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Unidade I Fundamentos e História da Língua Portuguesa Língua Portuguesa e Gramática Histórica Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria DÉBORA LUIZA DA SILVA LUCIANA UHREN MEIRA SILVA AUTORIA Débora Luiza da Silva Olá! Meu nome é Débora Luiza da Silva. Sou licenciada em Letras (Habilitação Português) pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISNOS e Especialista em Educação a Distância: Gestão e Docência pela mesma instituição, com uma experiência técnico-profissional na área da docência e elaboração de conteúdos pedagógicos para cursos da modalidade a distância. Passei por diferentes instituições privadas, nas quais já atuei como analista acadêmica de EAD, professora-tutora, designer educacional e docente de EAD. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida, bem como contribuir com o aprendizado daqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! Luciana Uhren Meira Silva Olá, meu nome é Luciana Uhren Meira Silva, sou formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e tenho mestrado em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP). Sou professora desde 2000 e já atuei em vários níveis de ensino, desde o Ensino Fundamental, passando por cursos pré-vestibulares até a Pós-Graduação. Atualmente, leciono em cursos de graduação e elaboro conteúdo para cursos a distância. Sou apaixonada pelo que faço e amo transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: INTRODUÇÃO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Da Gramática Latina Portuguesa ..........................................................10 Origens do Latim – famílias linguísticas ........................................................................ 10 Percursos do Latim ........................................................................................................................ 13 Do Latim vulgar às línguas neolatinas ............................................................................. 15 A Língua Portuguesa na Europa ........................................................................................... 19 Gramática Histórica: Formação Linguística Do Brasil .................21 A chegada da Língua Portuguesa ao Brasil ................................................................. 21 A Língua Portuguesa no Brasil e o contato com outras línguas ..................24 Fases de desenvolvimento da Língua Portuguesa no Brasil .........................26 Constituição do Léxico Português ...................................................... 28 A influência indígena .....................................................................................................................28 A influência africana ......................................................................................................................29 Influência latina e grega ............................................................................................................29 Processos de formação de palavras – composição e derivação .............. 31 Formação lexical – movimento constante nas línguas .......................................33 Gramáticas Linguísticas ........................................................................... 36 O que é gramática? ....................................................................................................................... 36 Gramática normativa e descritiva.................................................................... 36 Gramática comparada e gramática histórica ...........................................37 Planos de estruturação da língua ...................................................................................... 39 Sistema .............................................................................................................................. 40 Fala ..........................................................................................................................................42 7 UNIDADE 01 Língua Portuguesa e Gramática Histórica 8 INTRODUÇÃO A área dos estudos de Língua Portuguesa representa um universo rico em aprendizado e experiência. Estudar essa língua significa compreender a sua formação, analisar a maneira como nos comunicamos e entender como a língua é viva, ou seja, está em constante mudança – provocada por aspectos históricos, culturais, sociais e até econômicos. Assim, vamos estudar não só a formação da língua, mas diferentes maneiras de compreendê-la por meio dos mais variados tipos de estudos gramaticais. Como dizia o poeta Olavo Bilac, ao identificar a Língua Portuguesa, “A última flor do Lácio, inculta e bela.” Assim, vamos conhecer toda sua beleza e profundidade. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! Língua Portuguesa e Gramática Histórica 9 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 1. Nosso propósito é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: 1. Identificar os diferentes tipos de gramática, compreendendo sua composição e importância para os estudos de Língua Portuguesa; 2. Reconhecer as influências da gramática latina na Língua Portuguesa, estudando alguns de seus aspectos constitutivos; 3. Explicar o que é a gramática histórica, analisando a formação linguística do Brasil; 4. Apontar o que é léxico, estudando sua formação na Língua Portuguesa. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Língua Portuguesa e Gramática Histórica 10 Da Gramática Latina Portuguesa Origens do Latim – famílias linguísticas Provavelmente você já ouviu dizer que a Língua Portuguesa é derivada da língua latina e, assim como nossa língua, muitas outras derivaram do Latim, como o espanhol, o italiano e o francês. Isso significa dizer que essas línguas fazem parte de uma mesma família. Mas, se a Língua Portuguesa é originária do Latim, então, significa que o Latim também possui sua origem em outra língua? Isso era o que queria descobrir os gramáticos e linguistas comparatistas que estudavam as línguas por volta do final do século XIX e meados do século XX. Esses estudiosos tinham por objetivos descobrir as ‘famílias linguísticas’ por meio dos estudoscomparatistas das semelhanças existentes entre as diversas línguas. Assim, por meio da comparação entre línguas como o Latim, o Grego e o Sânscrito (língua praticada na Ásia), os linguistas chegaram a descobrir o protoindo-europeu, ou seja, a língua ‘matriarca’ de diversas línguas indo-europeias. Não existem, porém, registros escritos dessa língua antiga, falada por volta de 2500 a.C., originária de tantas outras (GONÇALVES; BASSO, 2010). No quadro a seguir, notamos algumas famílias linguísticas que se formaram do protoindo-europeu. Figura 1: Origem comum: ‘árvore genealógica’ das famílias linguísticas formadas a partir do protoindo-europeu Fonte: GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 16. Adaptado Língua Portuguesa e Gramática Histórica 11 As transformações ocorridas no protoindo-europeu e a origem de outras línguas indo-europeias atingem um longo período da história da humanidade, pois, apenas para termos uma ideia, o Latim tem origem em torno do século XI a.C. e o Sânscrito entre 1500 a 1000 a.C. Veja, no quadro comparativo a seguir, alguns exemplos de palavras de línguas indo-europeias. Observe as semelhanças entre elas. Quadro 1: comparativo entre língua indo-europeias. A semelhança entre as palavras indica uma origem comum das línguas Língua Exemplos Português Pai Mãe Irmão Lobo Latim Pater Mater Frater Lupus Grego antigo Pater Meter Phrater Lykos Sânscrito Pitar Matar Bhratar Vrkas Espanhol Padre Madre Hermano Lobo Francês Pére Mére Frére Loup Inglês Father Mother Brother Wolf Alemão Vater Mutter Bruder Wolf Fonte: GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 15. Adaptado. A semelhança entre as palavras indicam a mesma origem das diferentes línguas apresentadas no quadro. Isso mostra que, assim como queriam demonstrar os comparatistas, as línguas, quando estudadas a partir do ponto de vista diacrônico, ou seja, das mudanças ocorridas ao longo do tempo, apontam para uma origem comum. Além do indo- europeu, existem outras famílias linguísticas que deram origem a várias línguas faladas atualmente. