um passe de mágica resgatar não só os conteúdos, as informa-
ções e as habilidades do processo de ensino e aprendizagem, mas 
também os valores, as emoções e os desejos do sujeito, embora 
teoricamente atraente, demonstra ser muito menos factível e crí-
tico do que pretendia a nossa vã filosofia. O ‘justo’ resgate do 
mundo vivido de Habermas2, num patamar para além da razão 
instrumental, em que valores, emoções e desejos possam de fato 
retornar ao palco do espaço social e escolar, merece ser mais bem 
desnudado e passar pelo crivo da radicalidade. Com efeito, a cha-
ve do saber não é uma questão apenas da vontade política ou de 
determinação da consciência, mas precisa refletir com todas as 
tintas o conflito inerente à atual forma de produzir bens e rique-
zas, fazer ciência, relacionar-se com a natureza e com os outros 
homens. Pois há possibilidade de fazê-lo diferente, segundo uma 
história que vem se construindo e poderia ser e ainda pode ser, 
igualmente, diferente. 
2 Fazemos aqui referência ao conceito central que ampara a Teoria da Ação Comunicativa 
desenvolvida por este famoso filósofo. 
141
Referências 
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cor-
tez, Brasília, DF: MEC/UNESCO, 1998, p. 77 a 88. 
HIRATA, Helena. Da polarização das qualificações ao modelo de com-
petências. In: FERRETI, Celso (Org.). Novas tecnologias, trabalho e 
educação: um debate multidisciplinar. Rio de janeiro, Vozes, 1994.
LEHER, R. Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da globali-
zação: a educação como estratégia do Banco Mundial para “alívio à po-
breza”. 1998. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, 
Universidade de São Paulo, São Paulo.
MÉSZÁROS, István. Beyond capital. London: Merlin Press, 1995.
142
A educação dos povos Ibero-americanos no 
contexto de crise estrutural do capital
Jackline Rabelo
Maria das Dores Mendes Segundo
Helena Freres
Valdemarin Coelho Gomes
À luz da crítica marxista, pretendemos analisar no contexto 
da crise estrutural, o complexo da educação e sua função social 
expressa nos termos das conferências desenvolvidas pela Organi-
zação dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e 
a Cultura (OEI) ocorridas nos anos de 1985, 1989, 1992, 1993, 
1995, 1996, 1997, 1998, 2007 e 20083 e seus desdobramentos 
sobre a organização do ensino nos países da América Latinae 
do Caribe. O esforço investigativo pautou-se, sobremaneira, nas 
contribuições de teóricos afinados com o campo do marxismo, 
particularmente nos estudos desenvolvidos por Mészáros, Savia-
ni, Tonet, Lessa, Jimenez e Mendes Segundo, Rabelo e Carmo.
De início, lembramos que a OEI4, como organismo interna-
3 Os títulos das Declarações e os locais onde aconteceram as referidas Conferências são os 
seguintes: “Conclusões da Reunião sobre Educação, Trabalho e Emprego, Havana, 1989; “A 
cooperação ibero-americano no campo da Educação”, Guadalupe, 1992; “A descentralização 
educacional”, Santa Fé de Bogotá, 1992; “Governabilidade democrática e governabilidade 
dos sistemas educacionais”, Concepción, 1996. As Declarações elaboradas em Salvador 
(1993), Buenos Aires (1995), Mérida (1997), Sintra (1998), Valparaíso (2007) e Salinillas 
(2008) receberam como título os nomes das cidades onde ocorreram.
4 A organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura 
(OEI) nasceu em 1949 sob o nome de Escritório de Educação Ibero-americana, com caráter 
de agência internacional,o qual foi realizado em Madrid, o I Congresso Ibero-americano de 
Educação. Apenas em 1954, na efetivação do II Congresso, em Quito, que esta instituição foi 
transformada em organismo intergovernamental, tendo o seu Estatuto aprovado em março 
de 1957, em Santo Domingo.
143
cional, apresenta um caráter intergovernamental e visa à coopera-
ção entre seus países-membros5 no que se refere à educação, à ciên-
cia e à cultura, mediante ações para estimular o desenvolvimento 
integral, a democracia e a articulação regional, bem como o desejo 
de “estabelecer o conhecimento, a compreensão mútua, a inte-
gração, a solidariedade e a paz entre os povos ibero-americanos”.6
A partir de 1985, ano em que seus objetivos foram amplia-
dos, a educação na América Latina assumiu uma tripla função: 
[1] humanista, desenvolvendo a formação ética, integral e har-
moniosa das novas gerações; [2] de democratização, assegurando 
a igualdades de oportunidades educativas e a eqüidade social; e 
[3] produtiva, preparando para a vida do trabalho e favorecendo 
a inserção laboral (Idem, p. 2).
Essa tripla função, pretensamente humanista, democrática 
e produtiva, posta para a educação no atual contexto histórico 
de crise estrutural do capital, alastra-se por todo o planeta. Nesse 
contexto, a educação é vista como a panacéia capaz de resolver 
os dramas da humanidade, que vão do proclamado “respeito às 
diferenças”, da inserção dos indivíduos no mercado de trabalho 
até a pacificação dos conflitos e a redução da pobreza.
Partindo desse pressuposto, todos os problemas que atual-
mente afetam a humanidade são compreendidos como conse-
quência da falta de investimento em educação, concepção essa 
própria dos mecanismos encontrados pelo capital para suavizar 
5 Fazem parte da OEI os seguintes países ibero-americanos: Argentina, Bolívia, Brasil, 
Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, El Salvador, Equador, Espanha, Guatemala, Guiné 
Equatorial, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Porto Rico, 
República Dominicana, Uruguai e Venezuela. A sede da OEI fica em Madrid, possuindo 
sedes regionais em alguns países americanos, dentre eles, o Brasil.
6 Texto de apresentação da OEI pelo Secretário Geral da instituição Francisco José Piñon, 
Disponível no site www. oeibrpt.org/xicie.htm. Acesso em 24.01.2006
144
os efeitos catastróficos da crise desse sistema vivenciada desde o 
final da década de setenta do século passado, que intensificou, so-
bremaneira, o processo de exploração e precarização do trabalho.
Em consonância com a concepção do fortalecimento do ca-
pital em tempos de crise estrutural7, entendemos que há diversas 
formas de validar o metabolismo do capital, que também atribui 
à educação o papel de compor o sistema de controle totalitário e 
sociometabólico do próprio sistema, que se serve, na mesma me-
dida, das políticas estatais das nações subsumidas a essa lógica de 
assegurar, proteger e fortificar permanentemente a produtividade do 
mercado capitalista. Recorrendo a Mészáros, compreendemos clara-
mente os termos da relação entre capital e estado moderno, pois este
[...] é uma exigência absoluta para assegurar e proteger perma-
nentemente a produtividade do sistema. O capital chegou à 
dominância no reino da produção material paralelamente ao de-
senvolvimento das práticas políticas totalizadoras que dão forma 
ao Estado moderno (MÉSZÁROS, 2006, p. 96).
Quanto ao conteúdo próprio das Conferências Ibero-ameri-
canas promovidas pela OEI, avaliamos que as mesmas somam-se, 
indiscutivelmente, às orientações e às determinações dos organis-
mos internacionais à espreita da tutela do Programa de Educação 
para Todos, cujo marco foi a Conferência de Jomtien, na Tailân-
dia, em 1990, na qual foram definidas as Necessidades Básicas de 
Aprendizagem (NEBAS). Esse conteúdo foi encaminhado, origi-
nalmente, pelo Banco Mundial e pela Unesco, sob os preceitos, à 
primeira vista, vantajosos do desenvolvimento de uma qualidade 
educacional destinada à população da periferia do mundo, mas 
7 De acordo com Mészáros (2006), essa crise é universal, global, contínua e rastejante pelos 
seguintes motivos, respectivamente: a) atinge todas as esferas da produção; b) não se limita a 
um conjunto de países; c) não é cíclica; “rasteja-se” até nossos dias.
145
que, de fato, giram em torno dos interesses de reprodução e ex-
pansão do capital, contando sempre, nessa atuação, com o auxílio 
fundamental das políticas estatais dos países envolvidos.
Destacamos que a própria OEI, em sua I Conferência Ibe-
ro-americana de Ministros da Educação8, no ano de 1989, reco-
nhece que “nossos países enfrentam uma crise estrutural9, que 
afeta profundamente os agentes econômicos, o Estado, o modo 
de produção, a inserção externa, a situação social e que, além 
disso, se desenvolve de modo caótico” (1989, p. 1). 
Desse modo, para a solução do problema, os ministros de 
educação desses países propõem “medidas drásticas de contenção 
de gasto e a inversão pública, com seu dramático custo social que 
ampara a marginalização e os atrasos existentes” (idem), advo-
gando, em seus termos, a necessidade de criar políticas que visem 
“paliar as mais severas repercussões que, na conjuntura, afetam a 
produção, o emprego e os níveis de renda e consumo da popula-
ção” (idem).
Nessa direção, defendem ainda que a possibilidade de solu-
ção desses problemas estaria fortemente determinada “pelas con-
dições e características das estruturas econômica, social e política” 
de cada país (idem), afirmando, ademais, que a solução para os 
graves problemas da humanidade, que tendem a se agudizar cada 
vez mais, deve ser encontrada por cada país e depende da boa 
vontade individual de seus concidadãos. 
8 Documento final foi intitulado Conclusões da Reunião sobre Educação, Trabalho E 
Emprego (Havana, Cuba, 29 de maio a 2 de junho de 1989).
9 A crise de que tratam no documento em tela seria de natureza administrativa, que pode ser 
resolvida, segundo eles, com um bom planejamento e com a elaboração de políticas públicas 
setoriais e intersetoriais. Não fazem referência, portanto, à crise estrutural do capital, definida 
por Mészáros (2006), conforme explicitamos anteriormente em nota.
146
Os membros partícipes da referida Conferência, reunidos 
em Havana, apregoam que os setores do emprego e da educação 
constituem-se em molas-mestras do desenvolvimento econômico 
e social, sendo que esta, a educação, a base do primeiro – já que 
o mundo capitalista é impossibilitado, por sua própria lógica, 
de prover emprego para todos, ratificando, por essa via, que a 
“educação não constitui um fenômeno isolado, mas, sim, que se 
inscreve, determina e atua em um marco social, econômico, polí-
tico,produtivo e tecnológico concreto” (idem).
Alertavam ainda para o fato de que a chamada “revolução” 
tecnológica produziria “mudanças significativas na forma de or-
ganização dos processos de trabalho, na natureza da divisão in-
ternacional do trabalho, na hegemonia por países e regiões, nas 
condições setoriais de produção, nas condições de vida e de tra-
balho da população de diversos países [...]” (idem, p. 2). Dian-
te dessas mudanças, colocou-se a necessidade de uma exigência 
muito maior em relação à qualificação, à distribuição espacial da 
população e à natureza dos instrumentos da política econômica 
para que os países possam promover tanto as “potencialidades” 
necessárias a essas mudanças como também diminuir o custo so-
cial e “o perigo derivado das perseguições que essa nova realidade 
pode apresentar para as condições gerais de vida dos nossos po-
vos” (idem, p. 2). 
A esse respeito é importante problematizar que não foi a “re-
volução” tecnológica quem produziu essas mudanças, mas o pró-
prio capital em seu contexto de crise que já explodia na década de 
1970. O sistema metabólico do capital é que buscou na inserção 
da robótica e da microeletrônica no processo produtivo a possibili-
dade de saída dessa crise, intensificando, ainda mais, a extração do 
sobretrabalho.Essa intensificação da exploração do trabalho repre-
147
sentou para a classe trabalhadora tanto a expropriação completa 
dos meios de trabalho e de vida como uma tentativa muito maior 
de cooptação de suas subjetividades – além do desmoronamento 
dos direitos trabalhistas por ela conquistados e da fragmentação da 
sua classe, limitando a sua luta à sobrevivência imediata.
Lembremos que com a substituição do taylorismo/fordismo 
pelo toyotismo como modelo de gerenciamento técnico-científi-
co (embora tal substituição não tenha ocorrido em sua totalida-
de), recaiu sobre os trabalhadores a responsabilidade de se cons-
tituírem como indivíduos trabalhadores de novo tipo: flexíveis, 
polivalentes, multifuncionais, que saibam lidar com as incertezas 
e tomar decisões, além de se qualificarem constantemente para 
ocuparem uma possível vaga no mercado de trabalho.
Em crise concorrencial ampliada, cabe ao capital reestrutu-
rar as suas relações de produção, impondo, sem limites, a huma-
nidade à beira da destruição total. É para “impedir” e enevoar a 
compreensão por parte dos trabalhadores desse processo de con-
tradições estruturais que põem em risco a humanidade por in-
teiro, que a educação passa a assumir, de forma mais sistemática, 
o caráter de centralidade na resolução das desigualdades sociais 
geradas nesse contexto.
Em nossos estudos que se encaminham na contramão dessa 
concepção sócio-educacional, afirmamos, apoiadas na ontologia 
marxiana-lukacsiana, que a atividade educativa nunca será a ca-
tegoria central do desenvolvimento histórico dos homens, não 
competindo à mesma a resolutividade das contradições gestadas 
no seio de uma sociedade classista. O trabalho é que possui a pri-
mazia de ser essa atividade fundante do ser social, por ser criador 
do mundo dos homens. Na medida em que o homem transfor-
148
ma o existente para a satisfação de suas necessidades, transforma 
também a si enquanto ser genérico, pois, nesse processo de modi-
ficação do existente, adquire novas habilidades e novos conheci-
mentos que precisam ser universalizados. Assim, a educação surge 
como uma atividade que, além de repassar o saber historicamente 
acumulado pelos homens, atua na subjetividade, influenciando 
os indivíduos para agirem desta ou daquela maneira. 
Retomando o conteúdo da I Conferência (Havana), nas 
proposições dos ministros, representantes do escritório da bur-
guesia, a educação dos povos ibero-americanos, envolveria “to-
dos os níveis de formação, qualificação, reciclagem e conversão 
dos recursos humanos com que contam os países” (1989, p. 2). 
A “forte pressão” sobre o sistema educacional – para que ele se 
adaptasse às “exigências do mundo produtivo” e, assim, cumpris-
se com a função de preparar os indivíduos necessários ao mundo 
da produção – ocorreu, no caso brasileiro, sete anos depois.
Tal Conferência antecede a Declaração de Jontiem, marco 
do Programa de Educação Para Todos (EPT). Em ambas, encon-
tramos referência às “exigências cognoscitivas”, ou seja, à necessi-
dade do desenvolvimento de valores e habilidades que o indivíduo 
precisa desenvolver para estar inserido no mundo produtivo. Para 
tanto, a Conferência ibero-americana anuncia que é “preciso po-
tenciar a capacidade transformadora da educação para apoiar os 
esforços de mudança dos padrões de desenvolvimento produtivo, 
o que exigirá a conjunção dos esforços de todos os âmbitos polí-
ticos e administrativos e agentes sociais” (1989, p. 4), visando à 
interdependência entre os povos e à consolidação da democracia e 
do desenvolvimento econômico-social, através, claro, da educação 
– é o que podemos depreender do texto da segunda Conferência 
ocorrida três anos após a de Havana, em Guadalupe, Espanha, rei-
149
terando, com a mesma disposição, as preposições acerca do papel 
central da educação em tempos de desigualdade social. 
No que toca ao debate em torno da democracia, os minis-
tros de educação, numa posterior conferência de 1996, conside-
ram que ela “é a única adequada para assegurar uma convivência 
pacífica e o pleno respeito aos direitos essenciais das pessoas” 
(1996, p. 1). A educação para a democracia, de acordo com os 
ministros, “deve contribuir para o desenvolvimento, preparando 
pessoas adequadamente qualificadas e formando cidadãos arrai-
gados na cultura cívica democrática” (1996, p. 1). Nesse propó-
sito, delegam aos professores que os mesmos “não só transmitam 
como também pratiquem, juntamente com os alunos os valores 
democráticos” (1996, p. 1). 
A tese de que a “educação é um instrumento fundamental 
para a efetivação da democracia”, considerada como o “tipo de 
organização de sociedade em que se superam as desigualdades so-
ciais”, constitui-se uma análise superficial da realidade por quatro 
aspectos: a) não é a educação a atividade central do mundo dos 
homens, conforme indicamos acima, portanto, não se deve a ela 
a construção de outra forma de sociabilidade, seja qual for; b) a 
origem das desigualdades sociais está na própria forma de organi-
zação social, que tem como base a exploração dos homens pelos 
homens, portanto, enquanto essa forma de sociabilidade não for 
superada, tais desigualdades também não o serão; c) a democracia 
não é a alternativa de organização social que eleva a humanida-
de a um patamar superior de sociabilidade, pois ela possui seus 
limites históricos no próprio sistema que a criou; d) a luta por 
outro patamar de organização social é uma atividade prática dos 
homens – que tem, no trabalho, o modelo de toda práxis – e visa 
a superação do capital. 
150
No entanto, não é dessa forma que os ministros compreen-
dem, e nem poderiam. Estes, em consonância com o pensamento 
posto pelo sistema, defendem idéias falsas, mas socialmente ne-
cessárias à materialidade do sistema do capital, acerca da própria 
realidade que, por sua vez, justificam as desigualdades existentes.
Reiterando o proclamado potencial transformador da edu-
cação, a Conferência de 1992, em Guadalupe, representada pe-
los seus ministros de educação, propuseram ações que visassem 
à cooperação entre os países através da educação. Essas ações são 
destinadas à cooperação: a) nos projetos de políticas e estratégias 
para a transformação dos sistemas educacionais; b) no apoio aos 
processos de democratização da educação; c) na vinculação da 
educação com processos sócio-econômicos; d) no apoio aos pro-
cessos de integração e concertação (sic) regionais e sub-regionais; 
e) na modernização das administrações educacionais. Todas essas 
ações, vale salientar,visam à consolidação da democracia, à inte-
gração das comunidades e à melhoria social, política e econômica 
dos povos ibero-americanos.
