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MOR FOS SIN TÁ TI COS ESTUDOS MORFOSSINTÁTICOS VERÔNICA DANIEL KOBS E S T U D O S M O R F O S S IN T Á T IC O S V E R Ô N IC A D A N IE L K O B S Código Logístico 58561 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6481-6 9 788538 764816 Estudos Morfossintáticos IESDE BRASIL S/A 2019 Verônica Daniel Kobs Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ K79e Kobs, Verônica Daniel Estudos morfossintáticos / Verônica Daniel Kobs. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2019. 96 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6481-6 1. Língua portuguesa - Morfologia. 2. Língua portuguesa - Sintaxe. I. Título. 19-57059 CDD: 469.59 CDU: 811.134.3’366/.’367 © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Woters/iStockphoto Verônica Daniel Kobs Pós-Doutorado na área de Intermidialidade pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutora em Estudos Literários (UFPR). Mestre em Literatura Brasileira (UFPR). Licenciada em Letras Português-Latim (UFPR). Autora de materiais didáticos e instrucionais de Língua Portuguesa, na modalidade EAD. Professora de Língua Portuguesa, Metodologia de Ensino e Revisão de Texto em cursos de especialização. Revisora de texto e consultora de Língua Portuguesa e Linguagens em emissoras de televisão, no estado do Paraná. Editora e revisora de revista científica indexada de Literatura. Pesquisadora credenciada, atuante em grupos de pesquisa de literatura e intermídia. Autora de livros sobre língua portuguesa, linguagens e argumentação. Criadora do site Interartes: Blog de Artes & Mídias. Atualmente, é professora do curso de mestrado em Teoria Literária e do curso de graduação em Letras. Sumário Apresentação 7 1 Tipos e classificações dos morfemas 9 1.1 Palavra e morfema 9 1.2 Principais elementos mórficos 11 1.3 Morfemas nominais 13 1.4 Morfemas verbais 14 2 Morfologia nominal e verbal 19 2.1 Análise morfológica do substantivo 19 2.2 Análise morfológica do adjetivo 21 2.3 Análise morfológica do verbo 23 2.4 Neologismos 25 3 Principais processos de formação de palavras 29 3.1 Processos derivativos 29 3.2 Processos composicionais 31 3.3 Processos de base lexical 32 3.4 Processos de base estrutural 35 4 Da Morfologia à Sintaxe 39 4.1 Funções sintáticas substantivas 39 4.2 Funções sintáticas adjetivas 41 4.3 Mudanças estruturais nos casos de colocação pronominal 43 4.4 Funções sintáticas na colocação pronominal 47 5 Funções sintáticas no período simples 51 5.1 Tipos de sujeito 51 5.2 Tipos de predicado 54 5.3 Complementos do verbo 55 5.4 Complementos do nome 55 6 Funções sintáticas no período composto 59 6.1 Tipos de períodos compostos 59 6.2 Sintaxe do período composto por coordenação 60 6. 3 Sintaxe do período composto por subordinação 61 6.4 Sujeito e predicativo nas orações subordinadas substantivas 61 6.5 Objeto direto e objeto indireto nas orações subordinadas substantivas 62 6.6 Objeto indireto e complemento nominal nas orações subordinadas substantivas 63 7 Os verbos e os nomes nas regras de concordância 67 7.1 Sintaxe e registro formal 67 7.2 Substantivos e verbos 67 7.3 Verbos e adjetivos 70 7.4 Substantivos e adjetivos 71 7.5 Adjetivos e advérbios 73 8 Forma e função da preposição nos casos de regência 77 8.1 Preposição e sentido 77 8.2 Regência nominal 78 8.3 Regência verbal 79 8.4 Casos de regência e uso do acento grave 81 Gabarito 87 Apresentação Sob o título de Estudos morfossintáticos, este livro trata de duas áreas fundamentais da Gramática: a Morfologia e a Sintaxe. Desse modo, os primeiros capítulos abrangem a estrutura, formação e classificação dos nomes e dos verbos, ao passo que os capítulos finais apresentam as funções sintáticas nos diferentes tipos de períodos e os casos essenciais de regência e concordância dos nomes e dos verbos. Esses conteúdos foram divididos em oito capítulos: 1. Tipos e classificações dos morfemas. 2. Morfologias nominal e verbal. 3. Principais processos de formação de palavras. 4. Da morfologia à sintaxe. 5. Funções sintáticas no período simples. 6. Funções sintáticas no período composto. 7. Os verbos e os nomes nas regras de concordância. 8. Forma e função da preposição nos casos de regência. Cada um deles irá privilegiar tanto a teoria quanto a prática, oferecendo aos leitores: apresentação de conceitos gramaticais; análise de exemplos; discussões sobre estilo e registros, em uma perspectiva que associa a Gramática à Linguística; dicas de materiais extras, que permitem maior aprofundamento dos conteúdos; e exercícios variados, com respostas comentadas. O primeiro capítulo estabelece a distinção entre palavra e morfema, ao mesmo tempo em que apresenta a divisão mórfica de alguns nomes e verbos. Esse assunto é aprofundado no capítulo dois, que exemplifica e diferencia as desinências nominais e verbais, além de conceituar radical, infixos e afixos. Completando a parte referente à Morfologia, o capítulo três fornece os principais casos de formação de palavras, com ênfase aos processos tradicionais de derivação e composição, mas sem deixar de mencionar outros tipos de procedimento, como empréstimo, braquissemia etc. O capítulo quatro, de transição, demonstra a relação múltipla e complexa entre classes de palavras e funções sintáticas. A partir disso, nos capítulos cinco e seis, os diversos elementos sintáticos são exemplificados e analisados, em períodos simples e em períodos compostos, com o objetivo de estabelecer uma ordem progressiva e geral, a fim de facilitar a aplicação dos conceitos e das regras gramaticais, em contextos associados aos níveis básico, intermediário e avançado do ensino-aprendizagem de nossa língua. Nos capítulos sete e oito, são comentadas as principais normas de concordância e regência, respectivamente. Focalizando os aspectos nominal e verbal dos dois conteúdos, as discussões incluem comentários e orientações sobre os registros formal e informal, as situações de uso e os perfis de diferentes públicos-alvo. Esperamos que esta obra auxilie os leitores na retomada e no aprimoramento de questões de base da língua portuguesa. Idealizamos este livro não apenas para estimular o debate acerca dos aspectos gramatical e linguístico, mas também para facilitar o uso da língua como instrumento fundamental, na comunicação diária – oral ou escrita; formal ou informal. Boa leitura e bons estudos a todos! 1 Tipos e classificações dos morfemas Neste capítulo, vamos começar a tratar da Morfologia, parte da gramática que nos ajuda a entender como são formadas as palavras de nossa língua. Geralmente, em um texto escrito, pensamos que as palavras são as unidades mínimas. Porém, há partículas muito menores, chamadas morfemas. São elas que originam as palavras usadas em todos os processos comunicativos. Conhecendo mais sobre os morfemas, saberemos mais sobre o sentido das palavras e sobre a evolução linguística do português. Atualmente, nossa língua tem passado por inúmeras transformações. Com certeza, analisando com mais atenção as palavras e os elementos que as formam, poderemos compreender e avaliar melhor essas mudanças. A Morfologia estuda a formação das palavras, dividindo-as e analisando-as principalmente no aspecto estrutural. Entretanto, o sentido estabelecido por muitos morfemas também é fundamental nessa área da Gramática. A partir da desmontagem de algumas palavras, vamos conhecer os vários tipos de morfemas usados na constituição dos nomes e dos verbos. 1.1 Palavra e morfema A palavra e o morfema são indissociáveis, pois são os morfemas que, isoladamente ou em conjunto, dão forma à palavra. Por essarazão, a maioria dos morfemas não tem sentido completo. Entretanto, há exceções, porque existem termos que equivalem a um elemento mórfico único. Exemplos: “sol” e “mar”. Nesse caso, então, os conceitos de palavra e de morfema são correspondentes. As diferenças ficam mais claras quando analisamos palavras compostas de dois morfemas ou mais. Vejamos alguns exemplos: leal radical des prefixo dade sufixo deslealdade: sapat radical inho sufixo sapatinho: No primeiro exemplo, havia a palavra “deslealdade”. Porém, quando ela foi decomposta e dividida em morfemas, verificamos três partes fundamentais ou três morfemas: prefixo, radical e sufixo. No termo seguinte, “sapatinho”, também há apenas uma palavra, mas que foi dividida em dois morfemas principais: radical e sufixo. Além disso, observe que o sufixo “inho”, que indica diminutivo, termina com a vogal “o”, considerado pela gramática como desinência que caracteriza o gênero masculino e o número singular. Sendo assim, uma divisão mais detalhada é possível, resultando em três morfemas na mesma palavra: sapat radical inh o sufixo desinência de gênero sapatinho: Vídeo Estudos Morfossintáticos10 Analisando com mais atenção nossa prática diária da língua portuguesa, considerando o que ouvimos, lemos, falamos e escrevemos, podemos perceber que há morfemas que nos auxiliam a compreender o sentido das palavras. Isso ficou claro nos exemplos anteriores, principalmente pelos usos do prefixo “des-” e do sufixo “-inho”. Tais elementos são bastante recorrentes e já sabemos que eles significam, respectivamente: falta ou ausência de (“deslealdade” = “falta de lealdade”) e tamanho pequeno (“sapatinho” = “sapato pequeno”). Quando isso ocorre, estamos tratando de morfemas lexicais. No que diz respeito ao principal morfema, o radical, pode-se afirmar que ele assegura que as palavras da mesma família (e, portanto, com o mesmo radical) tenham o mesmo sentido essencial. Por isso, os radicais também são morfemas lexicais. Exemplos: amor, amado, amante, amável,... amora, amorinha, amoreira,... Nas duas famílias de palavras dadas como exemplo, percebemos que o radical é o que se mantém. Na lista iniciada pelo termo “amor”, o radical é “am-”. Já na segunda lista, cujo primeiro termo é “amora”, conclui-se que o radical é “amor-”. A escolha de famílias de palavras tão semelhantes serve para destacarmos que o radical deve ser analisado com cuidado, por meio da comparação de várias palavras do mesmo grupo. Embora sejam parecidos e nos induzam ao erro, verificamos facilmente que os radicais são diferentes e essa característica garante que “amora” e “amor” tenham significados ou sentidos distintos, justamente porque o radical não é o mesmo. Com base na estrutura dos termos que integram as duas famílias de palavras, chegamos a dois conceitos fundamentais na Gramática: palavras primitivas e palavras derivadas. As primitivas são o ponto zero, originando os demais termos da lista. Consequentemente, as derivadas desenvolvem- -se a partir da palavra primitiva. Exemplos: amor palavra primitiva amado, amante, amável,... palavras derivadas amora palavra primitiva amorinha, amoreira,... palavras derivadas Também no que se refere à estrutura, observe que todas as palavras aqui analisadas têm apenas um radical. Isso significa que elas são simples. Contudo, tanto “amora” quanto “amor” podem se tornar palavras compostas. Basta que, para isso, acrescentemos mais uma palavra (e, portanto, mais um radical). Exemplos: amor-do-campo: amor radical 1 do preposição campo radical 2 amora-da-mata: amora radical 1 da preposição mata radical 2 Tipos e classificações dos morfemas 11 Com o acréscimo de um novo radical, as palavras simples “amor” e “amora” tornaram-se compostas: “amor-do-campo” e “amora-da-mata”. Aprofundando a diferença entre palavra e morfema, é preciso conhecer os conceitos de forma livre e forma presa. A primeira delas é uma palavra e, portanto, pode ser usada isoladamente no discurso, como demonstra este diálogo: — Que tipo de presente você irá comprar? — Chocolate. As formas presas são os morfemas, pois não têm sentido completo. Elas precisam se associar a outros morfemas para completar a significação. Exemplos: “geo-” e “pneumo-”. Isolados, esses radicais de origem grega nos remetem, respectivamente, às ideias de “terra” e “pulmão”, mas ambos não podem ser usados sozinhos. Eles precisam integrar uma palavra (pois estão presos a outros morfemas), como ocorre em “geografia” e “pneumonia”. As formas presas são dependentes. Sendo assim, além do exemplo anterior, há um segundo tipo de forma dependente, composto por algumas palavras, geralmente usadas como elos em nossa língua, porque conectam um termo a outro. Vejamos dois exemplos: Preciso de ajuda para consertar tudo. Nesse período, há quatro palavras: “preciso”, “ajuda”, “consertar” e “tudo”, interligadas por dois termos dependentes, “de” e “para”. De acordo com a gramática tradicional, as formas dependentes não são palavras propriamente ditas, pois servem apenas de “instrumento” para encadear as ideias. Desse modo, os termos dependentes ou instrumentos não gozam do mesmo status da palavra que serve como forma livre: “Toda palavra é vocábulo, mas nem todo vocábulo é palavra” (MONTEIRO, 2002, p. 12). Há, portanto, vocábulos, tais como preposições, conjunções, entre outros, que não são palavras, são apenas instrumentos gramaticais, cujo significado – que é meramente gramatical – só é possível perceber na relação com outros vocábulos. O uso de morfemas para formar palavras é chamado de “lexicalização” (ROCHA, 2003, p. 86). Entretanto, vale ressaltar que não há uma regra que se destaque na Morfologia. Embora existam palavras com formação semelhante a outras, sempre há exceções. Isso pode ser percebido na comparação a seguir: revisar > revisor dirigir > diretor (e não dirigidor) Os casos em análise são distintos, pois o primeiro segue o paradigma e mantém a identidade mórfica. Porém, no segundo exemplo, ocorre a “lexicalização estrutural” (ROCHA, 2003, p. 89), porque a formação do substantivo “diretor” altera significativamente o morfema-base, recusando o padrão. 1.2 Principais elementos mórficos Quando analisamos a diferença entre palavra e morfema, apresentamos o conceito de radical com base em famílias de palavras. Agora, a fim de aprofundar esse conhecimento, veremos os radicais de outras palavras: cortador – radical: “cort-”, considerando também “corte”, “cortadeira”,... Vídeo Estudos Morfossintáticos12 arranhão – radical: “arranh-”, considerando também “arranhador”, “arranhadura”,... Desde o início deste capítulo, estamos usando o hífen na indicação dos morfemas. Isso ocorre para sinalizar como um elemento mórfico associa-se a outros. Nos exemplos anteriores, como em “arranh-ão”, o hífen vem depois do radical, para indicar que em seguida está outro morfema: o sufixo “-ão”. Analisando agora a colocação do hífen antes do sufixo, concluímos que isso ocorre porque antes desse morfema há outro, o radical. Além do radical, que alguns gramáticos denominam “semantema” (TERRA, 2011, p. 50), existe a raiz, que depende da origem da palavra. Dessa forma, o radical está associado à Morfologia, enquanto a raiz relaciona-se à Etimologia. Na palavra “livro”, por exemplo, o radical é “livr-”, considerando também “livraria”, “livrinho”, etc., mas a raiz é “libr-”, pois, de acordo com o dicionário Novo Aurélio século XXI, a palavra “livro” originou-se do latim libru. Muitas palavras de nossa língua são de origem latina, como também é o caso de “paz”, que se originou do latim pace, segundo o Novo Aurélio século XXI (HOLANDA, s/d). Portanto, esse é outro exemplo de lexicalização estrutural, como vimos anteriormente, afinal “paz” e “pazes” obedecem a um paradigma, enquanto “pacífico” e “pacificador” apresentam um radical distinto, que se identifica mais com a raiz “pac-”. A distinção entre radical e raiz é importante para definiro que são derivados e cognatos. De acordo com Napoleão Mendes de Almeida, as palavras derivadas têm o mesmo radical, como “cândid-o” e “candid-a-mente” (ALMEIDA, 2009, p. 194). Já as palavras cognatas têm a mesma raiz: “cand-ura”, “când-ido” e “in-cand-escência” (ALMEIDA, 2009, p. 194). Associados aos radicais, estão os afixos, que podem ser de dois tipos: prefixos e sufixos. Quando são usados, eles auxiliam a flexibilidade linguística, ampliando a palavra primitiva, porque criam inúmeros termos derivados dela. Anteriormente, já vimos um exemplo de prefixo e outro de sufixo. Porém, vejamos agora diferentes tipos de cada um deles: ferimento oleoso fielmente antigamente inalterado hipermercado contradizer superdivertido Na primeira lista temos apenas sufixos, afixos que são colocados depois do radical. Em “ferimento”, o sufixo é responsável por transformar o verbo “ferir” em substantivo. Em “oleoso”, o sufixo “-oso” indica abundância e é usado para transformar o substantivo “óleo” em adjetivo. Por fim, temos o sufixo “-mente”, muito relacionado aos advérbios de modo. Contudo, há exceções: em “fielmente” temos, de fato, um advérbio de modo; mas, em “antigamente”, temos uma circunstância de tempo (Quando? Antigamente). Na lista número dois, há exemplos de prefixos. Por isso, eles vêm sempre antes do radical. Nos exemplos dados, quase todos os prefixos são de origem latina, apenas “hiper-” tem origem grega. Como se vê, os prefixos são quase sempre morfemas lexicais, pelo fato de nos darem pistas importantes sobre o sentido da palavra: “in-” indica negação; “hiper-” e “super-” indicam tamanho grande; e “contra-” caracteriza oposição. Tipos e classificações dos morfemas 13 O uso dos prefixos em nossa língua sofreu inúmeras alterações em razão do novo acordo ortográfico. As regras são muitas e a consulta é necessária para evitar erros. Veja, por exemplo, o caso de “superdivertido”, que agora se escreve junto e sem hífen. 1.3 Morfemas nominais Os morfemas nominais servem especificamente para as classes de palavras que a gramática denomina “nomes” (adjetivos e substantivos). Com exceção do radical, as desinências são consideradas morfemas gramaticais, porque não estabelecem exatamente um sentido. Ao contrário, as desinências permitem que as palavras sejam flexionadas, variando em número – singular ou plural – e em gênero – masculino ou feminino. Para aprofundar o exemplo já visto anteriormente (“sapatinho”), observe alguns termos distintos: Adjetivos interessado: interess-ad-o; radical + sufixo “-ado”, usado para transformar substantivos em adjetivos + desinência de gênero masculino, incluída no final do sufixo; a ausência do “-s” indica número singular. Dessa forma, nesse exemplo, há uma palavra e três morfemas. interessadas: interess-ad-a-s; radical + sufixo “-ada”, usado para transformar substantivos em adjetivos + desinência de gênero feminino, incluída no final do sufixo + desinência de número plural. Sendo assim, trata-se de uma palavra e quatro morfemas. Substantivos moço: moç-o – radical + desinência de gênero masculino; a ausência do “-s” indica número singular. Portanto, temos uma palavra e dois morfemas. moças: moç-a-s – radical + desinência de gênero feminino + desinência de número plural. Nesse caso, temos uma palavra e três morfemas. Em nossa língua, há palavras que não possuem um termo específico para cada gênero. Alguns exemplos são: “caderno”, “leite” e “carta”. Nos dicionários, essas palavras são classificadas, respectivamente, nos seguintes gêneros: masculino, masculino e feminino. Entretanto, temos “caderno”, mas não “caderna”. Quando isso ocorre, ou seja, quando não existe flexão de gênero, a palavra não apresenta uma desinência de gênero. Sendo assim, as vogais destacadas nos exemplos dados aqui são denominadas “vogais temáticas nominais”. A fim de fixar a diferença entre desinência de gênero e vogal temática, vejamos a seguinte comparação: cadeir a vogal temática nominal o “-a” é vogal temá- tica nominal, pois não existe “cadeiro”. Vídeo Estudos Morfossintáticos14 estagiári o desinência nominal de gênero o “-o” é desinência nominal de gênero, pois existe a forma oposta: “estagiária”, que corresponde ao gênero feminino. Muitos substantivos precisam utilizar vogais ou consoantes de ligação para permitir a conexão adequada entre os morfemas, facilitando, inclusive, a pronúncia. Exemplos: eletricidade – radical + vogal de ligação “-i-” + sufixo “-dade” paulada – radical + consoante de ligação “-l-” + sufixo “-ada” chaleira – radical + consoante de ligação “-l-” + sufixo “-eira” Para verificar como as letras de ligação influenciam positivamente a pronúncia das palavras, basta tentarmos pronunciar em voz alta os três termos de nossa lista, eliminando as letras de ligação. Dessa forma, teríamos: “eletricdade”, “pauada” e “chaeira”. A pronúncia não é impossível, mas com certeza é dificultada e alongada. O aparelho fonador (em especial os lábios, os dentes e a língua) tem muito mais trabalho quando não pode contar com a valiosa ajuda das vogais e consoantes de ligação. Quando elas aparecem, criam-se pontes que facilitam a dicção. 1.4 Morfemas verbais Como qualquer palavra, o verbo precisa de um radical. Entretanto, a formação verbal tem um elemento específico: o tema, resultante da soma do radical com a vogal temática. Para compreender esses elementos mórficos, vejamos a estrutura a seguir: tema = soma- somar som radical a vogal temática r desinência de infinitivo Observe que a vogal temática vem imediatamente antes da desinência de infinitivo. Além disso, é a vogal temática que determina a qual conjugação o verbo pertence (letra “a”: 1ª conjugação / letras “e” ou “o”1: 2ª conjugação / letra “i”: 3ª conjugação). Outra conclusão importante é que o tema também pode ser obtido com a eliminação do “-r”. Estes exemplos podem esclarecer melhor tais constatações: 1 O verbo “pôr” e seus derivados pertencem à 2ª conjugação verbal, por causa da origem latina. Historicamente, o verbo passou por quatro principais estágios: ponere, poner, poer e “pôr”. Vídeo Tipos e classificações dos morfemas 15 tema = possui- possuir possu radical i vogal temática r desinência de infinitivo 3ª conjugação tema = (re)po- repor pre radicalprefixo o vogal temática r desinência de infinitivo 2ª conjugação tema = corre- correr corr radical e vogal temática r desinência de infinitivo 2ª conjugação tema = para- parar par radical a vogal temática r desinência de infinitivo 1ª conjugação Assim como os nomes, os verbos também têm desinências. Há dois tipos de desinências verbais: número-pessoal (NP) e modo-temporal (MT)2. Dessa forma, cada uma dessas partes, como o nome já anuncia, indica, respectivamente: o número e a pessoa do verbo (1ª, 2ª ou 3ª pessoa do singular / 1ª, 2ª ou 3ª pessoa do plural); o modo (indicativo, subjuntivo ou imperativo) e o tempo verbal. Veja alguns exemplos de como a Morfologia indica tais características dos verbos: á VT am R sse MT mos NP amássemos 2 Junto com as abreviaturas NP e MT, serão usadas aqui: “VT” para “vogal temática” e “R” para “radical”. Estudos Morfossintáticos16 A desinência “-sse-” sinaliza que o verbo está conjugado no tempo pretérito imperfeito do modo subjuntivo. Já a desinência “-mos” indica que o verbo está flexionado na 1ª pessoa do plural. Outros exemplos são: e VT dev R ria MT (futuro do pretérito do indicativo) m NP (3ª pessoa do plural) deveriam a VT est R va MT (pretérito imperfeito do indicativo) Ø NP (1ª/3ª pessoa do singular) estava As formas nominais de verbos (infinitivo, particípio3 e gerúndio) apresentam especificidades. Nelas não existem desinências de modo e tempo, nem de número e pessoa. Isso fica claro nas divisões que se seguem: a VT sonh R r desinência de infinitivo sonhar e VT viv R ndo desinência de gerúndio vivendo Considerações finais A partir dos temas abordados neste capítulo,percebemos a importância de pensarmos sobre as partes que compõem as palavras que usamos, diariamente, em nossa língua. Existe uma coerência interna nos nomes e nos verbos, pois toda língua é um sistema organizado. Dessa forma, se aplicarmos a Morfologia mental e rapidamente, nos termos mais recorrentes de nossos textos, o resultado será imediato: nosso vocabulário será ampliado. Além disso, o domínio dos morfemas lexicais irá possibilitar não apenas um conhecimento maior da estrutura linguística, mas também do significado de muitas palavras, sem a necessidade de consultas frequentes a dicionários ou a outros materiais de apoio. Usamos a língua portuguesa no dia a dia, em qualquer situação. Portanto, se optarmos pelo uso mais consciente, com certeza nosso conhecimento e nossa aprendizagem serão aprimorados. 3 O particípio quase sempre equivale a um adjetivo. Para ver essa forma nominal de verbo dividida em morfemas, retome a análise dos adjetivos, na seção 1.3 deste capítulo. Tipos e classificações dos morfemas 17 Ampliando seus conhecimentos Para saber mais sobre os principais assuntos deste capítulo, algumas dicas podem ser de grande ajuda: • ROCHA, L. C. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: UFMG, 2003. Nesse livro, o Capítulo 4, intitulado O surgimento de um novo vocábulo, põe em prática o conteúdo de Morfologia ao apresentar os diferentes modos de formação das palavras em nossa língua. • ROCHA, R. Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999. O conto Marcelo, marmelo, martelo geralmente é classificado como literatura infantil, mas é uma experiência de leitura muito interessante e divertida para qualquer idade. Discutindo a arbitrariedade dos signos e conteúdos da Morfologia, a escritora Ruth Rocha apresenta como protagonista da história uma criança curiosa e questionadora, que não entende por que o cachorro não se chama “latildo”; por que a língua canina não é o latim (afinal, todo cachorro late o tempo todo); por que “cadeira” não se chama “sentador”; e por que usamos a palavra “travesseiro”, em vez de “cabeceiro”. • SLIDE SERVE. Verbo. Disponível em: https://www.slideserve.com/peyton/verbo. Acesso em: 21 jan. 2019. O site https://www.slideserve.com/peyton/verbo oferece um material resumido sobre verbos, incluindo dois eslaides com as tabelas das desinências verbais (modo-temporais e número-pessoais). Os quadros são muito úteis na hora de tirarmos dúvidas sobre as divisões dos verbos e seus inúmeros morfemas. Na língua portuguesa, temos vários tempos, modos verbais e diversas pessoas conjugam os verbos. Portanto, para dar conta de um conteúdo tão extenso, as tabelas oferecidas pelo Slide Serve são indispensáveis. Atividades 1. Em: “O sapateiro reformou a sapatilha e deu a uma menininha”, selecione apenas as palavras que têm afixos, identificando-os e explicando a função semântica que eles desempenham na palavra. 2. Nas orações a seguir, analise com atenção os nomes, marcando as desinências de gênero e número. Depois, reescreva cada item, invertendo todas as desinências nominais. a) A dona da pensão estava aflita. b) O amigo das minhas primas era rico. Estudos Morfossintáticos18 Modelo: A boneca era nova. (As desinências nominais marcadas indicam feminino singular) Os bonecos eram novos. (Na inversão, as desinências passaram a indicar masculino e plural) 3. Separe os elementos dos verbos a seguir, identificando radical, vogal temática, tema, desinências modo-temporais e desinências número-pessoais. Em cada caso, defina a conjugação, o tempo, o modo, a pessoa e o número dos verbos flexionados: a) Cantávamos b) Partíssemos Referências ALMEIDA, N. M. de. Gramática metódica da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 2009. HOLANDA, A. B. Livro. In: HOLANDA, A. B. (org). Novo Aurélio século XXI. Nova Fronteira, [s. l.: s. n.] 1 CD ROM. HOLANDA, A. B. Paz. In: HOLANDA, A. B. (org). Novo Aurélio século XXI. Nova Fronteira, [s. l.: s. n.] 1 CD ROM. HOLANDA, A. B. Pedra. In: HOLANDA, A. B. (org). Novo Aurélio século XXI. Nova Fronteira, [s. l.: s. n.] 1 CD ROM. MONTEIRO, J. L. Morfologia portuguesa. São Paulo: Pontes, 2002. ROCHA, L. C. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: UFMG, 2003. TERRA, E. Curso prático de gramática. São Paulo: Scipione, 2011. 2 Morfologia nominal e verbal Pelo fato de a Morfologia constituir uma parte da gramática, é fundamental identificar e compreender as formas fixas e tradicionais que compõem cada grupo de palavras. Em nossa língua, há dois conjuntos: o dos nomes e o dos verbos. Para estudarmos detalhadamente essas estruturas e aprofundarmos o que vimos no capítulo anterior, vamos analisar outros exemplos de nomes, que compreendem duas classes de palavras: substantivos e adjetivos. Além disso, os elementos mórficos dos verbos serão reforçados e ampliados, nos diferentes tempos e modos verbais. Por fim, trabalharemos com alguns exemplos de neologismo, processo necessário para a renovação contínua do vocabulário da língua. Em essência, cada novo termo retoma os principais elementos mórficos da língua, aliando inovação e tradição. 2.1 Análise morfológica do substantivo O substantivo é a principal classe de palavras de qualquer língua. Junto com os verbos, são os substantivos que garantem uma comunicação básica. Exemplo: “meninos correm”. A rigor, os substantivos podem designar objetos e seres (genéricos ou específicos). Isso nos auxilia na diferenciação entre substantivo comum e substantivo próprio, como se vê a seguir: mesa: subst. comum (objeto) meninos: subst. comum (seres genéricos / todos os meninos) Lucas: subst. próprio (ser específico / um menino apenas: Lucas) Retomando os exemplo dados, observe que a letra inicial também serve para estabelecer a diferença entre os dois tipos de substantivos. Os comuns iniciam-se com letra minúscula e os próprios, com maiúscula. De acordo com Ernani Terra, há diversos tipos de sufixos nominais. Vejamos alguns deles, nestes exemplos citados pelo autor: “de valor aumentativo: [...] vozeirão” (TERRA, 2011, p. 59); “de valor diminutivo: [...] lugarejo” (TERRA, 2011, p. 59); “que formam substantivos a partir de adjetivos: [...] velhice [de velho]” (TERRA, 2011, p. 60); e “que formam substantivos a partir de verbos: [...] exportação [de exportar]” (TERRA, 2011, p. 60). Nessa breve lista, temos apenas substantivos comuns e palavras derivadas, pois surgiram a partir de outra (palavra primitiva), por meio do acréscimo de um sufixo. O prefixo desempenha a mesma função, na derivação. Alguns exemplos são: recalibragem [re + calibr + agem] descuido [des + cuido] Vídeo Estudos Morfossintáticos20 No primeiro exemplo, o prefixo “re-” indica ação repetida, mas há também um sufixo (“-agem”). No segundo termo, o prefixo “des-” significa negação (descuido = falta de cuidado). É importante verificarmos que, nos sufixos, aparecem as desinências nominais de gênero e de número. Isso ocorre em: confeiteiro lutadoras Em “confeiteiro”, o sufixo “-eiro” indica ofício ou profissão. Acoplada a ele está a desinência nominal “-o”, que indica gênero masculino e número singular (pela ausência do “s”). No caso da palavra “lutadoras”, há algumas diferenças, porque o sufixo é outro (“-dor”), apesar de também indicar ofício ou profissão. Quanto às desinências nominais, nesse caso elas não modificam o sufixo “-dor”; apenas são acrescentadas a ele. Dessa forma, verificamos que a letra “-a-”, que encerra a palavra, marca o gênero feminino e a consoante “-s” estabelece o número: plural. Até aqui, vimos exemplos de substantivos simples, porque apresentam apenas um radical. Porém, quanto ao critério da estrutura, existem também os substantivos compostos, formados por mais de um radical. Exemplos: agricultura [agri + cultura] couve-flor [couve + -flor] No primeiro exemplo (“agricultura”), foram somados dois radicais latinos (agri + cultura), sem o auxílio do hífen, o que torna maisdifícil sabermos que se trata, de fato, de um substantivo composto. Nesse caso, é importante consultar uma gramática, buscando as tabelas de radicais e prefixos (gregos e latinos), para evitar erros e classificações apressadas. Já o termo “couve-flor” utiliza o hífen para justapor duas palavras, cada uma com seu radical (“couve” + “flor”). Distinguir o radical de outros elementos mórficos torna-se fundamental na classificação dos substantivos. Na língua portuguesa, existem inúmeros prefixos que se ligam ao radical com hífen. Entetanto, o uso do hífen não basta para podermos classificar o substantivo como composto, afinal, estamos somando prefixo e radical, e não dois radicais. A seguir, em conformidade com o novo acordo ortográfico, em vigor desde 2016, exemplificamos substantivos que podem utilizar o hífen em sua grafia, mas que não são compostos: contrarregra arqui-inimigo Em ambos os casos, há apenas uma palavra-base – “regra” e “inimigo” – e, portanto, um só radical. Os afixos “contra-” e “arqui-”, pelo fato de estarem antes do radical, são prefixos. De acordo com as normas ortográficas vigentes, devemos levar em conta a vogal final dos prefixos e a letra inicial da palavra primitiva. Sendo assim, quando o prefixo termina com vogal e o termo- base inicia-se com “r”, essa consoante deve ser dobrada, para que a pronúncia da primeira sílaba da palavra primitiva (“regra”, no exemplo dado) seja preservada. Se escrevêssemos “contraregra”, leríamos em voz alta usando apenas um “r”, e não dois, o que descaracterizaria a palavra original e primitiva (“regra”). Outra norma do novo acordo aparece aplicada em “arqui-inimigo”, que separa com hífen as duas vogais idênticas (o “i” final do prefixo e o “i” inicial da palavra primitiva). Nos Morfologia nominal e verbal 21 dois casos, houve mudança total na grafia, pois, antes do novo acordo de 2016, escrevíamos assim: “contra-regra” e “arquiinimigo”. 2.2 Análise morfológica do adjetivo Junto com os substantivos, os adjetivos integram o conjunto dos nomes. Geralmente, os adjetivos têm função secundária, pois são usados em função de algo ou alguém que é caracterizado (ou adjetivado). Exemplo: amigo jovem Aqui, temos um substantivo, “amigo”, que é especificado pelo adjetivo “jovem”. Evidentemente, há ocasiões em que o adjetivo eleva seu status, podendo assumir a função de um substantivo. Basta que, para isso, ele seja antecedido por um artigo, como, por exemplo – O jovem trabalha / Um jovem está desaparecido –, ou simplesmente assuma a função substantiva, sem artigo antes, como ocorre na linguagem jornalística: – Jovem é encontrado depois de uma semana. Voltando à função adjetiva de “jovem”, perceba que esse nome não varia, independentemente do gênero do substantivo a que ele se refere. Exemplos: amiga jovem amigo jovem No que se refere à função, tipicamente o adjetivo é atributo, seja ele positivo ou negativo. Conforme Faraco e Moura: “Adjetivo é a palavra variável que expressa característica, qualidade, aparência ou estado [...]” (FARACO; MOURA, 2003, p. 132). Exemplificando esse conceito, temos: filme ruim flor bonita palestra interessante No que se refere à estrutura, a exemplo dos substantivos, os adjetivos também podem ser simples ou compostos. Exemplos: diretor inglês seriado norte-americano O adjetivo simples (“inglês”) é formado apenas por uma palavra e, portanto, tem um só radical. Já em “norte-americano”, há duas palavras e dois radicais. Além disso, o hífen é utilizado para indicar a justaposição dos termos. Retomando um dos exemplos anteriores – diretor inglês –, constatamos que o adjetivo caracteriza o substantivo, assim como ocorreu nos exemplos anteriores (“filme ruim”, “flor bonita” e “palestra interessante”). Porém, a palavra “inglês” apresenta uma peculiaridade, pois indica a nacionalidade de alguém. Tais adjetivos são denominados “pátrios” ou “gentílicos”. Observe outros exemplos: acordo nipo-brasileiro atleta holandês Analisando mais detidamente os adjetivos “brasileiro” e “ holandês”, verifica-se o uso dos sufixos “-eiro” e “-ês”, que indicam a formação de adjetivos a partir de substantivos próprios: “Brasil” e “Holanda”, respectivamente. Além disso, perceba que o adjetivo pátrio composto que define o termo “acordo” utiliza a forma “nipo”, em vez de “japonês”. Isso sempre caracteriza o primeiro termo do Vídeo Estudos Morfossintáticos22 composto pátrio ou gentílico. A gramática chama essa forma diferenciada de “reduzida” ou “erudita”. Segue mais um exemplo desse tipo de adjetivo: subst. cinema franco-brasileiro adjetivo pátrio composto forma reduzida + forma normal Como mencionado na parte dos substantivos, algumas palavras podem gerar dúvida quanto à estrutura, pela confusão que existe entre prefixos e radicais. Nos adjetivos “extrasseco” e “socioeconômico” isso fica evidente, mas atenção: a) “extra” é um prefixo, o que faz de “extrasseco” um adjetivo simples, derivado de “seco”; b) “socioeconômico”, por outro lado, é um adjetivo composto, pois associa duas palavras (e dois radicais)1. Outro tipo de adjetivo corresponde ao particípio, que é uma forma nominal de verbo. A princípio, verbos e nomes pertencem a grupos distintos, mas é preciso considerar a classificação do particípio (forma nominal de verbo). Essa condição torna possível a correspondência do particípio com o adjetivo. Inclusive, tal como já visto no Capítulo 1, o particípio também apresenta desinências nominais. Observe: assinado: Em "assinado", o radical "assin-" soma-se ao sufixo “-ado”, usado para transformar o verbo “assinar” em adjetivo e que, por isso, já inclui as desinências "-o", de gênero masculino, e de número singular, pela ausência do “s”. assin radical ado sufixo decretadas: Na palavra "decretadas", há o radical "decret-", também somado ao sufixo "-adas", que transforma o substantivo “decreto” e o verbo “decretar” em adjetivo, incluindo as desinências "-a-", de gênero feminino, e "-s", de número plural. decret radical aad s sufixo desinência de número plural desinência de gênero feminino 1 As formas usadas seguem o novo Acordo Ortográfico de 2009. Na grafia antiga, usávamos “extra-seco” e “sócio- -econômico”. A falta do hífen na grafia atual tornou necessárias a duplicação do “s” em “extrasseco” e a queda do acento agudo, em “sócio”. Morfologia nominal e verbal 23 2.3 Análise morfológica do verbo Nesta seção do capítulo, vamos retomar os verbos, para analisarmos outras estruturas, destacando os elementos mórficos de tempos e modos verbais diferentes daqueles exemplificados no Capítulo 1. Na língua portuguesa, há três modos verbais: indicativo, subjuntivo e imperativo. Entre eles, o imperativo é bastante específico, pois não apresenta tempos verbais. Em vez disso, ele se conjuga em duas formas: afirmativa e negativa. Como o nome já anuncia, esse modo dá uma ordem. Exemplos: 2 faça: faç R a DM2 (você) não parem: não par R e DM m DNP (vocês) No primeiro exemplo: “faça”, o modo imperativo está na forma afirmativa. Entre parênteses, lemos “você”, que indica o interlocutor, ou seja, aquele a quem damos a ordem. No segundo exemplo, há duas diferenças: a forma negativa, marcada pelo advérbio “não” na frente do verbo; e a presença da desinência número-pessoal, afinal, agora, o interlocutor é representado pela 3ª pessoa do plural (“vocês”). Um detalhe importante, no aspecto morfológico do primeiro verbo mencionado, é o radical “faç-”, considerando-se que o infinitivo do verbo é “fazer”. Isso ocorre porque se trata de um verbo irregular. Na flexão verbal a seguir, fica demonstrada essa característica, que nos permite identificar se um verbo é regular ou irregular: Presente do indicativo Eu escrevo Tu escreves Ele escreve Nós escrevemos Vós escreveis Eles escrevem Escrever Tu fazes Ele faz Nós fazemos Vós fazeis Eles fazem Fazer oEu faç Como se vê, o verbo regular – “escrever” – mantém o radical em todas as pessoas. O mesmo nãoocorre com o verbo irregular – “fazer” –, que apresenta a forma da 1ª pessoa do singular com radical distinto das outras pessoas. 2 Porque o modo imperativo não tem tempos verbais, não usamos DMT; usamos apenas DM (desinência de modo). Vídeo Estudos Morfossintáticos24 Voltemos agora ao imperativo afirmativo exemplificado anteriormente, pois ele tem muita semelhança com a flexão que aparece no modo subjuntivo, composto por três tempos verbais: Presente: que eu faça faç R a DMT Presente: que ele faça faç R a3 DMT Pretérito imperfeito: se eu partisse i VT part R sse DMT r DMT a VT fal R em DNP Futuro: quando eles falarem O presente do indicativo utiliza o verbo “faça” para a 1ª e a 3ª pessoas do singular. A diferença é que esse tempo do modo subjuntivo faz uso do “que” para auxiliar a conjugação do verbo, enquanto no imperativo há apenas a ordem afirmativa ou negativa e a indicação da pessoa que recebe o pedido. Outra coincidência está no fato de o modo imperativo e o presente do modo subjuntivo não apresentarem a vogal temática. Esse detalhe pode ser facilmente percebido, comparando-se as flexões apresentadas anteriormente, que exemplificam os três tempos do modo subjuntivo. Os prefixos, afixos que sempre antecedem o radical, são frequentes também nos verbos. Exemplos: recriar a VT re prefixo cri R desinência de infinitivo r antepor o VT ante prefixo p R desinência de infinitivo r Nas divisões citadas, temos, respectivamente: prefixo, radical, vogal temática e, por fim, a desinência do infinitivo. Pois bem, vamos agora utilizar o verbo “recriar” para analisarmos as partes mórficas de alguns tempos verbais do modo indicativo4 (diferentes daqueles que vimos no capítulo anterior): 3 O verbo “fazer” foi conjugado na primeira e na terceira pessoas do singular do presente do subjuntivo, para demonstrar que ambas têm a mesma morfologia. Isso ocorre também em outros tempos e modos. Utilizando como exemplo o verbo “andar”, verificamos essa semelhança: no pretérito imperfeito do indicativo (eu andava / ele andava); no pretérito mais-que-perfeito do indicativo (eu andara / ele andara); no futuro do pretérito do indicativo (eu andaria / ele andaria); no pretérito imperfeito do subjuntivo (se eu andasse / se ele andasse); e no futuro do subjuntivo (quando eu andar / quando ele andar). 4 O modo indicativo apresenta os seguintes tempos: presente, pretérito imperfeito, pretérito perfeito, pretérito mais- -que-perfeito, futuro do presente e futuro do pretérito. Morfologia nominal e verbal 25 Pretérito perfeito5: eles recriaram a VT re prefixo cri R DMT ra m DNP (3ª pessoa do plural) 5 Pretérito mais-que-perfeito: nós recriáramos á VT re prefixo cri R DMT ra mos DNP (1ª pessoa do plural) 2.4 Neologismos O neologismo é um processo que resulta na formação de novas palavras. Atuando diariamente sobre a língua, os indivíduos, ao realizarem os atos de fala e escrita, de modo consciente ou inconsciente, buscam meios de se comunicar, adaptando a língua ao contexto social de cada época. Dessa forma, a sociedade e a língua evoluem juntas. Além disso, a criação de novas palavras revela necessidade e certo grau de amadurecimento linguístico. Segundo Antônio Sandmann: a competência lexical do usuário de uma língua se compõe de dois momentos: o da análise e interpretação das unidades estabelecidas no léxico, isto é, já formadas, e o da formação ou entendimento de novas palavras de acordo com modelos ou regras que a gramática da língua põe à disposição. (SANDMANN, 1998, p. 23) Podemos relacionar o primeiro momento descrito pelo autor à Morfologia de um modo geral. Depois, no segundo estágio, após conhecer e classificar os elementos mórficos de diferentes classes de palavras, o indivíduo torna-se capaz de usar os padrões apreendidos de modo criativo, com variações. Isso resume e define o processo de neologismo. Considerando nossa sociedade atual, podemos enumerar alguns termos novos, surgidos a partir da necessidade de nomear coisas, pessoas e verbos circunscritos em situações que caracterizam nosso comportamento e nosso modo de vida, em pleno século XXI. São eles: 1) dvdoteca 2) gatil 3) piscitariano 4) ecojoia 5 Observe que o verbo “recriar”, na 3ª pessoa do plural do pretérito perfeito e do pretérito-mais que-perfeito do modo indicativo, tem a mesma divisão morfológica: Pretérito mais-que-perfeito: eles prefixo re R cri a VT DMT ra m DNP Vídeo 5) chocólatra 6) invitar 7) empoderar 8) navegar (na Internet) Estudos Morfossintáticos26 Aplicando os conceitos básicos da Morfologia nos exemplos de neologismo listados, é possível fazermos as seguintes análises: 1. Dvdoteca: Substantivo comum que nomeia o lugar onde se guardam DVDs. A palavra primitiva é “DVD”, que se associa ao falso sufixo “-teca”, por analogia com outras palavras comuns em nossa língua (brinquedoteca, biblioteca, videoteca...). 2. Gatil: Novamente temos um substantivo comum que designa lugar. Porém, nesse caso, significa o local projetado especificamente para os gatos. Sendo assim, a palavra de origem é “gato”, que, somada ao sufixo “-il” (a exemplo de “canil”), resulta no neologismo “gatil”. 3. Piscitariano: Esse substantivo, também comum, nomeia a pessoa que se alimenta de peixe, recusando, portanto, outros tipos de carne. A palavra em questão funde elementos que aparecem em outros termos da língua portuguesa. A forma “pisci-”, de “piscicultura”, une-se ao final “-tariano”, de “vegetariano”6. 4. Ecojoia: Aqui temos mais um substantivo comum. Nesse caso específico, a junção de “eco-”, – de “ecologia”, – e “joia” atende às práticas da sustentabilidade e do respeito à natureza. Portanto, a inclusão do elemento mórfico “eco-”, um falso prefixo, indica a diferença em relação às joias tradicionais, afinal uma ecojoia é feita de materiais inusitados, como plástico, alumínio e até mesmo papel, todos eles reciclados (garrafa PET, lata de refrigerante e jornal, respectivamente). 5. Chocólatra: Essa forma funde um elemento mórfico da palavra “chocolate” com o falso sufixo “-latra”, que indica mania, culto excessivo ou vício. O mesmo morfema está presente em outras palavras de nossa língua, como “autólatra”, “idólatra” e “alcoólatra”. 6. Invitar: O verbo é a forma aportuguesada do inglês to invite, que significa “convidar”. Ao mesmo tempo em que se manteve o radical da palavra estrangeira, acrescentou-se a terminação “-ar”, típica de nossa língua e que, por sua vez, caracteriza a 1ª conjugação verbal e a forma nominal chamada “infinitivo”. O uso de “invitar” surgiu no universo on-line, mais especificamente na modalidade RPG (Role-playing game). 7. Empoderar: Esse é outro verbo muito comum atualmente. Ele foi criado a partir da palavra “poder”, à qual foram acrescentados, simultaneamente: a desinência verbal “-ar” (responsável por transformar o substantivo comum “poder” em verbo: “poderar”); e o prefixo “em-”, que indica “colocar dentro” ou “encher de”. Outros verbos da língua portuguesa que utilizam o afixo “em-” são: “embarcar”, “emparedar” e “empedrar”. 8. Navegar (na Internet): Nesse exemplo de neologismo, o que importa não é a forma (afinal, o verbo “navegar” não é novo em nossa língua), mas o sentido. Antigamente, “navegar” restringia-se à navegação por mar ou por rio, fazendo uso de embarcações adequadas. Porém, hoje, quando dizemos que “navegamos” em um site, estamos utilizando o sentido figurado, a partir das analogias mar/tela do computador e barco/cursor do mouse. 6 Etimologicamente, o morfema “-teca” é um radical grego. Contudo, como veremos no Capítulo 3, existe o processo de recomposição, no qual novas palavras surgem, a partir do uso de radicais, como se esses fossem prefixos ou sufixos. O mesmo processo ocorre em palavras que a seguir serão analisadas aqui: “ecojoia” e “chocólatra”. Morfologia nominal e verbal 27 Com base nas análises feitas aqui, podemos constatar que o neologismo dizrespeito à identidade social de um povo e ao contexto histórico. Nesse sentido, as palavras de Aderlande Ferraz resumem essa ideia, enfatizando a renovação da língua: “léxico é o conjunto aberto, organizado por regras produtivas, das unidades lexicais que compõem a língua de uma comunidade [...]” (FERRAZ, 2008, p. 146). Sendo assim, com o uso contínuo da língua, nas comunicações escrita e oral, fazemos inovações e adaptações, as quais refletem as características gerais da sociedade. Considerações finais Considerando as análises morfológicas desenvolvidas neste capítulo, abrangemos os aspectos nominal e verbal, os quais, por sua vez, correspondem a três classes de palavras distintas: substantivos, adjetivos e verbos. Essa divisão serviu para dar destaque aos elementos mórficos característicos de cada classe. No último item, sobre neologismos, a reflexão acerca dos novos termos nos auxiliou a retomar as especificidades estruturais das palavras que compõem a nossa língua, propiciando a atualização de nosso vocabulário e uma revisão geral dos conceitos da Morfologia. Ampliando seus conhecimentos A fim de aprofundar os assuntos aqui apresentados, outros materiais podem ser consultados por você: • SLIDE SHARE. Hífen. Disponível em: https://pt.slideshare.net/Crispaixaolopes/novo- acordo-ortogrfico-tabela-hifenizao. Acesso em: 6 fev. 2019. No link acima, você pode acessar uma tabela feita pela editora Abril e atualmente divulgada no site Slide Share. O material é essencial para quem precisa tirar dúvidas de grafia, sobretudo quando se trata do uso do hífen, item que mais sofreu alteração no novo acordo ortográfico. • HOLANDA, A. B. de. Novo Aurélio século XXI. Nova Fronteira, [s. l.: s.n.]. 1 CD-ROM. Na versão eletrônica do Novo Aurélio século XXI, é possível digitar qualquer verbo e depois acionar a tecla de conjugação. Dessa forma, aparece um quadro com a flexão completa do verbo pesquisado, em todos os tempos e modos, incluindo as formas nominais. • ALVES, I. M. Neologismo: criação lexical. São Paulo: Ática, 2007. Esse livro, de Ieda Maria Alves, é referência na língua portuguesa, desde a década de 1990. Na obra, a autora analisa diferentes exemplos e processos de neologismos, ilustrando o aspecto linguístico da diacronia7, que possibilita a evolução constante de nosso vocabulário. 7 A diacronia (Cf. SAUSSURE, 2012) analisa a transformação das línguas, comparando diversos estágios ou períodos de tempo. Esse conceito foi difundido pelo linguista Ferdinand de Saussure, no livro Curso de linguística geral. https://pt.slideshare.net/Crispaixaolopes/novo-acordo-ortogrfico-tabela-hifenizao https://pt.slideshare.net/Crispaixaolopes/novo-acordo-ortogrfico-tabela-hifenizao Estudos Morfossintáticos28 Atividades 1. Diferencie os termos a seguir, classificando-os como: substantivos ou adjetivos; simples ou compostos. Além disso, defina o tipo de substantivo ou adjetivo, quanto à natureza ou função: a) quarta-feira b) norte-americano c) cadeira d) alegre 2. Divida os nomes a seguir, indicando e nomeando todos os elementos mórficos que os compõem: a) desligado b) nervoso c) cozinheiras 3. Faça a análise morfológica completa dos verbos a seguir, dividindo e classificando os elementos que os formam. Indique também conjugação, modo e tempo verbais de cada item: a) comprarás b) (que eles) estudem c) (não) bata Referências FARACO, C. E.; MOURA, F. M. de. Gramática nova. São Paulo: Ática, 2003. FERRAZ, A. P. Os neologismos no desenvolvimento da competência lexical. In: HENRIQUES, C. C.; SIMÕES, D. Língua portuguesa, educação e mudança. Rio de Janeiro: Europa, 2008. p. 146-162. SANDMANN, A. J. Competência lexical: produtividade, restrições e bloqueio. Curitiba: UFPR, 1998. SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2012. TERRA, E. Curso prático de gramática. São Paulo: Scipione, 2011. 