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1 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. PLANEJAMENTO FAMILIAR UMA ABORDAGEM CRÍTICA A LEI 9.263/96 Bruna Carneiro* Bruna Figueiredo* Natália Silva* Yasmin Dias* RESUMO O Planejamento Familiar, numa visão de saúde tem sido entendido como uma necessidade do indivíduo, pois contribui para questões como liberdade e autonomia da mulher e diminuição da fertilidade, além de ser um programa que visa informar e orientar a população sobre métodos contraceptivos, mas em uma análise crítica, podemos perceber que nem tudo que o Estado propõe enquanto norma, é realmente ofertado pelos serviços de saúde e efetivamente aplicados na sociedade. O objetivo do presente artigo é analisar o contexto histórico-político do Planejamento Familiar desde a colonização até os dias atuais e sua relação com a autonomia da mulher ou até mesmo do casal e concluir se existe uma eficácia ou não da lei. O resultado aponta para importantes marcos que consolidaram a construção do conceito atual de Planejamento Familiar, como a conquista da autonomia da mulher, mudança no perfil da sociedade e a consequente queda da fecundidade, posicionamento do país quanto ao controle de natalidade com a criação de politicas públicas voltadas ao controle demográfico, correlacionada com o Planejamento Familiar, mas que apesar de serem questões comuns na assistência básica e primária de saúde, há muito que se discutir sobre o tema. Palavras chaves: planejamento familiar, saúde, controle demográfico, fecundidade, família, métodos contraceptivos. 2 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. ABSTRACT Family Planning, from a health point of view, has been understood as an individual need, as it contributes to issues such as women's freedom and autonomy and reduced fertility, in addition to being a program that aims to inform and guide the population about contraceptive methods, but in a critical analysis, we can see that not everything that the State proposes as a rule is actually offered by health services and effectively applied in society. The purpose of this article is to analyze the historical-political context of Family Planning from colonization to the present day and its relationship with the autonomy of the woman or even the couple and to conclude whether the law is effective or not. The result points to important milestones that consolidated the construction of the current concept of Family Planning, such as the achievement of women's autonomy, change in the profile of society and the consequent drop in fertility, the country's position regarding birth control with the creation of policies public policies aimed at demographic control, correlated with Family Planning, but which despite being common issues in basic and primary health care, there is much to be discussed on the subject. Keywords: family planning, health, demographic control, fertility, family, contraceptive methods. 1. INTRODUÇÃO O estudo deste artigo trata sobre a trajetória do Planejamento Familiar e qual seu verdadeiro objetivo, de um lado, numa perspectiva constitucional e do outro, numa visão do contexto histórico político do País, 3 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. abordando o papel da mulher e o impacto que a educação tem nas famílias. A ideia de Planejamento Familiar foi criada ao longo dos anos em meio a várias tensões políticas, sociais e econômicas. Inicialmente o Planejamento Familiar tinha uma visão controlista da população, com o objetivo exclusivo de controle demográfico, justificando que a miséria nos países pobres era oriunda do crescimento populacional. Com o passar do tempo passou-se a perceber a necessidade de políticas voltadas ao desenvolvimento e não mais políticas populacionais controlistas, fazendo com que esse debate entre controlismo e desenvolvimentismo fosse marcado por uma disputa ideológica, onde aqueles que defendiam o controle de natalidade eram considerados de direita, e aqueles que defendiam o desenvolvimento como forma de solucionar a miséria, eram vistos como da esquerda. Dentro ainda desse cenário de disputas ideológicas, enquanto se falava em desenvolvimento e população, as pessoas começam