Os “avanços significativos” dessas ações foram reconhecidos 
pela terceira Conferência, ocorrida em Santa Fé de Bogotá, Co-
lômbia, que reafirma, então, as decisões tomadas anteriormente 
e conclama a todos os países-membros da OEI a se comprome-
terem com a promoção de planos integrais e intersetoriais de de-
senvolvimento, “que maximizem os recursos e incorporem ações 
para a melhoria da qualidade de vida” (1992, p. 2). Afirmam os 
ministros que a necessidade de desconcentrar e descentralizar a 
distribuição e a aplicação dos recursos destinados à educação, 
atendendo à realidade de cada país, já que “as opções adotadas 
por uns países não constituem modelos transladáveis mecanica-
mente a contextos diferentes” (1992, p. 1). 
151
Para a solução desses problemas, consideram necessário que 
cada país invista em educação como preparação para o merca-
do de trabalho. Para atender a essa educação no contexto desse 
“mundo cambiante”, é importante a criação de “estruturas de 
educação e formação mais variadas, abertas e flexíveis” (1993, p. 
4)10, ou, em outras palavras, educação à distância, dentre outras 
modalidades semelhantes que flexibilizam a oferta de ensino. Essa 
estratégia, segundo os ministros, visa “multiplicar e diversificar as 
ofertas educacionais para todas as pessoas, ajudando a realizar o 
ideal da verdadeira democratização da educação” (idem, p. 4), 
afirmando ainda que 
[...] são variadas as razões que justificam esta decisão, entre elas, 
a enorme variedade de grupos com necessidades de educação 
básica e de formação para o trabalho, sobretudo aqueles que, por 
razões de residência, familiares ou de emprego, estão impedidos 
para seguir cursos regulares presenciais, o qual aconselha o de-
senvolvimento de sistemas flexíveis que permitam a auto-apren-
dizagem e a autoconstrução do saber (1993, p. 4)
Esta decisão representa o ápice da responsabilização indi-
vidual para que cada um se liberte da sua condição de miséria. 
Afinal de contas, num tempo de barbárie humana crescente, o 
mecanismo ideológico de convencimento dos indivíduos é extre-
mamente necessário. Essa proposta cai por terra pelo fato de que 
existem regiões inteiras no Brasil que nem mesmo a televisão, a 
luz e o telefone chegaram até lá: os povos ribeirinhos da região 
amazônica, por exemplo. 
Na aludida Conferência, registra-se a preposição de que 
educação, destinada ao mundo laboral, “deve promover o pleno 
desenvolvimento da personalidade humana, enriquecer o acer-
10 Declaração de Salvador, Bahia, julho de 1993.
152
vo cultural da sociedade e preservar o meio ambiente dentro do 
desenvolvimento sustentado, objetivos considerados básicos por 
nossos povos” (1993, p. 2). Visando a essa formação “plena” da 
personalidade, a educação tem, “entre suas incumbências prin-
cipais, a de preparar as pessoas para sua participação social no 
mundo do trabalho, desenvolvendo os valores, condutas e com-
petências que permitam sua prosperidade e a dos países” (idem).
Sobre essa função da educação de responder “aos desafios 
atuais”, podemos lembrar que Saviani (2003), ao contrário do 
que apregoam os ministros, afirma que a função da educação é 
transmitir os conhecimentos, os valores e as habilidades cons-
truídas historicamente pelos homens, cuja apropriação contribui 
para o processo de reprodução social.
No contexto dessas conferências, não podemos deixar de 
considerar que, no atual momento histórico se torna necessário 
negar o acesso ao conhecimento científico e universal, e que a 
educação está impedida, em última instância, de cumprir o papel 
destacado por Saviani. O acesso ao saber sistematizado é dever da 
educação, mas esse saber está sendo negado cada vez mais porque 
ele possibilita o salto do senso comum ao conhecimento cientifi-
camente elaborado. Sem o acesso a esse conhecimento, é impos-
sível a elevação cultural dos indivíduos.
No que se refere especificamente aos valores, os ministros la-
mentam, na Declaração de Mérida, Venezuela (1997), no cenário 
da VII Conferência Ibero-americana de Ministros da Educação, 
que, apesar do “pleno desenvolvimento da capacidade tecnológi-
ca do ser humano, surge com renomada força a pergunta pelos 
valores” (1997, p. 1). A educação, assim, “começa a reagir com-
preendendo que a cultura é mais do que sua capacidade cogniti-
153
va” (idem). Surgem, então, nesses tempos de crise estrutural do 
capital (MÉSZÁROS, 2006), diversos tipos de cultura: cultura 
de paz, cultura empreendedora, cultura sustentável, cultura de-
mocrática, cultura plural, multiculturalismo etc. Aliás, a Confe-
rência recomenda que “o respeito e a promoção de tal pluralismo 
e a confiança, que são fatores de progresso individual e coletivo, 
supõem reconhecer, de fato e de direito, o poder formador da co-
munidade” (1997, p. 2), requerendo a promoção da “autocrítica 
de nossa própria cultura, a aprendizagem do valor das outras e 
o cultivo do diálogo como via para abordar e, se possível, resol-
ver os conflitos” (p. 2), transformando situações de iniquidade, 
violência, impunidade e corrupção, sem a necessária superação 
do tipo de organização social que as gera, em níveis de justiça, 
equidade e solidariedade, pois as diferenças existentes devem ser 
corrigidas pelas sociedades do conhecimento11. Portanto, de acor-
do com os ministros, devemos “[...] evitar que esta sociedade gere 
novas diferenças de classes, que implica discriminação entre cul-
turas por sua desigual possibilidade de acesso ao conhecimento” 
(1997, p. 2). 
Compreendemos, com apoio na crítica marxista, que as 
“diferenças de classes” têm como base a relação antagônica entre 
capital x trabalho e não correspondem a uma categoria amorfa 
acima da própria realidade. Isso significa dizer que a sociedade 
capitalista aprofunda cada vez mais a relação antagônica entre 
capital e trabalho, jogando na mais aguda miséria a classe produ-
tora do conteúdo material da riqueza, riqueza essa cada vez mais 
crescente e apropriada pela classe que não a produz. Portanto, as 
11 A Conferência de Sintra, Portugal, em 1998, e a de Valparaíso, Chile, em 2007, também 
trataram da sociedade do conhecimento. De acordo com a primeira, “a informação e o 
conhecimento adquirem um novo significado, tanto na esfera da produção, como nos setores 
sociais e culturais e se tornam elementos estratégicos” (p. 1). A segunda (p. 1) faz referência 
ao fortalecimento do “Espaço Ibero-americano do Conhecimento” (EIC).
154
diferenças entre classes, ou melhor, a luta de classes, é uma cate-
goria do real que, a partir da mesma, podemos apreender as com-
plexas diferenças de cor, de gênero, de religião e/ou de línguas.
Nessa dita “sociedade do conhecimento”, conforme a Con-
ferência de Mérida, é “papel da escola promover um efetivo aces-
so ao conhecimento científico, humanístico, artístico e tecnoló-
gico como condição de desenvolvimento pessoal em um mundo 
cambiante” (1997, p. 2). Todavia, além disso, é necessário que a 
escola seja “capaz de formar pessoas que saibam desenvolver-se e 
enfrentar com êxito a incerteza, que saibam tomar decisões, que 
desenvolvam satisfatoriamente suas competências básicas e afian-
cem sua identidade na pluralidade” (idem). Por isso, é necessário 
que a escola construa, de maneira explícita e intencional, uma 
proposta que possibilite o “desenvolvimento de uma moral cívica 
sustentada sobre o exercício da democracia, dos direitos huma-
nos e da paz, ao mesmo tempo em que promova a formação da 
autonomia e da responsabilidade de seus membros” (1997, p. 3).
Embora a problemática docente não seja objeto deste ar-
tigo, não podemos deixar de tecer um breve questionamento a 
respeito, mesmo que de forma preliminar. Jogarsobre a educa-
ção a responsabilidade da construção de um mundo melhor leva, 
indubitavelmente, a responsabilizar os professores pela tarefa de 
pôr em prática a construção de uma sociedade com os valores 
determinados pela lógica do capital. Todavia, os ministros, na 
Conferência de Mérida (1997), afirmaram que “é indispensável 
dotar os docentes das ferramentas necessárias para enfrentar o 
desafio da educação em valores”, devendo refletir-se na “formação 
e capacitação dos docentes” (1997, p. 3). É necessário deixar claro 
que não se trata (nem poderia tratar) de uma formação sólida e 
ampla, mas de uma formação que deva “fortalecer os conteúdos 
155
de caráter ético-filosóficos e relativos à psicologia evolutiva e de 
desenvolvimento moral” (idem).
Dissecando tal proposição, podemos levantar alguns pontos 
de reflexão sobre essa formação proposta: a) os conteúdos de ca-
ráter ético-filosóficos são, na verdade, conteúdos que rebaixam a 
filosofia ao nível do cotidiano alienado (do senso-comum) para 
a produção de consensos, não se tratando, portanto, dos autênti-
cos conteúdos filosóficos que interrogaram, historicamente, sobre 
o ser e o dever-ser (consciência filosófica); b) os conhecimentos 
na área da psicologia evolutiva e do desenvolvimento moral da 
criança encontram-se, indiscutivelmente, apoiados nas premissas 
teóricas do construtivismo12, que predominantemente apoiado 
em Jean Piaget, compreende o psiquismo humano numa pers-
pectiva naturalizante e adaptativa, negando aos educandos, por 
essa prerrogativa, a apropriação dos conhecimentos produzidos 
historicamente pela humanidade; c) as “aprendizagens de caráter 
procedimental e atitudinal” significam a aprendizagem de com-
portamentos e atitudes necessários à sociedade para, através da 
“sua ação pedagógico-moral”, fazer com que os alunos desenvol-
vam os mesmos comportamentos e atitudes; d) trata-se, pois, de 
uma formação pragmática e instrumental, que tem como supor-
tes teóricos o construtivismo, o discurso do professor crítico-re-
flexivo e a lógica das competências; e) busca retirar da função 
do professor a responsabilidade de transmitir aos alunos o saber 
sistematizado historicamente pela humanidade, bem como os ru-
dimentos desse saber (SAVIANI, 2003).
12 Proposta pedagógica oficial do conjunto de reformas arbitradas pelos organismos 
internacionais. O construtivismo através do discurso de formação de um sujeito 
crítico, participativo e autônomo, que assume o seu próprio processo de construção do 
conhecimento, estaria verdadeiramente, afinado com as demandas atuais de formação do 
novo trabalhador, no contexto de crise estrutural do capital (CARMO, 2006),
156
No que tange aos conteúdos educacionais, afirmam os mi-
nistros que se faz necessário
[...] incrementar a orientação prática das matérias tradicionais. 
Os conteúdos curriculares e as metodologias de ensino e de 
aprendizagem deverão, ainda, adequar-se às necessidades especí-
ficas dos grupos humanos aos quais são ministrados, sem perder a 
unidade de propósitos com respeito ao desenvolvimento de com-
petências cognoscitivas e sociais mínimas requeridas (1993, p. 3)
Tal orientação pressupõe a aprendizagem de conteúdos 
pragmáticos e instrumentais que visem atender “às necessidades 
específicas dos grupos humanos” (idem). Ou seja, a educação, não 
tem como tarefa a transmissão-apropriação dos conhecimentos, 
valores e habilidades produzidos historicamente pelos homens ao 
longo do seu desenvolvimento. Esses conteúdos, aos quais se re-
ferem os ministros, devem estar voltados para o “desenvolvimen-
to de competências cognoscitivas e sociais mínimas requeridas” 
(idem) num momento histórico em que a humanidade corre o 
risco de ser destruída por ela própria. Os ministros acrescentam:
É preciso desenvolver ações conducentes a revalorizar social-
mente a capacitação para o trabalho e a educação tecnológica, 
de tal forma que não sejam visualizadas como uma ocupação 
secundária frente à formação acadêmica (idem, p. 4)
Observa-se claramente nesse trecho da Declaração de Salva-
dor (1993) que os indivíduos, além de serem preparados para o 
mercado de trabalho – desenvolver valores, habilidades e “cons-
truírem” os conhecimentos necessários à maquinaria produtiva –, 
devem passar por uma formação instrumental e pragmática que, 
de acordo com os ministros, não pode ser vista como “secundária” 
diante da formação acadêmica. Esta, para eles, no contexto atual, 
157
não oferece os instrumentos necessários para o enfrentamento das 
situações inesperadas. Com tal afirmação, os referidos ministros, 
que tiveram acesso ao nível superior, negam esse acesso à maior 
parte da sociedade – a classe trabalhadora. Com isso, retomamos 
a célebre frase de Adam Smith: aos trabalhadores, instrução em 
“doses homeopáticas”.
É pretendido pelos ministros de educação aprofundar a coo-
peração ibero-americana no campo da educação e da formação 
através das seguintes ações, incluindo também o setor privado em 
algumas delas: a) constituir comissões de especialistas de diversos 
países para transformar a Educação Técnica e Formação Profissio-
nal, visando “identificar e potenciar as experiências de orientação 
para o trabalho, inserção profissional e transição dos jovens ao 
mundo do trabalho; b) criar e promover o desenvolvimento de 
centros de formação em novas tecnologias industriais e de servi-
ços em localidades apropriadas da área ibero-americana, com o 
apoio técnico e financeiro internacional; c) desenvolver um pro-
grama ibero-americano de educação e formação a distância; d) 
fortalecer e consolidar as redes regionais de informação existentes 
para desenvolver a capacidade de produção e difusão da informa-
ção no campo da educação e no mundo do trabalho; e) apoiar e 
aprofundar o desenvolvimento de programas de caráter integrado 
destinados ao coletivo e a territórios desfavorecidos. 
Mais uma vez, os Ministros conclamam a todos – por meio 
de mais uma Declaração, desta vez, a de Buenos Aires, 1995 – 
para a elaboração conjunta de linhas de ação e cooperação com 
o “propósito de lograr com que a educação se constitua, efetiva-
mente, no elemento decisivo para o desenvolvimento e no fator 
de maior importância para superar a pobreza que afeta amplos 
setores de nossa sociedade” (idem p. 1). É preciso, pois, pôr em 
158
prática estratégias educacionais para serem os motores do desen-
volvimento econômico e social e que “salvaguardem o patrimô-
nio comum, como parte da luta contra e pobreza” (1995, p. 1).
Todavia, os ministros retomam a necessidade de realizar-se 
nos marcos do desenvolvimento de conteúdos e atividades de 
aprendizagem que promovam “a formação de cidadãos solidá-
rios no social, participativos e tolerantes no político, produtivos 
no econômico, respeitadores dos direitos humanos e conscientes 
do valor da natureza” (p. 2).
Na Conferência de Mérida (1997), o debate em torno do 
papel do Estado se faz presente. A esse respeito, os ministros afir-
mam, que, como “comunidade de valores”, o Estado tem como 
função “a produção de consensos”. Nessa direção, advogam que 
os Estados devem garantir 
[...] uma educação ética de mínimos, que supõe o cultivo da 
autonomia, da tolerância, do respeito e do diálogo, assim como 
a promoção do sentido de responsabilidade e de níveis progres-
sivos de justiça e solidariedade (1997, p. 4).
Do outro lado, encontramos em Mészáros (2006, p. 106-
107), na esteira de Marx, a radical e clara compreensão de que o 
Estado é uma esfera criada pelo capital para garantir sua viabili-
dade econômica. No contexto histórico atual, a estrutura do Es-
tado garante politicamente a extração da mais-valia, protegendo 
a propriedade privada e, como diz o autor (2006, p. 108), dando 
suporte ao antagonismo cada vez mais crescente entre produção 
e controle. Sem a estrutura jurídicamontada pelo Estado, diz 
o autor, o pilar que sustenta o capital seria rompido “[...] pe-
los desacordos constantes, anulando dessa maneira sua potencial 
159
eficiência econômica” (idem). Estado e capital são inseparáveis. 
O primeiro não pode ser autônomo, independente e imparcial 
exatamente por complementar as exigências internas desse sis-
tema de controle antagonicamente estruturado (p. 122) e por 
ser o complemento quase perfeito do capital em seu processo de 
agonia. Por outro lado, as empresas, sozinhas, são incapazes de 
garantir a continuidade do sistema do capital se não houver o 
papel do Estado como um poder coesivo para o funcionamento 
desse sistema. 
Recuperando o discurso roto das conferências, proclamam 
os ministros de educação reunidos em torno da problemática 
educacional dos povos ibero-americanos, que é pelas razões da 
existência de um mundo cambiante que se torna urgente investir 
em educação e fazer reformas do setor educacional. Essas refor-
mas, segundo eles, empreendidas pelo Estado, surgiram teori-
camente através “de consensos resultantes da participação real e 
efetiva de todos os setores da vida nacional” (1997, p. 4). Tais 
reformas “produzem os resultados esperados a médio e a longo 
prazos, razão pela qual é necessário garantir a continuidade, con-
vertendo-se em políticas de Estado, [...] assumidas como próprias 
pela cidadania” (1997, p. 4). 
Uma década depois, imbuída do mesmo espírito das con-
ferências que lhe antecedera, registra-se na Declaração de Valpa-
raíso (2007, p. 1), a seguinte formulação: “[...] a educação é uma 
ferramenta fundamental, por meio da qual a Ibero-américa pode 
avançar decididamente na solução de seus mais graves problemas: 
a pobreza e a desigualdade”. Para alcançar tal meta, a Declaração 
de Salinillas (2008) alerta sobre a necessidade de se contar “[...] 
con la colaboración y participación de los Organismos Interna-
cionales, la comunidad educativa, las organizaciones sociales, 
160
especialmente las constituidas y lideradas por los jóvenes, para 
que ellos mismos se involucren activamente en el desarrollo de 
nuestras sociedades”1. 