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 12 REFLITA: Seria possível, então, conhecer todas as línguas e suas famílias desde o início da história da humanidade? Por mais que os estudiosos tentem chegar à origem de todas as línguas, essa ‘e uma tarefa muito difícil. Muitas línguas deixaram de existir e nem sequer deixaram um registro escrito. Assim, muito do conhecimento que se tem hoje a respeito dessa questão devemos a hipóteses lançadas pelos estudiosos de acordo com as observações conseguidas com a comparação entre as línguas. Pois bem, até aqui compreendemos que o Latim faz parte de uma família indo-europeia. Morfologicamente, os estudiosos descobriram que algumas características do protoindo-europeu foram preservadas no Latim e, posteriormente, seriam a base das línguas neolatinas, como o Português. Por exemplo, o protoindo-europeu variava seus substantivos em gênero (masculino e feminino) e também em número (plural e singular). Essa variação foi preservada no Latim e, posteriormente, na Língua Portuguesa. Mas, o protoindo-europeu também possuía variações relacionadas às funções sintáticas (GONÇALVES; BASSO, 2010). Observe o quadro a seguir. Quadro 2: Casos (variação) do protoindo-europeu que permanecerem no Latim e que serviram de base para a sintaxe das línguas do ramo indo-europeu Caso Definição Nominativo Indica basicamente o sujeito na oração. Acusativo Refere-se ao objeto direto, ou seja, complemento verbal. Vocativo Caso usado quando o interlocutor é chamado Genitivo Indica posse. Dativo Objeto indireto. Ablativo Usado para indicar um local afastado. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 13 Locativo Indica local em que se está no momento. Instrumental Usado para especificar instrumento utilizado para fazer algo. Fonte: GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 19-20. Adaptado. Agora que entendemos o estudo comparatista que indicou as origens do Latim, vamos nos aprofundar um pouco mais na história dessa língua que originou a língua Portuguesa. Percursos do Latim O Latim falado na cidade de Roma e na província do Lácio, no século I antes de Cristo. Essa língua se estendeu pela Europa, pelo norte da África e por diversas regiões da Ásia devido à expansão do Império Romano que a utilizava como língua oficial (VILAS BOAS; HUNHOFF, 2014). Entre os séculos I a.C. e I d.C. importantes autores produziram obras literárias que influenciaram a cultura, a política e a filosofia na Europa. Dentre esses autores podemos citar o poeta Virgílio que escrever o poema épico Eneida no final do século I a.C. (GONÇALVES; BASSO, 2010). VOCÊ SABIA? Eneida, poema épico de Virgílio conta a saga de Eneias, um troiano que, após a queda de Tróia, funda uma colônia troiana na região do Lácio, local de origem do povo romano. Assim, a Eneida é um poema sobre a fundação de Roma, desde o seu início como colônia até os tempos do Império. O poema é dividido em 12 cantos (como se fossem capítulos) e escrito em versos. Virgílio levou 12 anos para compor essa obra que só foi divulgada após a sua morte. Didaticamente, o Latim é dividido em cinco diferentes períodos com suas manifestações. São eles: • Latim arcaico: os primeiros registros escritos do Latim datam de VII a.C. ou VI a.C. Aproximadamente em III a.C. foi produzida a Língua Portuguesa e Gramática Histórica 14 obra literária mais antiga que se tem notícia nessa língua – uma tradução da epopeia grega Odisseia. • Latim clássico: entre I a.C. e I d.C. foram produzidas diversas obras importantes que se tornaram um marco na cultura europeia e mundial, dentre elas os escritos do filósofo Cícero, a poesia de Virgílio e os textos do historiador Tito Lívio. A língua utilizada nessa época apresenta beleza de estilo e um cuidadoso trabalho com as palavras. • Latim culto: a classe culta de Roma utilizava o Latim culto para se comunicar. Era uma variante do clássico, com regras gramaticais semelhantes, mas sem a mesma preocupação estilística da produção literária. • Latim vulgar: a língua falada pelo povo comum para se comunicar. Essa forma de comunicação era bastante viva e aberta a mudanças, principalmente àquelas proporcionadas pelo contato do povo romano com outros povos, em razão da constante expansão do Império. Embora não haja registros escritos dessa época, as poucas inscrições que foram encontradas serviram de base para os estudiosos entenderem que as línguas românicas ou neolatinas são derivadas desse tipo de Latim. • Latim tardio: o Latim foi utilizado por muito tempo como a língua oficial, não só pelo Império Romano, mas também pela Igreja Católica e por países com língua já estabelecida para o registro de documentos oficiais. É o que aconteceu, por exemplo, com a Coroa Portuguesa que utilizava o Latim nos documentos oficiais da administração. O Latim tardio abrange o período até a Idade Média (GONÇALVES; BASSO, 2010). Por isso, a partir de agora, vamos compreender qual é a relação existente entre a gramática latina e a portuguesa. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 15 Do Latim vulgar às línguas neolatinas Como vimos, as língua neolatinas derivaram do Latim Vulgar, língua falada pela população romana em geral e que apresentava uma característica mais dinâmica e aberta a mudanças do que o Latim Clássico. VOCÊ SABIA? Assim como atualmente existem as gramáticas e as aulas de Língua Portuguesa que têm por objetivo ensinar a maneira “correta” de utilizar a língua, no passado, em Roma, existia a obra Appendix Probi, documento que ensinava a pronúncia correta das palavras de acordo com o Latim Clássico. A obra possui a forma vulgar da palavra que deve ser substituída pela clássica. Por exemplo, encontram-se as seguintes formas: auris no lugar de oricla (o que deu origem a palavra “orelha” em português) e a forma clássica speculum no lugar de speclum (“espelho” em português)(GONÇALVES; BASSO, 2010) São muitas as diferenças que distinguem as variantes entre o Latim Clássico e o Vulgar. Por isso, vamos estudar essas diferenças existentes em quatro aspectos: sintaxe, morfologia, fonologia e léxico. Em relação à sintaxe, no Latim Clássico as palavras recebiam terminações de acordo com sua função na oração. Assim, as palavras em uma oração poderiam