a se preocupar com regulação da fecundidade, trazendo à tona termos que demonstram quais eram as verdadeiras preocupações da população, como “controle de natalidade”, “planejamento familiar”, bem-estar da família”, “direitos reprodutivos”. Uma nova pauta acadêmica se insere na política brasileira, logo surgindo inúmeros estudos, criação de Conferências, Centros de Pesquisas, aberturas de clínicas, todos voltados para o tema planejamento familiar, controle de prole, bem estar da família, métodos contraceptivos, todas essas entidades com objetivo claro de controle demográfico. Como o governo não tinha, até então, nenhuma política pública que tratasse sobre esse controle demográfico, o mercado, através de farmácias e redes de saúde privadas, passa a ocupar essa lacuna, trazendo à tona métodos contraceptivos como o anticoncepcional. 4 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. Então, na década de 80, num momento histórico de retomada da democracia e de movimentos sociais feministas, informações sobre saúde reprodutiva passa a ser vastamente disseminadas, e as mulheres passam a dissociar sexualidade de procriação, aderindo a contracepção hormonal, mesmo que sem nenhuma assistência adequada. É nesse marco temporal que se passa a acreditar num planejamento familiar voltado à saúde, uma forma de regulação da procriação e não mais um controle demográfico coercitivo. Somente em 1988 com a criação da Constituição Federal é que se tem um conceito de planejamento familiar sendo livre decisão do casal, cabendo ao Estado o dever apenas de amparar a todos, e que em consequência, em 1996 é elaborado a Lei 9.263 do planejamento familiar, que traz critérios para a esterilização voluntária por exemplo e penalidades ao não cumprimento dessa lei. Que tal lei representa um avanço e marco na história dos direitos sexuais e reprodutivos não há dúvidas, mas em que pese, existe uma verdadeira eficácia na sociedade? Passaremos a tratar agora do tema central aqui proposto – fazermos uma análise critica a Lei 9.263/96, sob a luz da autonomia da mulher, direito de liberdade e o impacto da educação para a toda a sociedade. 2. TRAJETÓRIA HISTÓRICA O planejamento familiar é o direito que todo cidadão tem de planejar o número de filhos e o momento em que deseja, dessa forma, para Lei Federal nº 9.263/96, “entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”. 5 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. Dessa forma, para que aconteça uma melhor absolvição do que é o atual planejamento familiar é necessário perpassar por seu contexto históricoe entender o que levou aos avanços na legislação atual, sobre esse tema. A história do planejamento familiar está diretamente associada à crise do crescimento populacional. A história brasileira tem como lema “governar é povoar”, que como muito bem sabemos, se inicia pela colonização através da lavoura canavieira que garantiu uma boa base econômica, mas que devido à fatores de doenças e inúmeras epidemias, a população indígena e africana acabou por se diminuir. Livi-Bacci (2002) descreve a população do Brasil à época da seguinte maneira: “O povoamento do Brasil deve-se principalmente – pelo menos até a grande imigração europeia da segunda metade do século XIX – ao tráfico de escravos africanos. Na época do primeiro recenseamento (1872), 58% dos quase 10 milhões de brasileiros eram de origem africana, pura ou mestiça. Até a abolição do tráfico negreiro (1850), 3,5 milhões de escravos haviam sido transportados em navios negreiros para o Brasil, o que representava 38% de todo o tráfico transatlântico” (p. 147). Mas, com o fim da escravidão em 1988, o país passa a criar politicas que muito atraiam imigrantes estrangeiros, a fim de substituir a mão de obra escrava, conforme explana Camargo (1980): “A grande migração estrangeira só ocorreu, entretanto, nas décadas posteriores a 1880 até 1920. O Estado de São Paulo, grande produtor de café quando em 1888 ocorreu a abolição da escravatura, participou ativamente do processo de migração da mão-de-obra estrangeira, que veio substituir o trabalhador agrícola escravo e iniciar, nas cidades, pequenas oficinas e indústrias de pequeno porte” (p. 309). 