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Aula 01 Introdução aos processos cognitivos Cláudia M. C. Dias Processos Cognitivos e Aprendizagem Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Diretora Editorial ANDRÉA CÉSAR PEDROSA Projeto Gráfico MANUELA CÉSAR ARRUDA Autor EDUARDO NASCIMENTO DE ARRUDA Desenvolvedor CAIO BENTO GOMES DOS SANTOS Olá. Meu nome é Cláudia M. C. Dias. Sou formada em Pedagogia, Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Alicante. Experiência como psicopedagoga e docente a mais de 29 anos. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! Autora CLÁUDIA M. C. DIAS INTRODUÇÃO: para o início do desenvolvimen- to de uma nova competência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser prioriza- das para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e inda- gações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofun- damento do seu conhecimento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últimas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma ativi- dade de autoapren- dizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; Iconográficos Olá. Meu nome é Manuela César de Arruda. Sou a responsável pelo pro- jeto gráfico de seu material. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: SUMÁRIO Linguagem e cognição 10 Uma breve história da Psicologia Cognitiva 10 Conceito de Cognição 14 A psicologia Cognitiva 15 Processamento cognitivo e os sistemas de informação 17 Modelos de processamento da Informação: A memória 18 Linguagem e a fundamentação teórica sobre o desenvolvimento cognitivo 22 O processo de aprendizagem sob o foco cognitivo 26 A educação como perspectiva cognitiva 27 Como se define a perspectiva cognitiva 30 Pressupostos básicos da perspectiva cognitiva 30 Educação, ciência cognitiva e aprendizagem 31 Conceitos de problemas de aprendizagem, avaliação e intervenção 32 Dificuldades ou problemas de aprendizagem 33 Definição de problemas de aprendizagem 36 Definição de dificuldades de aprendizagem 38 Avaliação 42 Intervenção 44 Aspectos psicossociais e cognitivos 48 O conhecimento 49 Conhecimento declarativo 52 Conhecimento procedimental 52 Conhecimento condicional 55 A teoria dos esquemas 56 Pensamento 57 Interação social 59 Processos Cognitivos e Aprendizagem 7 UNIDADE 01 INTRODUÇÃO AOS PROCESSOS COGNITIVOS Processos Cognitivos e Aprendizagem8 Você sabia que a Psicologia se definiu como ciência empírica no final do século XIX? Sabia que muitos dos psicólogos neste período eram psicólogos cognitivos? Isso mesmo, muitos psicólogos no final do século XIX foram considerados psicólogos cognitivos porque queriam estudar os processos mentais. Enquanto Wundt realizava estudos sobre a consciência, Freud buscava estratégias para compreender o inconsciente. Nesta época, o método mais utilizado era o da introspecção ou a auto-observação. William James (1842 -1910) determinou a psicologia como “A Ciência da Vida Mental” (GAGNÉ, 1985, p.40). Assim, a psicologia era vista como o estudo das experiências mentais, por exemplo: o pensamento, os sentimentos, as sensações e tudo o que envolvia a mente humana. Depois disso, a psicologia mergulha em um período de afirmação como ciência positivista e concentra seus estudos sobre a conduta humana, utilizando de método empírico. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! INTRODUÇÃO Processos Cognitivos e Aprendizagem 9 Olá! Seja bem-vindo à Unidade 1, o objetivo desta unidade é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Compreender o contexto histórico dos processos da linguagem e cognição, e em que período da história se configuram as pesquisas sobre a psicologia cognitiva. 2. Aplicar os conhecimentos sobre a psicologia cognitiva e o processo de aprendizagem, observando as perspectivas teóricas sobre o desenvolvimento da mente humana. 3. Identificar os problemas de aprendizagem, avaliação e intervenção para estabelecer propostas em um contexto profissional. 4. Compreender os aspectos do pensamento humano que intervêm na dinâmica educacional. Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! OBJETIVOS Processos Cognitivos e Aprendizagem10 Linguagem e cognição INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender como a psicologia cognitiva influenciou os estudos sobre o pensamento e a linguagem. Isso será fundamental para o exercício de sua profissão. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!. Uma breve história da Psicologia Cognitiva Primeiro, para estudar os processos cognitivos, uma de nossas intenções é trazer uma revisão do contexto histórico da psicologia cognitiva para você. Isso porque, antes de tudo, reconhecemos que a psicologia, como ciência empírica, coloca seus primeiros tijolos a partir dos estudos de William James (foto na figura 1). Este autor e cientista tornou-se o mais influente na história da psicologia, com sua famosa obra Princípios da Psicologia (1890). Figura 1: William James (1842-1910). Fonte: Wikipédia. Processos Cognitivos e Aprendizagem 11 Verificamos que, neste mesmo período, Wilhelm M. Wundt (figura 2) desenvolveu o primeiro laboratório de psicologia experimental, que priorizava o estudo dos elementos da consciência. Por outro lado, Freud (figura 3), dedicou-se a compreender como funcionava o inconsciente. No entanto, John B. Watson (figura 4), contrário às ideias de William James, defendeu que a psicologia é a ciência que deve estudar o comportamento humano. Watson, afirmou que a psicologia e, por meio dela, os psicólogos, devem se ocupar em demonstrar cientificamente os dados que foram investigados, de modo objetivo, por se tratar de uma ciência da conduta (GAGNÉ, 1985, p. 40). Figura 2: Wilhelm Wundt (1832-1920), Siegmund Freud (1856-1939) e John B. Watson (1878-1958) Fonte: Wikipédia. Você poderá comprovar que as ideias sobre a conduta humana ganharam respaldo e força com um grupo de psicólogos americanos e, como perspectiva teórica, predominou o pensamento do século XX. Esta perspectiva teórica encontra sua fundamentação no associacionismo. DEFINIÇÃO: O associacionismo é uma corrente da psicologia, que surgiu a partir do século XIX, com a proposta de compreender determinados fenômenos psíquicos pela forma como se associam para a formação da consciência ou do comportamento. Processos Cognitivos e Aprendizagem12 Seguindo as diretrizes do associacionismo, e para a compreensão do comportamento humano, pesquisadores como Ivan Pavlov (figura 5) desenvolveram pesquisas que foram denominadas de condutismo. DEFINIÇÃO: Condutismo é uma perspectiva teórica baseada na conduta ou comportamento humano, possível de ser estudado por meio da observação. Figura 5: Ivan Pavlov (1849-1936). Fonte: Wikipédia. Na perspectiva do condutismo, J. B. Watson (1878-1958) desenvolveu vários estudos empíricos sobre a conduta e a aprendizagem humana, partindo de critériosde associação entre um estímulo e uma resposta. No século XX, durante a Segunda Guerra Mundial, alguns psicólogos americanos realizaram estudos sobre a complexa conduta entre os pilotos de avião, os quais resultaram em teorias sobre as estruturas e processos mentais (GAGNÉ, 1985, p. 41). Enquanto isso, renasciam na Alemanha, Grã- Bretanha, França e Canadá, outras perspectivas centradas no cognitivismo (MANDLER, 2002a apud BRUNING et al. p. 2). Processos Cognitivos e Aprendizagem 13 A psicologia cognitiva encontra caminhos e cresce timidamente, mas as ideias condutistas permanecem, justificando práticas no contexto educacional até os dias atuais. Paralelamente, você irá perceber que a insatisfação de muitos pesquisadores cresceu no mesmo ritmo, porque muitos não conseguiam estabelecer explicações coerentes sobre o pensamento e a memória humana, a partir das teorias condutistas- associacionistas. Na figura 6, observamos as condições em que J. B. Watson realizou o famoso experimento sobre a conduta humana. Figura 6: Experiência de Watson retratada em fotos. Fonte: http://bit.ly/2Nxzug4 Na figura 6, pode-se observar que, com base no processo de condicionamento descrito por Iván Pávlov (1849-1936), no qual ele demonstra que, mesmo as reações orgânicas, como os reflexos, podem ser controladas pelo ambiente, por meio da associação estímulo- resposta. Como