Recorrendo, mais uma vez, aos estudos de Mészáros (2006), 
destacamos que para este autor marxista, as reformas representam 
uma correção de alguma questão que precisa ser modificada na 
ordem estabelecida, mantendo intactas as determinações gerais 
do sistema metabólico do capital. Elas não visam modificar a es-
trutura social vigente, porque se esbarram nos limites do próprio 
capital. O autor lembra ainda que o capital é irreformável, não 
pode humanizado, daí a necessidade de sua superação.
Em consonância com essa perspectiva teórico-metodológi-
ca, compreendemos que a educação jamais resolverá os proble-
mas da humanidade gerados na base econômica da sociedade, 
pois “[...] a hipostasiada instituição da ‘paz perpétua’ sobre a base 
material dos microcosmos internamente fragmentados do capital 
não passa de doce ilusão” (MÉSZÁROS, 2006, p. 116). O hori-
zonte ao qual devemos vislumbrar é a superação do atual estado 
de coisas e não a melhoria dele, visto que não é possível dominar 
as “leis férreas” do capital. Isso não significa dizer que a educação 
não possa contribuir para a emancipação humana2. Pelo contrá-
rio, ela é de fundamental importância. Ontologicamente funda-
da no trabalho, ela exerce papel essência e ineliminável na esfera 
do conhecimento, visto que é uma atividade através da qual se 
transmite o patrimônio histórico acumulado pelos homens, ar-
ticulando, dessa forma, individualidade e generidade humanas.
1 Declaração de Salinillas, El Salvador, XVIII Conferência Ibero-americana de Educação, 
maio de 2008.
2 Sobre essa questão, ver Tonet (2003, 2005, 2007).
161
Referências 
ARGENTINA. V Conferência Ibero-americana de Ministros de Educa-
ção. Buenos Aires, 1995. Disponível em http://www.oeibrpt.org/xicie.
htm Acesso em 24.01.2006
BRASIL. IV Conferência Ibero-americana de Ministros de Educação. 
Salvador, 1993. Disponível em http://www.oeibrpt.org/xicie.htm Aces-
so em 24.01.2006
CARMO, Francisca Maurilene. O construtivismo e a epistemologia ge-
nética de Jean Piaget. In: LIMA, Cláudia; CARMO, Maurilene; RABE-
LO, Jackline; FELISMINO, Sandra. Trabalho, Educação e a crítica 
marxista. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2006
CHILE. VI Conferência Ibero-americana de Ministros de Educação. 
Concepción, 1996. Disponível em http://www.oeibrpt.org/xicie.htm 
Acesso em 24.01.2006
CHILE. XVII Conferência Ibero-americana de Ministros de Educação. 
Valparaíso, 2007. Disponível em http://www.oeibrpt.org/xicie.htm 
Acesso em 13.08.2010
CUBA. I Conferência Ibero-americana de Ministros de Educação. Ha-
vana, 1989. Disponível em http://www.oeibrpt.org/xicie.htm Acesso 
em 24.01.2006
COLÔMBIA. III Conferência Ibero-americana de Ministros de Educa-
ção. Santa Fé de Bogotá, 1992. Disponível em http://www.oeibrpt.org/
xicie.htm Acesso em 24.01.2006
EL SALVADOR. XVIII Conferência Ibero-americana de Ministros de 
Educação. Salinillas, 2008. Disponível em http://www.oeibrpt.org/xi-
cie.htm Acesso em 13.08.2010
162
ESPANHA. II Conferência Ibero-americana de Ministros de Educação. 
Guadalupe, 1992. Disponível em http://www.oeibrpt.org/xicie.htm 
Acesso em 24.01.2006
JIMENEZ, Susana; MENDES SEGUNDO, Maria das Dores. Erradi-
car a pobreza e reproduzir o capital: notas críticas sobre as diretrizes para 
a educação do novo milênio. In: Cadernos de Educação/ FaE/PPGE/
UFPel | Pelotas [28]: 119 - 137, janeiro/junho 2007
RABELO, Jackline; MENDES SEGUNDO, Maria das Dores; JIME-
NEZ, Susana. Educação para todos e reprodução do capital, 2009. 
(Texto digitalizado).
LESSA, Sérgio. Lukács e a ontologia: uma introdução. Revista Outubro 
nº 5, 2001.
___________. Para além do capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006
PORTUGAL. VIII Conferência Ibero-americana de Ministros de Edu-
cação. Sintra, 1998. Disponível em http://www.oeibrpt.org/xicie.htm 
Acesso em 24.01.2006
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associa-
dos, 2003
SMITH, Adam. A riqueza das Nações: investigação sobre sua Natureza 
e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
VENEZUELA. VII Conferência Ibero-americana de Ministros de Edu-
cação. Mérida, 1997. Disponível em http://www.oeibrpt.org/xicie.htm 
Acesso em 24.01.2006.
163
SegUnDa PaRte:
enSInO bÁSIcO e fORMaçãO 
PROfISSIOnal DO tRabalhaDOR 
bRaSIleIRO eM SIntOnIa cOM OS 
InteReSSeS Da claSSe DOMInante
Plano de Desenvolvimento e Acompanhamento 
do Projeto Político-Pedagógico junto aos 
sistemas de ensino integrados ao Programa Brasil 
Profissionalizado 
Cleide Maria Quevedo Quixadá Viana
Ilma Passos Alencastro Veiga
Introdução
O Ministério da Educação lançou o Programa Brasil Profis-
sionalizado com o propósito expresso de estimular a expansão da 
educação profissional e tecnológica nas redes públicas estaduais.
Para tanto, definiu uma série de ações e mecanismos incen-
tivadores a fim de prestar assistência financeira às ações de estru-
turação e desenvolvimento do ensino médio integrado à educa-
ção profissional, com ênfase declarada na educação científica e 
humanística. Nesse sentido, procedeu-se à revisão da legislação 
para viabilizar a construção de uma nova educação profissional. 
164
Assim, a edição do Decreto nº. 5.154, de 23 de julho de 2004, 
tornou sem efeito o Decreto nº. 2.208/97, que regulamentava os 
artigos 36 e 37 da LDB. O processo de discussão dessa mudança 
foi permeado por interesses diversos, o que provocou a demora de 
um ano na tramitação em fóruns específicos.
O novo decreto possibilita a oferta de educação profissional 
com o ensino médio, ampliando a capacidade de atendimento da 
demanda e apontando a construção de um novo percurso forma-
tivo do trabalhador-aluno. O art. 4º, § 1º, do referidodecreto, 
dispõe sobre as formas de articulação entre a educação profissio-
nal técnica de nível médio e o ensino médio; no item 1 é destaca-
da a forma integrada, que é aquela oferecida a quem já concluiu 
o ensino fundamental, sendo o projeto político-pedagógico con-
cebido de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional téc-
nica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando 
com matrícula única para cada aluno. O decreto propiciou maior 
respaldo ao processo de decisão das Secretarias Estaduais de Edu-
cação. Dessa forma, o Ministério da Educação (MEC) iniciou 
um processo de discussão com as Secretarias Estaduais, Centros 
Federais de Educação Profissional e Tecnológica (CEFETs, hoje 
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - IFs) e 
Universidades, a fim de construir, conforme explicita, uma edu-
cação profissional que valorize o sujeito como trabalhador e como 
cidadão. Trata-se de um grande desafio e implica como ponto de 
partida vincular a formação geral e a formação para o trabalho 
em um itinerário formativo unitário, tendo em vista a superação 
dos limites normativos impostos pelo Decreto nº. 2.208/97. O 
marco desses debates foram os seminários organizados pelo Mi-
nistério da Educação.
165
A presente proposta de Plano de Desenvolvimento e Acom-
panhamento do Projeto Político-Pedagógico está estruturada em 
três níveis: macro; meso ou intermediário; micro ou de unidade 
escolar. A saber:
a) O nível macro, que compreende o âmbito nacional;
b) O nível meso ou intermediário, que compreende o âm-
bito estadual e as representações regionais das Secretarias de Edu-
cação tais como superintendências educacionais, delegacias de 
ensino etc;
c) O nível micro ou de unidade escolar, que envolve a rede 
escolar.
Nessa perspectiva, a ampliação da oferta do ensino médio 
integrado nas instituições públicas de educação pode contribuir 
para uma efetiva (re)construção de uma identidade própria e, ao 
mesmo tempo, significativa para a vida dos trabalhadores-alunos.
Da proposição: os fundamentos do plano de desenvol-
vimento
Para que a proposta de integração entre o ensino médio e a 
educação técnica de nível médio constitua-se em política pública 
educacional é necessário que essa assuma uma amplitude nacional, 
na perspectiva de que as ações realizadas possam, nesse âmbito, es-
tender-se por todo o território brasileiro. Para isso, precisamos par-
tir de alguns pressupostos, quais sejam a realidade como totalidade; 
a formação humana integral; o trabalho como princípio educativo 
e a pesquisa como princípio pedagógico.
O primeiro pressuposto é que a realidade concreta é uma to-
talidade, síntese de múltiplas determinações. Para Kosik (1986), 
166
totalidade significa um todo estruturado e dialético, do qual e no 
qual um fato ou conjunto de fatos pode ser racionalmente com-
preendido pela determinação da relação que os constitui.
O segundo pressuposto é compreender que a formação hu-
mana integral implica considerar a educação como uma totalida-
de social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que concre-
tizam o processo educativo (CIAVATTA, 2005). Nesse sentido, 
o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto 
trabalhador o direito a uma educação completa para a leitura do 
mundo. Tratar-se-ia, com efeito, de enfrentar a histórica dico-
tomia trabalho manual e trabalho intelectual, a divisão entre os 
que pensam e os que fazem, entre o saber e o fazer. O conceito de 
formação humana envolve três dimensões indissociáveis: ciência, 
cultura e tecnologia.
A primeira delas, a ciência, é uma dimensão de ordem 
epistemológica que consiste em “compreender o conhecimento 
como uma produção do pensamento pela qual se apreende e se 
representam as relações que constituem e estruturam a realidade 
objetiva” (RAMOS, 2005, p. 115). Sob essa ótica, os conheci-
mentos produzidos e legitimados socialmente são resultado de 
um processo desenvolvido pela humanidade a fim de compreen-
der e transformar os fenômenos naturais e sociais. Nesse sentido, 
o processo de conhecimento implica, após a análise, elaborar a 
síntese que representa o concreto.
A segunda dimensão, a cultura, é entendida como “processo 
de produção de símbolos, de representações, de significados e, ao 
mesmo tempo, prática constituinte e constituída do e pelo tecido 
social” (MEC, 2007, p. 44). Nessa perspectiva, a formação pos-
sibilita não somente o acesso aos conhecimentos científicos, mas 
167
também desencadeia a reflexão crítica sobre os padrões culturais e 
a apropriação de referências estéticas que se manifestam em tem-
pos e espaços históricos.
A terceira dimensão da formação humana é a tecnologia, 
apresentada como uma extensão da capacidade humana e, nes-
sa ótica, ela pode ser considerada “como mediação entre ciência 
(apreensão e desvelamento do real) e produção (intervenção no 
real)” (MEC, 2007, p. 44). Podemos dizer que a tecnologia é 
um conhecimento formalizado, orientado para um fim prático 
e sujeito a normas e critérios. Para Machado (2006, p. 49), “a 
tecnologia é um conjunto organizado de conhecimentos e infor-
mações originados de diversas descobertas científicas e invenções 
e do emprego de diferentes métodos nas produções material e 
simbólica”. É importante destacar o papel fundante da tecnologia 
no processo de formação de jovens e adultos.
O terceiro pressuposto visa proporcionar a compreensão de 
dinâmicas sócio-produtivas das sociedades modernas, com suas 
conquistas e seus revezes, e, também, formar as pessoas para o 
exercício autônomo e crítico das profissões. Dessa forma, o tra-
balho como princípio educativo é aqui entendido como a base 
para a compreensão da indissociabilidade entre ciência, cultura e 
tecnologia. Considerar, então, o trabalho como princípio educa-
tivo significa compreender o ser humano como produtor da sua 
realidade, que se apropria dela e pode transformá-la. Em suma, o 
trabalho assume a condição de mediador entre o homem e a reali-
dade material e social. Para Ramos (2005, p. 27), a compreensão 
do trabalho com princípio educativo implica
[...] referir-se a uma formação baseada no processo histórico e 
ontológico de produção da existência humana, em que a produ-
ção do conhecimento científico é uma dimensão. Por exemplo, 
168
a eletricidade como força natural, abstrata, existia mesmo antes 
de sua apropriação como força produtiva, mas não operava na 
história. Enquanto era uma hipótese para a ciência natural, era 
um “nada” histórico até que passa a se constituir como conheci-
mento que impulsiona a produção da existência humana sobre 
bases materiais e sociais concretas.
A implementação de um projeto unitário de ensino médio 
e educação profissional, que reconhece e valoriza o diverso, busca 
superar a histórica dualidade que permeou a formação básica e a 
formação profissional. O trabalho como princípio educativo está 
relacionado ao seu duplo sentido ontológico e histórico. O sen-
tido ontológico está ligado à produção da existência humana na 
sua relação com a natureza e com outros homens e, assim, produz 
conhecimentos. No sentido histórico, o trabalho é compreendido 
como categoria econômica e práxis produtiva em que parte do 
conhecimento existente é utilizada para produzir um novo co-
nhecimento. Dessa forma, podemos afirmar que o trabalho, aqui 
considerado no seu duplo sentido, é concebido como um prin-
cípio organizador da base unitária do ensino médio integrado.
O quarto pressuposto, a pesquisa como princípio pedagógi-
co, está intimamente relacionada ao trabalho de produção do co-
nhecimento. Ao ser assumida no ensino médio integrado, a pes-
quisa contribui para a formação de alunos autônomos, para que 
possam compreender-se “no mundo e, dessa forma, nele atuar 
por meio do trabalho, transformando a natureza em função das 
necessidadescoletivas da humanidade e, ao mesmo tempo, cuidar 
de sua preservação face às necessidades dos demais seres humanos 
e das gerações futuras” (MEC, 2007, p. 48). Os objetivos centrais 
da pesquisa, como fundamento do processo de formação integra-
da, são contribuir para a construção da autonomia intelectual do 
aluno e buscar soluções para as questões teóricas e práticas dos 
169
trabalhadores-alunos. Ela instiga a curiosidade do estudante em 
relação ao seu contexto social, gerando também inquietude para 
questionar o mundo em que vive.
O processo de implementação do projeto político-pe-
dagógico: alternativas/possibilidades estratégicas
O MEC assumiu a responsabilidade e o desafio de elaborar 
uma política indutora da implementação do ensino médio inte-
grado à educação profissional, por meio do Decreto nº. 5.154/04. 
O processo de implementação do projeto político-pedagógico no 
sistema integrado está assentado em três níveis de intervenção: o 
macro, que compreende o âmbito nacional; o meso ou interme-
diário, que atua no âmbito estadual e regional, como superin-
tendências e delegacias de ensino etc; e o micro ou de unidade 
escolar, que atinge o âmbito local, ou seja, o município onde está 
inserida a instituição educativa. Os níveis de intervenção são a 
base de uma rede de relação necessária à definição de uma polí-
tica de aproximação cada vez mais estreita entre o Ministério da 
Educação, as Secretarias de Educação estaduais e municipais, as 
Delegacias Regionais e as Escolas.
no nível macro: o âmbito nacional
Para que isso possa ocorrer, é fundamental que as ações 
de intervenção desencadeadas nesse nível sejam orientadas pelo 
princípio da coordenação e cooperação entre as esferas públicas, 
conforme apresentamos a seguir.
a) “Entre o MEC e outros ministérios, tendo em vista a ar-
ticulação com as políticas setoriais afins”, principalmente com o 
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério da Ciên-
cia e Tecnologia (MCT), Ministério do Desenvolvimento Agrá-
170
rio (MDA), Ministério da Saúde (MS), Ministério do Desenvol-
vimento, Indústria e Comércio (MDIC), entre outros. Portanto, 
ao se implementar o ensino médio integrado como política pú-
blica educacional, é necessário refletir sobre a perspectiva de sua 
contribuição para a consolidação
[...] das políticas de ciência e tecnologia, de geração de emprego 
e renda, de desenvolvimento agrário, de saúde pública, de de-
senvolvimento da indústria e do comércio, enfim, é necessário 
buscar o seu papel estratégico no marco de um projeto de desen-
volvimento sócio-econômico do estado brasileiro, o que implica 
essas interrelações, com, no mínimo, as políticas setoriais acima 
mencionadas (MEC, 2007, p. 29)
b) “Entre as secretarias do próprio MEC”, a fim de forta-
lecer o princípio de integração entre o ensino médio e a edu-
cação profissional no sentido de propiciar a unidade de ações, 
evitando com isso decisões e práticas pulverizadas e fragmenta-
das. Isso requer uma articulação com a Secretaria de Educação 
Básica (SEB), a Secretaria de Educação Tecnológica (Setec), a 
Secretaria de Educação Superior (SESu). Para que a interlocução 
entre o MEC e os Estados e o Distrito Federal se concretize é 
necessário envolver outras entidades ligadas à questão, tais como 
o Conselho Nacional de Educação (CNE), os Conselhos Esta-
duais de Educação (CEEs), os Conselhos Municipais de Educa-
ção (CMEs), o Conselho Nacional de Secretários de Educação 
(Consed), a União Nacional de Dirigentes Municipais de Educa-
ção (Undime), o Conselho de Dirigentes dos Centros Federais de 
Educação Tecnológica (Concefet), o Conselho de Diretores das 
Escolas Agrotécnicas Federais (Coneaf ) e o Conselho dos Diri-
gentes das Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais 
(Condetuf ).