ser escritas quem qualquer ordem, já que a terminação era o que demonstrava o papel de cada uma das palavras. Veja um exemplo: a. Petrus Paulum videt (Pedro vê Paulo). b. Paulus Petrum videt (Paulo vê Pedro). Notamos que o sujeito – caso nominativo (Petrus, Paulus) – recebe uma terminação diferente da palavra que faz papel de objeto – caso acusativo (Paulum, Petrum). Ainda que a ordem das palavras fosse livre, existia uma ordem básica de construção de orações que era sujeito – objeto / complemento. Já no Latim Vulgar, a ordem da construção das Língua Portuguesa e Gramática Histórica 16 orações mudou para sujeito – verbo – objeto/complemento. Essa é a forma adotada em Língua Portuguesa também, como herança do latim Vulgar. Outra característica importante é que os casos utilizados no Latim Clássico para substantivos, adjetivos e pronomes (nominativo, acusativo, vocativo, genitivo, dativo e ablativo) também foram simplificados no Latim Vulgar. Em relação à Língua Portuguesa, embora esses casos existam nas funções sintáticas, não existe uma terminação que os identifique nas orações. O vocativo, por exemplo, uma espécie de chamamento do interlocutor, é marcado por vírgulas, e não por uma terminação como no Latim Clássico Petre, huc veni! (Ó, Pedro, venha cá!) (ILARI, 2018). Essa mudança em relação aos casos pode ser observada no quadro a seguir. Quadro 3: O Latim Vulgar preservou apenas dois casos dos seis presentes no Latim Clássico para a escrita de substantivos, adjetivos e pronomes. Latim Clássico (“senhor”) Caso Singular Plural Nominativo Dominus Domini Vocativo Domine Domini Acusativo Dominum Dominos Genitivo Domini Dominorum Dativo Domino Dominis Ablativo Domino Dominis Latim Vulgar(“senhor”) Caso Singular Plural Nominativo Dominus Domini Acusativo Dominum Dominos Fonte: GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 30. Ainda em relação à sintaxe, no Latim Clássico a ordem mais comum utilizada era determinante – determinado, como algo que conhecemos atualmente por adjetivo e substantivo. Então, era comum a construção: felix homo (feliz homem). Já no Latim Vulgar, a ordem passou a ser mais fixa e mudou para determinado – determinante (substantivo – adjetivo), Língua Portuguesa e Gramática Histórica 17 assim: homo felix (homem feliz), forma que também foi adotada pela Língua Portuguesa (GONÇALVES; BASSO, 2010). Outra mudança significativa é aponta para o uso dos artigos. No Latim Clássico não havia o uso de artigos definidos e indefinidos como os existentes em nossa língua. Já o Latim Vulgar passou a adotar o uso de pronomes demonstrativos com funções próximas a dos artigos. Por exemplo, o pronome ille, illa, illud (“aquele, aquela, aquilo”), passa a cumprir a função de artigo definido “o, a, os, as”. O pronome unus, una, unum, anteriormente numeral, passa a ser usado como artigo indefinido “um, uma, uns, umas” (GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 30). Sobre a morfologia, o Latim Clássico apresentava cinco declinações nominais. Essas declinações lembram o que temos hoje com –a, -o, -e (mala, vaso, cartomante). Veja o quadro a seguir dessas declinações. Quadro 4: Terminações nominais em Latim Clássico Terminação Aplicação Exemplo -a Normalmente indicava o feminino, mas também poderia se relacionar ao masculino Luna (lua – feminino); poeta (poeta – masculino). -o Normalmente masculino, mas indicava alguns neutros e femininos Dominus (senhor – masculino), ficus (figo, figueira – feminino), somnium (sonho – neutro). -i ou consoante final Três gêneros fur (ladrão – masculino) aedis (templo, casa – feminino) nomen (nome – neutro). -u Três gêneros, com neutros mais raros Exercitus (exército – masculino), manus (mão – feminino), cornu (chifre – neutro). -e Fonte: GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 31. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 18 No Latim Vulgar foram preservadas três terminações, mais próximas do que temos atualmente em Língua Portuguesa: palavras do gênero feminino em –a; palavras do gênero masculinos e neutros em –us; comuns (masculinos e femininos) em –e (ILARI, 2018). Ainda em relação à morfologia, outro aspecto importante é a simplificação dos modelos de conjugação verbal. O latim Clássico apresentava cinco modelos: 1ª conjugação com vogal temática “a” – amo, amas, amare (amar); 2ª conjugação com vogal temática “e” – habeo, habes, habere (possuir, ter); 3ª conjugação sem vogal temática – dico, dicis, dicere (dizer); 4ª conjugação com vogal temática “i” – audio, audis, audire (ouvir); 5ª conjugação mista, sem vogal temática mas com conjugação parecida à quarta – capio, capis, capere (tomar, capturar) (ILARI, 2018). No Latim Vulgar, o sistema de conjugação se simplifica para três terminações: -a, -e, e –i. alguns verbos que, por sua irregularidade, não pertenciam a nenhuma terminação, passaram a ser incorporados por uma dessas três terminações. É o caso, por exemplo, de fídere (confiar), de fido, da terceira conjugação, passa a fidáre, da primeira; e de cádere (cair), da terceira conjugação, que passa a cadére, da segunda (ILARI, 2018). Sobre a fonologia, estudiosos e comparatistas avaliaram que, dentre outras características, o Latim Clássico apresentava 10 representações para seu sistema vocálico que incluía, além das vogais átonas e tônicas, as longas e breves (o que influenciava na pronúncia das palavras). Já o Latim Vulgar apresentava apenas 10 representações e excluía as vogais longas e breves (GONÇALVES; BASSO, 2010). No que diz respeito ao léxico, as línguas neolatinas derivam mais diretamente do Latim Vulgar. Por exemplo, a palavra portuguesa para “cavalo” derivou do Latim Vulgar caballus e não do Clássico equus, embora exista, em nossa língua, a palavra “equino” que é derivada do latim Clássico (GONÇALVES; BASSO, 2010). Língua Portuguesa e Gramática Histórica 19 RESUMINDO: Esse breve estudo aponta para as diferenças entre o Latim Clássico e o Vulgar e como essas diferenças e simplificações afetaram a constituição das línguas neolatinas, em especial, a Língua Portuguesa. É possível apontar a influência latina em muitos radicais das palavras da Língua Portuguesa, como em óculo (olho) usado na palavra ocular; agri (campo) utilizada em agricultura e sapo (sabão) na palavra saponáceo. Além disso, muitas expressões utilizadas nas áreas da Biologia e do Direito também apresentam origem latina como homo sapiens (homem sábio) e habeas corpus (corpo livre) (VILAS BOAS; HUNHOFF, 2014). A Língua Portuguesa na Europa Resumidamente, a Língua Portuguesa tem origem na Península Ibérica, região que compreende, atualmente, Portugal e Espanha. Os romanos chegaram à Península Ibérica por volta de 218 a.C. Com a ocupação romana, a península foi dividida em duas regiões – nordeste (Hispania Citerior) e sudeste (Hispania Ulterior). Sob o império de Augusto, aproximadamente em 27 d.C., a região passou por uma nova configuração. A influência exercida pelos romanos nessas regiões aconteceu de forma diferente, por causa da localização geográfica e da distância até Roma. Assim, em algumas regiões, como na Baetica, falava-se o Latim mais conservador enquanto na Terraconensis se desenvolviam inovações típicas do Latim Vulgar (GONÇALVES; BASSO, 2010). Não