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E S T U D O D E C A S O A N A (nome fictício) 8 anos | Ensino Fundamental Demanda1 Ana foi encaminhada pela neurologista que a atendia para avaliação das funções cognitivas. As principais queixas trazidas pela família se referiam a dificuldades de aprendizagem escolar, de fluência da fala e do desenvolvimento da motricidade. Sua mãe teve problemas psiquiátricos durante e após a gravidez, e, por isso, os avós maternos assumiram os cuidados de Ana. As informações sobre a história de vida da menina foram fornecidas pelos avós. P S I C O D I A G N Ó S T I C O Entrevista com os avós Escala de Inteligência Wechsler para Crianças WISC-III Escala de Maturidade Mental Columbia Teste do Desenho da Figura Humana (DFHIII) 1 Hutz, C. S., Bandeira, D. R., Trentini, C. & Krug (2016) (Org.) (2016). Psicodiagnóstico. Porto Alegre: Artmed. - Cap.31, pp.396-421 (Caso criança). 2 Dados da entrevista Ana é a única filha de Maria. A gestação da menina não foi planejada, mas desejada pela família da mãe. Ela nasceu de parto normal, com 37 semanas de gestação, um de seus índices Apgar foi 10, e não apresentou problemas após o parto. Segundo relato dos avós, a mãe de Ana namorava o pai da menina quando engravidou, mas ele a abandonou no terceiro mês de gestação. Após o ocorrido, Maria teve depressão até o final da gestação, no período pós-parto e, também, depois do nascimento da menina. Assim, os avós maternos, Iolanda e Antônio, assumiram os cuidados de Ana desde seu nascimento. A mãe rejeitou a recém- nascida, não quis pegá-la no colo e nem queria vê-la. No retorno do hospital para casa, Maria teve um episódio psicótico breve e foi internada em uma clínica psiquiátrica por uma semana. Maria também passou por outras internações psiquiátricas para tratamento da depressão, sendo que a última havia ocorrido quatro anos antes do momento da anamnese (a família não soube precisar o número total de internações). Além intelectual, segundo relatado por Iolanda. No momento da avaliação, Ana morava com os avós e com a mãe, que também dependia de cuidados da família. A avó da menina relatou que, passados seis meses de seu nascimento, Maria melhorou parcialmente do quadro depressivo e passou a ajudar nos cuidados da filha, embora necessitando de supervisão. Segundo inhar com 9 meses e a falar as primeiras compreendê-la em alguns momentos. Ana apresentou dificuldades no controle esfincteriano, e só houve a retirada completa das fraldas aos 4 anos. No momento da avaliação, ainda necessitava de ajuda para ir ao banheiro, apresentando dificuldades para limpar-se e vestir-se, segundo a avó. Além disso, não conseguia vestir a roupa sozinha, amarrar cadarços ou tomar banho sem supervisão. Aos 4 anos de idade, Ana sofreu uma queda na varanda de casa, foi hospitalizada e fez exames, mas não houve traumas ou outras consequências. Quando tinha 6 anos, teve uma crise convulsiva. O neurologista diagnosticou epilepsia e receitou ácido valproico, medicamento que usava desde então. Iolanda também foi levada à emergência psiquiátrica, ficando internada por oito dias. Desde então, realizava acompanhamento psiquiátrico e fazia uso de risperidona. No momento da anamnese, além do acompanhamento neurológico, Ana estava fazendo tratamento com uma fonoaudióloga havia dois meses, uma vez por semana, devido às dificuldades na articulação das palavras. Apesar de ter começado a falar cedo, por vezes era incompreensível, principalmente em outros contextos que não o familiar. Essas dificuldades de fala haviam surgido já nas fases iniciais do desenvolvimento. Ana entrou na creche com 2 meses de idade. Aos 7 anos, começou a frequentar a escola e, no turno inverso, o Serviço de Apoio Socioeducativo (SASE) oferecido pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) de Porto Alegre (RS). O SASE é direcionado ao atendimento de crianças em situação de vulnerabilidade econômica e social, oferecendo alimentação, apoio psicossocial e pedagógico. 