171
c) “Entre o MEC e as instituições públicas de educação su-
perior – principalmente as que integram a Rede Federal de Edu-
cação Tecnológica, os sistemas estaduais e os sistemas municipais 
de ensino”. Cabe ressaltar o importante papel das universidades 
públicas federais, estaduais e municipais no tocante aos processos 
de formação inicial e continuada de docentes, técnicos adminis-
trativos e equipes dirigentes, bem como assessorias específicas.
Além da intervenção, é oportuno salientar a importância 
da articulação e da interação para a implementação dos proje-
tos pedagógicos do ensino médio integrado como uma política 
pública. Essas ações de interação e articulação materializam-se 
entre os diferentes entes que recebem financiamento público, a 
fim de consolidar a política de educação em foco. Esta questão 
nos remete à ideia de compartilhamento de responsabilidade e 
encargos educacionais, pilares do regime de colaboração entre os 
entes federados, nos termos da Constituição Federal de 1988, art. 
211, e da LDB, Lei nº. 9.394/96, art. 8, que dispõem: “A União, 
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em 
regime de colaboração os seus sistemas de ensino”.
A efetivação desse regime pode ocorrer por intermédio de 
diferentes instrumentos: convênios, acordos, termos de coopera-
ção, planos, projetos, entre outros, além de uma legislação com-
plementar. Vale salientar que o citado regime deve fortalecer o 
princípio da colaboração, evitando a concorrência entre os entes 
federados. Para que isso ocorra, é necessário garantir algumas 
condições, tais como:
- Clareza das regras institucionais que estimulem as práticas 
cooperativas;
- Confiabilidade dos dados e informações sobre a realidade 
escolar do país;
172
- Democratização das relações intergovernamentais e des-
concentração do poder decisório nas esferas estaduais;
- Ampliação dos espaços oficiais de coordenação, negocia-
ção e deliberação conjunta entre os entes federados;
- Ampliação das vagas no ensino médio integrado;
- Revisão, reformulação ou elaboração de diretrizes curricu-
lares do ensino médio e profissional;
- Formação de profissionais para atuar nesse nível de ensino, 
principalmente na formação docente;
- Prestação de assessoria técnica às secretarias estaduais de 
educação;
- Organização, realização e avaliação de encontros e semi-
nários nacionais para apresentar e discutir a política pública de 
ensino médio integrado enfatizando suas bases legais, marcos 
teóricos, princípios, fundamentos e concepções, bem como os 
pressupostos teórico-metodológicos e operacionais dos projetos 
político-pedagógicos para o ensino médio integrado;
- Fomento e financiamento de pesquisas;
- Realização de melhorias nas estruturas físicas e pedagógi-
cas das escolas de ensino médio integradas;
- Garantia de recursos financeiros para a efetivação do ensi-
no médio integrado; 
- Elaboração e implementação do plano de desenvolvimen-
to, monitoramento e avaliação.
Para viabilizar as condições propostas e, consequentemente, 
o regime de colaboração, o MEC vem implementando progra-
mas e ações que objetivam a otimização de recursos e, ao mesmo 
tempo, a democratização e a melhoria da qualidade da educação 
oferecida. A Figura 1, a seguir, ilustra as ações do nível macro.
173
Figura 1. Intervenção e interação no nível macro do processo de 
implementação do ensino médio integrado
no nível meso ou intermediário: a ação estadual
O nível meso ou intermediário envolve também ações de 
intervenção e ações de articulação e integração abrangendo os en-
tes federados e as respectivas microrregiões. Nesse nível, as ações 
a serem desencadeadas ocorrem entre diferentes esferas públicas.
d) “Em cada Estado, entre o respectivo sistema estadual e os 
sistemas municipais de educação com tratamento análogo ao Dis-
trito Federal”. Nesse sentido, algumas iniciativas governamentais 
devem ser tomadas no âmbito do Estado para que as ações de 
intervenção ocorram de forma articulada e integrada. Tambémno plano meso ou intermediário o regime de colaboração concre-
tiza-se por meio de uma atuação colaborativa entre a rede federal 
de educação profissional e tecnológica, as universidades públicas 
e os sistemas estaduais e municipais de educação.
Para a efetivação da política pública de implementação do 
ensino médio integrado compete à Secretaria estadual de Educa-
ção constituir e qualificar a equipe técnica responsável pelo seu 
desenvolvimento e sua avaliação. Isso implica em:
174
- Realização de encontros e seminários internos para discus-
são das bases legais e marcos teóricos do processo de integração;
- Organização, realização e avaliação de encontros estaduais 
e regionais, seminários regionais, oficinas pedagógicas, palestras, 
trabalho de grupo para apresentar e discutir a política estadual 
de ensino médio integrado, enfatizando suas bases legais, marcos 
teóricos, princípios, fundamentos e concepções, bem como os 
pressupostos teórico-metodológicos e operacionais dos projetos 
político-pedagógicos nas escolas que vão implementar o ensino 
médio integrado;
- Projeção das necessidades de profissionais de acordo com 
a demanda apresentada pelos setores econômicos e produtivos;
- Utilização das informações sobre os Arranjos Produtivos 
Locais e Regionais (APLRs) obtidos, para definir os cursos com 
base na vocação das microrregiões e dos municípios;
- Definição da oferta de cursos de ensino médio integrado, 
de acordo com as condições objetivas proporcionadas pelas se-
cretarias de estado, considerando os recursos financeiros, pessoal 
(docentes, técnicos-administrativos e gestores), a estrutura física 
das escolas (ampliação, reforma, adequação, construção e manu-
tenção), a existência de materiais pedagógicos, equipamentos e 
laboratórios etc;
- Identificação das necessidades de profissionais qualificados 
para o exercício da docência nos cursos que serão propostos;
- Elaboração de instrumental de operacionalização e plano 
de trabalho;
- Constituição das equipes técnicas das microrregiões do 
estado, ou seja, superintendências regionais, delegacias e coorde-
nadorias de ensino, de acordo com a terminologia utilizada pelo 
ente federado;
175
- Leitura, análise e discussão dos projetos político-pedagógi-
cos com as equipes que os sistematizaram fazendo sugestões para 
sua implementação;
- Devolução dos projetos lidos e analisados para as escolas;
- Socialização das discussões sobre os projetos político-peda-
gógicos, propiciando a continuidade das reflexões em consonân-
cia com as propostas das redes de ensino;
- Organização de proposta de formação continuada centra-
da na escola;
- Assessoramento pedagógico e técnico-administrativo com 
o objetivo de aumentar a capacidade dos responsáveis pela im-
plementação do projeto político-pedagógico do ensino médio 
integrado;
- Elaboração e implementação de plano de desenvolvimen-
to, monitoramento e avaliação;
- Revisão, reformulação ou elaboração das diretrizes curricu-
lares do ensino médio e profissional;
- Outras atividades que serão desencadeadas a partir da pro-
blemática apresentada.
Não podemos prescindir da ação das instâncias intermediá-
rias dos estados, ou seja, o papel importante desempenhado pelas 
superintendências regionais, delegacias e coordenadorias de ensi-
no favorecendo a aproximação do nível meso de intervenção até 
chegar às bases da escola.
A intervenção e a integração, no campo das microrregiões, 
precisam ser aperfeiçoadas com vista à concretização do ensino 
médio integrado, por meio do regime de colaboração. Para que 
isso possa ocorrer, é fundamental que as ações desencadeadas pela 
Secretaria de Estado mantenham uma relação colaborativa com 
176
as suas instâncias regionais. Assim sendo, as responsabilidades das 
instâncias regionais envolvem diferentes atividades, quais sejam:
- Constituição das equipes técnicas das microrregiões do 
estado, ou seja, superintendências regionais, delegacias e coorde-
nadorias de ensino, de acordo com a terminologia utilizada pelo 
ente federado;
- Organização, realização e avaliação de encontros, seminá-
rios regionais, oficinas pedagógicas, palestras, trabalho de grupo 
para apresentar e discutir a política estadual de ensino médio inte-
grado, enfatizando suas bases legais, marcos teóricos, princípios, 
fundamentos e concepções, bem como os pressupostos teórico-
metodológicos e operacionais dos projetos político-pedagógicos 
nas escolas que vão implementar o ensino médio integrado;
- Prestação de assessorias às escolas de ensino médio integra-
do, quando solicitada;
- Análise da projeção das necessidades de profissionais de 
acordo com a demanda apresentada pelos setores econômicos e 
produtivos;
- Análise das informações sobre os Arranjos Produtivos Lo-
cais e Regionais (APLRs) obtidos, para definir os cursos com base 
na vocação das microrregiões e dos municípios;
- Caracterização da oferta de cursos de ensino médio in-
tegrado, de acordo com as condições objetivas proporcionadas 
pelas secretarias de estaduais de educação, considerando os re-
cursos financeiros, pessoal (docentes, técnicos-administrativos 
e gestores), a estrutura física das escolas (ampliação, reforma, 
adequação, construção e manutenção), a existência de materiais 
pedagógicos, equipamentos e laboratórios etc, tendo em vista a 
elaboração, implementação e avaliação do projeto político-peda-
gógico integrado;
177
- Identificação das necessidades de profissionais qualificados 
para o exercício da docência nos cursos que serão propostos e 
elaboração de projetos de cursos de formação continuada para os 
envolvidos com o projeto de implantação;
- Elaboração de instrumental de operacionalização do plano 
de implementação do projeto político-pedagógico;
- Elaboração e implementação do plano de desenvolvimen-
to, monitoramento e avaliação;
- Realização de encontros com as escolas selecionadas para a 
implantação do ensino médio integrado e estudos para a discus-
são das bases legais e marcos teóricos do projeto político-pedagó-
gico integrado;
- Outras atividades que serão desencadeadas a partir da pro-
blemática apresentada como, por exemplo, assessoramento às es-
colas na elaboração dos projetos, encontros pedagógicos, visitas 
às escolas que solicitaram discussão acerca do seu projeto polí-
tico-pedagógico, leitura e análise dos projetos elaborados, apre-
sentando sugestões para a sua implementação na perspectiva da 
escola média integrada.
e) Em cada estado, entre o respectivo sistema estadual e os 
órgãos ou entidades responsáveis pelas políticas setoriais afins no 
âmbito setorial e dos municípios. Nesse sentido, vale citar a Se-
cretaria do Trabalho, Secretaria de Ciência e Tecnologia, Secreta-
ria da Agricultura, Secretaria da Saúde e a Secretaria da Indústria 
e Comércio, envolvendo ainda outras entidades, tais como Con-
selho Estadual de Educação, Conselho Municipal de Educação, 
Secretaria de Educação Municipal, Institutos Federais de Educa-
ção Tecnológica, universidades públicas etc. A Figura 2, a seguir, 
sintetiza as ações do nível meso.
178
Figura 2. Intervenção e interação no nível meso do processo de 
implementação do ensino médio integrado
no nível micro: local de concretização do projeto polí-
tico-pedagógico
Por fim, o nível micro, que atinge a unidade escolar, consi-
derado tempo-espaço de elaboração, de concretização e de avalia-
ção do projeto político-pedagógico integrado. Como espaço cole-
tivo, a escola precisa ampliar o debate com a comunidade escolar, 
de forma a aprofundar a discussão para encontrar alternativas em 
termos de melhorias para o trabalho pedagógico. Nesse sentido, 
diante da perspectiva de implementação de um projeto pedagó-
gico integrado que tenha como fim a formação humana e a pos-
sibilidade de fazer uma escola integrada que,verdadeiramente, 
eduque a todos que a ela tenham acesso, é preciso construir uma 
sistemática de acompanhamento que supere a tarefa individua-
lizada e solitária dos agentes envolvidos no processo educativo.
Para assumir esse compromisso, o caminho a ser percor-
rido pela escola deve pautar-se na concepção de planejamento 
participativo como uma estratégia de trabalho “que se caracte-
179
riza pela integração de todos os setores da atividade humana so-
cial, num processo global para solução de problemas comuns” 
(VIANNA, 1986, p. 23). Significa, portanto, que é um processo 
político vinculado à decisão da maioria. A sua finalidade é obter 
uma participação colaborativa e consciente das maiorias a favor 
da implementação do projeto político-pedagógico do ensino mé-
dio integrado. Para tanto, a escola deve trilhar um caminho com 
diferentes movimentos.
Primeiro movimento: formação de uma equipe interdis-
ciplinar constituída de representantes, tanto da formação geral 
quanto da formação profissional, técnicos administrativos, re-
presentantes estudantis e pedagogos para mobilizar os segmen-
tos da escola, realizar encontros, oficinas pedagógicas, palestras, 
seminários, trabalhos de grupo, assembleias, audiências públicas, 
assessorias pedagógicas, para discutir a política estadual de ensino 
médio integrado, analisando suas bases teóricas, seus princípios, 
fundamentos, concepções de currículo integrado, de metodolo-
gia e de avaliação, e demais aspectos didático-pedagógicos.
Nessa perspectiva, Lopes (2007, p. 132), ao analisar uma 
experiência de projeto pedagógico na escola de educação profis-
sional, afirma que a diretoria de ensino, para cumprir a determi-
nação legal, constituiu uma comissão multidisciplinar [...] “en-
volvendo professores, pedagogos e técnicos-administrativos com 
a intenção de mobilizar os segmentos da escola na proposta de 
elaboração do documento”.
Segundo movimento: caracterização da escola do ponto de 
vista legal, histórico, administrativo, pedagógico e cultural. A 
análise e a compreensão das características da escola podem ser 
norteadas por algumas indagações, tais como:
180
- Como compreendemos a sociedade atual?
- Como se caracteriza o contexto social em que a escola de 
ensino médio integrada deverá atuar?
- Qual a função social da escola no sentido de atender à 
tríplice intencionalidade da educação brasileira: desenvolvimento 
integral da pessoa; preparo para o exercício da cidadania e quali-
ficação para o trabalho?
- A quem ela serve?
- Que tipo de clientela ela atende?
- Qual é o seu perfil socioeconômico, cultural e educacional? 
- Que experiências ela propicia aos seus alunos?
- Qual é a projeção das necessidades profissionais de acordo 
com a demanda apresentada pelos setores econômicos e produ-
tivos?
- Quais são as condições da escola, do ponto de vista de 
recursos financeiros, pessoal, estrutura física, necessárias à elabo-
ração, à implementação e à avaliação do projeto político-pedagó-
gico integrado?
- Qual é o plano de formação continuada que a escola pro-
porciona aos seus docentes, técnicos e gestores?
- O que significa ser uma escola voltada para o ensino médio 
integrado?
181
- Quais são os índices de aprovação, reprovação e evasão de 
alunos e quais as providências pedagógicas assumidas pela escola 
a fim de reduzir as fragilidades encontradas?
As respostas dadas a essas indagações e a outras que a escola 
deverá levantar, de acordo com a sua realidade, possibilitam vi-
sualizar os pontos positivos e as fragilidades da escola, necessários 
ao processo de tomada de decisões. Vale destacar a experiência 
vivida em uma escola de educação profissional em que a con-
sulta à comunidade escolar relativa ao diagnóstico dessa escola 
considera as questões pedagógicas, filosóficas sobre a escola. Para 
incentivar e consolidar o processo de discussão institucional mais 
amplo há a necessidade de se estabelecer momentos adequados, 
tais como assembleias, reuniões coletivas, reuniões por grupos te-
máticos, oficinas pedagógicas, buscando sempre alternativas para 
minimizar as fragilidades e reorientar o trabalho. Como afirma 
Veiga (2004, p. 51), “o esforço analítico da realidade constatada, 
possibilitará a identificação de quais finalidades estão relegadas 
e precisam ser reforçadas e priorizadas, e como elas poderão ser 
detalhadas e retrabalhadas”.
Terceiro movimento: organização de subcomissões para en-
volver o maior número possível de professores, alunos e técnicos 
administrativos para o estudo da situação diagnosticada a fim de 
problematizá-la e compreendê-la.
Esse momento significa ir além da percepção imediata, ou 
seja, significa desnudar os conflitos e as contradições encontradas. 
É o desvelamento da realidade sócio-política, econômica, educa-
cional e ocupacional. A escola tem que pensar o que pretende do 
ponto de vista político e pedagógico.
182
É importante citar as ações vivenciadas e analisadas por Lo-
pes (2007) nesse momento de construção do projeto político-pe-
dagógico:
- Lançamento de um “Caderno Pedagógico” para subsidiar 
os estudos teóricos e conceituais em torno dos seguintes eixos: 
currículo, interdisciplinaridade, metodologia de ensino, processo 
de avaliação e fundamentos do projeto político-pedagógico;
- Organização de seminários, estudos semanais, oficinas 
pedagógicas, palestras, mesas redondas, jornadas pedagógicas, 
assembleias, intercâmbios com outras instituições, parada peda-
gógica etc;
- Contratação de assessoria especializada para aprofunda-
mento sobre a temática;
- Organização de subcomissões para envolver o maior nú-
mero possível de profissionais, para que o processo se constitua 
em uma proposta coletiva.
A partir dessas reflexões provenientes das atividades reali-
zadas, a comunidade escolar deve ser incentivada e desafiada a 
refletir sobre a visão da sociedade atual, a concepção de homem, 
o papel da educação frente à nova conjuntura tecnológica e glo-
balizada, e sobre a missão da instituição na formação do traba-
lhador-aluno.
Lopes (2007, p. 143) nos alerta: [...] “todo o material pro-
duzido nas etapas anteriores constituiu-se importante fonte de 
dados para se construir a proposta pretendida para esse centro. 