3 Principais processos de formação de palavras Agora que conhecemos os morfemas básicos de nossa língua, incluindo os nominais e os verbais, é fundamental verificarmos os principais modos de criação das palavras. Relacionando léxico e estrutura, este capítulo irá apresentar todos os processos derivativos e composicionais. Além disso, serão abordados outros processos formadores de palavras, a fim de propiciar a aplicação consciente dos conteúdos que vimos até aqui. Neste livro, os processos tradicionais de formação de palavras (de derivação e de composição) vão retomar a importância dos afixos: prefixos e sufixos. Os demais procedimentos, bastante comuns no uso diário da língua portuguesa, serão exemplificados com palavras formadas a partir de duas perspectivas, uma de base lexical e outra de base estrutural, envolvendo, respectivamente: recomposição, empréstimo e onionimia, no primeiro grupo; além de braquissemia, acrossemia e hipocorismo, no segundo conjunto. 3.1 Processos derivativos Os processos de formação de palavras baseados na derivação sempre partem de um termo primitivo. Sendo assim, dependendo do tipo de afixo acrescentado à palavra-base ou da mudança de classe, eles compreendem seis tipos: a) derivação prefixal: um prefixo é acrescentado ao radical da palavra primitiva. Exemplos: superamigo pré-escola inter-relação Os prefixos em destaque transformam não apenas a estrutura das palavras originais, “amigo”, “escola” e “relação”, mas também o significado delas. O prefixo “super-” indica superioridade ou intensidade1. “Pré-” indica anterioridade. E o afixo “inter-” sinaliza posição intermediária. Nos exemplos dados é imprescindível observarmos a ortografia, que obedece ao padrão estabelecido pelo novo acordo, de 2016. O “r” de “super-” une-se ao “a” de “amigo”, com o qual forma uma sílaba (“su-pe-ra-mi-go”). Nos dois termos restantes, os prefixos “pré-” e “inter-” unem-se à palavra primitiva por meio do hífen, que serve de intervalo, separando os dois “e” de “pré-escola” e os dois “r” de “inter-relação”2. 1 Apesar de o senso comum diferenciar os prefixos “super-” e “hiper-”, afirmando que o segundo amplia o significado do primeiro, essa distinção não existe. Para a Gramática, ambos significam a mesma coisa. A única diferença está na origem dos afixos: “super-” veio do latim; e “hiper-”, do grego. 2 O prefixo “inter-” é latino. Por significar “entre”, é incorreto usar “inter-relação entre os países...”. Tal exemplo apresenta redundância, problema que pode ser corrigido desta forma: “inter-relação dos países...”. Vídeo Estudos Morfossintáticos30 b) derivação sufixal: ocorre quando um sufixo é acrescentado ao radical da forma primitiva. Exemplos: ferroso [ferr + oso] ferrinho [ferr + inho} ferraria [ferr + aria] As palavras sugeridas aqui variam os sufixos, que modificam o sentido da palavra, quando se unem ao radical (“ferr-”, nos exemplos em análise). Desse modo, embora todos os termos sejam relacionados a “ferro”, por terem o mesmo radical, em “ferroso” o sufixo indica abundância, em “ferrinho” o sufixo forma um diminutivo e em “ferraria” o afixo indica que se trata do local em que o ferro é trabalhado ou vendido. c) derivação prefixal e sufixal: esse processo ocorre quando o radical recebe um prefixo e um sufixo, em diferentes momentos. Exemplos: deslealdade infelizmente inoportunamente Para nos certificarmos de que temos um caso de derivação dupla (prefixal e sufixal), é preciso avaliar se a palavra tem sentido apenas com o prefixo e apenas com o sufixo. Nos três casos em análise existe possibilidade de dupla leitura. Observe: “desleal” e “lealdade” / “infeliz” e “felizmente” / “inoportuna” e “oportunamente”. d) derivação parassintética: é um processo similar ao de derivação prefixal e sufixal. A única diferença é que, na parassíntese, os dois afixos (ou seja: o prefixo e o sufixo) são acrescentados à forma-base ao mesmo tempo. Isso significa que, se tentarmos suprimir o prefixo ou o sufixo, a palavra perderá sua integridade semântica. Exemplos: ensolarado envenenamento inoportunamente Emtodos os exemplos apresentados, não faz sentido se utilizarmos apenas um dos afixos. Para comprovar isso, veja esta separação: “apartid” e “partidário” (somente uma forma apresentou- -se de modo coerente). Entretanto, é preciso que ambas sejam coerentes e compreensíveis. Como isso não ocorreu, sem dúvida estamos tratando de um processo típico de parassíntese. e) derivação regressiva: como o nome desse processo indica, ocorre uma regressão. Há perda de letras e fonemas, o que resulta no encurtamento da palavra. Geralmente, isso se dá na transição de um verbo para um substantivo. Exemplos: mesclar > mescla caçar > caça jantar > janta f) derivação imprópria: a estrutura da palavra é mantida, entretanto o termo é recontextualizado, o que provoca mudança na classe de palavra. Exemplos: O barato daquele jogo é a interatividade. Principais processos de formação de palavras 31 Ninguém pode prever o amanhã. O jantar está pronto. No primeiro exemplo, o termo “barato” é usado como substantivo comum, invertendo o uso tradicional, em que aparece como advérbio (“O livro custou barato”). O segundo período faz o mesmo tipo de alteração, porque usa “amanhã” como substantivo também, ao passo que, geralmente, esse termo tem valor adverbial de tempo (“Amanhã, farei todas as compras”). Já o terceiro exemplo faz uso do verbo “jantar”, como se ele fosse um substantivo. Tradicionalmente, o mesmo termo aparece em locuções verbais (“Vou jantar com meus pais”). 3.2 Processos composicionais Nos processos de composição, deve haver a união de dois radicais ou mais. Nesse caso, é importante diferenciar os termos “palavra” e “radical”. É certo que todas as palavras de nossa língua têm um radical, mas nem todos os radicais, tais como os usamos hoje, constituem palavras. Exemplos: vale-gás agricultura Em “vale-gás”, temos duas palavras (e dois radicais) que formam um termo novo. Entretanto, o mesmo não ocorre em “agricultura”, que contém dois radicais, embora apenas “cultura” seja uma palavra autônoma em nossa língua. Nos exemplos vistos acima, uma questão gráfica é facilmente notada: o uso do hífen. Alguns processos composicionais utilizam-no, ao passo que outros não apresentam esse sinal diacrítico, dificultando a identificação da palavra como composta. Existem dois processos de composição e ambos podem ser assim explicados e exemplificados: a) composição por justaposição: união de dois ou mais radicais, sem que haja perda gráfica e fonética. Exemplos: ator-mirim flor-de-lis girassol Nos primeiros dois termos da lista dada, o hífen é utilizado. Segundo o gramático Evanildo Bechara, isso assegura a individualidade dos termos envolvidos na composição (BECHARA, 2009, p. 340). “Ator-mirim” compreende duas palavras e dois radicais. Segundo o novo acordo ortográfico, o hífen é necessário, pela origem tupi do segundo radical, “mirim”. Em “flor-de-lis” temos duas palavras e também dois radicais. O “de”, como vimos no Capítulo 1, não é uma palavra, mas um vocábulo (MONTEIRO, 2002). No exemplo final: “girassol”, percebe-se o acréscimo de um “s”. Isso ocorre para garantir que “sol” tenha sua pronúncia preservada na composição. Como sabemos, entre vogais o “s” é pronunciado com som de “z”. Portanto, a duplicação do “s” em “girassol” é necessária. Vídeo Estudos Morfossintáticos32 b) composição por aglutinação: processo em que há união de dois ou mais radicais, com perda gráfica e fonética. Exemplos: pernilongo vinagre fidalgo O termo “pernilongo”, originado da junção de “perna” e “longa”, apresentou mudanças gráficas e fonéticas nas vogais finais de cada palavra. O segundo item, resultante da soma de “vinho” e “acre”, também traz alterações significativas. Considerando a forma latina vino ou a portuguesa “vinho”, verificamos que houve perda da(s) letra(s) e do(s) fonema(s) que encerram a palavra. De modo semelhante, “agre” adaptou a consoante, levando-se em conta que o termo original era “acre”. Finalmente, em “fidalgo” temos a associação de duas palavras e um vocábulo (“filho” + “de” + “algo”). Isso demonstra que as perdas foram maiores nesse caso: a palavra “filho” perdeu a última sílaba; e a preposição “de” perdeu a última letra. Apenas o termo “algo” manteve sua integridade ortográfica e fonética. 3.3 Processos de base lexical Nos processos de base lexical, os significados dos elementos mórficos são postos à prova. Há uma reformulação de sentido e de status, como ocorre na recomposição, ou o próprio significado estimula e motiva a formação das palavras, como exemplificam os processos denominados empréstimo e onionimia. Vejamos agora as definições e alguns exemplos de três processos específicos: a) recomposição: nesse tipo de procedimento, utilizam-se radicais que são convencionalmente usados e classificados como prefixos ou sufixos. A gramática tradicional chama esses morfemas de falsos prefixos e falsos sufixos3, por terem “uma significação mais ou menos delimitada e presente à consciência dos falantes, de tal modo que o significado do todo a que pertencem se aproxima de um conceito complexo, e, portanto, de um sintagma” (CUNHA; 3 Embora, na recomposição, o uso de um radical como prefixo seja mais comum, há casos em que o radical é tomado como sufixo. Isso ocorreu nos termos “dvdoteca” e “chocólatra” (ver Capítulo 2) e ocorre também na palavra “websitegrafia”, que analisaremos aqui. “Websitegrafia” abrange vários conceitos vistos no Capítulo 2 e, principalmente, no Capítulo 3. Além de ser um neologismo, pois é um termo recente em nossa língua, é um empréstimo, por causa das origens estrangeiras (os termos web e site, da língua inglesa, fundem-se ao radical grego grafia — que hoje constitui um falso sufixo). Como se vê, a palavra em questão é um híbrido e também pode exemplificar o processo da recomposição (pelo uso de um radical como sufixo). Entretanto, a complexidade desse termo ainda guarda outras classificações. Web é uma braquissemia de world wide web, cujo significado é “rede de alcance mundial” (LEÃO, 2019), e, quando somada à palavra site, constitui exemplo de composição por justaposição (website). Na breve existência desse termo composto, houve rápida transformação e ocorreu novamente uma braquissemia: website passou a ser apenas site. Semanticamente, a nova redução foi pertinente, porque evita redundância (antes, dizíamos ou escrevíamos, por exemplo: “Acesse o website www.iesde.com.br”, sem atentarmos para o fato de que o “www” já estava representado em web, termo resultante da braquissemia de world wide web). Finalmente, no último estágio, o de aportuguesamento, criou-se o termo “websitegrafia”, cuja análise, nesta nota, resumiu boa parte dos processos de formação de palavras. Vídeo Principais processos de formação de palavras 33 CINTRA, 2001, p. 114). Por essa razão, frequentemente empregam-se radicais que, na composição, assumem a posição inicial ou final na estrutura da palavra. Exemplos: autobiografia4 aeromoça agroindústria5 Nos três termos apresentados aqui, um radical grego é utilizado como se fosse prefixo. O primeiro tem valor reflexivo, o segundo remete ao ar e o último, ao campo. Na explicação a seguir, parte-se da palavra “automóvel” para classificar “autódromo” como recomposição. Conforme o autor, o primeiro termo abrange “dois elementos, o primeiro dos quais pode ser empregado sozinho com o mesmo valor do conjunto, ou seja, auto em vez de automóvel. Acrescentando-se outra base, teremos autódromo, que constitui um caso de recomposição” (MONTEIRO, 2002, p. 170, grifos no original). Portanto, verificamos que a recomposição apresenta um desgaste na função do radical e a prova disso é que, na nova palavra (ou seja, em “autódromo”), não é mais possível a utilização apenas do radical para representar o termo todo. Em função dessa impossibilidade, o morfema “auto-” passa a ser entendido como prefixo, que tem função secundária na Morfologia. Em nossa língua, há inúmeros casos de radicais que são usados comoprefixos. De filiação latina, temos como exemplos “multi-”, “mini-” e “pluri-”, que podem ser aplicados em palavras como: “multimodalidade”, “mini-isqueiro” e “plurilinguismo”. Do mesmo modo, alguns dos radicais de origem grega privilegiados no processo de recomposição são “mega-”, “micro-”, “neo-” e “poli-”, que contam com as seguintes exemplificações, respectivamente: “megapromoção”, “microssaia”, “neomodernismo” e “policromático”. b) empréstimo: compreende o uso de palavras estrangeiras em nossa língua, seja na forma da grafia original ou de aportuguesamento. Exemplos: site uísque bandeide O termo site deve ser grafado em itálico porque mantém a grafia da língua inglesa. Pela gramática tradicional, sempre que é criada a forma aportuguesada, esta deve prevalecer em relação à grafia estrangeira. Entretanto, site constitui uma exceção. Já existe a palavra “sítio”, mas ela não é usada com frequência, pela confusão que pode provocar, afinal, em nossa língua, “sítio” também significa uma pequena propriedade rural. Por essa razão, consagrou-se o uso de site. No segundo item (“uísque”), temos um exemplo de empréstimo e aportuguesamento, simultaneamente. O dicionário Novo Aurélio século XXI apresenta a origem do termo: uísque [Do ingl. whisky ou whiskey.] S. m. 1. Aguardente feita de grãos fermentados de centeio, milho ou cevada, e que contém 40 a 50% de álcool. (HOLANDA, [20-], n. p., grifo no original) 4 Observe que a palavra “autobiografia” é composta, originalmente, por três radicais gregos: auto-, -bio- e -grafia. No entanto, com o passar do tempo, auto- tornou-se um falso prefixo. 5 Embora sejam parecidos na grafia, os radicais agro- e agri- têm etimologias distintas. Ambos significam “campo”, mas o primeiro é de origem grega, enquanto o segundo é latino. Estudos Morfossintáticos34 No caso de “bandeide”, há a mesma duplicidade, porque se trata de um empréstimo e também de um aportuguesamento. Entretanto, essa forma ortográfica é bastante recente na língua portuguesa, razão pela qual ainda é desconhecida por muitas pessoas. bandeide (ban.dei.de) S. m. Curativo adesivo pequeno, us. para proteger pequenos ferimentos. [F.: Da marca registrada Band-Aid.]. (AULETE, 2019, grifo no original) Outro aspecto de “bandeide” é informado por Caldas Aulete, no verbete transcrito anteriormente. O dicionarista menciona que a palavra resulta da “marca registrada Band-Aid” (AULETE, 2019). Isso é fundamental para a conceituação do processo que será apresentado a seguir: a onionimia. c) onionimia: processo que utiliza a forma original ou aportuguesada/adaptada de uma marca ou do nome de um produto. Exemplos: — No nosso aniversário de casamento, a gente comprou um fogão, né? — Foi. Não é assim nenhum Brastemp, mas é um fogão. (BRASTEMP, 2019, grifo nosso) Comprei uma bic nova. Costumo tomar nescau todas as manhãs. O primeiro exemplo é um diálogo entre um casal. Trata-se de um comercial veiculado na década de 1980, na TV, em rede nacional. Sem dúvida, a campanha publicitária da época colaborou para a instituição do termo “brastemp” como exemplo de onionimia. Pelo texto transcrito, percebe- -se que a marca é usada como sinônimo de “fogão muito bom”. Outro detalhe que ocorre em todos os oniônimos é a variação na letra inicial da palavra. Embora alguns ainda utilizem a inicial maiúscula, a onionimia permite a grafia com letra minúscula no início, pois o processo em questão indica que a marca, antes um substantivo próprio, tornou-se tão famosa que passou a ser um nome comum, sinônimo não apenas dos produtos daquela marca, mas de outros, similares, das marcas concorrentes. Isso fica mais claro nos outros dois exemplos apresentados anteriormente. A marca Bic resultou na formação do substantivo comum “bic”, que não apenas qualifica o tipo de caneta, mas que também é usado como sinônimo da palavra “caneta” de modo geral, como demonstra o exemplo acima. Dessa forma, “bic” não designa somente as canetas da marca Bic, mas qualquer caneta. Quanto ao último exemplo, percebe-se que o mesmo procedimento é desencadeado. Sendo assim, “nescau” é um nome comum, que veio da marca registrada Nescau. Contudo, atualmente, a palavra já está desvinculada da marca que a originou, razão pela qual o termo nescau abrange todos os tipos de achocolatado, independente da marca. Principais processos de formação de palavras 35 3.4 Processos de base estrutural Nesta parte, os processos de formação provocam alterações significativas na forma, ou seja, na estrutura da palavra. Vejamos três tipos de processos que se caracterizam dessa maneira: a) braquissemia: também chamado de “abreviação”, esse procedimento trabalha com a redução da palavra6. Altera-se a forma, mas o significado se mantém. Entretanto, linguisticamente, cria-se um diferencial que diz respeito ao estilo. As formas originais (que apresentam a palavra integralmente) são mais usadas no registro formal, enquanto os novos termos, resultantes da braquissemia, constituem um modo mais informal de fala e de escrita. Exemplos: moto odonto biju Analisando as palavras listadas, concluímos que todas sintetizam um termo mais longo: “motocicleta”, “odontologia” e “bijuteria”, respectivamente. No primeiro caso, há algumas décadas, era usado outro tipo de braquissemia: “motoca”. Entretanto, essa palavra caiu em desuso, dando lugar ao termo “moto”. Quanto a “odonto”, destaca-se a coincidência entre esse exemplo de braquissemia e o radical grego odonto-. Isso nos permite afirmar que, ao longo dos anos, embora o radical tenha conservado seu significado, elevou seu status. A consequência natural dessa transformação é que o morfema deixou de ser o principal formador de palavras para ser um termo autônomo. Apesar disso, a braquissemia que se percebe em “odonto” ainda não é unanimidade nos principais dicionários da língua portuguesa. “Biju”, a exemplo de “odonto”, também é uma palavra usada como gíria, sendo privilegiada, portanto, em contextos informais de fala e de escrita. b) acrossemia: compreende palavras formadas a partir de letras, as quais, na maioria das vezes, correspondem às iniciais de um nome maior, quase sempre resultante de um conjunto de termos. Exemplos: Enem Detran Sisu Os acrônimos citados reduzem nomes complexos, usando somente uma ou várias letras iniciais de cada palavra. Sendo assim, na ordem em que aparecem, os exemplos da lista anterior correspondem a: “Exame Nacional do Ensino Médio”, “Departamento de Trânsito” e “Sistema de Seleção Unificada”. Verificamos que a acrossemia diferencia-se da sigla pelo modo de organização e pela pronúncia. Enquanto os acrônimos são escritos e lidos como palavras normais, pois as letras que os compõem formam sílabas, em razão da alternância entre vogais e consoantes, a sigla compreende um conjunto de letras sem conexão e que devem ser lidas isoladamente. Exemplificando essa distinção, temos: 6 A braquissemia ou abreviação constitui processo completamente diverso da abreviatura. Embora esta também reduza a estrutura da palavra, não tem a mesma autonomia das palavras geradas por meio da braquissemia. A título de exemplificação, seguem algumas abreviaturas bastante usadas em nosso dia a dia: “etc.” (et cetera), “R.” (“rua”) e “Av.” (“avenida”). Vídeo Estudos Morfossintáticos36 INSS Bope “INSS” (“Instituto Nacional do Seguro Social”) é uma sigla, porque as letras não formam sílabas. Por essa razão, para acentuar a individualidade das letras, a grafia utiliza maiúsculas. Em contrapartida, “Bope” (“Batalhão de Operações Policiais Especiais”), por ser acrônimo, apresenta apenas a primeira letra maiúscula. Há, ainda, veículos de comunicação de massa que escrevem essa palavra toda em caixa alta (“BOPE”). Porém, essa grafia é considerada ultrapassada, dando lugar à forma “Bope”, que vai ao encontro da rapidez na digitação, critério fundamental hoje em dia. c) hipocorismo: processo que modifica uma palavra para gerar um novo termo, como indicativode carinho ou proximidade. Exemplos: Carlinhos Lulu mamãe No primeiro caso, o nome “Carlos” recebe um sufixo típico de diminutivo. No segundo nome, uma sílaba é duplicada (“Lulu” serve de apelido para “Luciano” ou para outro nome iniciado com “Lu”). Como último exemplo, não temos um nome próprio, mas um substantivo comum. Entretanto, há diferença bastante expressiva entre as formas “mãe” e “mamãe”. Sem dúvida, a segunda forma, oriunda do hipocorismo, reflete um tratamento especial, menos formal e mais carinhoso. Segundo Cristina Brito: “Hipocorístico é a palavra que traduz a intenção de carinho e [...] designa [...] a pessoa na intimidade, estendendo-se a animais de estimação. [...] por exemplo maninho, benzinho, ‘mozinho’ [...] ou, ainda, palavras da linguagem infantil: papai, teteia, [...]” (BRITO, 2019). Considerações finais Os tipos de processos vistos neste capítulo ilustram a conexão entre Gramática e Linguística, abrangendo diversas áreas da Língua Portuguesa. Questões de estilo, que exemplificam variações do português formal e informal, estão implícitas na onionomia, no empréstimo e em todos os processos de base estrutural. Do mesmo modo, o aspecto ortográfico se sobressai nos processos composicionais. Até mesmo a Fonética tem grande importância na aglutinação e na derivação regressiva. Na perspectiva semântica, destacam-se os processos de base lexical e os modelos de derivação que se caracterizam pelo acréscimo de afixos. No que se refere à Morfologia, os elementos mórficos associam-se às classes de palavras, como demonstram, de modo específico, as derivações regressiva e imprópria. Essa integração reforça a ideia de que a língua é um sistema, complexo, múltiplo e extremamente flexível. Ampliando seus conhecimentos • GALVÃO, W. N. Hipocorísticos e suarabáctis. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com. br/materia/hipocoristicos-e-suarabactis/. Acesso em: 17 fev. 2019. No texto indicado, a autora Walnice Galvão apresenta o hipocorismo como característica tipicamente brasileira. Além disso, ela também discute e apresenta o processo linguístico Principais processos de formação de palavras 37 denominado suarabácti, que faz uso de vogais de apoio, a fim de facilitar a pronúncia de algumas palavras (“pineu” ou “peneu”). • ANDRADE, K. E.; RONDININI, R. B. Cruzamento vocabular: um subtipo da composição. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/delta/article/view/27231/22228. Acesso em: 17 fev. 2019. Os autores do artigo apresentado neste item, publicado na revista D.E.L.T.A. de 2016, relativizam as fronteiras que a gramática tradicional estabelece entre cada processo de formação das palavras. Desse modo, o que eles chamam de “cruzamento vocabular” (ANDRADE; RONDININI, 2019) e que outros estudiosos da língua portuguesa classificam como palavra-valise é associado aos procedimentos derivacionais e de composição. • CORREIA, P. et al. A folha: boletim da língua portuguesa nas instituições europeias. Disponível em: http://ec.europa.eu/translation/portuguese/magazine/documents/folha48_ pt.pdf. Acesso em: 17 fev. 2019. Nessa dica, você pode acessar um documento oficial, que regulamenta e diferencia os usos de abreviaturas, siglas e acrônimos. Embora os dois primeiros não tenham sido aprofundados aqui, eles complementam os exemplos e as explicações relativos ao processo da acrossemia. Além disso, pelo fato de apresentar algumas abreviaturas, o material reforça a distinção natural que existe entre elas e as abreviações, conforme comentamos no processo de braquissemia. Atividades 1. Para cada uma das formas primitivas listadas a seguir, sugira uma palavra derivada, classificando o processo de formação que a define: a) pedra b) ferro c) fazer 2. Classifique os processos composicionais dos itens a seguir, explicando a diferença entre eles: a) samba-enredo b) doravante 3. Enumere os termos da segunda coluna, a partir da correspondência das palavras com os processos que as classificam corretamente: (1) recomposição ( ) shorte (2) empréstimo ( ) gilete Estudos Morfossintáticos38 (3) onionimia ( ) CEP (4) braquissemia ( ) Dudu (5) acrossemia ( ) autoestima (6) hipocorismo ( ) fone Referências AULETE, C. Bandeide. Disponível em: http://www.aulete.com.br/bandeide. Acesso em: 26 fev. 2019. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. BRASTEMP. Anos 80 – Brastemp. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eKKJjNaQSgc. Acesso em: 26 fev. 2019. BRITO, C. Hipocorístico: um identificador ou apenas um tratamento carinhoso? Disponível em: http://www. filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno06-09.html. Acesso em: 27 fev. 2019. CUNHA, C.; CINTRA, L. F. L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. HOLANDA, A. B. Uísque. In: HOLANDA, A. B. de. Novo Aurélio século XXI. Nova Fronteira, [s. l.: s.n.]. 1 CD-ROM. LEÃO, T. O que é a World Wide Web? Disponível em: http://www.estrategiadigital.pt/o-que-e-world-wide- web/. Acesso em: 28 fev. 2019. MONTEIRO, J. L. Morfologia portuguesa. São Paulo: Pontes, 2002. 4 Da Morfologia à Sintaxe Com o objetivo de estabelecer as diversas relações entre Morfologia e Sintaxe, associação que caracteriza o título deste livro e deste capítulo, apresentamos aqui as diferentes funções sintáticas que as classes de palavras podem desempenhar no texto. No presente capítulo, vamos constatar que uma mesma classe de palavra pode assumir funções sintáticas variadas. Com base nisso, faremos uso de uma divisão: funções sintáticas substantivas e funções sintáticas adjetivas. No primeiro grupo, de importância primária, serão apresentados termos classificados como sujeito ou como predicado. Já o segundo conjunto, de aspecto secundário, vai abranger os termos integrantes e acessórios da oração (complemento nominal, objetos, agente da passiva e adjunto adnominal). Por fim, relembraremos as normas gramaticais que dizem respeito às especificidades morfológicas e sintáticas dos pronomes pessoais do caso oblíquo, com ênfase aos átonos, que se ligam ao verbo no processo denominado “colocação pronominal”. 