3 Segundo Iolanda, a adaptação da menina na escola não foi fácil, havendo dificuldades na interação social com os novos colegas, que roubavam sua merenda e faziam bullying contra ela. Após alguns meses, o problema diminuiu, e Ana se adaptou melhor ao ambiente escolar. Entretanto, no que diz respeito ao aprendizado, ela sempre apresentou muitas dificuldades e não conseguia ler, escrever, juntar sílabas ou acompanhar as atividades da aula. Por esse motivo, começou a fazer aulas de reforço na escola uma vez por semana. Segundo a avó, nas primeiras consultas com a neurologista, a profissional referiu que a menina No momento da avaliação, Ana dormia junto com a mãe, embora tivesse a própria cama no mesmo quarto. Segundo os avós, a menina sempre preferiu dormir com Maria, que não insistia para que Ana mudasse de cama. Iolanda relatou que Ana era muito apegada a todos da casa e, especialmente, a uma tia que era também sua madrinha e ajudava em seus cuidados. Estratégias de avaliação utilizadas Após a entrevista de anamnese e coleta de informações sobre a menina, bem como a análise de seus exames médicos e tratamentos de saúde prévios, foram estabelecidas algumas hipóteses a serem testadas na avaliação. Para responder às causas das dificuldades de Ana, levantou-se a hipótese de prejuízos em quatro áreas de funcionamento: Inteligência: a principal hipótese diagnóstica foi de um funcionamento intelectual rebaixado. As dificuldades de aprendizado escolar, os relatos de prejuízos na funcionalidade (p. ex., dificuldades para manter a higiene e o autocuidado) e os problemas na fala e na motricidade poderiam indicar um funcionamento cognitivo abaixo do esperado. Além disso, a epilepsia é um marcador diagnóstico de baixa capacidade intelectual. Assim, a estimativa do quociente intelectual (QI) tornou-se aspecto central a ser avaliado no psicodiagnóstico. Aspectos emocionais e afetivos: no relato dos avós de Ana, ficaram evidentes situações potencializadoras de conflitos emocionais para a menina. A mãe e, como consequência, a menina foram abandonadas pelo pai. Ana foi registrada pelos avós e, em sua certidão de nascimento, constava apenas o nome da mãe. Maria rejeitou a menina no nascimento e voltou a interagir com ela apenas seis meses depois. Dessa forma, observou- segundo sua avó, e havia antecedentes psiquiátricos na família, tornando-se relevante avaliar possíveis implicações desses eventos sobre a vivência emocional e afetiva da menina. Assim, pensou-se em avaliar o funcionamento emocional da paciente a fim de identificar possíveis conflitos que pudessem influenciar seu baixo desempenho acadêmico e suas dificuldades na execução das atividades da vida diária. Atenção: caso uma reduzida capacidade intelectual ou problemas emocionais fossem descartados, as dificuldades da menina poderiam ser decorrentes de problemas na retenção da informação (déficit na atenção). 4 Habilidades de leitura, escrita e aritmética: se fossem descartadas outras causas que explicassem as dificuldades de Ana, habilidades mais específicas poderiam ser avaliadas. Na história clínica, foi constatado histórico de dificuldades para ler, escrever e juntar sílabas. Se suas dificuldades envolvessem apenas essas habilidades, a investigação de hipótese diagnóstica de transtorno específico da aprendizagem poderia ser relevante. Diante das hipóteses advindas do encaminhamento e da entrevista de anamnese com os avós de Ana, definiu-se um plano inicial de avaliação. Na primeira sessão com a menina, foi realizada uma hora do jogo diagnóstica. O objetivo dessa técnica foi compreender como a criança, por meio do brincar, expressava sua compreensão do mundo, bem como os seus conflitos. Também foram utilizados jogos pedagógicos para verificar se Ana tinha habilidades de contagem de números, distinção de cores, reconhecimento de letras e capacidadede entender regras de jogos. A partir da primeira sessão, foram definidos os primeiros testes psicológicos a serem utilizados, considerando as qualidades psicométricas e a existência de normas para comparação do desempenho da paciente, bem como a aprovação do teste pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi). Na Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-IV), o desempenho apresentado por Ana foi classificado como extremamente baixo. Seus resultados se situaram entre 2 e 3 desvios-padrão abaixo do esperado para a idade. Seu nível de funcionamento intelectual era igual ou superior a apenas 0,1% das crianças da sua faixa etária (QI total = 53; intervalo de confiança de 95% = 49 a 59). A análise de comparação entre as discrepâncias do WISC-IV indicou que a paciente apresentou desempenho relativamente menos prejudicado em tarefas que envolviam o conhecimento da linguagem e abstrações verbais (ICV) e habilidades de análise e síntese visuoespacial e atenção seletiva visual (IOP). A habilidade que se encontrava mais deficitária era a de memória operacional (IMO), que exige que a criança retenha determinadas informações e as organize para o desempenho de uma diversidade de ações. Tendo em vista o desempenho inferior para a idade no teste WISC-IV, foi utilizada a Escala de Maturidade Mental Colúmbia como medida complementar para a avaliação do desenvolvimento cognitivo de Ana. Optou-se por essa escala para verificar se o baixo desempenho da menina no WISC-IV seria confirmado, descartando-se a influência das dificuldades de linguagem. A Escala Colúmbia avalia a inteligência por meio de respostas não verbais, sendo recomendada para crianças com dificuldades de linguagem ou motoras, incluindo deficiência intelectual. Os resultados sugeriram que o desempenho da menina no teste foi igual ou superior a somente 27% das crianças de sua faixa etária. Apesar das queixas de problemas motores da paciente e de ela fazer uso da Risperidona (medicamento que pode ter efeito negativo sobre a psicomotricidade), optou-se pela aplicação experimental aplicação de outras tarefas avaliativas, dado seu caráter lúdico e de baixo custo. Essa técnica foi empregada de modo a dinamizar a sessão de avaliação, para que a paciente permanecesse engajada nas atividades que demandavam maiores investimentos cognitivos. Contudo, apesar de sua possível contraindicação ao caso, 5 devido às dificuldades motoras previamente apontadas, optou-se por pontuar os desenhos, dadas suas pobres características gráficas. Observou-se nos desenhos que as dificuldades motoras não eram as únicas variáveis a influenciar a produção gráfica. Os desenhos eram empobrecidos para a idade, sem distinção sexual e não apresentaram alguns itens esperados da figura humana (boca, nariz, pernas e pés). Observou-se que a maturidade cognitiva não foi alcançada para a realização dos desenhos. Além disso, levantou-se a hipótese de que fatores emocionais também podem ter interferido na produção gráfica da paciente, consideradas as abordagens projetivas das técnicas de desenhos. Os resultados indicaram que o desempenho de Ana no teste foi igual ou superior a apenas 1% das crianças de sua faixa etária, sendo classificado como deficiente. Portanto, a produção gráfica indicou desenvolvimento cognitivo extremamente baixo para a idade, coincidindo com os resultados dos outros testes aplicados. Quanto aos aspectos afetivos e emocionais, optou-se por não usar testes para avaliação. O uso de testes projetivos disponíveis para a idade da menina, como o Teste de Apercepção Temática Infantil Figuras Animais (CAT-A), exige linguagem oral e capacidade de simbolização. Verificou-se que Ana apresentava prejuízos em ambas. Por sua vez, o teste projetivo Pirâmides Coloridas de Pfister Infantil, que não exige habilidades verbais, ainda não estava disponível no período da avaliação. Optou-se, assim, por avaliar qualitativamente os aspectos emocionais, baseando-se nas entrevistas e na observação da menina e de seu brincar. Considerando os resultados nos testes cognitivos, não foram utilizados testes específicos para avaliar a atenção e as habilidades de leitura e escrita. Ana tinha dificuldades mais globais que poderiam explicar seus déficits nessa função e nas habilidades específicas.
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