Foi possível garimpar textos significativos, representativos das re-
sistências e dos avanços assumidos pelo grupo”.
183
A realidade escolar vista por esta ótica exige ressaltar a im-
portância da prática cotidiana dos sujeitos envolvidos no proces-
so de desenvolvimento, construção, implementação e avaliação 
do projeto político-pedagógico. Ao se assumir esta concepção, 
assume-se uma visão não fragmentada da realidade, mas de sua 
totalidade, porque envolve visões diferenciadas sobre ela, sem 
hierarquizá-las.
Quarto movimento: elaboração do documento, projeto 
político-pedagógico, a partir dos dados coletados, analisados e 
compreendidos à luz da teoria pedagógica crítico-reflexiva, coor-
denado pela comissão responsável. Nesse momento, é preciso en-
tender que o projeto é caracterizado por uma ação consciente e 
organizada que questiona o presente, insatisfeito com a situação 
vigente, tornando-se referencial crítico para analisar e compreen-
der o contexto atual. Desse modo, o envolvimento de todos na 
elaboração do projeto político-pedagógico desencadeia uma refle-
xão coletiva, promovendo a adoção de uma prática educativa, na 
medida em que reflete, individual e coletivamente, sobre ela. Isso 
significa reafirmar que é preciso praticar constantemente o exercí-
cio da participação em suas dimensões: administrativa, financeira 
e pedagógica, mantendo o diálogo com todos os envolvidos e 
não apenas com os que pensam e agem como nós. O caminho a 
percorrer envolve uma série de ações:
- Reuniões técnicas, oficinas pedagógicas para discussão e 
registro de opçõesteóricas, definição do perfil do aluno, delimi-
tação dos objetivos, competências e habilidades, especificação dos 
conteúdos programáticos das diferentes disciplinas, delimitação 
da metodologia, organização da sistemática de avaliação;
- Elaboração de sistemática de acompanhamento de egressos;
184
- Elaboração de diretrizes para avaliação de desempenho do 
pessoal, docente e não docente, do currículo, dos projetos não 
curriculares e do próprio projeto político-pedagógico da escola;
- Produção e discussão de textos;
- Plenária para apresentação dos textos produzidos sob a 
orientação da comissão coordenadora;
- Reuniões técnicas com os professores distribuídos por 
áreas, a fim de discutirem as ementas, os programas e a bibliogra-
fia básica das disciplinas;
- Orientação dos trabalhos de elaboração dos planos de cur-
so, através de consultorias técnicas específicas;
- Organização, com cada grupo, de cronograma de realiza-
ção de oficinas para elaboração dos planos de curso;
- Sintonia do ciclo de formação do aluno com o ciclo de 
formação local;
- Revisão do regimento escolar, redimensionamento da reor-
ganização do trabalho pedagógico;
- Delimitação das ações prioritárias;
- Definição do papel específico de cada segmento da comu-
nidade escolar com a reorganização das instâncias coletivas da es-
cola, conselho escolar, associação de pais e mestres, representação 
estudantil e conselho de classe;
- Elaboração do calendário escolar, horários letivos e não 
letivos, incluindo os períodos de formação de pessoal;
185
- Levantamento de necessidades e organização de formação 
inicial e continuada dos diferentes profissionais que trabalham 
na escola;
- Estabelecimento de critérios para organização e utilização 
dos espaços educativos: internos e externos da própria escola;
- Estabelecimento de critérios para organização das turmas 
por professor, em virtude da especificidade das situações diversifi-
cadas inerentes à própria estrutura curricular dos cursos de ensino 
médio integrado desenvolvidos pela escola;
- Articulação das atividades pedagógicas e administrativas, 
no processo de gestão.
O projeto político-pedagógico concebido, implementado e 
avaliado na escola fundamenta-se na perspectiva da formação in-
tegral do aluno. Ele privilegia a organização curricular integrada, 
redimensionando o tempo, o espaço, os conteúdos, a metodolo-
gia e a avaliação, possibilitando a interdisciplinaridade e a glo-
balização entre os componentes curriculares. Ele está assentado 
nos eixos da qualidade do ensino, da democratização do acesso 
e permanência e na gestão democrática. Defende um processo 
avaliativo pautado na visão formativa, comprometido com a crí-
tica à ação educativa, à interpretação das dificuldades ocorridas 
no processo de implementação do projeto político-pedagógico, 
preocupado em apresentar alternativas para sanar as dificuldades 
e desvios. A Figura 3, a seguir, ilustra a ação da escola.
 
186
Figura 3. Intervenção e interação no nível micro do processo de 
implementação do ensino médio integrado
a título de Síntese
O sucesso do plano de desenvolvimento e acompanhamen-
to do projeto político-pedagógico junto aos sistemas integrados 
depende da existência de mecanismos de implementação, mo-
nitoramento e avaliação dos projetos instalados desde o início 
da sua execução. Compete aos poderes central e estadual da es-
fera administrativa educacional a responsabilidade de orientar 
e acompanhar a implementação de programas. A participação 
constitui um objetivo e uma condição para o sucesso da descen-
tralização que deve ser colocada à disposição dos diferentes níveis 
de decisão.
Além de considerar os diferentes níveis de decisão, o pla-
no de implementação é orientado pela importância do processo 
de consulta e participação, de gestão democrática e de decisão 
a respeito dos objetivos delineados. Assim, a implementação do 
projeto político-pedagógico junto aos sistemas integrados ao Pro-
grama Brasil Profissionalizado exige proposta de organização e 
gestão que leve em consideração, por um lado, os denominadores 
187
comuns dos programas educacionais e, por outro, o foco naquilo 
que cada um tem de especificidade. E é a partir dessas especifici-
dades que podem ser construídos planos para a implementação 
do projeto político-pedagógico integrado.
Por fim, vale salientar a importância do regime de colabora-
ção nos diferentes níveis da esfera administrativa, a fim de gerar 
uma rede de compartilhamento de colaboração e de democra-
tização das relações intergovernamentais, e também na descon-
centração do poder decisório. Isso pode vir a exigir mudanças na 
própria lógica da organização das instâncias superiores, implican-
do uma alteração substancial na sua prática e ampliando, dessa 
forma, a concepção de gestão democrática.
188
Referências 
BRASIL. MEC/SETEC. Educação profissional técnica de nível médio 
integrada ao ensino médio. Brasília, 2007. (mimeo)
______. Decreto federal n. 2.208, que regulamenta a educação profis-
sional. Brasília, 1997.
______. MEC. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n. 9.394, 
de 20 de dezembro de 1996.
______. Constituição da república federativa do Brasil. Brasília, 1988.
______. Decreto federal n. 5.154, que regulamenta a educação profis-
sional.Brasília, 2004.
CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como lu-
gares de memória e identidade. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, 
Maria; RAMOS, Marisa (Orgs.). Ensino médio integrado: concepção e 
contradições. São Paulo: Cortez, 2005.
KOSIK, H. J. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
LOPES, M. V. de M. Educação e prática social: um estudo a partir da (re)
construção do projeto político-pedagógico de uma instituição de educação 
profissional. 2007. Tese (Doutorado)-Universidade Federal da Bahia, Sal-
vador, 2007.
MACHADO, L. Ensino médio e ensino técnico com currículos integra-
dos: propostas de ação didática para uma relação não fantasiosa. In: Ensino 
médio integrado à educação profissional: integrar para quê?/Secretaria da 
Educação Básica. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação 
Básica, 2006.
RAMOS, M. Possibilidades e desafios na organização do currículo integra-
189
do. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marisa 
(Orgs.). Ensino médio integrado: concepção e contradições. São Paulo: 
Cortez, 2005.
VEIGA, I. P. A. Educação básica: projeto político pedagógico; educação 
superior: projeto político-pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2004.
VIANNA, I. O. de A. Planejamento participativo na escola: um desafio 
ao educador. São Paulo: EPU, 1986.
190
O ProJovem e a educação na sociedade 
contemporânea
Ruth de Paula
Betânia Moraes
Frederico Costa
Introdução
Neste artigo buscamos discutir à luz da ontologia marxiano
-lukacsiana, as implicações dos fundamentos teóricos que orien-
tam a educação e a formação humana sob a regência do capital 
em tempos de crise estrutural. Diante do irracionalismo assente 
na pós-modernidade, tais teorias secundarizam o papel do pro-
fessor, dando ao aluno a tarefa de construir por si mesmo seu co-
nhecimento. Destacamos, para tanto, as “pedagogias do aprender 
a aprender” que presas ao imediatismo, põem em relevo a prática 
em uma relação inadequada com a teoria, o que contribui para o 
esvaziamento do conteúdo, distanciando o homem de uma cor-
reta relação entre objetividade e subjetividade, mascarando o real 
em seu movimento. 
Dentre os exemplos aqui abordados, trazemos dados de 
programas oficiais destinados à inclusão de jovens oriundos da 
classe trabalhadora, os quais enfrentam desde o início de sua vida 
escolar um percurso atípico de escolarização. Além disso, busca-
mos assinalar que sob os ditames dos organismos internacionais,as diretrizes da educação sob o lema do “aprender a aprender” 
contribuem para a negação do conhecimento historicamente 
acumulado pela humanidade. Desse modo, a educação dos jo-
vens defendida por programas oficiais destinados à formação de 
jovens, a exemplo do ProJovem, sofre com os limites das políticas 
191
públicas voltadas para a juventude e segue alargando o fosso entre 
espécie e gênero humano, firmando compromisso com a repro-
dução do capital.
Ao nos debruçarmos sobre a questão da formação huma-
na integral, atentamos para a ontologia marxiana, uma vez que 
Marx propõe uma articulação entre objetividade e subjetividade, 
interiorização e exteriorização, materialidade e espiritualidade, 
não pela sobreposição de um processo sobre outro, mas através 
da determinação recíproca entre eles. A articulação correta, ab-
solutamente nova entre sujeito e objeto na perspectiva da forma-
ção humana, como afirma Tonet (2007), é defendida por Marx, 
rompendo com todas as outras concepções devedoras do caráter 
integral da formação do homem e do trabalho como protoforma 
da atividade humana.
Através da relação homem/natureza, baseada em uma deter-
minação recíproca, via trabalho, é que se constitui a práxis. Com 
efeito, o homem se hominiza e se humaniza ao exteriorizar-se/
objetivar-se no que produz. Isso implica na formação de sua sub-
jetividade. A concepção de formação humana tem variado tanto 
histórica, quanto socialmente, uma vez que, como explica Marx 
(1985), dentro de condições objetivas, os próprios homens cons-
troem a sua história.
Tonet (2007) chama atenção para o movimento do real, no 
qual a processualidade humana se define, retomando a palavra 
grega “paideia”, que se destinava na Grécia antiga, àquilo que era 
considerado especificamente da natureza humana – o espírito e 
a vida política. Com efeito, como assevera o autor, aqueles que 
realizavam serviços, atividades manuais produtoras de riquezas, 
não tinham o privilégio dessa formação, não mereciam ser inte-
gralmente formados. 
192
Outras concepções de formação humana que propunham 
atender o homem em sua totalidade, tais como a humanitas ro-
mana, o humanismo renascentista e a bildung alemã, ainda dei-
xam entrever a unilateralidade dessa formação, dando privilégio 
ao espírito. Embora denotem momentos bastante propícios para 
a elevação da trajetória histórica do homem, em todas essas con-
cepções o trabalho era deixado à margem. A espiritualidade con-
tinuava a ser privilégio de poucos, daqueles que tinham tempo 
para se dedicar integralmente a atividades dessa natureza.
Com efeito, a inversão na relação entre trabalho e educação, 
é instaurada pelo capital, uma vez que sob esse modo de produ-
ção, o trabalho (considerado a atividade principal) não constitui a 
atividade pela qual o homem se exterioriza/interioriza via práxis, 
mas, como reconhece Tonet (2007) – apoiando-se em Marx –, 
é um simples meio de produzir mercadorias e, especialmente, a 
mercadoria das mercadorias que é o dinheiro. Nesse sentido, a 
subordinação do trabalho ao capital limita as possibilidades do 
homem de desenvolver plenamente suas potencialidades nas esfe-
ras do agir, pensar e sentir.
O capital em crise estrutural tem acarretado enormes pre-
juízos à formação humana, uma vez que, de maneira agudiza-
da, ainda mais desumana do que nas suas crises cíclicas, atinge 
todos os complexos sociais, forçosamente tentando driblar uma 
situação desesperadora para seu sistema metabólico. Alicerçada 
pela própria lógica da sociabilidade capitalista e consubstanciada 
na relação antagônica entre capital e trabalho, a crise – que ora 
atravessa a sociabilidade do capital – desfere contundentes golpes 
na classe trabalhadora, muitas vezes falseados por promessas e ilu-
sões de humanização.
193
Como um dos complexos sociais que medeiam a relação 
subjetividade-objetividade via trabalho, a educação, tão cara à 
formação humana integral, vem sofrendo rupturas em seu caráter 
público, sendo transformada em mercadoria. Vale ressaltar que os 
mesmos organismos internacionais que preconizam a erradicação 
da pobreza extrema também norteiam as diretrizes educacionais 
para a educação do milênio. 
Jimenez e Mendes Segundo (2007, p. 120) reconhecem 
que a educação “[...] além de constituir-se objeto de uma meta 
específica é realçada como instrumento de alcance das demais 
metas, também nomeadas como Objetivos de Desenvolvimento 
do Milênio.” Tais diretrizes estão registradas na “Declaração do 
Milênio”, documento aprovado por parte de 147 chefes de Es-
tado ou governo, junto a 189 estados membros da Organização 
das Nações Unidas (ONU). Segundo as autoras, é clara a relação 
entre educação e combate à pobreza; no entanto, como elas cha-
mam atenção, para a ONU erradicar a pobreza extrema significa 
reduzir pela metade o número de pessoas que sobrevivem com 
menos de um dólar americano por dia.
A ontologia marxiana reconhece que os seres humanos são 
parte da natureza, devendo realizar suas necessidades elementares 
por meio de constante intercâmbio com a própria natureza. Nesse 
sentido, os seres humanos pelo próprio modo como são consti-
tuídos não podem sobreviver como indivíduos da espécie a qual 
pertencem, sendo necessárias mediações de primeira ordem com a 
natureza, dadas pela ontologia singularmente humana do trabalho 
pelo qual a autoprodução e a reprodução societal se desenvolvem.
No entanto, mediações de segunda ordem advindas da di-
visão social hierárquica que subsume o trabalho ao capital vêm 
194
cada vez mais fragmentando o trabalhador e suas funções pro-
dutivas. As distorções da relação entre educação e formação hu-
mana em vínculo estreito com esse modo de sociabilidade, nos 
remetem à noção de atividade principal, defendida por Leontiev 
(1978). Tal atividade direciona todas as demais, sendo que em 
cada fase do desenvolvimento do psiquismo humano, há uma ati-
vidade principal correspondente. A escolarização como atividade 
que direciona as demais, em uma fase do desenvolvimento do 
psiquismo caracteriza, portanto, o status de escolar, preparatório 
para as especializações do conhecimento e das relações humanas 
que atendem ao mundo do trabalho. 
Contraditoriamente, a educação para a cidadania, defendida 
pelo Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), como 
política pública nacional para a juventude, segue uma concepção 
diametralmente oposta à de formação humana integral, tal como 
defende Tonet (2007). Ao refletirmos sobre as bases nas quais re-
pousam as diretrizes da educação proposta pelo ProJovem, como 
projeto do governo federal, observamos que o conhecimento se 
dá de forma aligeirada, pragmática e utilitária, tendo em vista que 
o período de formação de jovens no programa corresponde a par-
cos 18 meses, impossibilitando que os jovens possam se apropriar 
do patrimônio cultural construído durante o percurso da história 
da humanidade. 
As concepções de formação integral e trabalho que perpas-
sam as diretrizes do ProJovem reforçam a ideia de que o trabalho 
é a atividade principal dessa formação. No entanto, trata-se de 
um trabalho que não potencializa a atividade do homem e de 
uma formação que se dá de maneira aligeirada e fragmentada. 
Assim, evidencia-se que as formas de organização do trabalho 
e da produção na forma social-capital exploram o trabalhador, 
195
priorizando assim, a acumulação de capital em detrimento da 
satisfação das necessidades humanas.
Conforme apontam Fernandes e Marinho (2008, p. 122) 
com relação ao trabalho pedagógico no ProJovem:
O foco dessas atividades curriculares deve ser a cultura dos jo-
vens, na sua multiplicidade/pluralidade, mas associada à ele-
vação da escolaridade, qualificação para o trabalho e formação 
de cidadania. O ponto de partida deve ser sempre os conhe-
cimentos prévios desses jovens,e as estratégias mais concretas 
possíveis, mas o objetivo último é a elevação dos conhecimentos 
a níveis mais abstratos de apreensão da realidade. O contrário 
disso é a manutenção do ensino de qualidade meramente ins-
trumental para esses jovens (grifos nossos).
Sem defender uma formação visando o humano em sua in-
teireza e a apreensão do real, pautada na relação entre objetivida-
de e subjetividade e mediada pela reflexão consciente, o ProJovem 
limita-se a um plano de educação realizado de forma meteórica, 
reforçando elementos presentes na estrutura da cotidianidade, 
como pragmatismo, imediatismo e utilitarismo. Assinalamos que 
a formação integral deve contemplar elementos da vida cotidia-
na, no entanto, para que o homem possa vir a tornar-se homem 
do homem, é fundamental que as objetivações humano-genéri-
cas, ou seja, da vida não-cotidiana, sejam elementos basilares do 
processo educativo.