6 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. Ocorre que, nas primeiras décadas do século XX, surgiram na Europa e nos Estados Unidos movimentos sob a influência da teoria malthusiana, que associavam a miséria ao crescimento populacional, acreditando-se que a população cresceria em um ritmo acelerado, comparado com a produção de alimentos, juntamente com a diminuição da taxa de mortalidade infantil, em conjunto com os avanços da medicina, o que gerava grande temor de possível explosão geográfica, consequentemente aumentando a desigualdade social. A tabela abaixo mostra dados da população brasileira e vários indicadores demográficos entre 1920 e 2000. Nota-se que o crescimento populacional a cada década aumentara, e que esse aumento se dava devido à redução da TBM (taxa bruta de mortalidade. Observa-se também que a Taxa de Natalidade (TBN) e a Taxa de Fecundidade (TFT) caem bruscamente após a década de 80, causando uma diminuição no crescimento demográfico. Até esse período, o alto crescimento populacional, ainda não era obstáculo ao crescimento econômico, pois ainda não existia essa preocupação entre a população e o desenvolvimento. 7 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. Conduto, as transformações do país levavam a uma nova estrutura familiar, que tinham características de uma sociedade mais urbana- industrial. No final dos anos de 1970 o movimento feminista ganhou força, na abertura política e reorganização dos movimentos sociais. Nesta época se utilizou dos jornais como forma de defesa e a fim de expandir as ideias, organizar e trazer novas ativistas para o movimento. A principal ideia trazida pelos jornais era de uma perspectiva feminina, trazendo questões supostamente privadas e denunciando a intervenção do poder público na esfera privada, destacando a divulgação de estudos acadêmicos relacionados às discussões de gênero e de direito das mulheres. Vale ressaltar que, na década de 1980, as mulheres começaram a obter alguns direitos, quanto às escolhas dentro do planejamento familiar. Mas enquanto as discussões sobre população e desenvolvimento se aqueciam no mundo político, cada vez mais se pensava em formas de regulação da fecundidade, mesmo que as leis, até então, ainda proibissem esterilização, aborto ou mesmo métodos contraceptivos. Com essa crescente procura por meios de regulação da fecundidade e na ausência de uma política pública que versasse sobre o assunto, o mercado, aproveitando essa lacuna, passa a mostrar que o planejamento familiar não é mais um controle coercitivo demográfico, mas sim uma forma de planejar a procriação de acordo com as condições e vontade de cada casal, e com isso, médicos e instituições privadas criam uma ideia mais positiva sobre planejamento familiar e inúmeras clínicas passam a oferecer serviços de fecundidade. Com a crescente atuação dessas empresas, o governo que ainda se mantinha como pró-natalista, começa a sentir pressionado pelas necessidades de se atender a demanda por métodos de regulação de 8 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. fecundidade, tendo que se posicionar sobre o assunto na Conferência Mundial de População em 1974. O documento oficial que foi levado à Conferencia, segundo Merrick (1981): “O texto principal do documento brasileiro é acentuadamente pró-natalista. Denuncia o controle da população como solução para os problemas do Terceiro Mundo e 27 critica a interferência estrangeira nos assuntos relacionados com a população. Mas o último parágrafo do discurso do embaixador contém uma declaração surpreendentemente positiva (tendo em vista os parágrafos que o precederam) sobre os direitos das pessoas a terem acesso ao planejamento familiar e a responsabilidade do Estado em proporcioná-lo” (Merrick, Graham, 1981, p. 343). E é a partir dessa Conferência, que o país sofre uma mudança extrema, sendo uma consonância dizer que planejamento familiar é um direito de todo cidadão, cabendo ao Estado fornecer meios adequados para atender a demanda por métodos contraceptivos adequados e seguros. Então, em 1988 é criado a Constituição da República Federativa do Brasil e logo em seguida, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, estabelecendo agora em Lei que cabe ao Estado proporcionar meios educacionais e científicos para prática do direito ao planejamento familiar, conforme vemos em seu artigo 226, §7º. “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.” Finalmente, em 1996, surgiu a lei nº 9.263 regulamentando o planejamento familiar, trazendo mais força para as mulheres sobre suas escolhas, sendo ainda um conjunto de ações integral a saúde e que proíbe qualquer medida coercitiva. 