4.1 Funções sintáticas substantivas O sujeito e o predicado são as duas funções básicas na Sintaxe. De acordo com a gramática tradicional, o sujeito é aquele que pratica a ação, além de também poder ser definido como a pessoa ou o objeto de que se fala. Na área da Morfossintaxe, analisam-se as diversas classes de palavras e as funções sintáticas que elas podem desempenhar, dependendo do contexto. Em razão disso, veremos a seguir exemplos dessa variação, demonstrando que, independentemente do nível de hierarquia, diferentes classes podem assumir a posição de sujeito:1 A empresa | decretou falência1. O inigualável | deve ser o principal critério. No primeiro caso, temos como sujeito um substantivo comum, “empresa”. No exemplo seguinte, embora também tenha sido usado um substantivo (como demonstra o artigo definido “o”, que antecede a palavra “inigualável”), é importante ressaltarmos que, originalmente, o termo em questão é um adjetivo. Sendo assim, o uso corrente dessa palavra pode ser exemplificado em: Um prato inigualável | foi o vencedor do concurso. No período acima, “inigualável” também compõe o sujeito. Entretanto, como adjetivo, ele não desempenha a função mais importante. O termo apenas caracteriza o substantivo comum “prato”, que é considerado o núcleo do sujeito. Para tornar mais clara essa estrutura, observe o diagrama a seguir: 1 Nesta seção do capítulo, será usada uma barra para indicar a separação entre sujeito e predicado. Vídeo Estudos Morfossintáticos40 Figura 1 – Elementos composicionais do sujeito Um prato inigualável Sujeito Um Artigo prato Substantivo (núcleo) inigualável Adjetivo Fonte: Elaborada pela autora. Dessa forma, quando não é substantivado, o adjetivo “inigualável” cumpre sua função tradicional, de adjunto adnominal (elemento sintático que será apresentado na segunda seção deste capítulo).O numeral é outra classe de palavras que pode figurar como sujeito. Os exemplos a seguir representam isso: Dez | são presos em operação policial. Dez pessoas | são presas em operação policial2. Esse par segue a mesma dinâmica do anterior, porque o numeral (a exemplo do adjetivo “inigualável”) pode desempenhar função sintática de primeira ou de segunda ordem. No primeiro caso, o numeral “dez” é sujeito. Porém, no segundo período, ele perde status: a palavra “dez” continua a integrar o sujeito, mas não é mais o núcleo. Nessa segunda proposição, o substantivo comum “pessoas” é o termo fundamental. O numeral passa a funcionar, então, como elemento secundário, que detalha ou especifica o substantivo. Isso significa que “dez” é adjunto adnominal de “pessoas”. Frequentemente, também a classe dos pronomes assume a posição de sujeito. Os períodos a seguir trazem dois tipos distintos de pronomes nessa função sintática: Eles | aguardavam o resultado da entrevista. Ninguém | faltou ao encontro. No primeiro exemplo, o sujeito é um pronome pessoal do caso reto – “Eles”. Já no segundo exemplo, a função privilegiada de sujeito é desempenhada por um pronome indefinido – “Ninguém”. Depois do sujeito, o predicado adquire função primordial em um período. A rigor, esse elemento sintático de base é a informação que se dá a respeito do sujeito. Dessa maneira, o verbo possui papel fundamental em todos os tipos de predicado, como podemos ver nestes períodos: O casaco | é azul. A editora | publicou vários títulos. 2 Note que, nos dois exemplos que envolvem a classe dos numerais, há duas características bastante específicas da linguagem jornalística: a ausência do artigo (usa-se “em operação policial”, em vez de “em uma operação policial”); e o verbo no presente (em se tratando de ação relativa ao tempo passado, utiliza-se o verbo “são”, em vez de “foram”). Da Morfologia à Sintaxe 41 Os exemplos apresentados aqui trazem os verbos “é” e “publicou” como elementos que dão início aos dois predicados, os quais são classificados, respectivamente, como: predicado nominal (por causa do verbo de ligação “é”); e predicado verbal (pelo uso do verbo de ação “publicou” e pela ausência de predicativo). Entretanto, há casos em que o verbo também pode ser usado como sujeito: Refletir | é essencial. Pelo fato de responder à clássica pergunta: “O que é essencial?”, o verbo “refletir” desempenha a função de sujeito e, no período citado, completa a estrutura do período nominal, formado por: sujeito (“Refletir”) + verbo de ligação (“é”) + predicativo do sujeito (“essencial”)3. 4.2 Funções sintáticas adjetivas As funções sintáticas adjetivas, por oposição às substantivas, têm importância secundária no período. Sendo assim, neste capítulo, elas irão corresponder aos termos integrantes e acessórios da oração. Em outras palavras, podemos afirmar que, embora as funções sintáticas adjetivas não atuem como sujeito ou predicado, podem fazer parte desses dois elementos básicos da Sintaxe. A classe dos substantivos, que já analisamos na parte anterior, pode assumir as funções secundárias destacadas nestes exemplos: O currículo | foi analisado pelo diretor. A identificação dos assaltantes | é necessária. Eles | compraram uma casa. Depois de observar a utilização da barra para separar sujeito e predicado, verifique como os substantivos comuns apresentados nos três exemplos acima variam sua função sintática. O primeiro exemplo utiliza a voz passiva analítica, que apresenta um sujeito paciente (que sofre a ação = “O currículo”), uma locução verbal com a forma nominal do particípio (“foi analisado”) e o agente da passiva (quem pratica a ação = “pelo diretor”). O agente da passiva, por sua vez, é formado pela preposição “por” isolada ou em forma combinada com os artigos definidos (“pelo(s)” e “pela(s)”) e pelo termo que apresenta o agente em si (que, nesse caso, corresponde ao substantivo comum “diretor”). Como última informação, perceba que é relevante o fato de o agente da passiva aparecer dentro do predicado: Predicado: foi analisado pelo diretor. agente da passiva 3 No Capítulo 5 deste livro, veremos de modo mais detalhado os tipos de sujeitos, predicados e predicativos. Por ora, basta verificarmos que, no exemplo dado, o adjetivo é considerado um predicativo, porque nos fornece uma qualidade do sujeito. Vídeo Estudos Morfossintáticos42 No outro exemplo, “dos assaltantes” reúne a forma combinada “dos” com o substantivo comum “assaltantes”, para apresentar o complemento nominal do período. Podemos comprovar isso pela análise de três critérios básicos, afinal, o complemento nominal: 1) apresenta preposição (que está na forma combinada “de” + “os” = “dos”); 2) vem logo após um substantivo, adjetivo ou advérbio (“identificação” é um substantivo comum); e 3) tem sentido passivo (os assaltantes serão identificados por alguém). Sobre esse último quesito, o gramático Luiz Antonio Sacconi afirma: “O complemento nominal corresponde a um complemento objetivo” (SACCONI, 2004, p. 321). A terminologia usada pelo autor faz menção ao sentido passivo, já que o termo que desempenha a função de complemento nominal nunca pratica a ação. Por fim, quanto à estrutura, comprovamos facilmente que o complemento nominal tem função independente do sujeito, mas o integra: Sujeito: A identificação dos assaltantes complemento nominal Para completar nossa análise, temos o exemplo três, no qual o substantivo comum “casa” desempenha a função de objeto direto do verbo “compraram”. Isso fica demonstrado pela estrutura do período, já que o verbo liga-se ao objeto sem o auxílio de preposição. Retomando o exemplo, temos: “Eles | compraram uma casa”. Veja que, logo após o verbo, há um artigo indefinido (“uma”) e, finalmente, o substantivo “casa”. Como o objeto é um complemento verbal, ele vem sempre próximo ao verbo e, por essa razão, integra o predicado. Variando, agora, a classe de palavras, vejamos um exemplo em que um pronome pessoal do caso reto desempenha a função de objeto: Nossos amigos | precisam de nós. O pronome “nós” assume a função de objeto indireto da palavra “precisam”, porque o verbo liga-se ao objeto com o auxílio da preposição “de”. Aliás, a preposição é fundamental para que um pronome pessoal do caso reto possa desempenhar a função sintática analisada aqui. Observe que, ao retirarmos a preposição, na tentativa de formular um período que apresente um objeto direto (em vez de indireto), cometemos um grave erro gramatical: Eles nunca viram ela. O período acima está incorreto e, para corrigi-lo, precisamos utilizar um pronome oblíquo átono: Eles nunca a viram4. Na Gramática Houaiss da língua portuguesa, encontramos a seguinte constatação: “Mesmo os falantes mais escolarizados tendem a substituir as formas oblíquas átonas o/a/os/as por ele/ ela/eles/elas, quando relativas à pessoa de quem se fala” (AZEREDO, 2008, p. 259). No entanto, enfatize-se que, embora a construção “Eles nunca viram ela” seja bastante comum no uso cotidiano 4 Casos como esse, de colocação pronominal, serão abordados nas seções 4.3 e 4.4 deste capítulo. Da Morfologia à Sintaxe 43 da língua, tanto na fala quanto na escrita, essa forma só é adequada ao registro informal, em conformidade com a perspectiva da Linguística. Escolhendo, agora, outro tipo de pronome, exemplificamos como essa classe de palavras pode também assumir a função sintática de adjunto adnominal5: Eu | vendi aqueles livros. Integrando o predicado, o pronome demonstrativo “aqueles” especifica o substantivo comum “livros”, caracterizando-se como adjunto adnominal, categoria que sempre vem junto de um nome6 (junto de um substantivo, exclusivamente7). 4.3 Mudanças estruturais nos casos de colocação pronominal Chamamos de “colocação pronominal” o processo em que um pronome pessoal átono do caso oblíquo junta-se a um verbo. Existem duas razões para essa associação. A primeira deve-se ao fato de o pronome ser átono. Então, ele tentaemprestar a tonicidade do verbo. O segundo motivo é textual, pois o uso de um pronome oblíquo átono evita repetições excessivas, ao mesmo tempo em que facilita a ordem progressiva na apresentação das ideias, possibilitando maior aprimoramento à linguagem. Vejamos um exemplo de colocação pronominal: Texto-base: Gostei do livro que li durante as férias. Por isso, indiquei o livro aos meus colegas. Texto reescrito com o auxílio do pronome oblíquo átono: Gostei do livro que li durante as férias. Por isso, indiquei-o aos meus colegas. Podemos perceber que a escolha do pronome “o” obedece às regras de concordância, para combinar com o gênero e o número do substantivo “livro”, que foi substituído, na reescrita. Outro fator importante é o uso do hífen, sinal diacrítico que permite a formação de uma nova unidade, com a união entre verbo e pronome oblíquo átono. No que diz respeito à estrutura do período, é fundamental verificar a pontuação, pois a vírgula depois de “Por isso” provoca uma pausa. Embora essa ruptura não seja tão grande como aquela provocada pelo ponto, trata-se de uma interrupção. Portanto, o pronome oblíquo deve necessariamente vir depois do verbo, formando o processo denominado “ênclise”. Passando agora à estrutura da ênclise formada (“indiquei-o”), perceba que o verbo termina com um ditongo oral, permitindo que o pronome “o” seja utilizado em sua forma original, sem acréscimo de outras letras. Depois dessa breve introdução, passemos aos três casos de colocação pronominal, diferenciados pela posição do pronome oblíquo átono em relação ao verbo: 5 Na seção 4.1, já analisamos essa função sintática, mas relacionada a outras classes: a dos adjetivos e a dos numerais. 6 Analisando morfologicamente os termos que compõem “adjunto adnominal”, podemos afirmar que a proximidade é sinalizada pelos morfemas “-junto” e pela preposição latina ad-, que, aliás, é usada duas vezes. 7 Nesse caso, o adjunto adnominal é diferente do complemento nominal, pois este pode seguir um substantivo, um adjetivo ou um advérbio. Vídeo Estudos Morfossintáticos44 a) Ênclise: como mencionado anteriormente, esse processo apresenta o pronome depois do verbo. Ocorre, portanto, no início de períodos, depois de ponto, após a vírgula e quando não há nenhum tipo de palavra atrativa8. Exemplos: Texto-base: Esqueci minha caneta. Empreste a sua caneta para mim, por favor. Reescrita: Esqueci minha caneta. Empreste-a para mim, por favor. Na reformulação do período, foi usada a ênclise (“Empreste-a”), porque o verbo e o termo repetido (a ser substituído) vinham logo no início do segundo período do texto. Além disso, para manter a coerência textual, não era possível escolher qualquer pronome oblíquo. Desse modo, levando-se em conta o número (singular) e o gênero (feminino) da palavra “caneta”, optou-se pelo pronome “a”9. Considerando o aspecto linguístico, há dois usos comuns de ênclise que merecem maior aprofundamento. Um deles pode ser exemplificado desta forma: “Me empreste a sua caneta”. Conforme a gramática tradicional, esse período constitui erro, porque não leva em conta a norma da colocação pronominal que proíbe a utilização do pronome oblíquo átono como primeiro termo, em uma sentença. Entretanto, a forma “Me empreste” é permitida pela Linguística, desde que a situação e o público sejam informais. Já o outro caso deve-se ao uso gratuito e desnecessário da ênclise, inclusive em casos nos quais a presença de palavras atrativas obriga o uso da próclise. De acordo com o gramático Pasquale Cipro Neto: O resultado é que, na hora de escrever, as pessoas adoram enfiar o pronome depois do verbo. Não é à toa que vemos por aí coisas como “A chave não encontra- se em poder da empresa” [...], [...] em que a colocação natural seria a próclise (“A chave não se encontra”; [...]). É a tal da hipercorreção (ou ultracorreção, ou ainda hiperurbanismo), que é a “preocupação de falar bem que redunda em erro”, como define o “Aurélio”. (CIPRO NETO, 2019) A citação acima é bastante adequada para a apresentação do segundo caso de colocação pronominal, descrito a seguir. b) Próclise: ocorre quando há uma palavra atrativa na oração, como, por exemplo, o advérbio “não”, comentado por Cipro Neto, na passagem transcrita no item a). Existem inúmeras classes de palavras que têm esse poder atrativo e que, exatamente por isso, exigem o uso da próclise. Entre elas, estão os advérbios, as palavras negativas, vários tipos de pronomes (relativos, interrogativos e indefinidos, principalmente), além de algumas preposições e conjunções. Exemplos: Não me é permitido dirigir à noite. (“não” = palavra negativa e advérbio) Comprou o carro que lhe convinha. (“que” = pronome relativo) 8 As palavras atrativas serão comentadas no caso de colocação que será apresentado em seguida: a próclise. 9 A lista completa dos pronomes oblíquos átonos será apresentada mais adiante, na seção 4.4. Da Morfologia à Sintaxe 45 Sempre me exercito pela manhã. (“sempre” = advérbio) Por que me disse isso? (“Por que...?” = pronome interrogativo) À medida que se distanciava do local, ele ficava mais calmo. (“à medida que” = locução conjuntiva) Alguém o atrapalhou. (“alguém” = pronome indefinido) Escolheu o presente certo para me agradar. (“para” = preposição) c) Mesóclise: é usada quando há verbos no futuro do presente ou no futuro do pretérito e quando não há palavras atrativas no período. Exemplo: Texto-base: Darei mais uma chance a ti. Reescrita: Dar-te-ei mais uma chance. Na transformação demonstrada, o verbo foi dividido em duas partes, para permitir a colocação do pronome oblíquo átono “te” entre elas. Evidentemente, o corte não pode ser feito em qualquer ponto do verbo. Pela regra, a divisão deve ser feita antes das vogais que distinguem a conjugação dos dois tipos de futuro. Enquanto o futuro do presente é caracterizado pelo ditongo “-ei”, o futuro do pretérito é marcado pelas vogais “-ia”. Além disso, perceba que a primeira parte do verbo corresponde à forma nominal do infinitivo (“dar”). Na última etapa, o pronome oblíquo átono “te” (escolhido para concordar com “ti”) é inserido entre as duas partes do verbo, posicionando-se no meio da palavra. Além dos três casos de colocação pronominal, algumas características ortográficas interferem decisivamente na estrutura da nova palavra, que associa verbo e pronome oblíquo. Exemplo: Texto-base: Decidi poupar o dinheiro. Reescrita: Decidi poupá-lo. Na reformulação, eliminamos o “-r” do verbo “poupar” e usamos a letra “l” para unir o pronome oblíquo ao verbo. Essa regra vale para as formas verbais terminadas em “-r”, “-s” ou “-z” e apenas para os pronomes oblíquos “o(s)” e “a(s)”. Sendo assim, no lugar de “Alugamos o carro” e “Fez um bolo”, temos, respectivamente: “Alugamo-lo” e “Fê-lo”. Essa regra é fundamental para compreendermos melhor este outro exemplo de mesóclise, agora formada com um verbo conjugado no futuro do pretérito: Texto-base: Eu responderia a pergunta. Reescrita: Respondê-la-ia Estudos Morfossintáticos46 Na mesóclise formada, a letra “l” une-se ao pronome oblíquo átono “a”. Em função de o pronome usado nesse exemplo ser o “a”, precisamos aplicar a regra descrita, que exige também o corte da letra “r”, na primeira parte do verbo. Ao final, sobram as vogais “i” e “a”, que caracterizam o futuro do pretérito. Outra norma da colocação pronominal diz respeito ao uso de verbos que terminam com ditongo oral (conforme exemplificamos no início desta parte do capítulo, na forma “indiquei-o”) e com ditongo nasal. Exemplo: Texto-base: As filhas dão as rosas para a mãe. Reescrita: As filhas dão- nas para a mãe. Como se vê, o ditongo nasal é mantido, mas exige o acréscimo da consoante “n” ao pronome oblíquo “as”. Isso também vale para os verbos terminados em “m” (“Pediram um favor.” > “Pediram-no.”). Por meio da análise de todos esses casos de colocação pronominal, você deve ter percebido o alto nível de formalidade quea ênclise e a mesóclise podem emprestar à nossa fala ou escrita. Celso Luft refere-se a isso, quando afirma que a próclise corresponde a um “tom coloquial, intimista, ou descontraído. Por contraste, a ênclise soa à cerimônia, linguagem objetiva, técnica [...]” (LUFT, 2002, p. 39). De fato, sabemos que, linguisticamente, aquelas formas consideradas eruditas demais não devem ser usadas no dia a dia, com o público médio. Sendo assim, às vezes é necessário buscarmos alternativas mais simples, sem, no entanto, desrespeitar as normas gramaticais, se estivermos privilegiando uma situação e um interlocutor formais, mas que não requerem excessos. Exemplo: Texto-base: Levei uma maçã para a escola. Comerei a maçã na hora do lanche. Reescrita com mesóclise: Levei uma maçã para a escola. Comê-la-ei na hora do lanche. Reescrita sem mesóclise: Levei uma maçã para a escola. Comerei a fruta na hora do lanche. A mesóclise deixou o texto formal demais. Portanto, para diminuir a formalidade e manter a correção gramatical, a proposta mais simples sugere o uso de um termo sinônimo (“fruta”). A estratégia é bastante eficiente, pois evita a repetição e neutraliza o tom excessivo da primeira reescrita. Da Morfologia à Sintaxe 47 4.4 Funções sintáticas na colocação pronominal Neste subitem de nosso capítulo, vamos tratar da correspondência entre os pronomes oblíquos átonos e as funções sintáticas de objeto direto e objeto indireto. Existem pronomes que podem desempenhar apenas a função de objeto direto. Outros, porém, são usados exclusivamente para substituir um objeto indireto. Por fim, em um terceiro grupo, que reúne a maioria dos oblíquos átonos, aparecem os pronomes que podem assumir ambas as funções sintáticas. Para entender melhor essa divisão, observe o quadro a seguir: Quadro 1 – Morfossintaxe dos pronomes oblíquos átonos Função(ões) sintática(s) Pronomes oblíquos átonos Objeto direto o, a, os, as Objeto indireto lhe, lhes Objeto direto ou Objeto indireto me, te, se, nos, vos Fonte: Elaborado pela autora. Em seguida, vejamos na prática as correspondências que foram apresentadas no quadro. Para tanto, a análise sintática do período é a primeira etapa a ser cumprida, a fim de identificarmos o(s) tipo(s) de objeto(s) apresentado(s) em cada exemplo: Texto-base: Devolveu as chaves. Reescrita: Devolveu-as. No texto proposto, há um objeto direto (“as chaves”). Não há preposição e o objeto é facilmente identificado a partir da pergunta: “Devolveu o quê?” Sendo assim, na reescrita devemos optar pelo pronome “as”, para concordar com o gênero e o número do substantivo “chaves”. Além disso, como o verbo termina com ditongo oral, a grafia se mantém e nenhuma letra deve ser acrescentada ao pronome. Alterando o tipo do objeto, neste novo exemplo temos: Reescrita: Pagou-lhe o cachê. Texto-base: Pagou o cachê ao artista. No período apresentado, o pronome “lhe” foi escolhido, porque é adequado para substituir um objeto indireto (“ao artista”). Tanto na pergunta (“Pagou o cachê a quem?”) como na resposta (“Ao artista”) a preposição “a” está presente, indicando que se trata de um objeto indireto. Essa mesma função sintática é privilegiada neste par: Texto-base: Informou a data para mim. Reescrita: Informou-me a data. Vídeo Estudos Morfossintáticos48 O objeto indireto “para mim” (que traz a preposição “para”) é substituído pelo oblíquo átono “me”. Entretanto, no caso apresentado a seguir, o mesmo pronome demonstra sua flexibilidade sintática (assim como já sinalizava o quadro apresentado anteriormente), passando a assumir a função de um objeto direto: Texto-base: Elas não acharam eu. Reescrita: Elas não me acharam. Nessa última reescrita, o uso do pronome oblíquo átono não é uma opção, mas uma necessidade. Isso ocorre pelo fato de o pronome pessoal do caso reto (“eu”) não poder desempenhar a função de objeto direto, conforme o conteúdo apresentado na parte 4.2. Dessa forma, a única possibilidade de manter a ideia do texto-base e responder a pergunta: “Eles não acharam quem?” é utilizar o pronome “me”, que corresponde à primeira pessoa do singular e à função de objeto direto, simultaneamente. Considerações finais Neste capítulo, discutimos temas que comprovam a flexibilidade da língua, procedimento em que uma única classe se multiplica, servindo a diversos contextos e, consequentemente, assumindo funções sintáticas distintas. Dessa forma, foi possível constatarmos que a hierarquia das classes de palavras não garante a hierarquia sintática. Em suma, uma palavra caracterizada inicialmente como secundária, como o numeral, por exemplo, não se restringe apenas às funções de menor valor sintático, como adjunto ou complemento nominal. Em vez disso, ela pode ser determinante no texto e assumir a posição privilegiada do sujeito. Outra constatação fundamental que fizemos neste capítulo deve-se à complexa relação entre estilo e colocação pronominal, o que pode nos ajudar no uso cotidiano da língua portuguesa. Ao contrário do que geralmente pensamos, a forma mais culta nem sempre é a mais adequada. Da mesma maneira, aquelas modalidades informais de fala e de escrita não devem ser julgadas precipitadamente, pois quase sempre correspondem a um objetivo e a um público bastante específicos. Ampliando seus conhecimentos • BOLOGNESI, J. Pronomes: 4 regras práticas. Disponível em: https://exame.abril.com.br/ carreira/colocacao-pronominal-4-regras-praticas/. Acesso em: 4 mar. 2019. O artigo em questão, escrito por João Bolognesi, faz um resumo muito útil das principais regras de colocação pronominal. Além disso, o autor apresenta uma lista com inúmeros exemplos de palavras atrativas, que têm fundamental importância nos casos de próclise. • SILVA, R. V. M. e. O português brasileiro. Disponível em: http://cvc.instituto-camoes.pt/ hlp/hlpbrasil/index.html. Acesso em: 4 mar. 2019. Da Morfologia à Sintaxe 49 Nesse material, divulgado pelo Instituto Camões, que é uma das entidades normatizadoras da língua portuguesa, nos diversos países em que ela é utilizada, a autora, Rosa Virgínia Mattos e Silva, menciona as principais diferenças entre o português brasileiro e o português europeu10. Em se tratando dos pronomes, deve ser privilegiada a leitura da seção 1.2, mas atenção: a pesquisadora utiliza uma terminologia específica. Trata-se da palavra “clítico”, que é definida desta forma, no dicionário Novo Aurélio século XXI: “palavra que depende fonologicamente de outra, comportando-se como se fosse uma de suas sílabas”. De fato, o uso do hífen, na maioria dos casos de colocação pronominal, exemplifica muito bem esse conceito. • VERISSIMO, L. F. Papos. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/oficinas/ lportuguesa/lpe09/01.html. Acesso em: 4 mar. 2019. No link indicado, a crônica de Luis Fernando Verissimo, que também pode ser lida em coletâneas impressas publicadas pelo autor, a exemplo do livro Comédias para se ler na escola, parte do uso dos pronomes oblíquos átonos para debater a diferença entre os registros formal e informal. Durante a leitura, fique atento ao perfil dos falantes, à linguagem que cada um utiliza e ao laço de amizade que existe entre os personagens. Os dois são amigos e essa proximidade autoriza e até mesmo exige o uso de uma linguagem cotidiana e mais descontraída. Atividades 1. Nos períodos a seguir, classifique morfológica e sintaticamente os termos sublinhados, identificando a classe da palavra e a função sintática: a) O carro apresentou problemas. b) Duas pessoas foram assaltadas no centro. c) O síndico apresentou aquilo a todos os condôminos. d) O terreno foi medido por eles. 2. Faça a substituição dos termos grifados, utilizando pronomes oblíquos átonos adequados. Depois, indique a função sintática que eles desempenham no período: a) Hoje reencontrarei meus filhos. b) Verei meu avô amanhã. c) Expliquei tudo a você. d) Emprestou a mim o dinheiro. e) Nada surpreendeu os convidados. 