Nesse sentido, depreende-se que a relação entre educação e 
formação humana que orienta o ProJovem, longe de se articular 
à perspectiva da emancipação humana, orientada pela práxis, 
encontra esteio em teorias hegemônicas, a exemplo das chama-
das pedagogias do aprender a aprender. Desse modo, sob a re-
196
gência do subjetivismo, do pragmatismo e do economicismo, a 
educação cidadã presente nesse programa de formação de jovens 
se insurge como horizonte último da formação humana integral.
A proposta do ProJovem surge nos órgãos oficiais como um 
avanço nas políticas públicas de atendimento ao segmento juve-
nil mais vulnerável e menos contemplado pelas políticas públicas 
então vigentes, jovens que não concluíram o ensino fundamental 
e sem vínculos formais de trabalho. No entanto, o programa em 
seus eixos norteadores para uma educação integral, demonstra 
fragilidade no que se refere a uma perspectiva real do devir huma-
no. Os princípios do programa estão muito bem articulados no 
contexto do Movimento de Educação para Todos que por sua vez 
está comprometido com os objetivos propostos pelos organismos 
internacionais a serem alcançados até 2015. Conforme Jimenez e 
Mendes Segundo (2007, p. 128): 
[...] movendo-se pela preocupação com o fato de não terem, 
até o momento, alcançado as metas constantes nos documentos 
precedentes, urge que os diferentes países prossigam atribuindo 
à educação papel prioritário em suas agendas de desenvolvimen-
to, redobrando esforços na prestação de serviços educacionais 
de qualidade e buscando métodos eficazes no combate ao anal-
fabetismo, com vistas a assegurar a equidade entre os países e 
dentro deles.
Para Duarte (2001), a educação escolar é mediadora entre o 
cotidiano e não cotidiano. Ocorre que a processualidade huma-
na transita no terreno de relações sociais de dominação de uma 
classe sobre outra. Nesse sentido, questionamos: que formação 
humana estamos construindo, sobre que bases teóricas e para que 
tipo de sujeitos? Qual a repercussão de tais bases teóricas na aná-
lise e intervenção no/do real?
197
em debate os chamados “novos paradigmas”
Já no início do século XXI, o escolanovismo ao sobrepor 
a discussão técnico-pedagógica à preocupação com a discussão 
política, põe em alto relevo o lema do “aprender a aprender”, 
ideário que recebe contribuição direta de John Dewey (1859-
1952). Tal lema presente nos estudos de Piaget é revisitado tanto 
por Perrenoud, ao formular os fundamentos sobre o estudo das 
competências, quanto por Donald Schön, em seus estudos so-
bre o professor reflexivo. Desse modo, o lema learning by doing/ 
learning to learning vem se mantendo presente nos documentos 
oficiais contemporâneos, os quais são referências mundiais para a 
educação do milênio.
O relatório da comissão internacional da Organização das 
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNES-
CO), conhecido como relatório Jacques Delors, norteia os Pa-
râmetros Curriculares Nacionais, destacando quatro pilares do 
conhecimento, quais sejam: aprender a conhecer, aprender a fa-
zer, aprender a viver e aprender a ser. Duarte (2001) analisa com 
propriedade o ideário das pedagogias do aprender a aprender, 
evidenciando um conjunto de teorias, dentre as quais destacamos 
a pedagogia das competências, o construtivismo e os estudos que 
consubstanciam a linha teórica sobre “professor reflexivo”.
Como assevera Facci (2004, p. 87), o construtivismo cons-
titui “[...] a maior corrente propulsora da difusão das ideias de 
Piaget no Brasil.” Recebida com entusiasmo por parte dos pro-
fessores brasileiros, as ideias piagetianas eram colocadas como 
inovadoras, no sentido de se contraporem ao ensino tradicional, 
ao excesso de teorização, às aulas enfadonhas, à centralidade no 
professor, à concepção de aluno como objeto, com a proposta de 
198
aulas mais leves e dinâmicas através de atividades planejadas a 
fim de que o tipo de conteúdo e sua transmissão ocorressem de 
maneira significativa para o aluno. 
Após duas décadas de sua inserção no contexto de formação 
de educadores e, por conseguinte, de sua prática, o construtivis-
mo vem recebendo críticas por vezes marcadas por conflitos3 dos 
professores, pela dificuldade em admitir as falhas oriundas de tal 
arcabouço teórico que vem fundamentando sua formação e sua 
prática. As críticas também são feitas por estudiosos reconhecidos 
nacionalmente no meio acadêmico, seja na perspectiva de apenas 
complementar os princípios que norteiam o construtivismo e seu 
ideário, ou por apontar uma teoria que se contrapõe radicalmente 
ao que está posto nessa corrente, em termos de formação humana.
Compondo o conjunto de teorias do aprender a aprender, 
duas categorias aparecem no contexto da formação de professo-
res, a saber, competências e habilidades, indispensáveis ao pro-
fessor, na assim chamada “sociedade do conhecimento”. Nesse 
sentido, cabe ao trabalhador um conhecimento diversificado e 
genérico a fim de que possa se adaptar à amplitude das situações 
e tarefas exigidas. 
Facci (2004) chama atenção para outro nome associado à 
pedagogia das competências: Philippe Perrenoud. Conforme este 
autor, o conceito de competência vem sendo difundido no Brasil 
como uma capacidade de agir com a devida eficácia em determi-
nado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, no entanto, 
sem se limitar a eles. Defendendo que a formação de compe-
3 Ao discutir sobre a construção retórica e valorativa da imagem do construtivismo por 
parte dos professores, Rossler (2006) identifica um misto de amor e ódio, sendo difícil 
às vezes identificar se determinado professor, ou até mesmo autor, defende ou critica 
esse ideário.
199
tências1 depende da transformação na prática docente, uma das 
metas para que se alcance tal objetivo, é antes fazer aprender do 
que ensinar. 
Uma terceira proposição teórica vem se somar a duas aqui 
comentadas2 e consiste no ensino reflexivo que teve início na 
Inglaterra, nos anos de 1960 e nos Estados Unidos, nos anos de 
1980. Tendo base deweyana e rogeriana a formação de professo-
res nessa perspectiva tem como destaque no Brasil o nome de Do-
nald Schön e vem defender a ideia de que não podemos ensinar 
ao aluno aquilo que ele vai ter necessidade de saber, mas ajudá-lo 
a adquirir esse conhecimento. Chamamos a atenção para a articu-
lação3 com os fundamentos das teorias aqui apresentadas como 
integrantes das pedagogias do aprender a aprender. 
Ao discutir os preceitos das pedagogias do aprender a apren-
der na assim chamada “sociedade do conhecimento”, Duarte 
(2001) destaca ilusões que falseiam a contribuição que o ideário 
constituinte do conjunto dessas pedagogias presta à reprodução 
do capital, fragmentando desse modo a formação humana. Nesse 
sentido, o autor elenca quatro posicionamentos valorativos a par-
tir dos fundamentos desse conjunto teórico:
1 Jimenez, Bertoldo e Morato (2006) – em painelintitulado: “Que paradigmas educam 
o educador?: a formação docente e a crítica às pedagogias das competências”, apresentado 
no XIII ENDIPE – tratam da formação do educador no contexto da crise da sociabilidade 
contemporânea, questionando sob esse enfoque, a insurgência dos chamados “novos 
paradigmas” que contrariam a perspectiva do trabalho, reeditando o ideário do pragmatismo, 
representado por excelência pela pedagogia das competências.
2 Ver mais sobre considerações referentes ao professor reflexivo em Facci (2004).
3 Duarte (2001) faz referências a passagens de textos de Perrenoud contidas na “Revista 
Nova Escola” (2000), tentando analisar a inclusão da pedagogia das competências no 
grupo das pedagogias do aprender a aprender, juntamente com o construtivismo, a 
Escola Nova, os estudos na linha do “professor reflexivo”, entre outros. O autor busca 
estabelecer as interfaces entre esses ideários pedagógicos vistos normalmente por boa 
parte dos educadores brasileiros como ideários pertencentes a campos distintos.
200
[...] aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior, 
em termos educativos e sociais, àquilo que ele aprende através 
da transmissão por outras pessoas e 2) o método de construção 
do conhecimento é mais importante do que o conhecimento 
já produzido socialmente. O terceiro posicionamento valorativo 
contido no lema “aprender a aprender” seria o de que a ativida-
de do aluno, para ser verdadeiramente educativa, deve ser im-
pulsionada e dirigida pelos interesses e necessidades da própria 
criança. O quarto posicionamento valorativo contido no lema 
“aprender a aprender” é o de que a educação deve preparar os in-
divíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo 
de mudança (DUARTE, 2001, p. 36-38).
Fica claro, então, que o cerne das críticas mais contundentes 
às novas abordagens: pedagogia das competências (Perrenoud), 
professor reflexivo (Donald Schön, Tardiff, Edgard Morin, Cesar 
Coll) finca-se na afirmativa de que o conjunto dessas teorias for-
talece o subjetivismo, a fragmentação do sujeito, o esvaziamen-
to e a desvalorização do professor, em detrimento da articulação 
sujeito-objeto na perspectiva ontológica do ser social, tendo no 
trabalho sua categoria fundante. Desse modo, tais perspectivas se 
coadunam com a chamada sociedade do conhecimento e com as 
ilusões dissimuladas por um véu ideológico, contribuindo para a 
reprodução do capital em seu sistema metabólico.
Em meio a críticas apontadas à abordagem tradicional, as 
chamadas pedagogias do aprender a aprender vêm num golpe 
duplo, secundarizando o papel do professor, retirando do ato de 
ensinar a transmissão do conhecimento historicamente produzi-
do pela humanidade. Segundo Lima (2009, p. 97): 
No bojo desse ideário pedagógico, a aprendizagem espontânea – 
realizada de maneira “autônoma” pelo aluno – é estimulada, em 
detrimento dos processos de apropriação do conhecimento re-
201
sultantes de atividades de ensino, atribuindo-se um valor maior 
àquilo que o aluno aprende sozinho em relação às apropriações 
efetivadas a partir da transmissão por outras pessoas. Na mesma 
linha valorativa, a apropriação do conhecimento sistematizado 
perde espaço para a aquisição de métodos de construção do sa-
ber. Assim, o acesso às objetivações produzidas pela humanida-
de, imprescindível para o desenvolvimento do indivíduo como 
partícipe do gênero humano, é restrito à assimilação de métodos 
e técnicas de como aprender. O aluno comparece, nessas peda-
gogias, como um indivíduo que tem o “direito” de ser sujeito da 
sua própria aprendizagem, desde que ela não ultrapasse os bens 
definidos limites dos conhecimentos espontâneos e do senso co-
mum, produzidos na mais imediata cotidianidade.
Apesar de estudos científicos críticos encetados às promessas 
de erradicação da pobreza e do analfabetismo, as pedagogias he-
gemônicas, mesmo diante de seus resultados sofríveis no tocante 
à formação humana, continuam sendo aplicadas nacionalmente 
na escola pública, configurando um claro exemplo da educação 
a serviço do capital. Nesse sentido, o construtivismo, diante de 
um suposto desgaste, segue sendo reforçado por um time de pe-
dagogias (competências, dos projetos, do professor reflexivo e 
tantas outras), as quais se retroalimentam, uma vez que guardam 
em seu objetivo maior uma base comum: o aprender a apren-
der. Para além da utilização coletiva desse bloco de pedagogias, 
ocorre ainda, e de forma sistemática, a apropriação indébita da 
teoria vigotskiana, a qual sofre uma aproximação inóspita com 
o construtivismo, sendo divorciada dos estudos de Luria e Leon-
tiev, exemplificando um esforço em garantir a manutenção desse 
ideário na formação de educadores. Tal aproximação asseptiza a 
psicologia de Vigotski, retirando a base marxista de seus delinea-
mentos teórico-metodológicos.
202
notas conclusivas
A discussão ora apresentada permanece como ponto de des-
taque na formação de professores, primeiro por representar uma 
preocupação com a relação teoria e prática tão cara à formação 
humana integral. Com efeito, tal processo, perspectivado em 
uma articulação entre subjetividade-objetividade, mediado pela 
reflexão consciente, configura a práxis no movimento real. 
É oportuno enfatizar que a sociedade contemporânea edi-
ficada pela regência do subjetivismo, do pragmatismo e do eco-
nomicismo, engendra sobreposições de um processo sobre outro, 
visando atender aos ditames do capital, mantendo-se em dívida 
com o processo de objetivação do gênero humano. Como coro-
lário, a formação docente tem sido esvaziada nos fundamentos 
que orientam a prática de futuros profissionais, impossibilitando 
uma verdadeira apreensão do real e, por conseguinte, minando a 
realização de intervenções que de fato evidenciem ações emanci-
patórias no mundo dos homens.
Diante do exposto, endereçamos nossos esforços ao forta-
lecimento da teoria em nome de uma prática prenhe de sentido 
para, sem nunca temê-la, enfrentarmos a luta contra as artima-
nhas do capitalismo. 
203
Referências
DUARTE, Newton. As pedagogias do aprender a aprender e algumas 
ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento. Revista Brasi-
leira de Educação, n. 18, set./dez. 2001.
FACCI, Marilda Gonçalves Dias. Valorização ou esvaziamento do tra-
balho do professor: um estudo crítico-comparativo da teoria do profes-
sor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. São Paulo: 
Autores Associados, 2004.
FERNANDES, Dorgival; MARINHO, Cristiane. A formação de pro-
fessores no ProJovem Fortaleza. In: MATOS, Kelma Socorro Alves Lo-
pes; SILVA, Paulo Roberto de Sousa. Juventude e formação de profes-
sores: o ProJovem em Fortaleza. Fortaleza: Edições UFC, 2008.
JIMENEZ, Susana; BERTOLDO, Edna; MORATO, Aline N. Que pa-
radigmas educam o educador?: a formação docente e a crítica às peda-
gogias da competência. Painel. In: ENDIPE, 13., Recife, 2006. Anais..., 
Recife: UFPE, 2006.
JIMENEZ, Susana; MENDES SEGUNDO, Maria das Dores Mendes. 
Erradicar a pobreza e reproduzir o capital: notas críticas sobre as di-
retrizes para a educação do novo milênio. Cadernos de Educação, FaE/
PPGE/UFPel. Pelotas: Editora da UFPEL, ano 16, n. 28, p. 119-138, 
jan./jun. 2007. 
LEONTIEV, Alexis. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros 
Horizonte. 1978.
LIMA, Marteana Ferreira. Das pedagogias do aprender a aprender á 
inovação da aula universitária: A didática sob a lógica do mercado. 
Arma da crítica, n. 1, 2009.
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Abril 
Cultural, 1985.
ROSSLER, João Henrique. Sedução e alienação no discurso constru-
tivista. Campinas: Autores Associados, 2006.
TONET, Ivo. Educação contra o capital. Maceió: EDUFAL, 2007.
204
As determinações do capital na formação do 
trabalhador: o ensino médio regular noturno em 
questão
EdvaldoAlbuquerque dos Santos
Edna Bertoldo
A finalidade deste artigo é analisar os limites da formação do 
aluno trabalhador no ensino médio regular noturno no sistema 
do capital, a partir do materialismo histórico dialético de Marx.
O debate sobre o ensino noturno é complexo tendo em vis-
ta o elevado nível de insatisfação por parte daqueles que estão 
inseridos na escola, ao lado de uma tendência, que é histórica, à 
naturalização dos graves problemas existentes. 
Um dos maiores desafios do ensino noturno diz respeito às 
condições ofertadas ao educando e, do ponto de vista legal, a Lei 
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 1996, 
em seu art. 4º, inciso VI, enfatiza a necessidade de “oferta de 
ensino noturno regular adequado às condições do educando”. 
È necessário destacar essas condições quando se trata do ensino 
médio, pois o art. 35 diz que o “ensino médio, etapa final da 
educação básica, [tem] duração mínima de 3 anos [...]”; o art. 36, 
parágrafo 2º, salienta que o “ensino médio, atendida a formação 
geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profis-
sões técnicas” (grifo nosso).
Apesar das várias possibilidades de oferta do ensino médio 
205
previstas pela lei, delimitamos, para fins de análise, o ensino mé-
dio regular noturno, não incluindo, portanto, a condição de for-
mação técnica evidenciada na lei que, por esclarecimento maior, 
está posta assim: “poderá” acontecer durante o ensino médio ou 
não. E é para essa oferta de ensino que demanda parcela signi-
ficativa de alunos trabalhadores. Por formação geral, entende-
se uma formação propedêutica, que tem como linhas gerais de 
compreensão a preparação para a educação superior, segundo e 
último nível que compõe a educação escolar na organização da 
educação nacional brasileira.
A partir deste estudo esperamos contribuir de forma efetiva 
para uma maior compreensão do processo de educação, especial-
mente aquele dirigido aos alunos trabalhadores, parte significa-
tiva da sociedade e aos quais lhes é negada quase a totalidade de 
condição de acesso ao conhecimento elaborado pela humanidade.
a educação enquanto função social
Para dar conta da análise do ensino médio regular notur-
no como condição de acesso ao aluno trabalhador na lógica do 
capital, é preciso uma compreensão de educação no seu proces-
so sócio-histórico. Assim, entendemos que a educação, na sua 
forma geral, se origina a partir do processo de autoconstrução 
humana, e isso significa dizer, segundo Marx, que a existência 
humana define-se através do trabalho. Portanto, a partir do ato 
do trabalho já se coloca a necessidade do ato educativo: o proces-
so de transformação da natureza requer do indivíduo o domínio 
de conhecimentos ainda que sejam mínimos, para que o processo 
de trabalho se realize, o que se dá por meio da transmissão de 
conhecimentos das gerações mais velhas para as novas.
206
A princípio, no modo de produção comunal, não havia clas-
ses; depois, surge a propriedade privada, os homens se dividem 
em classes e, assim, uns se tornam proprietários e outros não pro-
prietários — estes últimos passam a manter aqueles por meio do 
trabalho na terra. Com isso, se dá o nascimento de uma classe 
ociosa que passa a viver do trabalho alheio.