9 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. Não há que se discordar de tamanha relevância que a Lei do Planejamento Familiar tem na sociedade, seu texto trás proibições estatais de controle demográfico e exige do Estado apoio e assistência à concepção e a contracepção, sempre respeitando a autonomia do casal, mas devemos entender que o país não adotou uma política populacional voltada para o controlismo ou para o natalismo, o país apenas passou a reconhecerque a população demandava meios para um controle de natalidade. Com isso é necessária uma análise crítica para percebemos que ficou uma questão não resolvida nesse processo de transição do país, quanto a essa alta demanda sobre regulação de fecundidade, pois o Estado não forneceu meios adequados nem informações suficientes que atendessem as necessidades da população. Voltando um pouco no texto, foi naquele período de ausência de uma política pública que versasse sobre controle de natalidade que o mercado de farmácias e redes privadas introduziu seus produtos. Todos queriam ter um controle de fecundidade, mas apenas as camadas sociais mais favorecidas e que tinham acesso às informações, conseguiam comprar esses meios contraceptivos, notando-se rapidamente a dificuldade que mulheres pobres enfrentavam para acesso a esses métodos. Como mostrou Medici e Beltrão (1996): “Dado o quadro de carência, a forte prevalência de esterilização, abortos e mortes maternas nas populações mais pobres, urge melhorar a qualidade dos programas de atenção à saúde dessa população o que deverá envolver melhor acompanhamento técnico e aconselhamento e a oferta de um mix mais diversificado de meios contraceptivos” (p. 46). Podemos afirmar então que, as camadas sociais menos favorecidas não podem exercer plenamente seus direitos no que tange a decisões sobre regulação de fecundidade, sendo a gravidez indesejada na adolescência por exemplo, uma realidade frequente. 10 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. 3. UMA ANÁLISE CRÍTICA A LEI 9.263/96 Aprovada em 1996, essa lei que regulamenta o planejamento familiar, estabelece que o Sistema Único de Saúde (SUS), em todos os seus níveis, estão obrigadas a garantir à mulher, ao homem ou ao casal, em toda a sua rede de serviços, assistência à concepção e contracepção. Uma questão fundamental desta Lei é a inserção das práticas da laqueadura de trompas e da vasectomia dentro das alternativas de anticoncepção, definindo critérios para sua utilização e punições para os profissionais de saúde que as realizarem de maneira inadequada e/ou insegura. Composta por 25 artigos e compreendidas entre três capítulos que abordam singularidades do planejamento familiar e estabelece que nenhum programa deve ser realizado visando o controle demográfico, apenas propiciando o direito a todos para controle ou aumento de sua prole, porém, na prática muitas das vezes o acesso a todos esses métodos ainda não é uma realidade. A grande questão é que, nem sempre a criação e aprovação de uma Lei é suficiente para que a ideia pretendida seja respeitada e aplicada. De uma analise meramente formal, a lei visa democratizar os meios contraceptivos nos serviços públicos, sendo tratada com o objetivo de garantir a todos o direito básico previsto em Constituição, de ter ou não filhos, mas realizando brevemente uma análise de alguns de seus artigos, podemos notar regras que limitam e restringem a liberdade individual, ousando-nos a questionar e refletir alguns pontos, especificamente seu artigo 10, que trata das principais regras sobre a esterilização cirúrgica. O inciso I, viola a liberdade como princípio, ao determinar que equipes multidisciplinares desencoraje a esterilização, impondo as pessoas a um comportamento favorecido pelo Estado — a procriação. O Estado