10 Inclusive alguns gramáticos,como Ataliba Castilho, analisam essas distinções. Talvez a principal delas esteja no fato de o português brasileiro ser caracterizado como “proclítico” (porque privilegia as próclises), ao passo que o português europeu é considerado como sendo de natureza “enclítica” (pelo uso frequente das ênclises) (Cf. CASTILHO, 2010, p. 484). Estudos Morfossintáticos50 3. Substitua as palavras marcadas por pronomes oblíquos, observando as regras de estrutura e ortografia: a) Vendemos o carro. b) Desenharam os mapas. c) Empilhou as revistas. Referências AZEREDO, J. C. Gramática Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008. CASTILHO, A. T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010. CIPRO NETO, P. “Multa para quem superá-la”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2604200103.htm. Acesso em: 5 mar. 2019. HOLANDA, A. B. Clítico. In: HOLANDA, A. B. de. Novo Aurélio século XXI. Nova Fronteira, [s. l.: s.n.]. 1 CD-ROM. LUFT, C. P. Moderna gramática brasileira. São Paulo: Globo, 2002. SACCONI, L. A. Nossa gramática: Teoria e prática. São Paulo: Harbra, 2004. VERISSIMO, L. F. Comédias para se ler na escola. São Paulo: Objetiva: 2001. 5 Funções sintáticas no período simples Nesta parte de nosso estudo, usaremos o período simples como ponto de partida para a análise sintática. Em cada seção do capítulo, serão apresentados e exemplificados diferentes elementos, tais como: a) os diferentes tipos de sujeito; b) as três classificações de predicado; c) os complementos verbais – especificamente os objetos direto, indireto e o predicativo do sujeito; d) os complementos exigidos pelos nomes, com ênfase a predicativo do objeto, complemento nominal, adjunto adnominal e agente da passiva. Para facilitar a compreensão dos principais elementos sintáticos de nossa língua, todos eles serão analisados em períodos simples. Essa estrutura básica possibilita uma diversidade razoável, em termos de flexibilidade e organização do texto, sem deixar de lado a questão da hierarquia, que é fundamental na Sintaxe. Evidentemente, se o período simples será usado para fins analíticos, em todos os exemplos e exercícios, é imprescindível retomar esse conceito. Então, vamos a ele. Estruturalmente, um período corresponde ao intervalo que vai desde a inicial maiúscula até o ponto. Além disso, cada período é definido pelo número de orações que o compõem. As orações, do mesmo modo, estabelecem-se pelo número de verbos ou locuções verbais. Isso significa que um período simples deve apresentar somente uma oração, ou seja: apenas um verbo ou uma locução verbal. Consequentemente, um período composto é formado por duas ou mais orações (e por dois ou mais verbos ou locuções verbais). Observe o par a seguir, que exemplifica essa distinção: Período simples: (1 oração = 1 locução verbal)Vou comprar um carro novo. (1 oração = 1 verbo)Comprarei um carro novo. Período composto: (2 orações = 1 locução verbal e 1 verbo)Vou economizar dinheiro para comprar um carro novo. (2 orações = 2 verbos)Economizarei dinheiro para comprar um carro novo. Neste primeiro momento, usaremos o período simples para fixarmos conceitos, tipologias e funções sintáticas. Entretanto, o período composto também será abordado neste livro, no Capítulo 6. 5.1 Tipos de sujeito Gramaticalmente, o sujeito pode ser definido como “unidade ou sintagma nominal que estabelece uma relação predicativa com o núcleo verbal para constituir uma oração” (BECHARA, 2009, p. 409). Sendo assim, as normas de concordância Vídeo Estudos Morfossintáticos52 do verbo dependem essencialmente do sujeito. Neste outro conceito, Mário Perini ressalta essa particularidade: “Sujeito é o termo da oração que está em relação de concordância com o núcleo do predicado” (PERINI, 2003, p. 76). Existem cinco tipos principais de sujeito na língua portuguesa. Nos itens que seguem, analisaremos alguns exemplos1: a) Simples: apresenta apenas um núcleo. Exemplo: Cantores brasileiros | fazem turnê no exterior. O sujeito completo é “Cantores brasileiros”, mas existe apenas uma palavra que é de fato importante e necessária para uma comunicação razoável: “Cantores”. Por esse motivo, esse termo é chamado de “núcleo do sujeito”. b) Composto: apresenta dois ou mais núcleos. Exemplo: Os pais, os alunos e os professores | promoveram a peça de teatro. Nesse período, há três núcleos (que correspondem aos termos em destaque). Isso significa que o sujeito é composto. Além disso, observe que as afirmações de Bechara e Perini, citadas anteriormente, consolidam-se nos exemplos apresentados aqui, já que o verbo “promoveram” concorda com o sujeito (“Os pais, os alunos e os professores” = “Eles”). c) Oculto: também chamado “implícito”, “simples implícito”, “elíptico” ou “desinencial”, esse tipo de sujeito leva em consideração a flexão do verbo. Exemplo: [Nós] | Pedimos mais prazo à seguradora. Perceba que o pronome pessoal do caso reto (“Nós”) não aparece no período, que começa diretamente com o verbo (“Pedimos”). Sendo assim, precisamos analisar a desinência número- -pessoal do verbo para definir o sujeito2. d) Indeterminado: utiliza verbos flexionados na terceira pessoa, podendo apresentar as seguintes estruturas: verbo na terceira pessoa do plural; ou verbo na terceira pessoa do singular + “se”, que, nesse contexto, assume a função denominada “PIS” (Partícula de Indeterminação do Sujeito). Exemplos: [Eles/Elas] | Chegaram cedo à reunião3. [Ele/Ela] | Trata-se de um assunto urgente. 1 Neste capítulo (a exemplo do que foi feito no Capítulo 4), será usada uma barra para indicar a separação entre sujeito e predicado. 2 O sujeito oculto é frequentemente confundido com o sujeito indeterminado. Para não errar, basta seguir esta diferenciação: o sujeito oculto omite os pronomes pessoais “eu”, “tu”, “ele(a)” sem o “se”, “nós” e “vós”; em contrapartida, o indeterminado traz verbos conjugados por dois pronomes apenas: “ele(a)” + “se” e “eles(as)”. 3 O sujeito indeterminado, assim como o sujeito oculto, não aparece expresso no período. Isso significa que há distinção entre os sujeitos das orações apresentadas a seguir. Observe: “Eles chegaram cedo à reunião” (= sujeito simples: “Eles”); “Chegaram cedo à reunião” (= sujeito indeterminado). Funções sintáticas no período simples 53 Os exemplos demonstram os dois casos de sujeito indeterminado. Sem dúvida, o segundo é o mais complexo e, para não errar na classificação, é preciso saber diferenciar PIS e PA (Pronome Apassivador). Em: “Trata-se de um assunto urgente”, é utilizada a partícula de indeterminação do sujeito (PIS). Desse modo, a transição para a voz passiva analítica é impossível. Essa mudança, aliás, é dificultada pelo verbo “trata”, que, nesse contexto, é transitivo indireto. Contudo, quando temos o uso do “se” como pronome apassivador (PA), a passagem para a voz passiva analítica torna-se possível. Vejamos isso na prática: Notificou-se | o motorista. O motorista | foi notificado. Dessa maneira, alteram-se a função do “se” e o tipo de sujeito, pois, em “Notificou-se o motorista”, o sujeito é simples – “o motorista”4. Confirmamos isso quando utilizamos a ordem direta (propiciada pela voz passiva analítica). Outro detalhe fundamental sobre o sujeito indeterminado é o fator que o determina. O termo-chave é sempre o verbo. Isso significa que o valor semântico de algumas palavras nunca deve ser levado em conta. Algumas gramáticas explicitam essa regra: Quando o sujeito da oração é um indefinido, há apenas indeterminação psicológica. Na análise sintática de – “Alguém terminou o trabalho” – por exemplo, devemos declarar: sujeito simples, representado pelo pronome indefinido alguém. Não podemos esquecer que a análise sintática se fundamenta na sintaxe, que é uma das partes em que se divide a Gramática. (GÓIS; PALHANO apud HAUY, 1987, p. 58) Para fixarmos esse critério de diferenciação, fornecemos outro exemplo: Qualquer um | sabe disso. No períodoanterior, temos um sujeito simples (“Qualquer um”), apesar de não sabermos claramente de que pessoa se trata. e) Oração sem sujeito: antigamente, utilizava-se a terminologia “sujeito inexistente”. Porém, essa nomenclatura caiu em desuso, por ser considerada contraditória pela maioria dos estudiosos da língua. Desde então, usamos a classificação nova: “oração sem sujeito”. Entre todos os tipos de sujeito, essa categoria obedece a diversos critérios, que serão apresentados e exemplificados a seguir: Nevou no norte do país. Esse período não tem sujeito, porque utiliza um verbo impessoal (“nevou”, que indica um fenômeno natural). Dessa forma, o verbo não pode ser conjugado em nenhuma outra pessoa. Existe apenas a forma neutra, que corresponde à terceira pessoa do singular. São duas horas da tarde. Está muito frio. 4 Nesse exemplo, além de simples, o sujeito é também paciente (porque sofre uma ação, em vez de praticá-la). Essa categoria foi mencionada anteriormente, nas análises do Capítulo 4. Estudos Morfossintáticos54 Nesse par de exemplos, os verbos “ser” e “estar” indicam tempo e por isso também são considerados impessoais. No primeiro período, destaca-se o aspecto cronológico. No segundo, o meteorológico. Há uma boa chance. No período acima, o verbo “haver” é utilizado no sentido de “existir” e, por isso, não apresenta sujeito. Porém, é necessário ter muita atenção nesse caso, pois, se for usado o verbo “existir”, o período apresentará um sujeito: Existe | uma boa chance. Alterando o verbo, modificamos também o tipo de sujeito. A oração agora passou a ter sujeito simples. 5.2 Tipos de predicado Em nossa língua, a classificação dos predicados depende de dois fatores: a) tipo de verbo; b) presença (ou ausência) de predicativo. Vejamos a análise de alguns exemplos: a) Predicado verbal: apresenta como núcleo um verbo de ação. Isso significa que, nesse tipo de predicado, não pode ser usado um verbo de ligação. Exemplos: Os cachorros | latem. Eu | investiguei o caso. Nos períodos apresentados, há um verbo intransitivo (ou seja: que não exige nenhum objeto: “latem”) e um verbo transitivo direto (“investiguei”, porque esse exige um objeto direto: “o caso”). b) Predicado nominal: utiliza um verbo de ligação5 e, consequentemente, traz um nome (predicativo) como núcleo. Exemplo: O vizinho | estava irritado. O predicado traz um verbo de ligação – “estava” – e um predicativo – “irritado” –, que diz respeito ao núcelo do sujeito – “vizinho”. c) Predicado verbo-nominal: combina as características das duas tipologias anteriores. Sendo assim, esse predicado utiliza dois núcleos: um verbo de ação e um predicativo. Exemplo: A reação do público | deixou o artista apreensivo. O predicado em destaque é verbo-nominal, porque combina o verbo “deixou” ao predicativo “apreensivo”. É importante notar que o predicativo (do sujeito ou do objeto) é sempre um adjetivo ou um adjetivo/particípio. Além disso, observe que, no caso do período apresentado, o termo “apreensivo” constitui o predicativo do objeto, já que define “o artista” (objeto direto do verbo “deixou”). 5 Conforme Ernani Terra, esses verbos não possuem “conteúdo significativo, exprimem estado ou mudança de estado e servem como elemento de ligação entre um sujeito e seu atributo (predicativo do sujeito). [...]. Os principais verbos de ligação são: ser, estar, parecer, permanecer, ficar, andar, continuar” (TERRA, 2011, p. 213, grifo no original). Vídeo Funções sintáticas no período simples 55 5.3 Complementos do verbo Como vimos na parte anterior deste capítulo, o verbo de ligação exige um adjetivo como complemento. Dessa forma, a qualidade (ou o defeito) desempenha a função sintática de predicativo do sujeito. Observe mais um exemplo: O corredor | parecia machucado. O verbo de ligação “parecia” usa como complemento um adjetivo/particípio – “machucado”. No que diz respeito aos verbos de ação, importam, neste item, os chamados “transitivos”, que, “por sua vez, são subclassificados em transitivos diretos, transitivos indiretos e transitivos diretos e indiretos [...]. Há dois tipos de complementos verbais: o objeto direto e o objeto indireto” (CIPRO NETO; INFANTE, 2003, p. 361). Exemplos: Ela | comprou roupas novas. O aluno | precisa de nota. Avisou o chefe sobre o prejuízo. O primeiro exemplo traz o verbo “comprou” (transitivo direto). Consequentemente, o complemento dado ao verbo é um objeto direto (“roupas novas”). O objeto indireto (que se une a verbos transitivos, com auxílio de preposição) é exemplificado no segundo período. Nele, o objeto indireto “de nota” surge como complemento do verbo “precisa”. Por fim, o terceiro exemplo apresenta transitividade diferenciada, porque menciona dois objetos: um direto (“o chefe”) e outro indireto (“sobre o prejuízo”). Veja que “sobre” é preposição e por isso esse termo é determinante na classificação do segundo objeto. Como resultado da estrutura desse último exemplo, o verbo é chamado de “transitivo direto e indireto”, anunciando em seu nome os tipos de complementos exigidos. 5.4 Complementos do nome Nesta seção, revisaremos funções sintáticas que já foram apresentadas anteriormente (neste capítulo e também no Capítulo 4). Entretanto, elas ainda não tinham sido classificadas como “complementos do nome”, tal como faremos agora, com dois exemplos distintos: Eles | recusaram o convite inesperado. A área | foi preservada pelos biólogos. O primeiro período tem em destaque o termo “inesperado”, que desempenha a função de predicativo do objeto. Quando analisamos a oração inteira, constatamos que o verbo (transitivo direto: “recusaram”) já foi completado com um objeto direto (“o convite”). Sendo assim, esse tipo de predicativo não é exigido pelo verbo, mas pelo nome. Contudo, a complementação não é obrigatória, mas opcional. Se tivéssemos apenas “Eles / recusaram o convite”, a comunicação atingiria um nível satisfatório, pois o enunciado está completo. Todavia, ao acrescentarmos o adjetivo “inesperado”, detalhamos a informação, especificando o tipo de convite. Vídeo Vídeo Estudos Morfossintáticos56 No segundo caso, estruturado na forma de voz passiva analítica, o sujeito simples é também paciente, porque “A área” sofre a ação praticada pelos biólogos. Relacionado a isso, convém retomarmos a sequência já apresentada no Capítulo 4 deste livro e que reúne: verbo de ligação + particípio + agente da passiva. No exemplo em análise, temos o particípio6 “preservada” e, logo em seguida, o agente da passiva – “biólogos” – é introduzido pela preposição “por”, que, somada ao artigo “os”, resulta na forma combinada “pelos”. Outros tipos de complementos do nome são o adjunto adnominal e o complemento nominal, ambos já introduzidos na segunda parte do Capítulo 4. Retomando esses conceitos e as diferenças essenciais entre eles, analisaremos aqui os seguintes exemplos: Os meninos do interior | chegaram. A prova do aluno | foi ótima. Em ambos os períodos, destacamos apenas os adjuntos adnominais. De acordo com a gramática tradicional, essa função sintática pode ou não apresentar preposição. De fato, “Os” e “A” não passam de artigos, enquanto “do interior” e “do aluno” iniciam-se com a preposição “de” somada ao artigo “o” (= “do”). O adjunto adnominal “do interior” é uma locução adjetiva, por apresentar preposição e substantivo e pelo fato de esse conjunto de palavras poder ser substituído por um adjetivo (“interioranos”, nesse caso). Esse tipo de locução é uma especificidade do adjunto adnominal. Já o adjunto “do aluno” inicialmente pode gerar alguma dúvida quanto à classifcação, mas há um meio bastante eficiente de resolver a questão. Como vimos, no Capítulo 4, o complemento nominal sempre tem sentido passivo. Em contrapartida, o adjunto adnominal tem função ativa. Aplicando esse raciocínio ao período em análise, concluímos que a prova foi feita pelo aluno. Portanto, “do aluno” corresponde a um sentido ativo, confirmando esta explicaçãode Sacconi: “O adjunto adnominal corresponde a um complemento subjetivo7” (SACCONI, 2004, p. 321). A título de comparação, analisemos agora um exemplo de complemento nominal: A explicação aos jurados | foi convincente. Diferentemente do adjunto adnominal, o complemento nominal pode seguir um adjetivo, um advérbio ou um substantivo. No período apresentado aqui, ele segue o substantivo “explicação”. Além disso, no complemento nominal a preposição é obrigatória8 e sempre prevalece o sentido passivo. Com base nisso, concluímos que “aos jurados” cumpre esses dois critérios, pois: apresenta a preposição “a” combinada ao artigo “os” (“a” + “os” = “aos”); e indica sentido passivo, porque os jurados recebem a explicação dada por alguém. 6 O particípio é um nome, por ser uma forma nominal de verbo. 7 O autor usa o termo “subjetivo” por associação à função ativa da maioria dos sujeitos. 8 Às vezes, a necessidade da preposição provoca confusão entre complemento nominal e objeto indireto. Para diferenciar essas duas funções sintáticas, é preciso verificar qual termo está sendo completado: o verbo ou o nome? Exemplos: “Eu confio em você” e “Eu tenho confiança em você”. Ambos os períodos têm preposição, mas há uma distinção essencial: no primeiro exemplo, temos um objeto indireto, porque completa o sentido do verbo (“confio”). Já, na segunda oração, identificamos um complemento nominal, porque segue um substantivo (“confiança”). Funções sintáticas no período simples 57 Considerações finais Com as análises feitas neste capítulo, cruzamos definitivamente uma fronteira. Isso significa que, depois de discutirmos temas pertinentes à Morfologia, nos capítulos anteriores, chegamos finalmente ao território da Sintaxe. A introdução aos conceitos de uma nova área de nossa gramática exige uma progressão gradual, razão pela qual as análises feitas aqui privilegiaram o conjunto do período simples, que é breve, mas essencial. A simplicidade dessa estrutura textual permitiu a retomada e a consolidação das principais funções sintáticas, assegurando que elas possam ser aprofundadas e verificadas em textos maiores e mais complexos, nos capítulos posteriores. Ampliando seus conhecimentos • RODRIGUES, S. ‘Foi difícil para EU fazer isso.’ E agora? Disponível em: https://veja.abril.com. br/blog/sobre-palavras/foi-dificil-para-eu-fazer-isso-e-agora/. Acesso em: 17 mar. 2019. Sérgio Rodrigues mantém uma coluna na revista Veja e faz uso desse espaço na mídia, para tirar dúvidas dos leitores e esclarecer questões pertinentes ao uso cotidiano da língua portuguesa. No texto indicado, o autor comenta as funções dos pronomes “eu” e “mim”, quando associados ao verbo e à posição de sujeito. • BECHARA, E. Lições de português pela análise sintática. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014. Esse livro relaciona as normas gramaticais à prática, priorizando a Sintaxe. O livro é indicado para quem já tem uma base razoável da organização sintática da língua. Desse modo, por meio dos exercícios propostos, é possível relembrar e aprofundar os conceitos mais elementares, fixando tipologias e classificações, em exemplos formulados especificamente para fins didáticos. • FERREIRA, M. Aprender e praticar gramática. São Paulo: FTD, 2014. Seguindo a mesma linha do livro indicado no item anterior, esse livro também propõe a associação entre teoria e prática. O autor Mauro Ferreira é uma referência, quando se trata dos aspectos técnico e didático de nossa língua. Inúmeras escolas utilizam há décadas as gramáticas desenvolvidas por ele, porque as obras são bastante claras e objetivas, atendo- -se aos conteúdos mais relevantes, sem informações excessivas ou inusuais. Atividades 1. Indique e classifique os sujeitos dos períodos simples a seguir: a) Reformam-se roupas. b) Viajamos para a Europa. c) Voltaram o pai, a mãe e os filhos. Estudos Morfossintáticos58 d) Escreveram um novo livro. e) Existiam segredos na família. 2. Aponte os predicados das orações abaixo. Depois, defina o tipo de cada um deles: a) O síndico apresentou o relatório. b) Elas chegaram atrasadas ao espetáculo. c) A candidata parecia confiante. 3. Defina a função sintática dos termos em destaque nas orações dadas: a) O prefeito ofereceu auxílio aos desabrigados. b) A empresa foi superada por seu principal concorrente. c) A aprovação de novos empréstimos foi suspensa. d) A decisão foi conveniente ao réu. e) Minha tataravó nasceu na Inglaterra. f) O turista estava animado. Referências BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. BECHARA, E. Lições de português pela análise sintática. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014. CIPRO NETO, P.; INFANTE, U. Gramática da língua portuguesa. São Paulo: Scipione, 2003. FERREIRA, M. Aprender e praticar gramática. São Paulo: FTD, 2014. HAUY, A. B. Da necessidade de uma gramática-padrão da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1987. PERINI, M. A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 2003. SACCONI, L. A. Nossa gramática: teoria e prática. São Paulo: Harbra, 2004. TERRA, E. Curso prático de gramática. São Paulo: Scipione, 2011. 6 Funções sintáticas no período composto Neste capítulo, abordaremos os períodos compostos. Para tanto, começaremos pelas diferenças entre dois sistemas relacionais: o de coordenação e o de subordinação. Posteriormente, serão destacadas as funções sintáticas das orações subordinadas substantivas (subjetivas, predicativas, objetivas diretas, objetivas indiretas e completivas nominais). 6.1 Tipos de períodos compostos Os períodos compostos devem apresentar um conjunto de duas orações, no mínimo. Dependendo da relação estabelecida por essas orações, o período é classificado de dois modos distintos: a) Período composto por coordenação: Nessa unidade textual, existem apenas orações coordenadas, conceituadas como “aquelas que, no período, não exercem função sintática umas em relação às outras” (TERRA, 2011, p. 241, grifos nossos). Como exemplo, podemos citar: “Fui surpreendido, porque me distraí com a situação1”. Nesse período, temos duas orações. A primeira (“Fui surpreendido”) não apresenta conjunção e por isso recebe o nome de “oração coordenada assindética”. Na parte sublinhada, a conjunção aparece e dá nome à oração. A palavra “porque” tem valor explicativo, razão pela qual a segunda oração é assim denominada: “oração coordenada sindética2 explicativa”. Apesar de as tipologias de orações coordenadas não constituírem o objetivo deste livro, é fundamental percebermos duas características no exemplo dado: a conjunção serve como elemento coesivo, unindo as orações, e isso comprova que as duas partes do período são essenciais para uma comunicação completa e eficaz; no entanto, as duas orações do período são independentes sintaticamente (ou seja: cada oração tem um sujeito próprio e, no caso em análise, temos uma coincidência, pois os dois sujeitos são ocultos e correspondem ao pronome “eu”). b) Período composto por subordinação: É formado por uma oração principal e uma oração subordinada. As subordinadas podem ser de três tipos: substantivas, adjetivas e adverbiais. Neste capítulo, trataremos apenas das substantivas, porque elas “exercem as funções próprias de um substantivo” (TERRA; NICOLA, 2006, p. 288). Isso quer dizer que a oração principal nunca está totalmente completa e cabe à oração subordinada fornecer uma parte que desempenhe a função sintática que não aparece na principal. Um exemplo disso pode ser verificado em: “Eles querem que eu vá à festa”. Observe que, 1 Neste capítulo, as orações coordenadas sindéticas e as orações subordinadas substantivas serão sublinhadas, para que sejam identificadas mais facilmente. 2 O termo “sindética” é derivado de “síndeto”, que significa “conjunção”. Portanto, sempre que uma oração coordenada apresentar conjunção, ela receberá o nome de “oração coordenada sindética”. Vídeo Estudos Morfossintáticos60 na oração principal, temos o sujeito (“Eles”) eo verbo transitivo direto (“querem”), mas não temos o objeto. Sendo assim, o objeto é dado pela oração subordinada substantiva (“Eles querem” o quê? “Que eu vá à festa”), que passa a se chamar “oração subordinada substantiva objetiva direta”. 6.2 Sintaxe do período composto por coordenação A fim de aprofundarmos a diferenciação entre os períodos compostos por coordenação e por subordinação, é aconselhável analisarmos mais um exemplo, mas, desta vez, levando em conta outros pressupostos teóricos: Tradicionalmente, é comum identificar unidades coordenadas com unidades independentes e unidades subordinadas com unidades dependentes. Esta identificação nada esclarece até que se defina a natureza dessa dependência, que para uns é puramente sintática, mas para outros deve dizer respeito antes ao sentido. (AZEREDO, 2006, p. 50-51) Para definir essa questão, tomemos como base a conclusão de Ernani Terra, que caracteriza as coordenadas como “orações sintaticamente independentes, embora ligadas pelo sentido” (TERRA, 2011, p. 241). Com essas informações, vamos à análise de um período: Meus amigos encontraram uma garota linda, mas eu não a vi. O período apresentado tem dois verbos – “encontraram” e “vi” –, o que nos indica que ele é composto e traz duas orações. Na primeira parte, não há conjunções e isso define uma “oração coordenada assindética”. Porém, na segunda parte, a conjunção adversativa “mas” é utilizada, estabelecendo uma relação de contrariedade no período. Exatamente por isso, confirmamos que as orações são dependentes semanticamente. Se isolarmos a oração coordenada sindética – “mas eu não a vi” –, não haverá sentido completo. Isso demonstra a necessidade de um início (que é dado pela primeira oração). Entretanto, no aspecto sintático, as orações do período composto por coordenação são autônomas. Observe: Primeira oração: encontraram Verbo Meus amigos Sujeito uma garota linda, Obj. direto Segunda oração: não Adv. de negação mas Conjunção eu Sujeito a Obj. direto vi. Verbo Em cada oração, estão presentes todos os elementos sintáticos necessários para uma informação completa. Além disso, veja que as duas partes do período têm sujeitos distintos e verbos também diferentes (que se unem adequadamente aos objetos correspondentes). Vídeo Funções sintáticas no período composto 61 6. 