era incomum, também, que as regiões conquistadas apresentassem situações de bilinguismo e, nessas situações, é natural que o Latim sofresse influência das línguas locais. Os povos vencidos praticavam a língua latina de acordo com seus próprios hábitoslinguísticos de pronúncia e de preferência vocabular, causando, com o tempo, mudanças significativas na língua latina (ILARI, 2018). Língua Portuguesa e Gramática Histórica 20 Durante os séculos V, VI e VII da Era Cristã, a península sofreu várias invasões por povos bárbaros, mas o Latim continuou sendo da língua da cultura naquele local. Assim, os dialetos desses povos pouco contribuíram para o desenvolvimento das línguas românicas (GONÇALVES; BASSO, 2010). Em um período anterior à formação da língua portuguesa propriamente dita, entre os séculos XII e XIV, os moradores da região da Lusitânia utilizavam o que ficou conhecido como galego-português, dialeto usado para a comunicação, bem como para a produção literária, como por exemplo, nas cantigas trovadorescas (VILAS BOAS; HUNHOFF, 2014). DEFINIÇÃO: As Cantigas Trovadorescas eram poemas cantados produzidos pelos trovadores. Essas cantigas assumiam a forma de cantiga de amor, de amigo ou de cantigas satíricas. Uma das mais conhecidas coletâneas dessas cantigas é o Cancioneiro da Ajuda, datado do final do século XIII. Nesse cancioneiro, todas as cantigas são de amor. As características morfológicas do galego-português são semelhantes às do Latim Vulgar: a declinação nominal latina acaba por desaparecer e são preservadas apenas as formas de singular e plural nos substantivos derivadas do acusativo latino. Os gêneros são reduzidos a dois (masculino e feminino) e o gênero neutro deixa de existir. Além disso, ocorre a perda das declinações e as preposições marcam as funções sintáticas dos antigos casos do genitivo, ablativo e dativo. A ordem das composições das orações passa a ser mais rígida (GONÇALVES; BASSO, 2010). A separação entre o galego (desenvolvido na região da Galícia, Espanha) e o português, como duas línguas distintas, foi ganhando espaço e se firmando a partir da independência de Portugal, em 1185. Com a expulsão dos mouros (povos árabes) da Península e com a derrota dos castelhanos, a Língua Portuguesa foi ganhando status de língua oficial em Portugal (VILAS BOAS; HUNHOFF, 2014). Língua Portuguesa e Gramática Histórica 21 Gramática Histórica: Formação Linguística Do Brasil A chegada da Língua Portuguesa ao Brasil A Língua Portuguesa chega ao Brasil com a vinda dos portugueses para nosso território em 1500. A carta de Pero Vaz de Caminha, escrita ao rei de Portugal, dá uma ideia do tipo de Língua Portuguesa que era utilizada à época. Observe um trecho dessa carta e sua tradução para a Língua Portuguesa atual. Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha original afeiçam deles he seerem pardos maneira dauerme lhados de boõs rrostros e boos narizes bem feitos. / am dam nuus sem nenhuu[m]a cubertura. nem estimam n huu[m]a coussa cobrir nem mostrar suas vergonhas. e estam açerqua disso com tamta jnocemçia como teem em mostrar orrostro. [...] os cabelos seus sam coredios e andauã trosqujados de trosquya alta mais que de sobre pemtem deboa gramdura e rrapados ataa per cjma das orelhas. e huu[m] deles trazia per baixo da solapa de fonte afonte pera detras huu[m]a maneira de cabeleira de penas daue ama rela que seria decompridam dhuu[m] couto. muy basta e muy çarada que lhe cobria otoutuço eas ore lhas. aqual amdaua pegada nos cabelos pena e pena com huu[m]a comfeiçam branda coma cera e nõ no era. demaneira que amdaua acabeleira muy rredomda e muy basta e muy jgual que nõ fazia mjngoa mais lauajem peraa leuantar. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 22 Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha traduzida A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. [...] Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar. Fonte: GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 120, 122. VOCÊ SABIA? Pero Vaz de Caminha escreveu sua carta para relatar ao rei D. Manuel o que a esquadra de Pedro Álvares Cabral havia encontrado em terras brasileiras. Embora a carta tenha ficado conhecida como a certidão de nascimento do Brasil, ela só foi publicada no século XIX, pois a Coroa Portuguesa mantinha em segredo as informações sobre suas descobertas. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 23 Então, a carta preserva as características de um português mais antigo, como, por exemplo, a utilização de “u” por “v”, o que pode indicar que a pronúncia de “v” ainda não estava solidificada (GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 123). Em comparação, o português praticado por Camões em Os Lusíadas (1572) é de mais fácil entendimento para nós, pois seguia um padrão forçado pela mídia impressa. Veja como exemplo um trecho da obra de Camões: As armas, & os barões assinalados, Que da Ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos, & guerras esforçados Mais do que prometia a força humana. E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando, E aqueles que por obras valerosas Se vão da lei da Morte libertando, Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte Fonte: GONÇALVES; BASSO, 2010, p. 123. De todo modo, a Língua Portuguesa que chegou ao Brasil foi mais próxima àquela expressa por Caminha em sua carta. A partir de 1532, porém, é que a Língua Portuguesa terá sua entrada efetiva em terras brasileiras com a implantação das capitanias hereditárias. Outro fator que contribuiu para a presença da Língua Portuguesa por aqui foi o trabalho de catequização realizado pelos padres jesuítas, iniciado em 1549 (VILAS BOAS; HUNHOFF, 2014). Língua Portuguesa e Gramática Histórica 24 Além disso, movimentos de expansão territorial foram encabeçados pelos bandeirantes a partir do século XVIII, o que contribuiu para a colonização de regiões mais distantes no interior do território, como Minas Gerais, Mato Grosso e das terras da região sul, e também para a difusão da língua portuguesa em contato com as outras línguas que existiam por aqui (ILARI, 2018). Essa relação da Língua Portuguesa com outras línguas é o que veremos no item a seguir. A Língua Portuguesa no Brasil e o contato com outras línguas O contato dos colonos portugueses e dos padres jesuítas com os moradores locais se deu em um ambiente em que havia mais de 1000 línguas indígenas diferentes. Dada essa grande diversidade linguística, os portugueses usaram o que ficou conhecido como “línguas gerais”. Essas línguas eram usadas em situações específicas como no comércio (GONÇALVES; BASSO, 2010). No Brasil, havia duas línguas gerais: a língua geral paulista, utilizada na parte sul do país, e a língua nheengatu, utilizada no norte do Brasil. A primeira tinha como base a língua falada pelos índios tupinambás e era utilizada pelos bandeirantes a partir do século XVII. Já a segunda, também com base em línguas do tronco tupi, era utilizada pelos jesuítas para a catequese e na relação dos portugueses com os moradores do norte do país (GONÇALVES; BASSO, 2010). Da primeira, não restaram registros, mas a segunda ainda é utilizada em regiões específicas do Amazonas. Essas línguas gerais deixaram de existirprincipalmente