deve se abster, porque isso é vontade privada, então qual a justificativa para 11 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. desencorajar a esterilização? Isso faz a gente voltar lá trás, na ideologia natalista. A exigência de registro de manifestação de vontade em documento escrito e firmado (parágrafo 1º) dificulta a esterilização às pessoas analfabetas ou com baixa escolaridade, cabendo-nos indagar se é exigido a mesma formalidade para a realização de cirurgias em geral. A vedação da esterilização cirúrgica em mulher, nos períodos de parto e aborto (parágrafo 2º) infringe o princípio da isonomia (artigo 5º, caput), pois dificulta sobremaneira à mulher esterilizar-se, em comparação com o homem. Além de submeter a mulher a uma outra cirurgia, ofendendo sua dignidade, sujeitando-a a ser aberta e costurada novamente. Portanto podemos concluir que o Estado desempenha um forte papel diretivo nos direitos reprodutivos, fazendo com que os indivíduos tenham o “dever” de reprodução, uma vez que determina aos profissionais de saúde que desencorajem a esterilização além de dificultarem o procedimento para as mulheres. Ousamos dizer que essa lei viola a liberdade como um principio e direito, ferindo a dignidade da mulher quando desconsidera sua vontade. 4. O PAPEL DA MULHER NO PLANEJAMENTO FAMILIAR Diante do marco histórico no planejamento familiar, nota-se que não houve uma isonomia dos papéis de gênero, com isso, entende-se que consequentemente ainda se percebe até a atualidade, apontamentos de que somente a mulher é a responsável pela contracepção da reprodução, em razão disso, o planejamento familiar está ligado a saúde feminina. Esse encargo voltado para as mulheres frente ao planejamento familiar, coloca a mulher como a principal responsável pela manutenção da prole, sendo interpretado pelo fato de que gerar o feto em seu ventre, torna-se ao encargo sexo feminino todos os cuidados para não ocorrer uma possível gravidez indesejada. 12 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. Com a falta de participação do homem no planejamento familiar, ocorre uma grande desigualmente entre os gêneros, pois com a negligência do sexo masculino ao uso do preservativo ou vasectomia, essa responsabilidade recai apenas para as mulheres, que não resta outra opção a não ser colocar os métodos de contracepção em ação. Cabe mencionar-se que, de acordo com GALASTRO E MARCOLINO (2001): “[...] de um lado, a não-colaboração do companheiro no que se refere ao uso do preservativo e à vasectomia e, de outro, a aceitação e incentivo para que suas mulheres mutilem seus corpos para livrarem-se de uma problemática que, apesar de envolver ambos, parece ser encarada por eles como sendo de âmbito exclusivo das mulheres [...].” É notório que, diante da cirurgia esterilizadora disponíveis para ambos os gêneros na mesma proporção fornecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde), nota-se que as mulheres realizam mais a cirurgia que os homens, ainda que o sexo feminino requer mais cuidados com o pós-operatório da laqueadura do que os homens com o procedimento de vasectomia. Ressalta-se que, de acordo com BRAUNER (2002): “[...] são as mulheres que realizam a maior das esterilizações, em virtude do errôneo entendimento de que a esterilização masculina interfere na potência sexual do homem [...].” Dados levantados pelo Ministério da Saúde mostram que no caso de mulheres sem filhos ou com o status não informado, o número de laqueaduras vem aumentando a cada ano, em 2019 foram 653 cirurgias, já em 2022 o número saltou para 1.241. Insta salientar que, houve um avanço na garantia de direitos sexuais e reprodutivos em março de 2023 com a aprovação da Lei 14.443/2022 que dispensa o consentimento do cônjuge para realização da laqueadura e vasectomia, prevalecendo o direito de liberdade de escolha individual. 13 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentaçãodo trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. Portanto, conclui-se que, a sobrecarga de responsabilidade no encargo feminino é exaustiva para a mulher dentro do planejamento familiar. Ainda nos tempos modernos, presenciamos apontamentos de que a mulher é a tomadora de cuidados para a gravidez não desejada, consequentemente excluindo os papéis masculinos pela falta da participação. 