3 Sintaxe do período composto por subordinação No período composto por subordinação, estudaremos apenas as orações subordinadas substantivas, que assumem valor sintático essencial, porque “são termos da frase desenvolvidos em oração” (KURY, 2003, p. 71). A fim de identificarmos facilmente a presença de uma subordinada substantiva em um período composto, aconselha-se aplicar esta dica: “Para efeito meramente didático, de simples reconhecimento, quase todas as orações substantivas podem substituir-se por um dos pronomes isto, isso, aquilo, este, esse, aquele, todos: ‘Peça-lhe que viva.’ = ‘Peça-lhe isso.’” (KURY, 2003, p. 77, grifos no original). Vejamos outro exemplo: Estive pensando sobre o que você me falou. > Estive pensando sobre isso. Antes do pronome “isso”, tivemos de repetir a primeira oração, que apresenta uma locução verbal – “Estive pensando” –, e também reescrevemos a preposição – “sobre” –, necessária para introduzir um objeto indireto. Com esse processo, confirmamos que a oração subordinada cumpre a função sintática de objeto indireto da oração principal. Existem inúmeros tipos de subordinadas substantivas, cada qual com uma função sintática específica. Nas partes seguintes deste capítulo, analisaremos a subjetiva, a predicativa, a objetiva direta, a objetiva indireta e a completiva nominal3. 6.4 Sujeito e predicativo nas orações subordinadas substantivas Para compreendermos de que maneira uma oração pode desempenhar as funções de sujeito e predicativo, é importante retomarmos a estrutura de uma frase nominal, que abrange o verbo de ligação e os dois elementos sintáticos em análise, nesta parte do nosso capítulo. Exemplo: É importante que façam todas as correções. A oração principal nos fornece o verbo de ligação – “É” – e o predicativo (que corresponde ao adjetivo “importante”). Dessa forma, cabe à oração subordinada completar a estrutura, desempenhando a função de sujeito. Isso fica claro quando aplicamos a sugestão de Adriano da Gama Kury ao exemplo dado. Observe: “É importante isso”. Ou, utilizando a forma direta: “Isso é importante”. Com esse procedimento, concluímos que a oração subordinada é o sujeito da oração principal, razão pela qual ela recebe o nome de “oração subordinada substantiva subjetiva”. Agora, para entendermos a função do predicativo, em um período composto, vejamos um novo exemplo: 3 A maioria das gramáticas traz um sexto tipo de subordinada substantiva, a oração apositiva. Entretanto, ela é associada ao uso dos dois-pontos e isso facilita bastante a identificação dessa oração substantiva. Por essa razão e também pelo fato de ela não corresponder a um elemento sintático fundamental, optamos por não a incluir neste capítulo. Contudo, a título de esclarecimento, citamos um exemplo de subordinada substantiva apositiva: “Meus amigos contaram a verdade: que não me avisaram sobre a data do evento.” A parte sublinhada é uma oração e esclarece o termo “verdade”, caracterizando-se como aposto. Vídeo Vídeo Estudos Morfossintáticos62 A verdade é que estou curado. Diferentemente do exemplo anterior, no período atual temos um artigo e um substantivo – “A verdade” –, seguidos por um verbo de ligação – “é”. Isso significa que está faltando o adjetivo, classe de palavras que desempenha a função de predicativo do sujeito. Sendo assim, o primeiro teste é tentarmos substituir a oração subordinada por um adjetivo qualquer. Isso é possível em: “A verdade é boa” ou “A verdade é inacreditável”. Essas duas trocas confirmam que a oração subordinada substantiva está, de fato, cumprindo a função de predicativo do sujeito, o que a caracteriza como uma oração subordinada substantiva predicativa. Com o objetivo de deixar mais clara a diferença entre as duas orações apresentadas neste item, analise comparativamente as orações subordinadas destes períodos: Minha sugestão foi que todos se reunissem. Era viável que terminássemos o trabalho no mesmo dia. Oração Subordinada Substantiva Predicativa, que pode ser trocada por um adjetivo: “Minha sugestão foi péssima.” Oração Subordinada Substantiva Subjetiva, que pode ser trocada por um substantivo: “Era viável o acordo.” Oração Subordinada Substantiva Predicativa, que pode ser trocada por um adjetivo: “Minha sugestão foi péssima.” Oração Subordinada Substantiva Subjetiva, que pode ser trocada por um substantivo: “Era viável o acordo.” 6.5 Objeto direto e objeto indireto nas orações subordinadas substantivas Em todos os exemplos que vimos até agora, neste capítulo, foi utilizada a conjunção integrante “que”. No entanto, o “se” também pode desempenhar essa função, como demonstram os períodos transcritos a seguir: “123 - O presidente declarou que não reformaria o ministério sob pressão 124 - Não sabíamos se ele desistiria da candidatura Os gramáticos chamam de ‘conectivo’ (conjunção subordinativa integrante) o que e o se dos exemplos [...]”. (AZEREDO, 2006, p. 65, grifo no original) Vídeo Funções sintáticas no período composto 63 O uso do “se”, em contextos similares aos propostos por Azeredo, é raro. Tudo depende da escolha do verbo e da certeza em relação à informação que é dada. Uma distinção pertinente entre as duas conjunções integrantes é que a “conjunção subordinativa se [...] revela incerteza, dúvida por parte do enunciador” (BARRETO, 2010, p. 302, grifo nosso), enquanto o “que” é uma “conjunção que tem valor semântico de afirmação, certeza” (BARRETO, 2010, p. 302). Para ilustrar essa diferenciação, vejamos estes exemplos, que irão demonstrar também outros dois tipos de oração subordinada substantiva: Meu pai perguntou se eu sairia no fim de semana.Eu me referia ao que você disse ontem à noite. O primeiro período composto traz uma oração principal e uma oração subordinada substantiva objetiva direta, já que esta funciona como objeto direto do verbo “perguntou” (“Meu pai perguntou” o quê? “Isso”, ou: “se eu sairia no fim de semana”). Perceba que a subordinada não se inicia com preposição. Além disso, a oração substantiva faz uso da conjunção integrante “se”, pois não há certeza. Retomando o exemplo, verificamos que o pai faz a pergunta justamente porque não sabe a resposta. Outro detalhe que sustenta a incerteza é o verbo conjugado no futuro do pretérito (“sairia”), que indica hipótese ou possibilidade, apenas. No segundo exemplo, a conjunção subordinativa “que” combina perfeitamente com a certeza da informação transmitida, afinal, no contexto em questão, há uma ação passada, que inclui uma conversa. Desse modo, não há dúvida sobre os fatos. Os interlocutores mencionados no período falam sobre algo que já aconteceu. Quanto à função sintática da oração subordinada, fica claro o uso da preposição “a”, exigida pela regência do verbo “referir-se” (“Eu me referia” a quê? “ao que você disse ontem à noite”). Por essa característica, temos um objeto indireto, o que nos permite classificar a subordinada de modo completo: oração subordinada substantiva objetiva indireta. 6.6 Objeto indireto e complemento nominal nas orações subordinadas substantivas As diferenças que vimos no Capítulo 5, e que diziam respeito especificamente ao objeto indireto e ao complemento nominal, são mantidas aqui, na análise sintática do período composto. Consequentemente, a oração substantiva objetiva indireta e a oração substantiva completiva nominal definem-se pela classe de palavras que completam, por meio da preposição e da conjunção integrante, que costumam iniciar essas duas subordinadas. Observe os exemplos dados: Nós duvidamos do que ele nos apresentou. Nós tivemos muitas dúvidas sobre o que ele nos apresentou. Constatamos que, embora os períodos sejam muito parecidos, apresentam uma distinção evidente: enquanto, na oração principal, o primeiro exemplo reúne apenas o sujeito “Nós” e o verbo “duvidamos”, o segundo já apresenta uma ideia completa, com o sujeito “Nós”, o verbo “tivemos” Vídeo Estudos Morfossintáticos64 e o objeto direto “muitas dúvidas”. Assim, as orações subordinadas devem fornecer os elementos sintáticos que faltam na oração principal. Portanto, a primeira subordinada substantiva – “do que ele nos apresentou” – apresenta o objeto indireto, o que significa que ela completa o verbo – “Nós duvidamos” do quê? “do que ele nos apresentou”. No caso da segunda subordinada substantiva – “sobre o que ele nos apresentou” –, o processo se modifica, afinal a oração principal está razoavelmente completa. Por esse motivo, a oração substantiva somente detalha a informação, fornecendo um complemento nominal – “Nós tivemos muitas dúvidas sobre o que ele nos apresentou”. Desse modo, a subordinada completa o nome “dúvidas”, que é o objeto do verbo da oração principal. Considerações finais Este capítulo aprofundou os elementos sintáticos apresentados no Capítulo 5. Dessa forma, aliando a estrutura básica do período simples à complexidade do período composto, as principais categorias da Sintaxe foram experimentadas em exemplos que privilegiaram um nível de linguagem mais aprimorado. Além disso, utilizamos o método comparativo, nas seções 6.3, 6.4 e 6.5, para sanarmos as dúvidas mais comuns na classificação das orações substantivas, com a aplicação de elementos diferenciadores. Entre subjetivas e predicativas, a distinção foi baseada na correspondência com substantivos e adjetivos. Para diferenciar objetivas diretas e objetivas indiretas, a preposição é sempre o elemento-chave. Finalmente, estabelecemos que as objetivas indiretas se distinguem das completivas nominais pela continuidade que dão – ao verbo e ao nome, respectivamente. Ampliando seus conhecimentos • STACK EXCHANGE. Portuguese language beta. Disponível em: https://portuguese. stackexchange.com/questions/16/deve-se-evitar-usar-v%C3%ADrgula-entre- ora%C3%A7%C3%B5es-subordinadas-substantivas-e-a-ora%C3%A7%C3%A3o-p. Acesso em: 31 mar. 2019. No link indicado, você pode encontrar boas orientações sobre a pontuação, em diferentes tipos de textos, inclusive nas orações substantivas. O material revisa as principais normas do uso da vírgula, que, como sabemos, é um sinal de pontuação que interfere decisivamente nos aspectos semântico e sintático de um período. • SOUZA, E. R. F. de. As orações completivas nominais nas variedades lusófonas. Disponível em: http://www.mundoalfal.org/CDAnaisXVII/trabalhos/R1167-1.pdf. Acesso em: 31 mar. 2019. Nesse artigo, o autor Edson Rosa Francisco de Souza demonstra que o uso das orações subordinadas substantivas completivas nominais constitui um traço comum na fala e na escrita dos povos que têm o português como língua oficial. Dessa forma, o material serve como um estudo comparativo, ao mesmo tempo em que possibilita a revisão de um tipo específico de oração subordinada. Funções sintáticas no período composto 65 • HENRIQUES, C. C. Sintaxe: Estudos descritivos da frase para o texto. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018. O livro indicado neste item reúne diferentes áreas de conhecimento. O autor Claudio Cezar Henriques utiliza a Morfologia para dar base à Sintaxe. Além disso, a obra inclui comentários sobre os aspectos didático e linguístico dos conteúdos abordados. Outro diferencial é que você pode exercitar as normas e os conceitos gramaticais em uma variedade de questões que priorizam a análise sintática. Atividades 1. Analise os períodos compostos a seguir e aponte as principais diferenças entre eles: a) Procuro um emprego, mas preciso de qualificação. b) A professora pediu que os alunos fizessem um trabalho. 2. Sublinhe e classifique as orações subordinadas substantivas dos períodos a seguir: a) Convém que elas aprontem tudo. b) Eles duvidavam do que o garoto contava. c) Minha única chance é que o banco autorize o empréstimo. 3. Explique a diferença entre as orações subordinadas apresentadas em: a) Necessito do que você comprou. b) Tenho necessidade do que você comprou. Referências AZEREDO, J. C. de. Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. BARRETO, R. G. (org.). Português – 3º ano: ensino médio. São Paulo: Edições SM, 2010. (Coleção Ser protagonista) KURY, A. da G. Novas lições de análise sintática. São Paulo: Ática, 2003. TERRA, E.; NICOLA, J. de. Português: de olho no mundo do trabalho. São Paulo: Scipione, 2006. TERRA, E. Curso prático de gramática. São Paulo: Scipione, 2011. 7 Os verbos e os nomes nas regras de concordância O conteúdo que será apresentado neste capítulo abrange os principais casos de concordâncias nominal e verbal. Esse tema talvez seja aquele que mais traz variações, nos diferentes tipos de gramáticas que existem, e também trataremos dessa discrepância, em muitos itens deste capítulo, a fim de não reduzir a complexidade desse tópico gramatical e de justificar o uso das regras recomendadas neste livro. Nas quatro seções deste capítulo, apresentaremos, respectivamente, as regras descritas a seguir: a) concordância verbal, especificamente envolvendo substantivos e verbos; b) concordância verbal nas estruturas nominais, que associam obrigatoriamente verbos de ligação e adjetivos; c) concordância nominal, em relações distintas entre substantivos e adjetivos; e d) diferenças entre adjetivos e advérbios, já que essas duas classes têm características opostas, no que se refere ao tema da concordância. 7.1 Sintaxe e registro formal Apesar de muitas pessoas argumentarem que o domínio das normas gramaticais preserva certo elitismo no uso da língua, é imprescindível conhecermos essa parte da Sintaxe. Conforme Cereja e Magalhães: Em certas situações de interação verbal – por exemplo, numa entrevista para se conseguir um emprego, [...], numapalestra, etc. –, o desvio reiterado das regras de concordância pode causar a impressão de baixo nível cultural, pouca leitura, desleixo em relação à língua e até ser fonte de preconceito. Conhecer as regras de concordância do padrão culto serve, entre outros fins, como meio de adequação e interação social. (CEREJA; MAGALHÃES, 2013, p. 345) De fato, a sociedade exige tanto o registro formal quanto o informal, nas diferentes circunstâncias com as quais nos deparamos, em nosso dia a dia. Por vezes, podemos abrir mão das prescrições da gramática, quando interagimos de modo mais descontraído, nas redes sociais ou em alguma situação doméstica. Contudo, em contextos não familiares, devemos seguir à risca a norma culta, sobretudo em se tratando do mercado de trabalho e da vida acadêmica. 7.2 Substantivos e verbos Na concordância entre substantivos e verbos, a regra geral prescreve a concordância entre o(s) núcleo(s) do sujeito e o verbo. Exemplos: Policial e médicos chegaram. O investigador apurou informações relevantes. Vídeo Vídeo Estudos Morfossintáticos68 No primeiro exemplo, com sujeito composto, a concordância verbal se faz pela regra da predominância, segundo a qual o masculino prevalece sobre o feminino e o plural se sobrepõe ao singular1. No segundo período, que apresenta sujeito simples, o núcleo e o verbo estão no singular. Referentes ao sujeito composto, mais duas regras são essenciais. Veja os exemplos: Uma indisposição, um cansaço, uma exaustão afetou o competidor. Roupas, decoração e convites – tudo foi providenciado com antecedência. Primeiramente, temos um exemplo de sujeito composto, mas o verbo é flexionado no singular. Isso ocorre porque existe uma gradação que, no caso em análise, apresenta termos que aumentam progressivamente a “indisposição” do início. No outro caso, o sujeito composto, formado por três núcleos, é resumido por um pronome indefinido – “tudo” – e essa particularidade exige o uso do verbo no singular. Quanto ao uso de conjunções, destaca-se a regra associada ao “ou”, cujo valor semântico pode ser de soma ou de exclusão. Essa diferença, consequentemente, servirá de critério para a concordância verbal. Exemplos: Paris ou Las Vegas são boas escolhas. Paris ou Las Vegas é uma boa escolha. O primeiro período utiliza a conjunção “ou” como sinônimo de “e”, enfatizando a soma, razão pela qual o verbo é empregado no plural – “são”. Em contrapartida, no exemplo dois, prevalece o valor original de “ou”, que é alternativo. Portanto, nesse caso, o verbo é usado no singular – “é”. Quando a palavra-chave é um “coletivo” ou “partitivo”, a língua portuguesa apresenta características específicas, como demonstram os exemplos a seguir: A banca aprovou. A banca de professores aprovou. A maioria dos torcedores compareceu ao jogo2. A norma gramatical orienta que o verbo deve vir sempre no singular, concordando com o coletivo ou com o partitivo3, independentemente de haver, no período, substantivos flexionados no plural. 1 As gramáticas tradicionais orientam que, quando o sujeito composto vem após o verbo, este deve concordar apenas com o elemento mais próximo. Exemplo: "Restou o aluno e os professores". 2 Existem gramáticas que aconselham esta construção: “A maioria dos torcedores compareceram ao jogo”. Entretanto, a gramática tradicional considera que, nesse caso, o uso do verbo no plural constitui desvio da norma. Napoleão Mendes de Almeida refere-se a esse processo como “silepse de número” ou “concordância lógica”: “Encontram-se nos clássicos exemplos de concordância não com o coletivo sujeito (concordância gramatical), mas com a ideia de plural que ele encerra (concordância siléptica ou lógica). Tal sintaxe não é, porém, para ser hoje imitada: ‘[...] ditosa gente, que não são de ciúmes ofendidos’ (Camões, 7; 41)” (ALMEIDA, 2009, p. 442). 3 O termo “partitivo” caracteriza todas as palavras que dividem um grande conjunto em grupos menores. Outros exemplos de partitivos são: “grande parte” e “a minoria”. Os verbos e os nomes nas regras de concordância 69 Quando o assunto é concordância, a flexão do verbo pode depender de um elemento secundário. Isso ocorre em exemplos que abrangem a presença/ausência do artigo: [Sem artigo] Estados Unidos desenvolveu projeto inovador. Os Estados Unidos desenvolveram projeto inovador. Observamos que a ausência do artigo mantém o verbo no singular. Inversamente, quando o artigo plural é utilizado, o verbo deve ser flexionado no mesmo número. Essa regra aplica-se a outros termos, como: “férias”, “Alagoas” e “pêsames”. No caso em que mais de um substantivo é associado ao verbo “ser”, a regra exige que o plural prevaleça: As canções são o atrativo4. A complexidade aumenta em períodos que apresentam verbos com “se”, porque, nesses casos, é preciso antes verificar a função do “se”. As regras que envolvem pronome apassivador e partícula de indeterminação do sujeito são distintas5. Vejamos dois exemplos: [Ele/ela] Referia-se às lembranças da infância. Divulgaram-se as novas leis de trânsito. O primeiro período usa o “se” como partícula de indeterminação do sujeito, combinando com o verbo flexionado na terceira pessoa do singular. Isso significa que o sujeito é indeterminado. Além disso, o fato de a oração não admitir a forma da voz passiva analítica reforça nossa conclusão. De modo distinto, o segundo exemplo traz o “se” como pronome apassivador. Sendo assim, há um sujeito, que é simples e cujo núcleo é “leis”. Portanto, o verbo vem obrigatoriamente no plural, para concordar com o sujeito. A última regra que apresentaremos nesta seção envolve os verbos “haver” e “existir”, que também correspondem a tipos de sujeitos diferentes, conforme vimos no Capítulo5. Para relembrar isso, vamos analisar comparativamente estes exemplos: Há muitas oportunidades. Deve haver muitas oportunidades. Existem ações reprováveis. Devem existir ações reprováveis. Primeiramente, os exemplos com o verbo “haver” constituem orações sem sujeito. Nesse caso, independentemente de os substantivos aparecerem no plural, como “oportunidades”, o verbo fica inalterado, tanto em sua forma isolada – “Há” –, quanto em locuções verbais – “Deve haver”. 4 Segundo Faraco e Moura: “a concordância do verbo ser é facultativa. Pode concordar com o sujeito ou com o predicativo, dependendo do termo que se quer enfatizar” (FARACO; MOURA, 2003, p. 293, grifo no original). Apesar dessa afirmação, ressalte-se que a ênfase é um recurso retórico. Portanto, para atender ao critério da correção gramatical, recomenda-se a concordância do verbo “ser” com o plural, quando houver substantivos de números diferentes no período. 5 Essa distinção já foi introduzida no Capítulo 5 deste livro. Estudos Morfossintáticos70 Isso ocorre porque o verbo “haver” impede que os verbos auxiliares se flexionem no plural. Em contrapartida, nos exemplos que trazem o verbo “existir”, temos sujeito simples e, por essa razão, o verbo deve concordar com o substantivo – “ações”. 7.3 Verbos e adjetivos Nesta seção, analisaremos especificamente as estruturas nominais, que utilizam verbo de ligação e adjetivo/predicativo. De início, vejamos um período básico: As garotas pareciam nervosas. Embora apenas o verbo de ligação e o adjetivo estejam destacados, indicando a concordância de número (plural), verificamos que o artigo “As” e o substantivo “garotas”, que compõem o sujeito, seguem o mesmo paradigma, pois também estão no plural. Contudo, as estruturas nominais nem sempre seguem essa regra geral de concordância, como demonstram os exemplos seguintes, formulados com as expressões “É proibido” e “É necessário”: É proibido circulação de automotores. É proibida a circulação de automotores. É necessário atenção. É necessária muita atenção. Todos os períodos estão na ordem indireta, pois se iniciam com verbo de ligação e predicativo, para só depois apresentarem o sujeito. Em cada par de exemplos, temos o núcleo do sujeito flexionado nofeminino. Entretanto, o gênero do substantivo não é importante aqui, no que se refere às regras de concordância. Nesse caso, o elemento determinante é o artigo ou especificativo. Para comprovarmos isso, basta voltarmos aos exemplos dados. Percebemos facilmente que o termo “proibido” se mantém no masculino quando o substantivo “circulação” não vem antecedido por um especificativo. Porém, quando o artigo “a” é utilizado, o predicativo assume a forma do gênero feminino: “proibida”. O mesmo procedimento pode ser visto no segundo par de exemplos. Isso significa que a ausência de um artigo ou de outro especificativo antes de “atenção” corresponde ao masculino “necessário”. No entanto, quando a palavra “muita” é introduzida no período, para definir e especificar o substantivo “atenção”, automaticamente o gênero do predicativo é alterado, resultando na forma: “É necessária”. Essa mesma regra é utilizada com as expressões “É pouco”, “É bom”, entre outras. Vamos a mais um exemplo: Água é bom. Esta água é boa. Enquanto, no primeiro período, o adjetivo “bom” é usado no masculino, pelo fato de o sujeito “água” não ter sido especificado, na segunda oração há um especificativo (o pronome demonstrativo “Esta”) e isso torna necessária a flexão da palavra “boa”, que assume o gênero feminino. Vídeo Os verbos e os nomes nas regras de concordância 71 Outro caso de concordância que envolve verbo de ligação e predicativo diz respeito ao uso do particípio. Observe um exemplo: Os materiais foram comprados. Conforme comentado anteriormente, os períodos nominais, na maioria das vezes, não concordam apenas o verbo e o predicativo. Os termos que integram o sujeito também seguem o mesmo paradigma. É exatamente o que se evidencia no exemplo dado. Apesar de termos destacado apenas dois elementos da oração, verificamos que o artigo “Os” e o substantivo “materiais” obedecem ao número plural, alinhando-se sintaticamente, por meio da concordância, às demais palavras do período. Todavia, há um caso em que o particípio, embora exija concordância com o substantivo a que se refere, gera maior dificuldade, provocando erros constantes, tanto na escrita quanto na fala. Vejamos um exemplo: Abandonada na rua, passando fome e frio, a cachorrinha foi acolhida pelos moradores. Nessa formulação, existem dois adjetivos/particípios. O segundo –“acolhida” – mantém a estrutura clássica, enquanto o primeiro – “abandonada” – representa maior problema, pois está longe da palavra a que se refere – “cachorrinha”. Justamente por causa dessa distância, muitas pessoas desconsideram a regra de concordância, desviando-se da norma culta. Para Bechara, esse tipo de erro costuma ser mais frequente na oralidade: Na língua oral, em que o fluxo do pensamento corre mais rápido que a formulação e estruturação da oração, é muito comum enunciar primeiro o verbo [...] para depois se seguirem os outros termos oracionais. [...], o falante costuma enunciar o verbo no singular, porque ainda não pensou no sujeito [...]; se o sujeito, neste momento, for pensado como pluralidade, os casos de discordância serão aí frequentes. O mesmo ocorre com a concordância nominal, do particípio. (BECHARA, 2009, p. 544) Na fala, infelizmente, pela rapidez, pela necessidade de improviso e pela falta de registro escrito, a correção nem sempre é possível. Sendo assim, apenas a prática pode garantir acerto na formação de um período iniciado com particípio. Na escrita, uma maneira de evitar esse erro é analisar o período com mais atenção, interpretando-o e associando os termos, já que o particípio sempre irá concordar com o substantivo a que diz respeito, como exemplifica o termo “acolhida”, também aplicável à palavra “cachorrinha”. 