Para Saviani (1994, p.148), no comunismo primitivo existia 
uma educação geral, que se dava durante o próprio trabalho e, 
com o surgimento da propriedade privada, se dá uma educação 
específica, escolar, voltada para a classe dominante, dos proprie-
tários, dos ociosos.
A organização escolar em poder da classe dominante or-
ganiza o pensamento da sociedade em cada momento histórico 
no qual essa classe assume a condição de dominante. Marx, no 
Manifesto do Partido Comunista (2008, p. 41-42) diz: “O que 
demonstra a história das ideias senão que a produção intelectual 
se transforma com a produção material? As ideias dominantes de 
uma época sempre foram as ideias da classe dominante”.
A educação escolar de hoje, apesar de suas especificidades, 
mantém, essencialmente, aquela forma original, que é o seu cará-
ter classista, visto que ela é pensada e organizada a partir de uma 
lógica que visa a perpetuação da manutenção da existência de 
classe. Sendo assim, seu papel no sistema de exploração da força 
de trabalho não pode ser outro a não ser a manutenção dessa 
forma societária do capital — que é contraditória.
Temos, portanto, uma questão de raiz: se vivemos numa or-
ganização societária na qual a finalidade última é a exploração do 
homem pelo homem, ou seja, a exploração da força de trabalho, 
207
em nome da acumulação de riqueza por apenas uma pequena 
parcela dessa sociedade, que é a classe detentora dos meios de 
produção, então precisamos entender que a escola inserida nessa 
lógica de exploração tem por escopo formar sujeitos que con-
tribuam para a produção e reprodução do capital. Não se tem, 
nessa lógica, uma perspectiva de escola que objetive romper com 
o atual tipo de sistema de produção, para que se configure, em 
seu lugar, uma nova forma de produção, um novo homem.
O que fica claro nessa análise é que existe uma escola de 
classe: aquela que atende à classe dominante, que é a escola de 
ensino médio com perfil de continuidade, ou seja, que possibilita 
o acesso à educação superior. E, contrariamente, também uma 
escola de ensino médio que atende à classe trabalhadora, com 
perfil de terminalidade, ou seja, uma escola comprometida com a 
lógica do capital, que visa formar o trabalhador tendo em vista o 
mercado de trabalho, a partir de muitos limites, quer na estrutura 
material, quer na formação.
Nesse contexto, essas condições denotam a oferta da escola 
diferenciada de ensino médio na educação brasileira para a classe 
trabalhadora. Chamamos a atenção para a Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 
que, ao tratar da escola noturna, independentemente de nível ou 
modalidade, alerta apenas para a “adequação” do aluno, de acor-
do com as suas especificidades.
Assim, essa escola, enquanto mantém e reproduz o sistema 
do capital, não consegue traduzir sua função social, ou seja, o alu-
no trabalhador que por esta escola passa, na sua grande maioria, 
não consegue um desempenho escolar satisfatório; contrariamen-
te, apresenta altos índices de improdutividade, seja na repetência, 
208
seja no abandono escolar, além de uma crescente distorção idade-
série.4 O professor também apresenta basicamente uma dificulda-
de latente, pois chega à escola noturna, na maioria dos casos, para 
enfrentar sua terceira jornada de trabalho. Perguntamos: a escola 
possibilita aos alunos trabalhadores uma formação adequada às 
exigências postas e necessárias para a superação da lógica de mer-
cado? A escola está preparada para receber esses alunos nos múl-
tiplos interesses e condições que se encontram? No livro A escola 
pública e o desafio do curso noturno, Silva e Nogueira (1987, 
p.1) já afirmavam, na década de 1980, que “A escola pública é 
importante, mas... não vai bem”.
O ensino noturno no Brasil apresenta características muito 
próximas ao que entendemos atualmente como políticas repa-
radoras, exercidas ao longo da história brasileira, que não se fir-
mam, apenas, na educação, com maior intensidade ao aluno tra-
balhador depois de uma jornada de trabalho ou mesmo por uma 
força de trabalho na busca pela empregabilidade, mas também 
no atendimento ao mercado de trabalho, à saúde, à segurança, ao 
lazer etc. São políticas públicas de caráter paliativo para atender 
à população.
Segundo Caporalini (1991, p. 31-32):
Uma escola comprometida com o interesse das classes trabalha-
doras deve ter como preocupação básica a criação de condições 
para que estas articulem suas diversas experiências históricas e as 
formas de seu conhecimento num todo homogêneo,de modo 
que possam elaborar uma nova concepção de mundo.
4 Para Menezes; Santos (2002), distorção idade e série é a defasagem entre a idade e a 
série que o aluno deveria estar cursando. Muitos especialistas consideram que a distorção 
idade-série pode ocasionar alto custo psicológico sobre a vida escolar, social e profissional dos 
alunos defasados. A distorção é um dos maiores problemas dos sistema educacional brasileiro.
209
A educação dentro desta escola não deve aparecer reduzi-
da, portanto, à pura transmissão e acúmulo de informações com 
vistas a uma maior qualificação dos trabalhadores, mas se impõe 
como necessária para o exercício da consciência crítica, para a 
construção de uma nova concepção de mundo e de uma nova 
sociedade.
Não podemos perder de vista as condições nas quais se en-
contra a escola noturna brasileira, sinônimo de um quadro histó-
rico de insucesso nos seus resultados, que vão desde o abandono 
até a múltipla repetência — e um agravante: em algumas situa-
ções, isso é visto de forma natural, tanto no ensino fundamental 
como no ensino médio.
O ensino noturno simplesmente traduz de forma brutal 
o que Frigotto (1989) nomeia de “escola improdutiva” no livro 
A produtividade da escola improdutiva. A escola não consegue, 
apesar da intencionalidade legalista, atender de forma apropriada 
às demandas da sociedade. Neste caso, Caporalini (1991, p. 32-
33) afirma que:
Tem-se que optar entre continuar tratando o estudante que tra-
balha como carente crônico que precisa ser alimentado, informa-
do, integrado, educado sob formas compensatórias e paliativas, 
ou passar a tratá-lo como um cidadão trabalhador historicamen-
te excluído dos direitos básicos que, através de uma educação 
de boa qualidade, precisa tomar consciência dessa exclusão e se 
organizar na reivindicação de seus direitos.
É evidente que, num sistema que se produz e reproduz pela 
exploração do homem pelo homem, a escola, na sua totalidade, 
não poderia ter outra forma. Apresenta-se, portanto, a partir das 
atuais políticas de sustentação desse sistema, limitada no atendi-
210
mento a esse aluno. E muito se discute sobre a competência téc-
nica, uma competência que seja a base para o desenvolvimento de 
um trabalho que atenda um fim imediato. É comum a técnica ser 
vista como condição de atingir bons e melhores resultados. Sendo 
assim, espera-se que os resultados educacionais através da técnica 
pela técnica assegurem aos nossos alunos as melhores aprendiza-
gens através do acesso ao conhecimento elaborado ao longo da 
história e sistematizado para atender determinado grupo. Mas, 
para Saviani (2003, p. 64),
[...] a identificação dos fins implica imediatamente competên-
cia política e mediatamente competência técnica; a elaboração 
dos métodos para atingi-los implica, por sua vez, imediatamen-
te competência técnica e mediatamente competência política. 
Logo, sem competência técnica-política não é possível sair da 
fase romântica.
Fase romântica significa um fazer pedagógico vazio de um 
arcabouço que não contemple apenas as ações do cotidiano peda-
gógico, como diagnóstico dos resultados de aprendizagem, pla-
nejamento, reuniões, avaliação. Essa atitude comum no ambiente 
escolar é a simples reprodução do fazer pedagógico, é o ativismo 
que embrutece os seres humanos que fazem esse coletivo. É nessa 
perspectiva que Saviani propõe ir além do fazer técnico e chegar 
ao comprometimento com a política.
No que diz respeito às condições de atendimento aos alunos 
trabalhadores, a LDB enfatiza que é preciso “adequar a realidade 
do aluno”; contudo, isto não se concretiza. Ou seja, se a escola 
noturna está voltada para o trabalhador, que adequações são efeti-
vadas pela escola para o cumprimento do previsto em lei?
211
Fica evidente a não efetivação, nos meandros do sistema do 
capital, de uma escola que atenda à perspectiva da classe traba-
lhadora, uma vez que para atender a classe trabalhadora seria en-
faticamente vislumbrar um homem novo, um novo modo de ser, 
uma nova forma societária. Para o marxismo, a alternativa seria 
formar um sujeito omnilateral, através da politecnia. Baseada em 
Marx, a forma de atendimento através da politecnia possibilita a 
formação de um novo homem, em que o trabalho é base existen-
cial do modo humano de ser, tendo a educação um papel impor-
tante na construção de uma sociedade comunista.
a escola como espaço essencial para o processo de 
acumulação de capital
Para compreendermos a escola, espaço formal de aprendiza-
gem do saber acumulado ao longo do tempo, é necessário apreen-
der em que tipo de sociedade esta escola se insere — e que a so-
ciedade burguesa da qual fazemos parte tem uma longa história.
Com a passagem do modo de produção feudal para o capi-
talismo, que não foi de forma nenhuma harmonioso – pelo con-
trário, deu-se por meio de constantes conflitos entre as classes, 
especificamente entre a nobreza e o terceiro estado5 com muita 
guerra –, diversas lutas ocorreram: o controle sobre os trabalha-
dores, o controle da educação, uma nova forma de pensamento 
imposto aos indivíduos (o liberalismo), a elaboração de políticas 
5 Na França do Antigo Regime (Ancien Régime) e durante a Revolução Francesa, designava-
se Primeiro Estado o clero, Segundo Estado a nobreza, e Terceiro Estado (tiers état) os 
camponeses, artesãos, comerciantes, profissionais liberais, e burgueses. Os camponeses, que 
produziam alimentos para toda a França, lutaram, liderados pela burguesia, ao lado dos 
demais que constituíam o Terceiro Estrado contra a opressão, o pagamento de impostos altos 
e a sustentação do Primeiro e Segundo Estados, que eram privilegiados, pois eram isentos do 
pagamento de impostos.
212
repressivas – contra os trabalhadores – que atendessem à classe 
dominante etc. Nesse sentido, diz Marx, no Manifesto do Partido 
Comunista: “A história de todas as sociedades até agora tem sido 
a história das lutas de classe” (2011, p. 8).
Nesse cenário da moderna sociedade burguesa, que tem sua 
origem com o declínio da sociedade feudal, temos novas classes, 
novas condições de opressão e novas formas de luta. Diz Marx 
(2011, p. 9): “[...] toda sociedade se divide, cada vez mais, em 
dois campos inimigos, em duas grandes classes diretamente opos-
tas: a burguesia e o proletariado”.
Se temos de forma contundente a incontestável existência 
de classes antagônicas no sistema do capital, teremos, portanto, 
a escola de classe, ou seja, duas escolas explicitamente estrutura-
das para compor um cenário que se configura como tal. E cada 
uma delas trará na sua estrutura e dinâmica de funcionamento 
uma lógica que é inerente à classe à qual pertence ou atende. A 
escola que serve à burguesia apresenta suas condições em ple-
no funcionamento para reproduzir o sistema do capital, com o 
objetivo último de perpetuar sua fiel reprodução; e a escola da 
classe trabalhadora também responde à lógica do capital, por ser 
constituída dentro de parâmetros articulados na forma societária 
da produção capitalista. A classe trabalhadora fica, pois, à mercê 
de uma oferta de ensino que, indiscutivelmente, impõe limites 
tanto no sentido da apropriação do conhecimento acumulado 
pela humanidade, como no que diz respeito à apropriação de um 
conhecimento crítico, que possibilite a compreensão e superação 
da forma societária em que está inserida.
A escola organizada pela classe dominante tem sua formu-
lação na reprodução do capital. Os fins almejados pela classe de-
213
tentora dos meios de produção não podem ser contrários ao seu 
objetivo final, que é a acumulação; faz parte da sua lógica estru-
turante, portanto, uma escola que tenha essa condição central, ou 
seja, produzir valores, hábitos e costumes em consonância com 
os ditames do capital e, sobretudo, desenvolver habilidades paraa indústria: profissionalizar o trabalhador para a produção cada 
vez maior e especializada. Esse chamamento à produção espe-
cializada tem, na educação escolar, um mote decisivo: formar o 
trabalhador para a produção. É inerente à sociedade capitalista a 
expropriação do saber da força de trabalho. Com a emergência da 
fábrica moderna, a atividade especializada do trabalhador deixou 
de existir para se incorporar à maquinaria; o trabalhador deixou 
de comandar o processo de produção e passou a ser um apêndice 
da máquina, operando dentro de um limite hostil ao seu ritmo de 
trabalho. Nesse momento o trabalhador transforma-se em força 
de trabalho, deixando de ter seus meios de produção e perdendo 
suas habilidades especiais para atender aos ditames da nova forma 
de produção.
A escola no capitalismo é parte inalienável na condução de 
reproduzir através de sua formação técnica e política. É na escola 
que o capital encontra meios de condicionar requisitos e exigên-
cias necessários para a acumulação de riqueza.
Confirmamos, através das palavras de Tonet (2005, p. 149), 
que:
Foi apenas com o advento do capitalismo, na medida em que a 
produção econômica cuja mola-mestra e dinâmica é o capital, 
passou a ser direta e claramente o eixo de todo o processo social, 
que a educação ocupou um lugar especial. Isto porque ela passou 
a integrar cada vez mais profundamente o processo de produção.
214
Em suma, a escola no sistema capitalista se concretiza de 
forma dual, ou seja, existe uma escola que atende à classe do-
minante na sua condição de detentora de um saber em maior 
escala, uma escola que mantém seu status elevando seu padrão de 
qualidade de ensino, o que significa, por exemplo, continuidade 
de estudos; e outra escola, da classe trabalhadora, que tem seus 
limites numa formação inconclusa, aligeirada, e, quando forma, 
traduz a ideologia da classe dominante, o que significa dizer que 
não revela sua real condição de classe explorada do sistema.
Deixemos claro que o tipo de escola a vigorar concretamen-
te tem seu solo no modo de produção em que está inserida. Se-
gundo Saviani (2009), os “sistemas nacionais de ensino” surgem 
em meados do século XIX e têm sua organização no princípio 
de que a educação é direito de todos e dever do Estado. Essa 
condição de oferta de ensino se manifesta para atender uma nova 
classe que se consolidara no poder, a burguesia. Nessa condição 
de oferta de ensino está posta a forma de enfrentamento aos su-
jeitos ignorantes, ou seja, os súditos do antigo regime, o feudal; 
pela escola tornam-se cidadãos no regime do capital.
Nesse sentido, Saviani (2009, p. 05-06) afirma:
[...] a escola surge como um antídoto à ignorância, logo, um 
instrumento para equacionar o problema da marginalidade. Seu 
papel é de difundir a instrução, transmitir os conhecimentos 
acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. O 
mestre-escola será o artífice dessa grande obra. A escola se or-
ganiza, pois como uma agência centrada no professor, o qual 
transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos 
alunos. [...].
215
A escola, ao surgir como instrumento de acesso ao conhe-
cimento, passa a ter uma função social; sendo assim, o legado 
produzido pela humanidade ao longo da história estará sendo, a 
cada momento, difundido no espaço escolar. Daí a escola possuir 
a determinação do modo de produção do qual faz parte; a orga-
nização escolar corresponde a esse modo de produção.
Em meados do século XIX, surge na Inglaterra uma escola 
destinada aos filhos dos trabalhadores fabris. À época, essas crian-
ças e adolescentes trabalhavam em longas jornadas de trabalho e, 
para não deixarem de estudar, surgiram as escolas noturnas e do-
minicais, forma pela qual a burguesia cumpria sua obrigação com 
a escolaridade. O ensino destinado às crianças das fábricas, assim 
como nos dias atuais, era um ensino esporádico e seus conteúdos, 
muito negligenciados - ou seja, sem um tratamento didático ade-
quado, relegando muito do que se determinou fazer. Vejamos nas 
palavras criteriosas de Engels (2008):
[...]. Em parte alguma existe freqüência escolar obrigatória. Nas 
próprias fábricas isso não passa duma palavra, como veremos. 
Quando o governo quis no decurso da sessão de 1843, fazer 
entrar em vigor essa aparência de escolaridade obrigatória, a bur-
guesia industrial opôs-se-lhe com todas as forças, se bem que os 
trabalhadores se tivessem pronunciado categoricamente a favor 
dessa medida. De resto, numerosas crianças trabalham durante 
toda a semana em casa ou nas fábricas e por isso não podem 
freqüentar a escola. Por que as escolas noturnas, onde devem ir 
os que trabalham de dia, quase não têm alunos e estes não tiram 
dela proveito algum. Na verdade, seria pedir demasiado aos jo-
vens operários que se estafaram durante doze horas, que ainda 
fossem à escola das 8 às 10 da noite. Os que lá vão, aí ador-
mecem a maior parte das vezes, como constataram centenas de 
testemunhos no Children’s Employment Report. É verdade que se 
216
organizaram cursos aos Domingos, mas têm falta de professores 
e só podem ser úteis aos que já freqüentaram a escola durante 
a semana. O intervalo que separa um Domingo do seguinte é 
demasiado longo para que uma criança inculta não tenha esque-
cido na segunda lição o que aprendera oito dias antes no decurso 
da primeira. No relatório da Children’s Employment Commission, 
milhares de provas atestam, e a própria comissão apóia, esta 
opinião categoricamente: que nem os cursos da semana nem os 
do Domingo correspondem, nem de longe, às necessidades da 
nação. Este relatório fornece provas da ignorância que reina na 
classe operária inglesa e que não seriam de esperar mesmo dum 
país como a Espanha ou a Itália. Mas não poderia ser doutro 
modo; a burguesia tem pouco a esperar mas muito a temer da 
formação intelectual do operário. No seu colossal orçamento de 
55.000.000 de libras esterlinas, o governo previu apenas o ínfi-
mo crédito de 40.000 libras esterlinas para a instrução pública; e 
se num fosse o fanatismo das seitas religiosas, cujos preconceitos 
são tão importantes como os melhoramentos que introduz aqui 
e ali, os meios de instrução seriam mais miseráveis.