5. O PAPEL DO HOMEM NO PLANEJAMENTO FAMILIAR A diferença entre os papéis de gênero no planejamento familiar, se deu pela construção histórica. Enquanto o homem exercia o papel de provedor das necessidades familiares no âmbito financeiro, a mulher ficava a cargo de cuidar e zelar pelo ambiente familiar. Entretanto, ao longo da história esses encargos tendem a ser distribuídos de forma igualitária, podendo a mulher ocupar o espaço no mercado de trabalho e o homem se tornar “do lar”. Porém, ainda existem muitos preceitos de forma contrária, que interferem na participação do homem no planejamento familiar. A falta do papel do gênero masculino, como em escolhas de métodos contraceptivos e/ou planejamento para ter filhos, acarreta o distanciamento do homem aos serviços de saúde, que tende a ser voltado mais para as mulheres. Em agosto de 2008, o Ministério da Saúde do Brasil lançou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), enquanto o das mulheres ocorreu em 1984, ou seja, isso refletiu o distanciamento da participação do gênero masculino. A procura do homem pelos serviços de planejamento familiar muitas das vezes está associada ao fato da companheira não poder utilizar algum método de contracepção por motivos de saúde, ou até mesmo por motivos econômicos, ocasião que geraria dificuldades financeiras com a vinda de um 14 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. filho. Diante do exposto, nota-se que os homens procuram os meios de contracepção devido às circunstâncias que se encontram, o que varia entre âmbito social. Existe uma grande resistência com alguns homens na utilização de contracepção, seja pelos mitos concretos pela sociedade, como por exemplo o fato de a vasectomia interferir na produção de hormônios masculinos nem no seu desempenho sexual, ou até mesmo a negativa de utilização de caminha. Posto isso, a participação do homem no planejamento familiar ainda é muito inferior frente às mulheres, deixando a cargo do gênero feminino a prevenção de uma gravidez não desejada, ou de medidas que contribuem a gravidez planejada. 6. A (IN)EFICÁCIA DA LEI DO PLANEJAMENTO FAMILIAR NA SOCIEDADE O presente capítulo, almeja analisar a Lei do Planejamento Familiar no ordenamento jurídico brasileiro, de modo a comprovar sua ineficácia perante a sociedade, identificando o porquê da ineficiência, sobre a sua aplicabilidade social, principalmente na vida das mulheres, enfatizando a intervenção indevida estatal sobre a esterilização voluntária. Foi graças à Constituição Federal que o Planejamento Familiar passou a ser inserido no ordenamento jurídico e se tornou um direito fundamental de todos os cidadãos Brasileiros. Com acesso a informações precisas e serviços de qualidade, indivíduos e casais podem agora tomar decisões informadas sobre sua própria saúde reprodutiva garantido por lei. O Planejamento Familiar era previsto na Carta Magna, mas sua aplicação somente foi tratada com o advento da Lei 9.263, promulgada no dia 12 de janeiro de 1996, sob o projeto de Lei nº 209 de 1991, de autoria do Deputado Federal Eduardo Jorge. 15 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. Sancionada com a finalidade de regulamentar o Planejamento Familiar, garantindo aos cidadãos o direito à livre escolha para decidirem se pretendem ou não ter filhos. De acordo com o Ministério da Saúde, as ações voltadas ao direito pessoal de planejar a vida sexual e reprodutiva, devem ser ofertadas a adolescentes, jovens e adultos independente da orientação sexual, dando orientações a quem já tem uma vida sexual ativa, ou aqueles que se preparam para iniciá-la. (2010, p. 96) Todavia, ainda após a inserção do Planejamento Familiar no ordenamento jurídico brasileiro, a lei ainda é negligenciada devido à falta de conhecimento e recursos. Muitas vezes, as pessoas não estão cientes dos vários métodos contraceptivos recomendados por especialistas em saúde e dos benefícios potenciais de usá-los. Varella (2011, s.p) acrescenta a tudo isso mais um fator, (...) insisto em dizer que o planejamento familiar no Brasil é inacessível aos que mais necessitam dele. Os casais