por medidas adotadas pelo governo português, como a obrigação do ensino da Língua Portuguesa e a medida adotada a partir do decreto do Marquês de Pombal de punição para aqueles que falassem outra língua que não a portuguesa (GONÇALVES; BASSO, 2010). Além das línguas indígenas que serviram de base para as línguas gerais no Brasil, as línguas africanas também deram sua contribuição para a formação linguística do Brasil. O tráfico negreiro se inicia em 1559 e, por força de sua atuação, foram trazidos para cá falantes de diferentes Língua Portuguesa e Gramática Histórica 25 línguas africanas, como ewe, iorubá (tronco kwa), quicongo, quimbundo, umbundo (tronco bantu), mandinga, hauçá (tronco mande), além do árabe, falado por africanos muçulmanos (GONÇALVES; BASSO, 2010). Foram trazidos cerca de 18 milhões de africanos para o Brasil (ILARI, 2018). Segundo Rodolfo Ilari (2018), um “dialeto das senzalas” originou-se a partir do século XVII a partir da mistura entre negros e índios provocada pelos portugueses para evitar as revoltas. Esse dialeto teria sucedido outro, o “dialeto português rural”, com o processo de aportuguesamento dos africanos e com a respectiva entrada de africanismos no português. EXEMPLO: o dialeto é considerado um conjunto de marcas linguísticas (como marcas fonéticas e lexicais) que identificam um grupo de falantes dentro de um grupo maior que fala uma determinada língua. É o que acontece, por exemplo, com o dialeto “caipira” interpretado pela fala do personagem Chico Bento nas histórias em quadrinhos da Turma da Mônica. • Em relação ao desenvolvimento da Língua Portuguesa no Brasil, podemos considerar três fases históricas (ILARI, 2018): • ●1533 a 1654 – situação de bilinguismo, a maior parte da população concentra-se na Bahia e em Pernambuco e fala, predominantemente, a língua geral; • 1654 a 1808 – as línguas gerais perdem força limitando-se ao interior e aos povoamentos jesuíticos, já na costa dissemina-se o português; • A partir de 1808 – o português difunde-se pelo interior com a chegada de cerca de 18 mil portugueses vindos de terras lusitanas fugidos das mãos do imperador francês Napoleão Bonaparte O contato entre a língua portuguesa trazida pelos europeus ao Brasil com as línguas indígenas e africanas certamente causaram impactos na língua que falamos na Língua Portuguesa que praticamos no Brasil, tanto de forma escrita como de forma falada. Essas modificações foram sendo causadas ao longo do tempo, como veremos no item a seguir. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 26 Fases de desenvolvimento da Língua Portuguesa no Brasil As mudanças ocorridas na Língua Portuguesa ocorreram desde a presença mais marcante dos portugueses em território nacional a partir de meados do século XVI. Os autores Gonçalves e Basso (2010) apresentam uma periodização do desenvolvimento da Língua Portuguesa no Brasil que abrange os anos de 1550 a 1950, já no século XX. O quadro a seguir apresenta as principais características dessa periodização. Quadro 5: dos períodos do desenvolvimento da Língua Portuguesa no Brasil Período Fase Característica Exemplos 1500 – 1550 Inicial Enriquecimento do léxico da língua, com a absorção de muitas palavras indígenas Biju, cipó, mandioca, tucano, jacaré. 1550 – 1700 Formativa Inicia-se a diferenciação entre o português falado em Portugal e no Brasil No português brasileiro, as vogais pretônicas “e” e “o” são substituídas, na fala, por “i” (‘minino’) e por “u” (‘durmir’). 1700 – 1800 Diferenciadora Acentuação das diferenças entre o português europeu e o brasileiro Queda do “l” final, como em Portugal – “Portugá”; e falta de concordância entre substantivo e seus determinante, como em “os menino” e “muitas flor”. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 27 1800 – 1950 Desenvolvimento do ensino e da escrita Implantação de políticas de ensino no Brasil A característica do português europeu que permaneceu na fala dos brasileiros, cuja vinda Corte para o país contribuiu, é o som chiante, presente na fala dos cariocas, por exemplo. 1950 – até o presente Nivelamento Homogeneização da Língua Portu- guesa produzida em território nacional por meio dos veículos de comunicação A padronização foi estimulada pelos meios de comunicação, principalmente o rádio e a TV, já que pessoas em qualquer parte do território poderiam ter acesso a esses meios de comunicação. Fonte: GONÇALVES; BASSO, 2010. NOTA: A partir das observações do quadro e dos estudos que fizemos a respeito do contato da Língua Portuguesa com as indígenas e africanas, é possível observar que o português falado e escrito no Brasil ganhou características diferentes do português europeu. Esse mesmo contato com diversas línguas contribuiu para a formação do léxico do português brasileiro. É o que estudaremos no próximo tópico. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 28 Constituição do Léxico Português A influência indígena Como vimos, os portugueses, ao chegarem ao Brasil, encontraram uma terra povoada por diversas etnias indígenas e um grande número de línguas. Do contato dos portugueses com os indígenas, além da formação da língua geral, usada para comunicação, catequização e comércio, outra contribuição importante foi para a constituição do léxico do português brasileiro. O léxico é o conjunto de palavras que formam o vocabulário de uma determinada língua. Para começarmos nossos estudos sobre o assunto, inicialmente daremos atenção à contribuição que os indígenas deram para a formação de nosso léxico. IMPORTANTE: É importante destacar, porém, que muitos pesquisadores afirmam que as línguas indígenas, assim como as africanas, pouco contribuíram para a formação do português brasileiro para além das contribuições lexicais. As diferenças entre a fala de brasileiros e portugueses sempre foram constatadas em diversos períodos na história, como o caso da repetição da negação (“Não sei não”), uso dos pronomes “ele” e “ela” como objeto direto (”Você viu ela?”) e quebra dos encontros consonantais (“adivogado” para “advogado”) (GONÇALVES; BASSO, 2010). Nesse caso, estando corretos esses estudos que ainda precisam ser aprofundados, a contribuição indígena para o português do Brasil se relaciona à formação do léxico, principalmente de palavras que servem para nomear animais, plantas, rios e lugares até então desconhecidos pelos colonizadores portugueses que poderiam adotar esses nomes como meio de identificação necessária àquilo que estavam tomando contato pela primeira vez. Muitas regiões brasileiras são identificadas com nomes de origem indígena como Goiás, Curitiba, Paraíba, Pernambuco e Sergipe. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 29 Além da influência indígena para a constituição do léxico do português brasileiro, também tivemos as contribuições das línguas africanas. É o que estudaremos no próximo item. A influência africana As línguas africanas chegaram ao Brasil com a vinda dos escravos a partir de 1559. Grande número de africanos foi trazido ao Brasil de diversas regiões da África e com isso, muitas línguas faladas por eles chegaram ao território brasileiro. Segundo Ilari (2018), as palavras de origem banto se relacionam a diversas categorias, como cacunda, caçula, fubá, angu, jiló, carinho, quiabo, dengo, samba. Já as palavras de origem do oeste africano se relacionam mais diretamente à liturgia do candomblé. Atualmente, podemos reconhecer a influência africana em nosso vocabulário em diferentes aspectos, tais como na fauna, na flora, na alimentação, em usos e costumes, na recreação, em ornamentos, entre outros casos. Porém, é indiscutível, também, a contribuição que os africanos deram à cultura brasileira em relação à culinária, à música, à religião eà literatura. Influência latina e grega O português brasileiro não sofreu influências apenas das línguas indígenas e africanas na constituição de seu léxico. O Latim e o Grego que estão na base da formação do português desde a Europa podem ser encontrados na variante que utilizamos no Brasil. DEFINIÇÃO: Na formação de palavras são utilizados afixos que podem ser sufixos ou prefixos. Os prefixos são adicionais na parte anterior ao radical (parte fixa, “dura” da palavra que não se modifica). Por exemplo: o prefixo des adicionado à “ilusão” forma “desilusão”. Já o sufixo é adicionado à parte posterior da palavra. Assim, o sufixo mente adicionado à “grande” forma “grandemente”. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 30 EXEMPLO: É o caso dos prefixos latinos mais comuns em nossa língua. Veja alguns exemplos no quadro a seguir: Quadro 6: de prefixos latinos comuns em Língua Portuguesa Prefixo Significado Exemplo Ambi Duplicidade Ambidestro, ambiguidade Bis, bi, bin Dois, duplicidade Bisneto, bienal, binóculo Circum, circu Em roda de Circunferência, circulação De, des Movimento para baixo Decompor, descair De Negação Desventura, destravar Extra Fora de Extradição, extralegal Inter, enter Posição no meio Intercâmbio, entreter Intro Dentro Introduzir Pluri Muito Pluricelular Retro Para trás Retroceder, retroagir Semi Metade Semicírculo, semivogal Fonte: BECHARA, 2015, p. 366-367. Os prefixos, como podemos observar no quadro, apresentam significado e, quando associados a um radical, podem mudar o sentido de uma palavra. É o caso, por exemplo, do prefixo latino in- que, se associado à palavra feliz, dá a ela o sentido contrário: infeliz. Esse e outros processos de formação de palavras serão estudados no tópico seguinte. Além dos prefixos latinos, também os gregos são comuns em Língua Portuguesa. Apresentamos alguns exemplos no quadro a seguir: Quadro 7: de prefixos gregos comuns em Língua Portuguesa Prefixo Significado Exemplo A, an Privação, negação Amoral, anônimo Arqui, arce Superioridade hierárquica Arquiduque, arquimilionário Língua Portuguesa e Gramática Histórica 31 Di Duplicidade, intensidade Dissílabo, ditongo Ex, exo Para fora Êxodo, exógeno Hemi Metade Hemisfério Metá Mudança, sucessão Metamorfose, metáfora Perí Em torno de Perímetro, período Proto Início, começo Proto-história, protótipo Poli Multiplicidade Polissílabo, politeísmo Tele Distância, afastamento Telégrafo, telepatia Semi Metade Semicírculo, semivogal Fonte: BECHARA, 2015, p. 368-369. Alguns prefixos latinos coincidem, em significado, com os gregos. É o caso, por exemplo, dos prefixos de negação des, in (latinos) – desleal, infeliz; e a, an (gregos) – amoral, anemia. A formação de palavras com os prefixos gregos segue o mesmo procedimento de afixação a radicais que acontece com os radicais latinos. A seguir, vamos estudar processos de formação de palavras em Língua Portuguesa. Processos de formação de palavras – composição e derivação Conhecemos alguns prefixos latinos e gregos no item anterior. Os processos de formação de palavras envolvem o uso de prefixos e sufixos, e ocorrem, basicamente, de duas maneiras: por meio de derivação e de composição. A derivação é um processo pelo qual as palavras são formadas a partir de colocação de afixos nas palavras primitivas (BECHARA, 2015). Esse tipo de formação de palavras pode ocorrer de quatro maneiras diferentes. Veja no quadro a seguir: Língua Portuguesa e Gramática Histórica 32 Quadro 8: Tipos de derivação – processos de formação de palavras Processo Definição Exemplos Derivação prefixal Colocação de um prefixo antes do radical Prever, reter, infeliz, destravar Derivação sufixal Colocação de um sufixo após o radical Felizmente, travamento, livrinho Derivação sufixal e prefixal Colocação de um prefixo e um sufixo no mesmo radical Infelizmente, deslealdade, Derivação parassintética A mesma ação do processo anterior, porém, quando um dos afixos é retirado, a palavra deixa de existir. Emudecer, desalmado. Hemi Metade Hemisfério Fonte: BECHARA, 2015. Além desses processos, temos também o processo de composição. Na composição, a criação de uma palavra nova consiste na relação entre dois radicais (BECHARA, 2015). Esse processo pode acontecer por meio da junção de palavras justapostas, isto é, que não sofrem transformações, como por exemplo, o substantivo “girassol”, ou ainda, por meio da aglutinação, que consiste em modificar pelo menos uma das partes, como no caso do substantivo “planalto” (plano+alto). Esses são alguns dos processos que servem para a formação do léxico em Língua Portuguesa. Mas ainda resta um elemento a ser considerado: a influência constante que outras línguas exercem no português. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 33 ACESSE: Para obter mais informações e exemplos sobre os processos de formação de palavras, consulte o site educativo “Só Português”. No site, além de ter acesso à teoria, é possível fazer exercícios sobre o tema escolhido. Disponível em: https://bit.ly/3e3nLmm. Acesso em: 18 jan. 2019. Formação lexical – movimento constante nas línguas Sabe-se que a formação da Língua Portuguesa, tanto em Portugal como no Brasil, aconteceu a partir do contato de diversas línguas entre si. Esse primeiro contato foi promovido pelas conquistas do Império Romano que levou o Latim para diversas regiões e, assim, exerceu e sofreu influência de diversas línguas. Chegando ao Brasil, a Língua Portuguesa trazida pelos europeus logo entrou em contato com as línguas indígenas e africanas que contribuíram para a formação lexical do português brasileiro. Ainda outras línguas contribuíram para a formação de nosso léxico como o francês (batom, bijuteria, abajur) e o árabe (almôndega, álcool, alface). Atualmente, podemos dizer que ainda existem influências de outras línguas sobre o português? As línguas não são sistemas neutros e isolados, mas estão relacionadas a fatores sociais, culturais e políticos (TORELLI; FELICIO; CÂMARA, 2012). Língua Portuguesa e Gramática Histórica https://bit.ly/3e3nLmm 34 IMPORTANTE: Pense um pouco sobre o vocabulário relacionado à informática. Em sua maioria, essas palavras são provenientes da Língua Inglesa e, aos poucos, foram introduzidas em nosso cotidiano. Palavras como hardware, software, pendrive, e-mail, dentre outras só passaram a fazer parte de nosso léxico a partir do momento em que a informática se tornou mais comum em nossas vidas. Isso indica uma influência cultural na Língua Portuguesa e que, além, disso, é preciso que o usuário de informática tenha ao menos conhecimentos mínimos sobre esses termos (TORELLI; FELICIO; CÂMARA, 2012). Esse é o resultado do contato existente entre o Brasil e os países de Língua Inglesa, dentre eles Estados Unidos