Assim, a Igreja anglicana funda as suas National Schools e cada 
seita tem as suas escolas, com a única intenção de conservar no 
seio os filhos dos seus fiéis e se possível de arrebatar aqui e ali 
uma pobre alma infantil às outras seitas. A conseqüência disso é 
que a religião, e precisamente o aspecto mais estéril da religião, 
a polémica, se torna o ponto fundamental da instrução, e que 
a memória das crianças é saturada de dogmas incompreensíveis 
e distinções teológicas: logo que isso é possível, desperta-se a 
criança o ódio sectário e para a beatice fanática, enquanto que 
toda a formação racional, intelectual e moral é vergonhosamente 
negligenciada.
É impressionante, neste relato de Engels (2008), a absurda 
situação da educação destinada aos filhos dos trabalhadores in-
gleses:
217
Uma criança ‘frequentou regularmente durante cinco anos o 
curso de Domingo; ignorava quem era Jesus Cristo mas já tinha 
ouvido esse nome; nunca tinha ouvido falar dos doze apóstolos, 
de Sansão, de Moisés, Abraão, etc.’. Outro ‘frequentou regular-
mente o curso de Domingo durante seis anos. Sabia quem era 
Jesus Cristo, que tinha morrido na Cruz, para verter o seu san-
gue a fim de salvar o nosso Salvador; nunca tinha ouvido falar 
de S. Pedro nem de S. Paulo’. Um terceiro, ‘frequentou sete anos 
várias escolas de Domingo, só sabe ler em livros pouco espessos, 
palavras fáceis, de uma só sílaba; já ouviu falar dos apóstolos, 
não sabe se S. Pedro ou S. João eram um deles, mas sem dúvida 
que era S. João Wesley (fundador dos Metodistas), etc...’; à per-
gunta: quem era Jesus Cristo? Horne obteve as seguintes respos-tas: era Adão; era um apóstolo; era o filho do Senhor do Salvador 
(he was the Saviour’s Lord’s Son), e da boca de um jovem de 
dezessete anos: ‘Era um rei de Londres, há muito, muito tempo’.
Nessa condição cruel de tratamento dado àquele que busca 
a escola na perspectiva de aprender, de conhecer os frutos da cien-
tificidade construída pela humanidade, encontra-se a educação 
escolar. É parte constitutiva, então, apreender a estrutura edu-
cacional ofertada ao aluno trabalhado no sistema de produção e 
reprodução do capital, o que nos possibilita entender que o saber 
mais elaborado, a tecnologia mais avançada que a humanidade 
produz, não fazem parte do cotidiano do aluno trabalhador. As 
condições desumanas enfrentadas pelo aluno trabalhador, e tam-
bém pelo professor na sua terceira jornada de atividade (a escola 
noturna), não lhe permitem adquirir os resultados esperados de 
ensino e aprendizagem.
Os limites formais: uma ilusão histórica
Muito se tem escrito e debatido sobre uma escola na qual 
o sujeito tenha uma formação plena; uma formação que traduza 
218
essa possibilidade tem sido discurso corrente ao longo da história 
da educação, inclusive com amparo no conceito de humanização. 
Mas uma escola na qual o sujeito seja plenamente livre e que 
atenda às suas múltiplas necessidades (não apenas as necessidades 
biológicas) faz parte de outra forma societária — inimaginável na 
sociedade do capital! As formas pelas quais o sistema do capital 
impõe seus ditames, há mais de cem anos, impossibilitam a exis-
tência, nesse sistema, de uma escola que contribua para a elevação 
do sujeito ao mais alto grau de potencialidade.
No mundo do capital, a escola é apenas mais uma forma de 
reproduzir e manter a desigualdade. É na escola que a ordem de 
um sistema econômico se desvela, e esse desvelamento é sabiamen-
te tingido nas linhas gerais e específicas da política, para atender a 
um Estado burguês. A instituição escolar que se contrapõe a esse 
modelo capitalista só se efetivará numa outra organização societá-
ria se considerarmos que essa condição será fruto do contexto da 
emancipação humana; mas como o sistema do capital é um modo 
essencialmente contraditório, neste espaço também pode haver pe-
quenos grupos de resistências aos ditames do capital.
Fazer um debate sobre a emancipação humana implica, 
porém, um longo caminho, que suscita outro debate – sobre a 
emancipação política –, como um limite real posto ao longo do 
tempo em diversas formas políticas estruturantes de poder assu-
midas pelo Estado. Ao tratarmos da educação, teremos, no ter-
reno das políticas, incontáveis teias traçadas ao longo da história 
que nos fazem refletir sobre os dias atuais e suas determinações 
no campo dos limites, além daquilo que aponta para as possibili-
dades de rompimento com a forma societária em que atualmente 
estamos envolvidos.
219
Para Marx, emancipação humana significa o reino da liber-
dade plena, e para alcançá-la é necessária a superação da forma 
societária sob a qual vivemos hoje: a do capital. Diante dessa pro-
blemática, precisamos melhor explicitar as limitações dadas ao 
longo da história no campo político.
Como indicado, pretendemos trazer à tona a relação eman-
cipatória no campo educacional e, mais especificamente, o que 
condiciona a política a partir de seus limites a uma não eman-
cipação humana, já que tratamos aqui da educação formal posta 
em análise num contexto do sistema capitalista.
É comum a incorporação sistemática, ao longo do tempo, 
em todos os espaços, formais e informais, do discurso da demo-
cracia, e é perceptível em vários momentos e discussões o debate 
acalorado sobre a democracia, atribuindo a esta a possibilidade de 
resolver os problemas sociais gerados pela sociabilidade do capi-
tal, a partir de uma via de discussão e negociação segundo a qual, 
de forma representativa, pode-se decidir o rumo das questões e 
problemas que inquietam a vida social. Um exemplo plausível 
no campo escolar é a gestão democrática, oficialmente expressa 
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394, de 
1996. Na condição de representatividade por categoria, almeja-se 
a regulação, a conquista do sucesso; enfim, a resolução de todos 
os problemas internos e externos vividos no espaço escolar. O que 
significa em tese que as ideias apenas se limitam a reformas ou 
meras regulações políticas.
Em 2008 foi lançado pelo Ministério da Educação do Brasil 
um documento intitulado “Ensino Médio Noturno: democracia e 
diversidade”, resultado de uma pesquisa em oito Estados brasilei-
ros que ofertam o ensino médio noturno, com a finalidade de so-
220
cializar as experiências exitosas nas escolas e para servir de referên-
cia para as demais escolas em âmbito nacional. O texto, de forma 
sutil, admite a crise do sistema do capital ao se referir ao ensino 
médio e sua profunda crise de oferta dual, admitindo que ainda 
há muito a ser feito para que o ensino médio atenda sua demanda 
de forma coerente que seria, segundo o documento, um ensino 
médio propedêutico com a finalidade de entrada na universidade, 
e outro ensino médio que forma para a técnica, com caráter de 
terminalidade de estudos. De acordo com o referido documento:
Mais de 90% dos entrevistados pela pesquisa de todos os segmen-
tos escolares entendem que o Ensino Médio deve propiciar a for-
mação geral e também a profissionalização do aluno. No entanto, 
sabe-se que a profissionalização, em qualquer etapa da escolariza-
ção, não é garantia de inserção no mercado de trabalho, uma vez 
que os postos existentes são bastante insuficientes (p. 98).
Essa constatação esclarece tacitamente as profundas difi-
culdades enfrentadas pela escola e, de forma particular, o ensino 
médio noturno. Terrenos comuns, essas tentativas de correção 
apenas nos remetem à compreensão de que a política sedimenta, 
de forma contumaz, o sistema do capital como a produção e re-
produção de desigualdades.
As leis, normas, reformas educacionais, diretrizes e metas 
objetivadas pela política educacional, o contínuo e contundente 
discurso de acessibilidade inseridos e propostos no parâmetro das 
políticas sociais, são formalidades postas no seio da sociedade que 
precisam ser analisadas e compreendidas à luz da ontologia mar-
xiana. O materialismo histórico demonstra os limites da política 
na sua forma de conter a ruptura na sua forma mais cruel, que é 
a exploração do homem pelo homem nesse sistema. As políticas 
221
reparadoras encampadas pela democracia têm como finalidade 
acalmar e neutralizar as tensões sociais para a permanência da 
obscuridade do real.
Nessa discussão, Tonet (2005) faz uma reflexão que contri-
bui fundamentalmente para a compreensão da política como algo 
essencialmente negativo. Ou seja, não basta que ela possibilite 
um ganho aqui e outro acolá, que seja um véu protetor de grupos 
específicos ou diversos, porque assim sendo, e assim aceita, ela 
própria, a política, desumaniza de forma tenebrosa. Eis as pala-
vras do autor:
[...] ora, como se pode perceber do caráter da política, é exata-
mente isso que acontece essencialmente com ela. A submissão 
de milhões de pessoas a processos de trabalho que as expropriam 
de suas energias físicas e espirituais – muitas vezes até a extinção 
física – a submissão à brutalização, à limitação, à deformação, à 
unilateralização do desenvolvimento, à desapropriação do fruto 
do seu trabalho, à interdição ao acesso às objetivações que se 
tornaram patrimônio do gênero humano, tudo isso não seria 
possível sem a existência do poder político. (p. 95).
Queremos aqui ressaltar que, apesar da condição de classe 
explorada, submissa, os trabalhadores não estão impedidos de 
realizar conquistas. Direitos são alcançados e também materia-
lizados. Essa condição de luta e conquista dos trabalhadores é 
indiscutível,mas em nenhum momento podemos negar que, de-
pendendo da condição de combate e da correlação de forças em 
dado momento histórico, a burguesia lança mão desses mesmos 
direitos adquiridos pela luta da classe trabalhadora para desarti-
culá-la e, em muitos casos, cooptá-la. Marx (2010, p. 67-68), em 
carta a Bolte, em 23 de novembro de 1871, escreveu: 
222
Todo movimento em que a classe operária se apresente como 
classe contra as classes dominantes e tente vencê-las por meio da 
pressão exterior, é um movimento político. Por exemplo, a ten-
tativa numa classe particular ou mesmo numa indústria particu-
lar, de obrigar os capitalistas a encurtarem a jornada de trabalho 
mediante greve etc., é um movimento econômico. Em troca, o 
movimento que tem por objetivo fazer aprovar uma lei que esta-
beleça a jornada de oito horas etc., é um movimento político. E 
desta maneira, a partir dos diferentes movimentos econômicos 
dos operários, surgem em todos os lugares um movimento polí-
tico, um movimento de classe que tem por objetivo impor seus 
interesses de forma geral, numa forma que possui uma força de 
compulsão para toda a sociedade.
Ao tratar o mercado como condição suprema de regulação 
da vida social, o capitalismo se põe em sua essência. Nada vale 
senão na condição de exploração, de acumulação. Já em 1863, 
quando da primeira vitória de um direito social, que era a fixação 
da jornada de trabalho, acontecida na Inglaterra, Marx celebrava 
a vitória da classe trabalhadora sobre a lógica do capital.
Sousa e Oliveira (2008), em texto que apresentam os re-
sultados de pesquisa em oito Estados brasileiros sobre o ensino 
noturno, propõem algumas possíveis soluções para a correção 
dos problemas nesse horário. Para não nos alongarmos muito, 
citamos apenas três, que podem ilustrar essa discussão e envol-
vem diretamente o que chamamos de políticas corretivas, tam-
bém reguladoras na ordem do Estado capitalista. A primeira de-
las versa sobre recursos financeiros e assim se expressa: “Definir 
fontes específicas de financiamento e linhas direcionadas para o 
Ensino Médio Noturno”; outra diz: “Fixar o professor na mesma 
escola, por um dado período”; e ainda “Estimular a criação e o 
desenvolvimento de programas voltados à ampliação de vivências 
223
culturais para os alunos e professores do Ensino Médio noturno” 
(SOUSA; OLIVEIRA, 2008, p. 66-69). O que significam essas 
ações disseminadas pelo Governo? Culpabilizar a maioria das es-
colas de ensino médio regular noturno pelo insucesso dos alunos? 
Definir recursos financeiros é uma das questões, mas quem define 
essas fontes de investimentos? A quem vai atender esses recursos? 
Fixar professor numa mesma escola, num mesmo período, de for-
ma contínua, a quem interessa? Quem são os sujeitos atendidos 
por esses professores? E os programas, projetos e eventos voltados 
para as vivências desses alunos trabalhadores, o quê eles têm de 
novo? Essas políticas de promoção de projetos, programas, for-
mações pontuais, o tempo histórico já provou que se limitam 
á reprodução de receituários que de nada atendem à formação 
nem de professores nem de alunos — não possibilitam uma real 
condição de despertar para os fatos históricos que os tornaram 
homens condicionados a uma vida de exploração e aviltados de 
suas mínimas condições de existência. Portanto, ter produzido 
um material como um leque de boas intenções para a resolução 
dos problemas não possibilita alteração alguma no conjunto da 
escola brasileira de ensino médio regular noturno: são paliativos 
novos ou renovados, conhecidos e disseminados nas várias esferas 
escolares; tornam-se mais uma receita milagrosa aos olhos dos 
profissionais nos espaços escolares.
Leitão (2010, p. 195), em seus estudos sobre gestão educa-
cional, apresenta a fragilidade presente na tentativa de gerenciar 
uma escola, e traduz a realidade cruel em que se ambienta o espa-
ço de aprendizagem, quando assim se expressa:
Contudo, mesmo com o discurso de ‘mudar a cara’ da escola, 
pouco de fato se transformou, pois os problemas cruciais que as-
solam a sua realidade permanece – o descaso para com a questão 
salarial dos professores e a sua crescente desvalorização; minimi-
224
zação dos recursos financeiros para o desenvolvimento da pro-
posta pedagógica; a precarização da infraestrutura dos prédios 
escolares. Enfim, toda uma gama de ‘ameaças e fraquezas’ que 
não contam para os formuladores das políticas educacionais.
Seguindo esse raciocínio, podemos tratar de forma enfática 
a influência pesada e articulada de órgãos internacionais (Banco 
Mundial, Fundo Monetário Internacional entre outros) no en-
volver das políticas públicas ao longo das últimas décadas. Essa 
deliberação acontece de forma revestida por programas e projetos 
educacionais gestados pelos órgãos internacionais e nossos pode-
res constituídos. É um emaranhado de normas, decretos, parece-
res, portarias, entre outros instrumentos de legitimação das ações 
governamentais, que embaralha a administração (burocracia) das 
escolas. Esse ritmo frenético que tomou conta das escolas, que 
configura o autocontrole burocrático do Estado, apenas enalte-
ce o poder do sistema econômico atual na esfera educacional de 
forma a não permitir sua condição de funcionamento, fazendo 
dessa escola mais um espaço de legitimação do poder do capital. 
Tal posição encontra-se clara nas palavras de Leitão (2010, p. 80):
Responder a estas questões tornou necessário considerar a in-
serção do Brasil no cenário da economia globalizada e, conse-
quentemente, destacar os aspectos presentes nos programas e 
projetos definidos nas políticas públicas, que influenciaram o 
desenvolvimento da educação no período, no qual se entende 
que, numa era de globalização e de internacionalização, esses 
projetos nacionais não podem ser compreendidos fora de sua 
dinâmica internacional.
A forma através da qual se ampliam os direitos políticos, 
pelas mais diversas formas de atendimento formal, em nome de 
uma democracia ou cidadania em tempos de modernidade, deixa 
claro o choque com o capital. Essa lógica do aumento constante 
225
de direitos faz com que o capital busque incessantemente formas 
de se reorganizar, de encontrar alternativas várias de se recondu-
zir e permanecer reproduzindo-se e se consolidando como único 
modelo possível de forma cada vez mais forte.
Concordamos então com o fato de que existem limites ele-
vadíssimos ao se defender a democracia, a cidadania: são limites 
postos pela esfera da política através dos direitos políticos, que 
esbarram numa sociedade idealizada, numa sociedade em que as 
conquistas existem nas mais diversas formas; ou seja, em determi-
nado momento, é o direito ao voto; em outro, a redução de jor-
nada de trabalho; em outro momento, é o acesso à escola, e assim 
avante. Isso beira uma condição societária em que o homem não 
se reconhece como tal; sua condição de existência está atrelada a 
uma manipulação de ordem sistêmica, uma ordem de exploração e 
opressão ancoradas na sua força de trabalho, que apenas beneficia 
uma minoria. Essa forma de sociedade que se mantém pela articu-
lação constante de conquistas de direitos, sejam eles civis, políticos 
ou sociais, tem sentido, porque só com a universalização efetiva 
dessa cidadania e o fortalecimento dessa democracia, não é pos-
sível chegar ao modo de produção comunal, pois a democracia é 
uma criação burguesa. Podemos alcançar o rompimento com um 
antigo sistema e atingir um novo — que é a sociedade comunista! 
Lembramos Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista: 
que “O livre desenvolvimento de cada um seja o pressuposto do 
livre desenvolvimento de todos” (2008, p. 69).
Para Chasin (2000), na esteira de Marx, a questão está na 
perspectiva do trabalho; na condição de corte, ou seja, há que 
se romper com o aspecto da política.

Mais conteúdos dessa disciplina