da classe média e os mais ricos, que podem criar os filhos por conta própria, têm acesso garantido a preservativos de qualidade, pílula, injeções e adesivos anticoncepcionais, DIU, laqueadura, vasectomia e, em caso de falha, ao abortamento; porque, deixando a falsidade de lado, estamos cansados de saber que aborto no Brasil só é proibido para a mulher que não tem dinheiro. Ademais, a família é a espinha dorsal de uma sociedade saudável, mas muitas vezes sofrem com a falta de preparo familiar. Isso leva a um aumento significativo da violência urbana e da marginalização, tendo em vista que, o empobrecimento, a falta de afeto familiar, bem como a ausência paterna e a falta de educação básica, estão diretamente ligados a criminalização de crianças e adolescentes, o que prejudica o progresso econômico e social do País. Evidencia-se que o Estado se posiciona de forma que as mulheres devem ser desencorajadas quanto a esterilização voluntária, bem como, 16 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. exige um mínimo de filhos, para que as mulheres consigam realizar a esterilização. Não obstante, embora esse posicionamento exista, a Constituição Federal é clara quando dizer que é direito do cidadão fazer a sua livre escolha, não cabendo ao estado desencorajar essa decisão. Segundo a revista Terra, a dona de casa Aline Lima da Silva, de 33 anos, sabia que queria ter apenas dois filhos, mas acabou sendo mãe de três. Só depois do nascimento do último filho, em 2021, é que ela conseguiu fazer a laqueadura pelo SUS. "a única coisa é que precisei a autorização do meu marido. Na hora não pensei no quanto isso é opressor, porque ele também fez vasectomia e assinei autorização pra ele. Mas depois parei pra pensar e a mulher não tem livre escolha. É obrigada a ter filho para não ter mais filhos. O Brasil te obriga a ser mãe e isso é absurdo", defendeu. (Entrevista 2022). Nesse sentido, doutrinadores entendem que “a intervenção do Estado na família é fundamental, embora deva preservar os direitos básicos de autonomia. Essa intervenção deve ser protetora, nunca invasiva da vida privada”. (VENOSA, 2005, p.26). Entretanto, a ineficácia da lei não concerne apenas a esterilização voluntária, os outros meios contraceptivos e o acesso à informação também são prejudicados, assim sendo, o cidadão não consegue dispor de seus direitos reprodutivos, resultando muitas vezes em gravidez indesejada ou ainda mais grave, uma gestação na adolescência, tema que é recorrente no Brasil. Conforme pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos com a farmacêutica Organon, revela que a falta de conhecimento é o principal motivo para as brasileiras não planejaremsua vida reprodutiva. Foram entrevistadas 450 mulheres de todas as classes sociais e regiões do país. O resultado: 52% delas usam algum método contraceptivo, mas só 13% afirmam ter domínio pleno de planejamento reprodutivo. 17 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. Ainda segundo a pesquisa do Ipsos, 43% das mulheres entrevistadas desejam ter mais informações sobre cada método e suas diferenças. Além disso, 45% querem que os métodos sejam mais acessíveis e 50% gostariam que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferecesse mais opções de contraceptivos. Pode ser observado a adversidade que a população enfrenta em face do conhecimento de tais métodos, bem como suas diferenças e acessibilidade, comprovando a enorme falha estatal no tocante a propagação de conhecimento acerca das políticas públicas voltadas para a saúde reprodutiva da mulher. Além desses fatores, toda a dificuldade enfrentada pelas pessoas ao acesso à informação sobre os procedimentos de esterilização, ou até mesmo da existência de métodos alternativos para quem não deseja ter filhos, é uma maneira de controle do corpo da mulher. Bem como, resulta em uma supressão do direito de escolha da mulher, e a condena a ter um filho indesejado. O Planejamento Familiar é de extrema importância para os cuidados da saúde, mas seu acesso tem sido historicamente limitado, devido à falta de recursos. Significa dizer que, muitas mulheres e casais são incapazes de tomar decisões informadas sobre sua própria saúde reprodutiva. De acordo