7.4 Substantivos e adjetivos Embora a concordância nominal envolva principalmente substantivos e adjetivos, com o uso da regra geral de que todo adjetivo deve concordar com o substantivo a que se refere, os numerais, artigos e pronomes também obedecem à norma gramatical, garantindo regularidade. Respectivamente, isso pode ser observado em: “dois grandes amigos”, “os grandes amigos” e “aqueles grandes amigos”. Na prática da oralidade, quando há três classes de palavras, como nos exemplos dados, dificilmente o falante desobedece à norma geral de concordância. Entretanto, o mesmo não ocorre Vídeo Estudos Morfossintáticos72 quando apenas duas classes são utilizadas. Desse modo, em uma situação cotidiana e informal de fala, é comum ouvirmos: “dois amigo” “os amigo” e “aqueles amigo”. Analisando essa característica de nossa língua, Scherre afirma que “o fenômeno da variação na concordância de número no português falado do Brasil, longe de ser restrito a uma região ou classe social específica, é característico de toda a comunidade de fala brasileira” (SCHERRE, 1994, p. 2). No registro formal, a regra de concordância deve ser aplicada tanto na fala quanto na escrita. Assim, uma situação que exige cuidado é aquela que envolve um adjetivo e pelo menos dois substantivos de gêneros distintos. Normalmente, utilizamos a regra da predominância, em que devem prevalecer o plural e o masculino. Assim, teremos: Cães e gatas perdidos Gatas e cães perdidos Enquanto o primeiro exemplo utiliza o critério simples da predominância, o segundo demonstra preocupação também com a eufonia6, razão pela qual os substantivos têm a posição invertida. O resultado disso é que a palavra “cães” fica mais perto do adjetivo “perdidos”, o que diminui a estranheza provocada no exemplo anterior, que usava o adjetivo masculino logo após um substantivo feminino. O uso está correto, mas a posição dos termos no período às vezes causa surpresa ou incômodo ao público em geral. Existem muitas gramáticas que recomendam também esta construção: “Cães e gatas perdidas”, na qual o adjetivo concorda apenas com o substantivo mais próximo. Apesar da prescrição gramatical, sugere-se evitar essa forma, para que não haja problema de sentido, afinal as pessoas que desconhecem essa regra específica podem entender que houve erro de concordância, além de considerarem que apenas as “gatas” estavam “perdidas”, raciocínio que interpreta como gratuita a inclusão do termo “cães” no mesmo contexto. Quanto ao uso de artigo na adjetivação distinta de um mesmo substantivo, as opções variam, conforme os seguintes exemplos: As culinárias mineira e baiana A culinária mineira e a baiana O uso do artigo no plural, antes do substantivo, permite que os adjetivos venham isolados e unidos pela conjunção “e”. Porém, quando o substantivo é antecedido pelo artigo no singular, é necessário que o segundo adjetivo também seja acompanhado do artigo singular, para que a natureza do substantivo não seja alterada. Embora o artigo seja um detalhe textual, essa classe tem muito valor no exemplo em análise. A falta do artigo “a” antes de “baiana” resulta em sério problema de sentido, já que, nesse caso, afirmamos que existe uma “culinária” híbrida, ou seja, mineira e baiana ao mesmo tempo. Atualmente, na escrita de e-mails profissionais ou acadêmicos, utilizamos frequentemente a expressão “documentos anexos”, que obedece à regra geral de concordância entre substantivo 6 A eufonia é respeitada, quando o uso de um termo é considerado adequado ou normal pelo ouvinte. Os verbos e os nomes nas regras de concordância 73 e adjetivo, pois ambas as classes combinam em gênero e número. No entanto, há casos em que a forma usada é “documentos em anexo”. Apesar de estar correta, essa opção não é recomendada pela gramática tradicional. Isso ocorre porque, no exemplo em questão, “em anexo” é usado como advérbio, contrariando o fato de originalmente a palavra “anexo” ser um adjetivo: “As palavras anexo, obrigado, mesmo e incluso são adjetivos; portanto, devem concordar em gênero e número com o substantivo a que se referem” (FARACO; MOURA, 2003, p. 296, grifo no original). Assim, recomenda-se usar: “As planilhas estão anexas” ou “Envio a lista anexa”. 7.5 Adjetivose advérbios Na seção anterior, vimos que a expressão “em anexo” não varia em gênero, nem em número, pelo fato de ser um advérbio. Em nossa língua, existem muitas palavras que são iguais na forma, mas que podem corresponder a duas classes diferentes. Nesse aspecto, temos como exemplos “só”, “bastante”, “muito” ou “meio”, que podem assumir tanto a função adjetiva quanto a função de advérbio. Dessa maneira, antes de fazermos a concordância gramatical, é preciso identificarmos o valor da palavra em questão, no contexto dado. Com base nessa análise, estabelecem-se duas regras gerais: a) os adjetivos são variáveis e devem concordar com o subtantivo a que se referem; b) os advérbios nunca variam. Vejamos, então, alguns exemplos dessa diferenciação: A vítima parece meio desorientada. Pediu meia taça de vinho. Eles só queriam se divertir. Eles estavam sós. Nos dois conjuntos de exemplos, os advérbios se opõem aos adjetivos. Em “meio desorientada”, a palavra “meio” funciona como advérbio, sinônimo de “um pouco”, e por isso não varia. O mesmo não ocorre em “meia taça”, porque o numeral “meia” assume função adjetiva, acompanhando o substantivo “taça” e, portanto, concordando obrigatoriamente com ele, em gênero – feminino – e em número – singular. De modo similar, em “Eles só queriam”, “só” é advérbio, sinônimo de “apenas”. Por esse motivo, ele não se relaciona com o sujeito “Eles”, mas com o verbo “queriam”, afinal o advérbio, como o nome já anuncia, é um modificador do verbo. Finalmente, no exemplo “Eles estavam sós”, percebemos a concordância de número que se estabelece entre o sujeito “Eles” e o predicativo “sós”, ambos flexionados no plural. Isso se dá pelo fato de, nesse contexto específico, a palavra “sós” funcionar como adjetivo, sinônimo de “sozinhos”. Vamos analisar agora a diferença entre “muito” e “bastante”, termos que também podem funcionar como adjetivos ou advérbios: As meninas estavam bastante cansadas. As meninas estavam muito cansadas. Comprei bastantes enfeites. Comprei muitos enfeites. Vídeo Estudos Morfossintáticos74 Observe que, nos dois períodos relativos ao sujeito “As meninas”, os termos em destaque estão na função adverbial e, exatamente por isso, não devem ser usados no plural. A norma de concordância altera-se completamente nos exemplos finais, sobre os “enfeites”. Nesse novo contexto, as palavras “bastantes” e “muitos” vêm no plural, para concordar com o substantivo “enfeites”, já que ambos estão desempenhando função adjetiva. Quando pudermos escolher entre usar uma palavra ou outra, a dica é sempre adaptar a linguagem falada ou escrita ao nosso público-alvo e à situação. O adjetivo “muito” serve para os contextos formal e informal, enquanto o adjetivo “bastante” é mais sofisticado, exigindo um interlocutor de nível linguístico mais elevado. Considerações finais As regras de concordância apresentadas neste capítulo, além de atenderem ao aspecto instrumental da língua portuguesa, principalmente no contexto formal, propiciaram comparações com os usos informais, estabelecendo a necessária conexão entre Gramática e Linguística. Um segundo ponto fundamental corresponde à retomada e ao aprofundamento das partes morfológica e sintática, discutidas nos capítulos anteriores, já que as normas de concordância têm como determinantes as classes de palavras e os termos da oração. Ampliando seus conhecimentos • NEVES, F. Concordância verbal. Disponível em: https://www.conjugacao.com.br/ concordancia-verbal/. Acesso em: 14 abr. 2019. Nesse material, bastante completo, Flávia Neves reúne regras essenciais e específicas da concordância verbal, tema fundamental da Sintaxe. Com os exemplos apresentados e analisados pela autora, é possível não apenas revisar os itens deste capítulo, mas também os dos Capítulos 4 e 5, que abordaram sujeito, predicado e outras funções sintáticas. • CAMPEDELLI, S. Y.; SOUZA, J. B. Produção de textos & usos da linguagem. São Paulo: Saraiva, 1998. Esse livro, de Samira Campedelli e Jésus Barbosa Souza, retoma as normas da gramática para trabalhar com a produção textual. Na escrita, a concordância é fator essencial e os autores nos orientam não apenas a usar a regra gramatical, mas também a adaptar nosso texto aos diferentes públicos e situações, a fim de privilegiar o aspecto linguístico da comunicação. • ALBUQUERQUE, G. A regra para nunca mais errar a concordância nominal. Disponível em: https://exame.abril.com.br/carreira/a-regra-para-nunca-mais-errar-a-concordancia- nominal/. Acesso em: 14 abr. 2019. Nessa matéria da revista Você S/A, a autora Gleice Albuquerque analisa e corrige os problemas de concordância nominal identificados em um brevíssimo texto. O resultado Os verbos e os nomes nas regras de concordância 75 desse processo é a formulação de uma regra única, centralizada no substantivo e que simplifica o uso correto da língua portuguesa, quando o assunto é concordância nominal. Atividades 1. Considerando as normas gramaticais relativas à concordância, complete as lacunas com os termos indicados entre parênteses: a) Parecia ..... aflita diante do ocorrido. (meio) b) Todas as imagens estão ...... . (anexo) c) É ...... cautela. (necessário) d) Estudava ...... moderna e medieval. (história) e) Salada é ...... . (bom) f) Uma vez ...... os projetos, consegui a verba. (aprovado) 2. Corrija os períodos que apresentarem erro de concordância: a) Férias dos famosos terão como cenário as praias paradisíacas de Fernando de Noronha. b) Existiam muitos problemas naquele relacionamento. c) Na rua, haviam buracos ainda não consertados pela prefeitura. 3. Passe para o plural, observando as normas de concordância: a) Descobriu-se o segredo. b) Precisa-se de secretária executiva. c) É natural que se comente a notícia. Referências ALMEIDA, N. M. de. Gramática metódica da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 2009. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Gramática reflexiva: Texto, semântica e interação. São Paulo: Atual, 2013. FARACO, C. E.; MOURA, F. M. de. Gramática nova. São Paulo: Ática, 2003. SCHERRE, M. M. P. Aspectos da concordância de número no português do Brasil. Revista Internacional em Língua Portuguesa, n. 12, Lisboa, dez. 1994. p. 37-49. 8 Forma e função da preposição nos casos de regência No que diz respeito à Sintaxe e à coesão, as regras de regência utilizam as preposições como elementos que completam alguns nomes e verbos, especificamente os verbos transitivos indiretos. Além disso, veremos que, assim como alguns nomes e verbos são extremamente flexíveis, aceitando mais de um tipo de preposição na elaboração de uma ideia, há outros que necessitam de uma preposição definida. Em suma, o uso correto das regências verbal e nominal garante a gramaticalidade das estruturas textuais, ao mesmo tempo em que estabelece um sentido próprio. Neste capítulo, analisaremos os temas das regências verbal e nominal. Esse conteúdo abrange as relações dos verbos e dos nomes com as preposições. Desse modo, a classe das preposições receberá destaque em três aspectos fundamentais: sintático, coesivo e semântico. 8.1 Preposição e sentido Nos assuntos de regência verbal e nominal, dois procedimentos são importantes: verificar se o verbo ou o nome exige preposição e, caso a preposição seja, de fato, obrigatória, escolher a mais adequada ao contexto, quando há mais de uma opção. Uma boa definição dessa classe de palavras ressalta que: “Tanto preposições como locuções prepositivas são palavras invariáveis, não flexionadas, [...]”, além de constituírem “categorias lexicais, porque selecionam complementos e estão-lhes associados valores semânticos” (MATEUS et al., 2003, p. 392). Por essa razão, as preposições, além de servirem como conectivos, estabelecem sentidos bastante variados, como iremos demonstrar aqui, a partir de alguns exemplos comentados: Quase morreu de sede. Passou o dia falando de política. Costumavapassear de táxi. A aliança era de prata. O cachorrinho da menina estava perdido. Nessa primeira lista de períodos, predomina o uso da preposição “de”. Entretanto, observe que, em cada exemplo, ela tem um sentido distinto: “de sede” indica causa; “de política” sinaliza o assunto; “de táxi” revela o meio − de transporte, nesse caso; “de prata” refere-se à matéria de que é feita a aliança; e, finalmente, em “da menina”, a preposição “de” junta-se ao artigo “a”, indicando posse. Na próxima lista de exemplos, o destaque é dado à preposição “com”. Observe: Viajei com minha mulher. Treinei com rapidez e disciplina. Vídeo Estudos Morfossintáticos78 Fiz cortes retos com uma faca. Apesar de termos a mesma preposição, nos três exemplos, o sentido diverge: o primeiro período utiliza o “com” para apresentar o advérbio de companhia; o segundo informa o modo como o treino foi realizado; e o terceiro nos dá o instrumento usado para fazer os cortes. Para enfatizarmos ainda mais a variedade semântica das preposições, vejamos um novo conjunto de frases: Veio do norte para o sul. De acordo com o mapa, a igreja ficava à esquerda. Ofereci um jantar para comemorar a notícia. O exemplo um reúne duas preposições, “de”, que aparece em combinação com o artigo “o”, e “para”. No contexto dado, ambas significam lugar. Contudo, de modo mais específico, observamos que elas indicam, respectivamente: origem e destino. Na expressão “à esquerda”, usamos o acento grave, que resulta da união da preposição “a” com o artigo “a”, e, no exemplo dado, estabelece-se o sentido de direção. Já, na última frase, de modo bastante diverso, o “para” indica finalidade1. 8.2 Regência nominal Na regência nominal, as preposições associam-se a um nome, que geralmente é um adjetivo ou adjetivo/particípio: “Preposições são palavras que subordinam um termo da frase a outro [...]” (LIMA, 1999, p. 180). Essa união é responsável pela coesão e pela coerência do texto, além de estabelecer um sentido específico. Sendo assim, constatamos a impossibilidade de a preposição existir de modo isolado, como afirma Bechara: “Chama-se preposição a uma unidade linguística desprovida de independência [...]” (BECHARA, 2009, p. 47). Dominar as regras de regência nominal exige a aplicação consciente dos conceitos gramaticais relativos a esse assunto, na prática diária, em tudo aquilo que lemos, falamos, escrevemos e ouvimos. Claro que existem listas que podem ser consultadas2, em manuais de língua portuguesa e até mesmo em sites, mas o uso efetivo é o melhor aliado. Nos exemplos que daremos aqui, receberão destaque os casos mais básicos ou aqueles mais complexos: Fomos responsáveis pela absolvição do réu. Estava acostumado com a vida no campo. Os pais eram alheios às mudanças. Ele era compatível com os amigos. 1 Nesse caso, não se trata de uma preposição, mas de uma conjunção, porque faz parte de uma oração subordinada adverbial final (= “para comemorar a notícia”). Diante disso, a conjunção passa a ser classificada de modo mais completo: “conjunção final”. 2 Os dicionários normais às vezes trazem indicação sobre a regência dos verbos e dos nomes. Entretanto, existem materiais que tratam apenas das normas de regência, a exemplo destas duas obras: Dicionário prático de regência nominal, de Celso Luft; e Dicionário de regimes de substantivos e adjetivos, de Francisco Fernandes. Vídeo Forma e função da preposição nos casos de regência 79 Nos exemplos dados, aparecem sublinhados os nomes e as preposições exigidas por eles. O adjetivo “responsáveis” precisa da preposição “por”, que, no período em análise, combina-se com o artigo “a”3. O adjetivo/particípio “acostumado” precisa ser completado com a preposição “com”, conforme mostra o exemplo, ou com “a”: “Estava acostumado à vida no campo”. No caso do adjetivo “alheios”, exige-se a preposição “a”4 que, no período apresentado, soma-se ao artigo definido feminino plural (“as mudanças”), resultando na crase. Na última frase, a palavra-chave é “compatível”, adjetivo que utiliza a preposição “com” como complemento, padrão também seguido pelo termo antônimo: “incompatível”. Essa similaridade entre a regência nominal de palavras opostas pode ser demonstrada neste outro par: “Tinha simpatia / antipatia pelo chefe”, em que ambos os nomes fazem uso da preposição “por”. Para encerrar esta seção, vejamos mais três exemplos: Meu cargo era relacionado ao dele. A garota estava ciente do perigo. Os noivos estavam preocupados com a decoração da igreja. O adjetivo/particípio “relacionado”, assim como “vinculado” e “associado”, sempre precisa da preposição “a”. Por isso, no exemplo analisado, temos a forma combinada “ao”. No período seguinte, “do”, outra forma combinada, é usada para completar o sentido do adjetivo “ciente”5. A última frase une o adjetivo/particípio “preocupados” com a preposição “com”, que também pode ser usada com o substantivo “preocupação”: “A preocupação com os avós era grande”6. 8.3 Regência verbal Na regência verbal7, importa a relação do verbo com seus complementos, que exigem o uso de preposição, nos casos de transitividade indireta. Portanto, definir a necessidade ou não de preposição e escolher aquela mais adequada para completar o sentido do verbo são ações condizentes com as normas de regência verbal. Conforme Said Ali: Evidentemente, apresentam-se casos em que o uso vacila. Assim, ao mesmo tempo em que se diz partir para algum lugar, dando ao complemento sempre a mesma preposição, junto a ir, caminhar, fugir, sinônimos de partir, é lícito optar entre a e para. (ALI, 1971, p. 216, grifos nossos) Nesse caso específico, vale observar o efeito de cada preposição: enquanto o “a” eleva o nível de formalidade do texto, o “para” serve a duas finalidades, pois mantém a correção gramatical, ao mesmo tempo em que oferece um nível médio de formalidade, sem provocar excessos. 3 “Pela” é uma forma combinada que reúne a grafia arcaica da preposição “por” (per) e o artigo definido “a” (= “pela”). 4 Os nomes “avesso” e “imune” também exigem o uso da preposição “a”. 5 O substantivo “certeza” e o adjetivo “certo” seguem essa mesma regra. Observe: “A garota estava certa do perigo” e “A garota tinha certeza do perigo”. 6 O mesmo substantivo também pode ser completado com a preposição “de”: “A preocupação dos avós era grande”. No entanto, com essa alteração, o sentido passa a ser outro: os avós, que antes eram o motivo da preocupação, transformam- se em agentes. 7 Cf.: Dicionário prático de regência verbal, de Celso Luft; e Dicionário de verbos e regimes, de Francisco Fernandes. Vídeo Estudos Morfossintáticos80 Com o objetivo de privilegiar o uso correto da regência de alguns verbos, listamos, neste primeiro momento, estes exemplos: Paguei a fatura. Perdoei ao meu melhor amigo. Nós nos esquecemos da reunião. Ela lembrou nossa infância. De início, foram demonstradas as normas de regência dos verbos “pagar” e “perdoar”, que admitem: objetos diretos – que, com esses verbos, devem ser apenas coisas (“a fatura”); e objetos indiretos – que, com os verbos apresentados aqui, devem abranger somente pessoas (“ao meu melhor amigo”). Posteriormente, os períodos dados exemplificaram a utilização correta dos verbos “esquecer” e “lembrar”, cujas regras são: ausência de preposição “de”, quando não há pronome oblíquo átono (ver quarto exemplo da lista); e uso obrigatório da preposição “de”, caso haja um pronome oblíquo átono (“nos”, conforme mostra o terceiro exemplo da lista). Outros casos de regência verbal exigem uma estreita correspondência entre o tipo de objeto e o significado do verbo. Observe o quadro: Quadro 1 – Regência verbal e variações semânticas Objeto direto Significado do verbo Objeto indireto Significado do verbo Assistimos a turma. Ajudar Assisti8 ao filme. ver Visou o documento. (1) /Visamos o alvo. (2) Vistar (1) / Mirar (2) Os candidatos visavam à aprovação. Objetivar Aspirei aquele odor. Cheirar O ator aspirava ao sucesso.Desejar Os contadores precisaram os números. Detalhar Todos precisam de oportunidade. Necessitar9 Fonte: Elaborado pela autora. As informações fornecidas pelo quadro comprovam que, se trocamos a regência de um verbo, usando-o como transitivo direto ou indireto, sem prestar atenção ao contexto, podemos causar um erro grave de sentido. Para tornar mais clara essa questão, veja o que pode ocorrer, se dizemos ou escrevemos: “Assisti o filme”. Nessa hipótese, eliminamos a preposição “a” e, por isso, transformamos completamente o sentido da oração. Como resultado, não comunicamos que vimos o filme, mas que trabalhamos no filme, prestando auxílio junto ao elenco, cenário, figurino etc. Para encerrar esta seção, é necessário analisarmos as regências dos verbos “implicar” (em duas acepções distintas), “gostar” e “preferir”. Além disso, vamos discutir o uso de verbos com regências diferentes em um mesmo período. Portanto, observe com atenção estes exemplos: As crianças implicaram com os gatos. 8 Além dessas duas regências, o verbo “assistir” apresenta uma terceira, muito usada em documentos oficiais, como contratos, depoimentos, petições etc. Nesse caso, o verbo exige um advérbio de lugar como complemento: “O depoente assiste em Porto Alegre”. Perceba que, nesse sentido, de “morar” ou “residir”, o verbo exige a preposição “em”, isolada ou combinada com artigo − “O depoente assiste na cidade de Porto Alegre”. 9 O verbo “necessitar” segue o mesmo padrão regencial do verbo transitivo indireto “precisar”: “Necessitamos de dinheiro”. Forma e função da preposição nos casos de regência 81 Desobedecer às leis implica punição10. Gosto [mais] do automóvel preto. Prefiro bala a chocolate. Os humanos devem amar e respeitar a natureza. O verbo “implicar”, quando usado com a preposição “com”, significa “chatear” ou “provocar”. Contudo, sem nenhuma preposição, o sentido do verbo se altera para “exigir”. No meio da lista, temos exemplos com os verbos “gostar” e “preferir”. No primeiro caso, não vemos dificuldade, porque o verbo aparece logo no início da oração. Porém, precisamos redobrar a atenção quando o mesmo verbo surge no meio de um período composto. Veja: “O prato de que mais gosto é macarronada”. Com o verbo “preferir”, observe que nunca devemos usar expressões de reforço, como “mais (do) que”, para evitar a redundância, afinal “preferir” já indica “gostar mais”. O último período, mais extenso, traz uma locução verbal associada a dois verbos – “devem amar e [devem] respeitar a natureza”. O segundo “devem” é omitido, para evitar repetição, mas o fator primordial, no exemplo dado, é a escolha dos dois verbos principais: “amar” e “respeitar”. Ambos exigem um objeto direto como complemento, o que significa que eles não exigem preposição e, exatamente por isso, podem aparecer lado a lado, em um período. Teríamos um erro básico, se optássemos por: “Os humanos devem amar e [devem] cuidar da natureza”. A incorreção resulta do fato de termos juntado o verbo “amar”, que é transitivo direto, com o verbo “cuidar”, que é transitivo indireto. Desse modo, a forma combinada “da” completa apenas a regência do verbo “cuidar”. Para corrigirmos isso, podemos propor esta reescrita: “Os humanos devem amar a natureza e [devem] cuidar dela”. Perceba que, agora, a regência do verbo “amar” é apresentada de modo adequado, antes da conjunção “e”, e, na parte final do período, obedecemos à regência do verbo “cuidar”. 8.4 Casos de regência e uso do acento grave O acento grave obedece a uma regra geral, que envolve a preposição “a” exigida pelo verbo e o artigo definido feminino “a(s)”, admitido pelo nome que completa o sentido do verbo. Isso ocorre em: “Obedecia à professora”, pois o verbo em questão é transitivo indireto e sempre exige a preposição “a”. Além disso, a palavra “professora” aceita o uso do artigo11: “a professora” e “as professoras”. Entretanto, há normas bastante específicas, quando o assunto é acento grave. Vejamos algumas delas: À tarde, vou estudar para a prova. Gostavam de escrever à caneta. 10 Muitas pessoas utilizam o verbo “implicar” com a preposição “em” (“A infração implicou em multa”), o que gera um erro grave de regência. O correto é: “A infração implicou multa”. Além disso, perceba que o período dois de nossa lista também exemplifica o uso correto do verbo “desobedecer”, que, assim como o antônimo “obedecer”, exige sempre a preposição “a”: “Obedece aos pais”. 