da América e Inglaterra (TORELLI; FELICIO; CÂMARA, 2012). Isso prova que a língua é viva e passa por constantes modificações, não só de acréscimo de palavras, como também de descarte de palavras antigas, renovação das gírias, mudança de estruturas sintáticas, dentre outros fenômenos. Além disso, ainda existem as diferenças regionais em nosso país de tão vasto território e as diferenças entre as camadas sociais mais e menos privilegiadas. Estudar como se forma uma língua é ter em mente sua constante evolução e reconhecer, também, que não existe uma forma “mais pura” ou “correta” de utilização da língua, mas sim, diferentes usos e registros. O mesmo acontece com a Língua Portuguesa. Que tenhamos, então, a mente aberta e os olhos bem atentos às constantes modificações da nossa “inculta e bela” Língua Portuguesa! Língua Portuguesa e Gramática Histórica 35 SAIBA MAIS: Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: SOUZA, M. S.; OLIVEIRA, J. M.; ARAÚJO, S. S. F. O contato entre línguas na constituiçãoda realidade sócio-histórica do português brasileiro: aspectos para um estudo sociolinguístico. A cor das letras, Feira de Santana, v. 19, n. Especial Dossiê: VII Encontro de Sociolinguística, p.12-22, mar. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2HyQxzK. Acesso em: 17 jan. 2019. Língua Portuguesa e Gramática Histórica https://bit.ly/2HyQxzK 36 Gramáticas Linguísticas A gramática envolve os estudos das leis que regem uma língua. Os estudos gramaticais, porém, podem ser feitos de diferentes pontos de vista e essa diferença acontece pela mudança no objeto de estudo. Sendo assim, vamos analisar, a partir de agora, quatro tipos diferentes de gramática para compreender como são feitos os estudos nessas áreas específicas. O que é gramática? A palavra gramática significa as leis que regem uma língua, ou ainda, as regras da linguagem (PRIBERAM, 2018). Essas regras, no geral estão associadas à forma escrita da língua, aquela que tem mais prestígio e costuma receber mais destaque nas aulas de Língua Portuguesa. Essa coletânea de regras, também chamada de gramática tradicional, assume, desde sua origem, um aspecto normativo em relação à língua. A gramática apresenta as normas daquela língua considerada padrão, correta segundo a tradição gramatical. Petter (2014) afirma que mesmo as gramáticas antigas como as do árabe, grego e latim prescreviam o uso correto da língua e, por isso, possuíam um caráter pedagógico. Essa tendência continua até os dias atuais e tem por objetivo “[...] desenvolver e fortalecer uma língua padrão [...]” (PETTER, 2014, p. 19); ou seja, um modelo daquilo que é considerado o correto, segundo as regras gramaticais. Os estudos gramaticais envolvem aspectos como fonética e fonologia, sistema gráfico, morfossintaxe e lexicografia. Estudaremos cada um desses itens a partir do tópico a seguir. Gramática normativa e descritiva A gramática normativa está diretamente relacionada com as normas que regem uma língua. Essas normas, no entanto, são aquelas específicas da língua escrita que seguem um padrão diferente da língua Língua Portuguesa e Gramática Histórica 37 falada. Saussure (2012, p. 35) indicou que “A língua tem, pois, uma tradição oral independente da escrita e bem diversamente fixa [...]”. A educação escolar privilegia a gramática normativa e, na maioria das vezes, considera a forma escrita como o modelo daquilo que seria o correto para a fala. Nos estudos da gramática normativa cabe ao gramático indicar como deve ser a língua, quais normas ou regras devem ser seguidas na escrita e, consequentemente na fala, de modo que o uso correto da língua fique claro. Diferente da normativa, a gramática descritiva explica os fenômenos da língua. Nesse caso, a gramática não explica o que é certo ou que é errado, mas “[...] descreve seu objeto como ele é, não especula nem faz afirmações sobre como a língua deveria ser.” (PETTER, 2014, p. 21). Para a gramática descritiva o que vale é descrever as regularidades que sustentam uma determinada língua. ACESSE: Um estudo bem interessante sobre a gramática do português falado no Brasil foi realizado pelo professor Ataliba T. de Castilho. Assista ao vídeo do professor descrevendo algumas particularidades existentes na língua falada no Brasil Disponível em: https://bit.ly/3jA5IW7. Acesso em: 12 jan. 2019. A gramática descritiva aponta os fenômenos de uma determinada língua – como nesse caso em que é comum para o brasileiro iniciar uma sentença com pronome átono. Perceba que essa análise não indica o que está certo ou errado, mas o que acontece no registro linguístico dos brasileiros. E assim se dá a análise feita pela gramática descritiva. Gramática comparada e gramática histórica Na gramática comparada o objetivo é realizar um “[...] estudo comparado de língua pertencentes a um tronco ou ‘família’ procedente de Língua Portuguesa e Gramática Histórica https://bit.ly/3jA5IW7 38 uma fonte comum primitiva, com vista a estabelecer os fatos manifestados pela relação de “parentesco.’” (BECHARA, 2015, p. 55-56) Esses estudos comparativos entre as línguas da mesma família envolvem as mudanças diacrônicas que acontecem nas línguas. O que são essas mudanças diacrônicas? DEFINIÇÃO: Além do conceito de diacronia, outro conceito importante para os estudos da língua é a sincronia. “Diacronia, do grego dia “através” e chrónos tempo, quer dizer “através do tempo”, e sincronia, do grego syn “juntamente” e chrónos “tempo”, significa “ao mesmo tempo.” (PIETROFORTE, 2014, p. 79). Enquanto a diacronia se ocupa das mudanças ocorridas na língua através do tempo, a sincronia estuda os fenômenos da língua são estudados dentro de um determinado período de tempo. A diacronia envolve “[...] a língua através do tempo, isto é, no estudo histórico as estruturas de um sistema como história da língua.” (BECHARA, 2015, p. 40). Esses estudos são realizados a partir da observação de algumas palavras utilizadas em língua diferentes. Dessa forma: Quadro 9: Palavras de língua neolatinas que mostram a origem comum das línguas europeias como português, espanhol, francês e italiano: Português Espanhol Francês Italiano Pai Padre Père Padre Fonte: PIETROFORTE, 2014, p. 78. Assim, “[...] pelo trabalho comparativo é possível reconstruir o percurso histórico das línguas, ou seja, é possível determinar como uma língua muda através dos do tempo, transformando-se em outras línguas.” (PIETROFORTE, 2014, p. 78). A gramática comparativa e seus estudos linguísticos eram mais comuns à época do linguista Ferdinand Saussure, por volta do final do século XIX e meados do século XX. O objetivo desses estudos era “[...] Língua Portuguesa e Gramática Histórica 39 comparar as línguas para organizá-las em grupos e reconstruir as línguas de que os grupos se originavam.” (PIETROFORTE, 2014, p. 79). Ainda hoje esses estudos dão base para as pesquisas gramaticais e linguísticas. Por fim, a gramática histórica que pode ser definida como “[...] o estudo diacrônico de um só sistema idealmente homogêneo.” (BECHARA, 2015, p. 56). A gramática histórica busca compreender, portanto, as mudanças ocorridas com o passar do tempo nos fenômenos linguísticos de uma determinada língua. Isso acontece porque todas as línguas estão em constante