com a pesquisa da Bayer, em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e realização pelo IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), cerca de 62% das mulheres já tiveram pelo menos uma gravidez não planejada no Brasil. A incapacidade de tomar decisões informadas sobre o seu próprio corpo e sua própria saúde pode levar a consequências graves e irreversíveis, como o aumento do risco de gravidez indesejada, abortos inseguros, complicações gerais de saúde, bem como, mortes de mães e crianças, importante salientar que, esses fatores são prejudiciais não 18 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. somente para as mulheres e casais de forma individual, mas também toda a sociedade. No tocante, segundo Varella (2011,s.p)… (...) há pouco tempo, afirmei numa entrevista ao jornal “O Globo” que a falta de planejamento familiar era uma das causas mais importantes para a explosão de violência urbana ocorrida nos últimos vinte anos em nosso País. A afirmação era baseada em minha experiência na Casa de Detenção de São Paulo: é difícil achar na cadeia um preso criado por pai e mãe. A maioria é fruto de lares desfeitos ou que nunca chegaram a existir. O número daqueles que têm muitos irmãos, dos que não conheceram o pai e dos que foram concebidos por mães solteiras, ainda adolescentes, é impressionante. Posto isto, é de suma importância a Lei do Planejamento Familiar, todavia, a preocupação estatal deveria ser destinada na garantia da independência de escolha de cada um, e não na obrigatoriedade da maternidade, consequentemente, no tratamento do corpo da mulher como um bem público. Diante do exposto, a Lei do Planejamento Familiar é ineficiente quando persiste em exigir que as mulheres escolham a maternidade, ignorando sua autonomia e liberdade para optarem por ter ou não filhos, acarretando a prejuízos por direitos que as mulheres lutaram e ainda lutam para conquistar, reforçando erros cometidos no passado, onde o corpo da mulher era controlado pela sociedade e o Estado. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base em todos o material estudado, podemos perceber a relação do planejamento familiar com a autonomia da mulher e o acesso a esses métodos. 19 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. A tentativa de implantação do programa de planejamento familiar de forma democrática, dando acesso a todos os cidadãos aos meios contraceptivos pelo sistema Único de Saúde nos mostra que sua eficácia não é aplicada em sua plenitude, ficando os direitos aqui mencionados, sem amparo legal. Não podemos deixar de mencionar as grandes dificuldades encontradas pelas mulheres, especialmente as pobres, mostrando que existe uma necessidade de provimento de um maior conhecimento e acesso aos meios para regulação da fecundidade. A Lei do Planejamento Familiar foi instaurada para que os direitos sexuais e reprodutivos fossem assegurados, mas conclui-se que não tem total eficiência, visto que alguns direitos constitucionais carecem de proteção legislativa, além de ser possível notar um viés controlista que acaba por desmoralizar os princípios basilares da lei quando coloca em segundo plano a autonomia da mulher. Assim, apesar do grande avanço ao longo da história sobre essa tratativa, ainda se faz necessário grandes mudanças por parte dos legisladores para garantir o exercício dos direitos fundamentais e a efetividade do planejamento familiar, que só será efetivo se houver um controle social eficaz. 20 *Acadêmicas de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – FUPAC Mariana MG. Artigo relativo à apresentação do trabalho de pesquisa realizado no primeiro semestre de 2023, sob orientação do professor Raphael F. Carminate. 8. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS o Alves, José Eustáquio Diniz. As Políticas populacionais e o planejamento familiar na América Latina e no Brasil / José Eustáquio Diniz Alves. - Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2006. 52p. - (Textos para discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, ISSN 1677-7093; n. 21); o BRASIL. PORTAL ESTUDOS DO BRASIL REPUBLICANO. (org.). Planejamento Familiar. 2021. 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