11 Algumas palavras, como pronomes demonstrativos, pessoais do caso reto etc., não podem ser antecedidas por um artigo definido. Não podemos usar: “A esta garota é muito bonita”, nem “A ela está estudando”. Desse modo, quando esses pronomes aparecerem com verbos que precisam da preposição “a”, não ocorrerá crase. Exemplos: “Dei o presente a esta garota” (= “Dei o presente a alguém”); “Entregou o carro a ela” (= “Entregou o carro a alguém”). Vídeo Estudos Morfossintáticos82 As expressões destacadas indicam circunstâncias: “À tarde” é um advérbio de tempo e “à caneta” é um advérbio de instrumento. Toda circunstância é opcional e secundária. Portanto, a maioria delas utiliza o acento grave para marcar a diferença de outros contextos, em que as mesmas palavras podem aparecer, mas em uma função sintática essencial. Em: “A tarde está ensolarada”, o acento grave não aparece, porque “A tarde” assumiu a posição fundamental de sujeito. Da mesma forma, se tivéssemos: “Compramos a caneta que ela pediu”, dispensaríamos o acento, já que, nesse novo contexto, “a caneta” passou a desempenhar um papel sintático primordial: o de objeto direto do verbo “Compramos”. Outra situação que está associada ao uso do acento grave é a possibilidade de trocar o “à” por “para a”. Isso pode ser demonstrado neste exemplo, que reúne um verbo com regência transitiva direta e indireta (“Indiquei algo a alguém”) e um substantivo que admite o uso de artigo definido feminino (“a convidada” / “as convidadas”): Indiquei um bom restaurante à convidada. = Indiquei um bom restaurante para a convidada. Em exemplos que envolvem verbos de movimento, essa substituição também é possível. Observe: Fui à praia12. = Fui para a praia. No entanto, em períodos como: “Viajei a Londres”, o uso de “para a” é impossível. Quando usamos um verbo de retorno13, confirmamos isso facilmente, pelo fato de o substantivo próprio “Londres”, quando isolado, não admitir artigo definido. O acento grave só deve ser usado, se incluirmos um especificativo que se relacione à cidade. Exemplo: Viajei à Londres antiga. = Viajei para a Londres antiga. O uso do “à” também não é permitido antes de plural ou de palavras antecedidas por artigo indefinido: Concorri a uma viagem de férias. Contei a história a amigas. No primeiro exemplo, a crase não ocorre por causa da falta do artigo definido. Em vez do “a”, temos “uma viagem”. Portanto, usaremos somente a preposição “a”. Quanto ao segundo período, foi escolhido um verbo transitivo direto e indireto, porque tem: um objeto direto – “a história” – em que temos apenas o artigo definido “a”; e um objeto indireto – “amigas” – antecedido pela preposição “a”. 12 Quando, no período, já existe uma preposição antes do artigo “a”, é vetado o uso do acento grave. Sendo assim, em vez de escrevermos: “Caminhei até à praia”, devemos usar somente “Caminhei até a praia”, sem crase. 13 Em: “Voltei de Londres”, usamos apenas a preposição “de”, o que serve para comprovar que o único “a” que existe em “Viajei a Londres” é também uma preposição. Forma e função da preposição nos casos de regência 83 Sendo assim, como não existe um artigo definido concordando com o substantivo “amigas”, a fusão dos dois “a” não ocorre, tornando incorreto o uso do acento grave. A partir do momento em que o artigo definido é inserido no exemplo, concordando em gênero e número com o substantivo a que se refere, o acento torna-se obrigatório: Contei a história às amigas. = Contei a história para as amigas. Evidentemente, essa alteraçãoprovoca um pequeno desvio de sentido. Os períodos “Contei a história a amigas” e “Contei a história às amigas” apresentam uma distinção. Enquanto o primeiro generaliza o termo “amigas”, o segundo investe na determinação. Isso significa que não se trata de amigas indeterminadas, mas de pessoas específicas, que talvez até sejam próximas do sujeito enunciador. Considerações finais Associando as preposições aos verbos e aos nomes, foi possível comprovarmos a flexibilidade estrutural e semântica de nossa língua. A partir dos exemplos analisados aqui, vimos que a mudança e até mesmo a presença ou ausência de preposição resultam em significados completamente distintos. Sem dúvida, essa percepção contribui para o aprimoramento no uso das ferramentas de elaboração de texto e de comunicação, de um modo geral, permitindo a produção de enunciados mais claros, assertivos e mais adequados a situações e públicos variados. Ampliando seus conhecimentos • TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. 101 usos das preposições de e em. Disponível em: https://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/8111/1/101%20Uso%20 das%20preposi%C3%A7%C3%B5es%20de%20e%20em.pdf. Acesso em: 28 abr. 2019. “De” e “em” são duas das preposições mais usadas em nossa língua. Em razão disso, o material indicado propõe e analisa vários exemplos. Os objetivos são demonstrar a regência correta, elucidar o sentido que as preposições assumem em diferentes contextos e propor a prática gramatical. • ROSÁRIO, I. da C. do. Preposições – Itens destituídos de significado? Disponível em: http://www.filologia.org.br/cluerj-sg/anais/iii/completos/comunicacoes/ivodacosta. pdf. Acesso em: 28 abr. 2019. No artigo em questão, o autor apresenta as preposições não apenas como elementos coesivos, mas também como definidores de sentido. Associando a Morfologia à Sintaxe, o estudo revisa os conceitos propostos por diferentes gramáticos e estudiosos da língua portuguesa, em um levantamento crítico, que nos permite entender melhor a função da preposição, tanto na escrita como na fala. Estudos Morfossintáticos84 • COSTA, J. M. da. Crase para evitar ambiguidade. Disponível em: https://www.migalhas. com.br/Gramatigalhas/10,MI127653,31047-Crase+para+evitar+ambiguidade. Acesso em: 28 abr. 2019. Essa coluna discute o uso do acento grave, apresentando esse tema gramatical de modo fácil e descomplicado. Em vez de acumular regras, o autor demonstra que o processo denominado “crase” funciona como diferenciador de sentido, razão pela qual é usado, normalmente, para esclarecer significados e distinguir elementos sintáticos fundamentais e facultativos, dentro do mesmo período. Atividades 1. Complete os espaços com a preposição correta, isolada ou em forma combinada: a) Sentimos antipatia ..... vizinha nova. b) O palestrante fez menção ...... dono da empresa. c) O testemunho foi favorável ...... réu. d) O acordo firmado ...... o banco foi cumprido. e) O elenco fez referência ...... comportamento do público. 2. Reescreva os períodos substituindo os verbos em destaque pelos indicados entre parênteses e obedecendo às regras de regência verbal: a) Vi o espetáculo. (assistir) b) Apreciamos pratos salgados. (gostar) c) Gosto mais de cinema do que de teatro. (preferir) d) A voluntária foi ao asilo para cuidar dos idosos. (assistir) 3. Complete os espaços do texto com “a(s)” ou “à(s)”: Ontem __ noite, __ três da madrugada, acordei e fui __ cozinha, pois não conseguia dormir. Fui até __ sala e liguei __ TV, para assistir __ mais um episódio de minha série preferida. __ horas passaram e voltei __ minha cama. Felizmente, consegui dormir. Na manhã seguinte, estava cansado, mas fui __ São Paulo, onde deveria comparecer __ uma reunião, no fim do dia. Referências ALI, M. S. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1971. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. FERNANDES, F. Dicionário de regimes de substantivos e adjetivos. Porto Alegre: Globo, 2005. FERNANDES, F. Dicionário de verbos e regimes. Porto Alegre: Globo, 2003. Forma e função da preposição nos casos de regência 85 LIMA, C. H. da R. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999. LUFT, C. P. Dicionário prático de regência nominal. São Paulo: Ática, 2007. LUFT, C. P. Dicionário prático de regência verbal. São Paulo: Ática, 2007. MATEUS, M. H. et al. Gramática da língua portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho, 2003. Gabarito 1. Tipos e classificações dos morfemas 1. Em “O sapateiro reformou a sapatilha e deu a uma menininha”, as palavras que possuem afixos são: sapateiro (sufixo nominal que indica o ofício de fazer ou consertar sapatos); reformou (prefixo utilizado em um verbo e que indica repetição); sapatilha (sufixo nominal que indica tamanho pequeno ou sapato para fim específico, como a dança, no caso em questão); e menininha (sufixo nominal que indica tamanho pequeno e também afetividade, como demonstra o exemplo dado). 2. a) A dona da pensão estava aflita. Os donos da pensão estavam aflitos. (As desinências nominais marcadas indicavam feminino singular. Na troca, passaram a indicar masculino plural.) b) O amigo das minhas primas era rico. As amigas do meu primo eram ricas. (As desinências nominais marcadas em “amigo” e “rico” indicavam masculino singular. Na substituição, passaram a indicar feminino plural. No caso da palavra “primas”, flexionada no feminino plural, a forma foi alterada para masculino singular.) Observe que as mudanças feitas exigiram que outros elementos fossem alterados (artigos, formas combinadas, verbos e pronomes possessivos), para obedecermos às regras de concordância da língua portuguesa. 3. a) Cantávamos: Cant (radical) / á (vogal temática da primeira conjugação verbal) / va (desinência do modo indicativo e do tempo pretérito imperfeito) / mos (desinência da 1ª pessoa do plural). O tema desse verbo é: “canta-”. b) Partisse: Part (radical) / í (vogal temática da terceira conjugação verbal) / sse (desinência do modo subjuntivo e do tempo pretérito imperfeito) / mos (desinência da 1ª pessoa do plural). O tema desse verbo é: “parti-”. 2. Morfologias nominal e verbal 1. a) quarta-feira: substantivo composto. O hífen indica que a palavra é formada por dois radicais. Por nomear um dia da semana (e não uma pessoa, ou uma cidade, por exemplo), trata-se de um substantivo comum. b) norte-americano: adjetivo composto. O hífen indica que a palavra é formada por dois radicais. Por informar uma qualidade (que informa a nacionalidade de algo ou alguém), trata-se de um adjetivo pátrio ou gentílico. 88 Estudos Morfossintáticos c) cadeira: substantivo simples. Há apenas um radical. Por nomear um objeto, trata-se de um substantivo comum. d) alegre: adjetivo simples. Há apenas um radical. O termo serve para qualificar algo ou alguém: “lembrança alegre” e “pessoa alegre”. Trata-se de um adjetivo típico, pois não corresponde à forma nominal (particípio) de um verbo. 2. a) des prefixo lig radical ado sufixo formador de adjetivo-particípio O termo é um adjetivo ou uma forma nominal de verbo (especificamente o particípio do verbo “desligar”). Por isso, ele possui as características de nome, ou seja, as desinências nominais: de gênero masculino (o “o” no sufixo “-ado”) e de número singular (pela falta do “s” no sufixo). b) nerv radical oso sufixo que indica abundância O termo é um adjetivo derivado do substantivo “nervo”. No sufixo, estão as desinências nominais: de gênero masculino (o “o” final de “-oso”) e de número singular (pela falta do “s” no sufixo). c) cozinh radical eiras sufixo que indica profissão O termo é um substantivo derivado de “cozinha”. No sufixo, as desinências nominais sinalizam: gênero feminino (pelo “a” em “-eiras”) e número plural (pela presença do “s” no sufixo). 3. a) rá DMT a VT compr R s DNP (2ª pessoa do singular) O verbo faz parte da 1ª conjugação e está flexionado no futurodo presente do modo indicativo. Gabarito 89 b) (que eles) e DMT estud R m DNP (3ª pessoa do plural) O verbo faz parte da 1ª conjugação. A vogal temática “a” não aparece, mas faz parte do infinitivo “estudar”. No verbo dado, o início entre parênteses indica que o termo está flexionado no presente do modo subjuntivo. c) bat(não) R a DM O verbo faz parte da 2ª conjugação. A vogal temática “e” também não aparece aqui, mas integra o infinitivo “bater”. O início entre parênteses indica que o verbo está flexionado na forma negativa do modo imperativo. Não há tempo verbal específico. Também não existe DNP, porque o verbo está conjugado na 3ª pessoa do singular: “não bata (você)”. 3. Principais processos de formação de palavras 1. a) pedra: empedramento > Derivação parassintética, pois o prefixo “em-” e o sufixo “-mento” foram acrescentados simultaneamente ao radical da palavra primitiva “pedra”. b) ferro: ferraria > Derivação sufixal, pelo acréscimo do sufixo “-aria” ao radical da palavra primitiva “ferro”. c) fazer: desfazer > Derivação prefixal, pois “desfazer” surge do acréscimo do prefixo “des-” ao radical da forma primitiva (o verbo “fazer”). 2. a) samba-enredo > Composição por justaposição, porque o hífen é utilizado, a fim de manter a forma e a pronúncia das duas palavras envolvidas no processo. b) doravante > Composição por aglutinação, pois a palavra é formada a partir de três termos: “de ora avante”. Na junção, ocorrem perdas de letras e fonemas: o “e” da preposição “de” é eliminado; e, como há dois “a” seguidos (um no final de “ora” e outro no início de “avante”), uma vogal assimila a outra, o que resulta na eliminação de uma delas. 3. (2) shorte > Empréstimo, pois a palavra veio do inglês short. (3) gilete > Onionimia, porque esse substantivo comum surgiu do nome próprio Gillette, passando a designar qualquer lâmina de barbear pelo termo que designava a marca. doravante: advér- bio utilizado em textos formais ou de época e que significa “de ora avante” ou “de agora em diante”. 90 Estudos Morfossintáticos (5) CEP > Acrossemia, pois as letras que iniciam “Código de Endereçamento Postal” podem ser lidas como palavra única, sem que cada letra seja pronunciada isoladamente. (6) Dudu > Hipocorismo, já que a forma resulta do nome próprio “Eduardo”, duplicando uma sílaba para criar um modo carinhoso de chamamento. (1) autoestima > Recomposição. A palavra é formada de dois radicais. Entretanto, frequentemente “auto” é aqui utilizado e interpretado como se fosse um prefixo. (4) fone > Braquissemia, pelo fato de o termo constituir uma abreviação de “telefone”. 4. Da morfologia à sintaxe 1. a) O carro apresentou problemas. > Substantivo comum e sujeito b) Duas pessoas foram assaltadas no centro. > Numeral e adjunto adnominal c) O síndico apresentou aquilo a todos os condôminos. > Pronome demonstrativo e objeto direto d) O terreno foi medido por eles. > Pronome pessoal do caso reto e agente da passiva 2. a) Hoje os reencontrarei. > Objeto direto Embora haja verbo no futuro, a próclise é exigida, em função da palavra atrativa “hoje” (advérbio). b) Vê-lo-ei amanhã. > Objeto direto A mesóclise é obrigatória, por causa do verbo no futuro do presente. c) Expliquei-lhe tudo. > Objeto indireto d) Emprestou-me o dinheiro. > Objeto indireto Nesse período, assim como no item c) deste exercício, foi usada a ênclise, para evitar o uso do pronome oblíquo átono no início do período. e) Nada os surpreendeu. > Objeto direto “Nada” é uma palavra negativa e funciona como termo atrativo. Portanto, foi usada a próclise. 3. a) Vendemo-lo. O verbo termina com “-s”, razão pela qual essa letra é eliminada. Além disso, o “l” é usado junto com o pronome oblíquo “o”. b) Desenharam-nos. Nesse caso, a nasal “m” é mantida no final do verbo. Para combinar com ela, a letra “n” é acrescentada ao pronome oblíquo “os”, facilitando a pronúncia. Gabarito 91 c) Empilhou-as. A forma verbal acima termina com um ditongo oral, que também se mantém na colocação pronominal. Porém, existe diferença no uso do pronome oblíquo (“as”), que não exige acréscimo de nenhuma letra. 5. Funções sintáticas no período simples 1. a) Reformam-se roupas. Sujeito simples, porque há apenas um núcleo (“roupas”) e porque o período pode ser passado para a voz passiva analítica: Roupas são reformadas. b) [Nós] Viajamos para a Europa. Sujeito oculto, pois o verbo está conjugado na 1ª. pessoa do plural. c) Voltaram o pai, a mãe e os filhos. Sujeito composto. O período privilegia a ordem indireta. Isso pode dificultar a identificação do sujeito, mas tudo fica mais claro, quando utilizamos a ordem direta (padrão). Veja: “O pai, a mãe e os filhos voltaram”. Há três núcleos: “pai”, “mãe” e filhos”. d) [Eles] Escreveram um novo livro. Sujeito indeterminado, pois o verbo está conjugado na 3ª. pessoa do plural. e) Existiam segredos na família. Sujeito simples, porque há apenas um núcleo (“segredos”) e porque foi utilizado o verbo “existir”.1 2. a) O síndico apresentou o relatório. Predicado verbal, porque apresenta um verbo – transitivo direto, nesse caso – e o objeto exigido por ele. b) Elas chegaram atrasadas ao espetáculo. Predicado verbo-nominal, porque possui dois núcleos: um verbo (intransitivo, no caso) e um predicativo (do sujeito, nesse exemplo específico). Observe que “ao espetáculo” caracteriza- -se como circunstâcia de lugar. Dessa forma, trata-se apenas de um advérbio. c) A candidata parecia confiante. Predicado nominal, pois traz um verbo de ligação e um predicativo do sujeito. 1 Se o período utilizasse o verbo “haver”, a classificação do sujeito sofreria alteração. Portanto, se tivéssemos “Há segredos na família”, teríamos uma oração sem sujeito. Além disso, perceba que o verbo “haver”, quando usado no sentido de “existir”, não se flexiona no plural. Apesar de o termo “segredos” estar no plural, o verbo “há” é mantido no singular. 92 Estudos Morfossintáticos 3. a) O prefeito ofereceu auxílio (objeto direto) aos desabrigados (objeto indireto). O verbo “ofereceu” tem dupla transitividade, exigindo, portanto, dois objetos para que a informação seja apresentada de modo completo. b) A empresa foi superada por sua principal concorrente (agente da passiva). É usada a preposição “por” e o elemento sintático sublinhado desempenha a ação sofrida pelo sujeito paciente: “A empresa”. c) A aprovação de novos empréstimos (complemento nominal) foi suspensa. O complemento tem sentido passivo, afinal os empréstimos são aprovados por alguém. d) A decisão foi conveniente ao réu (complemento nominal). O elemento sintático marcado segue um adjetivo: “conveniente”. e) Minha (adjunto adnominal) tataravó nasceu na Inglaterra. O pronome possessivo “Minha” apenas acompanha o substantivo “tataravó”. f) O turista estava animado (predicativo do sujeito). Trata-se de um adjetivo/particípio. Além disso, percebe-se que “animado” segue um verbo de ligação (“estava”) e diz respeito ao sujeito (“O turista”). 6. Funções sintáticas no período composto 1. a) Procuro um emprego, mas preciso de qualificação. > O período é composto por coordenação. A primeira oração (“Procuro um emprego”) é assindética, porque não traz nenhuma conjunção. A segunda (“mas preciso de qualificação”) é uma sindética adversativa, pois utiliza a conjunção “mas”, que, por sua vez, revela a dependência de sentido entre as duas orações coordenadas. Contudo, sob o ponto de vista sintático, há independência. Observe: Primeira oração: Procuro Verbo um emprego. Obj. direto (Sujeito oculto: “eu”) Segunda oração: de qualificação. Obj. indireto mas Conjunção preciso Verbo (Sujeito oculto: “eu”) b) A professora pediu que os alunos fizessem um trabalho. > O período é composto por subordinação. A primeira oração (“A professora pediu”) é a principal, enquanto a segunda (“que os alunos fizessem um trabalho”) é a subordinada substantiva, já que fornece o objeto direto que completa a oraçãoprincipal, sintática e semanticamente. Podemos Gabarito 93 comprovar isso por meio da pergunta feita ao verbo da oração principal (“A professora pediu” o quê? “Que os alunos fizessem um trabalho”. Resumindo: que os alunos fizessem um trabalho. Or. Sub. Subst. e Obj. Direto da Or. Principal A professora Suj. da Or. Principal pediu Verbo da Or. Principal 2. a) Convém que elas aprontem tudo. Or. Principal + Or. Sub. Subst. Subjetiva, pois a subordinada é sujeito da oração principal: “Isso convém”. b) Eles duvidavam do que o garoto contava. Or. Principal + Or. Sub. Subst. Objetiva Indireta, já que a subordinada desempenha a função de objeto indireto da oração principal: “Eles duvidavam” do quê? “Do2 que o garoto contava”. c) Minha única chance é que o banco autorize o empréstimo. Or. Principal + Or. Sub. Subst. Predicativa, porque a subordinada funciona como predicativo da oração principal. A prova disso é que a segunda oração pode ser substituída por um adjetivo qualquer, afinal é essa classe que desempenha a função sintática do predicativo: “Minha única chance é excelente”. Além disso, perceba a estrutura clássica, que reúne sujeito, verbo de ligação e predicativo do sujeito. 3. a) Necessito do que você comprou. b) Tenho necessidade do que você comprou. A oração da letra a) apresenta uma oração subordinada substantiva objetiva indireta, porque “do que você comprou” serve de objeto indireto do verbo “Necessito”. Porém, o período da letra b) traz como oração subordinada uma substantiva completiva nominal. A diferença é que, no segundo exemplo, a segunda oração completa um nome (“necessidade”), e não um verbo. 7. Os verbos e os nomes nas regras de concordância 1. a) Parecia meio aflita diante do ocorrido. > “Meio” é advérbio, sinônimo de “um pouco”, e por isso não varia. b) Todas as imagens estão anexas. > “Anexas” é um adjetivo, que, inclusive, no exemplo dado, vem após um verbo de ligação (“estão”). Dessa forma, a palavra em questão deve concordar com o verbo e com o núcleo do sujeito (“imagens”). c) É necessário cautela. > A ausência de artigo ou de outro tipo de especificativo exige que o termo “necessário” fique invariável. 2 “Do” é uma forma combinada (preposição “de” + artigo “o”) e, como sabemos, todos os objetos indiretos devem apresentar preposição. 94 Estudos Morfossintáticos d) Estudava histórias moderna e medieval. > O termo “histórias” está no plural, porque são duas matérias distintas: uma moderna e outra medieval. Como se trata de tipos bem diferentes, não é coerente utilizar o substantivo “história” no singular. e) Salada é bom. > O adjetivo “bom” não pode variar, já que o substantivo “salada” não vem antecedido por artigo ou outro especificativo. f) Uma vez aprovados os projetos, consegui a verba. > O adjetivo/particípio “aprovados” corresponde ao substantivo “projetos”. Portanto, ambas as palavras devem ser flexionadas no masculino plural. 2. a) “Férias dos famosos terá como cenário as praias paradisíacas de Fernando de Noronha” ou: “As férias dos famosos terão como cenário as praias paradisíacas de Fernando de Noronha”. Enquanto a ausência do artigo antes de “Férias” exige o verbo no singular (“terá”), a inclusão do artigo “As” obriga a flexão do verbo no plural (“terão”). b) Existiam muitos problemas naquele relacionamento. Está correto. O sujeito está no plural – “muitos problemas” – e exige que o verbo “existir” concorde com ele. c) Na rua, havia buracos ainda não consertados pela prefeitura. Nesse período, sem sujeito, o verbo “haver” é invariável. Dessa forma, não importa o fato de a palavra “buracos” estar no plural. 3. a) Descobriram-se os segredos. > Trata-se do verbo “descobrir” com o apassivador “se”. Isso significa que o sujeito é simples (“os segredos”) e devemos fazer a concordância entre ele e o verbo. b) Precisa-se de secretárias executivas. > Em “Precisa-se”, temos um verbo transitivo indireto e o “se”, que, nesse caso, é uma partícula de indeterminação do sujeito. Portanto, não é possível flexionar o verbo no plural. Apenas o objeto indireto, “de secretárias executivas”, vai para o plural. c) É natural que se comentem as notícias. > Nesse exemplo, o “se” age como apassivador, razão pela qual podemos utilizar a voz passiva analítica: “... que as notícias sejam comentadas”. Essa possibilidade demonstra que o verbo deve ser flexionado no plural, para concordar com “notícias”. 8. Forma e função da preposição nos casos de regência 1. a) Sentimos antipatia pela vizinha nova. b) O palestrante fez menção ao dono da empresa. c) O testemunho foi favorável ao réu. d) O acordo firmado com o banco foi cumprido. e) O elenco fez referência ao comportamento do público. Gabarito 95 2. a) Assisti ao espetáculo. > No sentido de “ver”, o verbo “assistir” exige o uso da preposição “a”. b) Gostamos de pratos salgados. > O verbo “gostar” sempre é usado com a preposição “de” para se unir a um objeto. c) Prefiro cinema a teatro. > Nesse período, muitas alterações foram necessárias, pelo fato de o verbo “preferir” exigir a preposição “a” e repelir o uso da palavra “mais”. d) A voluntária foi ao asilo para assistir os idosos. > Quando assume o sentido de “ajudar” ou “auxiliar”, o verbo “assistir” é transitivo direto. Portanto, nenhuma preposição deve ser utilizada. 3. Ontem à (1) noite, às (2) três da madrugada, acordei e fui à (3) cozinha, pois não conseguia dormir. Fui até a (4) sala e liguei a (5) TV, para assistir a (6) mais um episódio de minha série preferida. As (7) horas passaram e voltei à (8) minha cama. Felizmente, consegui dormir. Na manhã seguinte, estava cansado, mas fui a (9) São Paulo, onde deveria comparecer a (10) uma reunião, no fim do dia. Nos casos 1 e 2, o acento grave é necessário, pois temos dois advérbios de tempo: “à noite” e “às três da madrugada”. Nos itens 3 e 8, o uso do “à” está correto e pode ser justificado pela possibilidade da troca por “para a”, que também reúne preposição e artigo. No item 4, apenas o artigo “a” é incluído, pelo fato de “até” já ser uma preposição. Outros artigos foram utilizados nas opções 5 e 7. Para averiguar esses dois casos, basta flexionarmos os trechos em questão no número oposto: “a TV” / “as TVs”; “As horas passaram” / “A hora passou”. Nos espaços 6 e 10, a preposição “a” é exigida pelos verbos “assistir” (= “ver”) e “comparecer”. Por fim, no item 9, apenas a preposição “a” é incluída, porque, quando usamos o verbo “voltar”, verificamos que somente a preposição é usada: “Fui a São Paulo” / “Voltei de São Paulo”. MOR FOS SIN TÁ TI COS ESTUDOS MORFOSSINTÁTICOS VERÔNICA DANIEL KOBS E S T U D O S M O R F O S S IN T Á T IC O S V E R Ô N IC A D A N IE L K O B S Código Logístico 58561 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6481-6 9 788538 764816