mudança. É o que afirma Azeredo (2008, p. 61 apud SILVA, 2013, p. 142): A mudança na língua é causada por fatores diversos, mas é certo que nenhum deles opera independentemente e que, para que atuem e produzam seus efeitos, é indispensável uma condição: que a língua esteja em uso e integrada no cotidiano dos que a falam. Uma língua não muda ‘de vez em quando’, mas continuamente. REFLITA: Portanto, a gramática histórica, além de identificar as mudanças pelas quais passa uma língua, indica, também, que essas mudanças ocorrem em todas as línguas e que esse fenômeno não as empobrece ou as descaracteriza, mas causa alterações em seus registros, tanto na escrita quanto na fala. Planos de estruturação da língua Toda língua apresenta uma estrutura básica, mas antes de conhecer essa estrutura, como podemos definir o conceito de língua? Para responder a essa questão, o linguista suíço Ferdinand Saussure (2012) discute as diferenças existentes entre língua e linguagem. Para ele, a língua é uma manifestação da linguagem. Se a linguagem envolve a capacidade humana de comunicação, seja por meio da fala, da escrita, do gesto ou da imagem; a língua é “[...] um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias adotadas pelo Língua Portuguesa e Gramática Histórica 40 corpo social para permitir o exercício dessa faculdade dos indivíduos.” (SAUSSURE, 2012, p. 17). A língua também pode ser entendida como um “[...] instrumento criado e fornecido pela coletividade.” (p. 18). Em outras palavras, a língua é uma criação social que permite que o homem se comunique pormeio da fala e da escrita. Segundo Saussure, a comunhão existente entre os falantes da mesma língua acontece porque há um “[...] tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro, [...] e só na massa ela existe de modo completo.” (2012, p. 21). EXEMPLO: mandioca, macaxeira ou aipim? Dependendo da região do Brasil em que uma pessoa se encontra, um desses nomes será utilizado para identificar o mesmo alimento. Entre os indivíduos que fazem parte da comunidade que utiliza o nome macaxeira, por exemplo, essa palavra não causa nenhum estranhamento, considerando que faz parte da língua portuguesa e é conhecida por todos naquela região. Mas a língua, como fenômeno social, apresenta uma estruturação que permite que os indivíduos a conheçam e a pratiquem em suas relações sociais. Nessa estrutura, podemos identificar o sistema, a norma e a fala. Estudaremos cada um dos itens a seguir. Sistema Para Saussure, a língua é entendida como um sistema de signos linguísticos, “[...] um conjunto de unidades que se relacionam organizadamente dentro de um todo.” (PETTER, 2014, p. 15). O que é um signo linguístico? Para entendermos esse conceito vamos partir do ponto do que o signo não é. Saussure (2012, p. 80) identifica que o signo “[...] une não uma coisa e uma palavra [...]”. Assim, dizer que “cavalo” corresponde ao próprio animal em si é uma compreensão equivocada do que é um signo linguístico. Então, o que é, de fato, um signo linguístico? Para Saussure (2012, p. 80), signo “[...] é a união de um conceito e uma imagem acústica.” Signo é, Língua Portuguesa e Gramática Histórica 41 então, uma relação estabelecida entre um significante (imagem acústica) e um significado (conceito). Figura 2: Definição de signo linguístico para Saussure: relação entre conceito (significado) e imagem acústica (significante). Fonte: SAUSSURE, 2012, p. 80. Cada língua é um sistema de signos, pois em cada uma delas há diferentes significantes para expressar um determinado significado, ou conceito. Nesse caso, para o significado de cavalo que, na língua portuguesa temos o significante “cavalo”, em outras línguas temos outros significantes, como horse (inglês); cheval (francês); pferd (alemão) ou konj (croata). Esse sistema seria a parte social da língua, dominada pelos indivíduos em razão de suas interações sociais. Também por isso, esse sistema é exterior ao falante, pois um indivíduo não pode alterar os signos que já foram definidos pela sociedade (PETTER, 2014). Essa observação nos leva a outro conceito importante sobre o signo linguístico. É o que Saussure (2012, p. 81) chama de “arbitrariedade do signo”. O signo é arbitrário porque é cultural, aceito por uma determinada comunidade em que uma língua é praticada. Um signo não estabelece, necessariamente, uma relação entre som e sentido, o que prova isso é a existência de inúmeras formas escritas, nas diferentes línguas, para o mesmo conceito, conforme verificamos acima, com o exemplo do “cavalo” (FIORIN, 2014). Assim, o sistema de cada língua é uma convenção social que os indivíduos aprendem a partir das relações que estabelecem com outros indivíduos na vida em sociedade. O sistema linguístico é formado por signos que são unidades que estabelecem relação entre significante (imagem acústica) e significado Língua Portuguesa e Gramática Histórica 42 (conceito). Os signos são arbitrários porque não podem ser modificados por indivíduos, pois são estabelecidos histórica e socialmente. Fala A fala é a capacidade de expressão verbal de um indivíduo, certo? Além disso, Saussure (2012, p. 19) define a fala (parole) como “ato individual”. A fala, nesse sentido, não seria um fenômeno de massa, da coletividade, mas da pessoa em particular. Saussure (2012) estabelece o que ficou conhecido como dicotomia língua (langue) / fala (parole). Para o linguista, langue, ou língua, é a criação social, o sistema de símbolos, que serve à comunicação. Já parole, ou fala, é a manifestação individual da língua, a produção de cada pessoa para sua comunicação particular. Por outro lado, é possível observar na fala características que não são apenas particulares, mas estão relacionadas, também, às características sociais. “Os diferentes sotaques, o uso de vocabulários próprios de alguns grupos sociais [...] caracterizam modos de realização linguística que não são próprios nem de um só indivíduo nem de todos os falantes de uma língua.” (PIETROFORTE, 2014, p. 92). Assim, a fala pode, ao mesmo tempo, representar as características particulares de uma pessoa, mas também indicam as características de uma determinada comunidade, o que implica a interação social entre os falantes. Isso indica as “[...] variantes linguísticas de uma mesma língua.” (PIETROFORTE, 2014, p. 92). Ou seja, em uma mesma língua, a fala pode indicar diferentes formas de expressão, tanto individual como coletiva; e essas diferenças formam a variação dentro de uma mesma língua. Língua Portuguesa e Gramática Histórica 43 SAIBA MAIS: Quer se aprofundar ainda mais sobre este tema? Recomendamos o acesso à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: Obra “História concisa da Língua Portuguesa”, de autoria de Renato Miguel Basso e Rodrigo Tadeu Gonçalves. Disponível em: https://bit.ly/2HHKJU2. Boa leitura! Língua Portuguesa e Gramática Histórica https://bit.ly/2HHKJU2 44 REFERÊNCIAS ANDRADE, O. Poesias reunidas. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 38. ed. São Paulo: Nova Fronteira, 2015. BELINE, R. A variação linguística. In: FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2014. CARNEIRO, J. R. D; VALE, M. J. Q.; MIRANDA, A. L. A. 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