experimento dessa teoria, Watson utilizou um bebê para demonstrar como os estímulos reforçavam questões de aprendizagem. DEFINIÇÃO: Na psicologia, entende-se por cognitivismo uma abordagem teórica para a compreensão da mente humana. Processos Cognitivos e Aprendizagem14 Conceito de Cognição Figura 7: Experiência de Watson retratada em fotos. Fonte: http://bit.ly/2WHVE3J ACESSE: Para entender melhor como se processou a experiência de Watson, assista ao vídeo “Experimento Conductista: Watson y el pequeño Albert (en español)”, disponível por meio do link: <https://youtu.be/ teGZg2fWuY>. SAIBA MAIS: Quer saber mais sobre a história da psicologia cognitivista? Recomendamos a leitura de VASCONCELLOS, J.; OLIVEIRA, R. V. História da psicologia Cognitiva: Antecedentes da Psicologia Cognitiva. Saúde Mental em Foco do CESUCA, v.1, nº1, 2012. Disponível em: <http://bit.ly/2NEVHJh>. DEFINIÇÃO: “Cognição representa um conjunto de processos mediante os quais a entrada (input) sensorial se transforma, resume, elabora, armazena, recupera e utiliza” (NEISSER, 1967; BEST, 2001, p. 5). Processos Cognitivos e Aprendizagem 15 O autor, Ulric Neisser publicou, em 1967, um dos livros clássicos em psicologia, Psicologia cognitiva. Neste sentido, o input sensorial e os processos cognitivos se relacionam com algo que está fora de nosso organismo e, por isso, os sentidos são os responsáveis por introduzir novas energias em nosso sistema nervoso e cognitivo. Esta energia pode ser reelaborada e transformada. Beck e Alford (2000) consideram que a cognição é “a função que envolve deduções sobre nossas experiencias e sobre a ocorrência e o controle de eventos futuros” (BECK e ALFORD, 2000 apud BALS E NAVOLAR, 2004, p. 4). Fialho (2006) nos indica que o “fenômeno da cognição pode ser explicado como sendo, primeiro, uma função biológica e filogenética, segundo, como um processo pedagógico e ontogenético, e, por último, por uma episteme” (FIALHO, 2006, p. 21). A psicologia Cognitiva Em virtude do descontentamento de muitos psicólogos com a falta de explicação sobre as bases teóricas do pensamento humano, outros profissionais, de áreas distintas da psicologia, se veem interessados nas propostas metodológicas para estudar o processo mental e suas manifestações. O binômio estímulo-resposta já não se mostra interessante para explicar as condições específicas da mente humana. As teorias condutistas não explicavam, claramente, o processamento e desenvolvimento da linguagem, contrariando as expectativas e investigações de linguistas da época. Em meio a tudo isto, a psicologia cognitiva volta com força ao cenário científico, oferecendo investigações em temas como: � atenção; � reconhecimento de padrões sensoriais; � memória; � linguagem; � raciocínio; � resolução de problemas; e a � classificação, os conceitos e a categorização das ideias na mente humana. Processos Cognitivos e Aprendizagem16 A figura 8 traz uma lista de autores (psicólogos) que estudaram a psicologia cognitiva. Esta lista não para de crescer até hoje, dado o crescente interesse da comunidade científica pelo tema: Figura 8: Lista crescente de autores que vêm estudando a psicologia cognitiva. Neste diagrama, destacamos apenas alguns dos muitos pesquisa- dores que, no final da década de cinquenta, contribuíram com trabalhos e estudos sobre uma renovação da psicologia cognitiva e seus fundamentos. Hoje em dia, no que conhecemos por psicologia cognitiva contemporânea, existem duas teorias sobre o processo de cognição, são elas: � Processamento da informação: tem suas raízes no surgimento da máquina de cálculo, o que enseja que a mente funciona como um computador. Por exemplo: para buscar um dado retomamos às informações armazenadas em nossa memória. � Teoria conexionista: está dedicada a desenvolver modelos computacionais, iniciando na teoria da informação, mas que se relaciona diretamente com os processos neurológicos. De modo geral, ambos estariam conectados com aspectos do funcionamento computacional. Agora, você irá compreender a diferença entre estas duas teorias defendidas por diversos autores. Processos Cognitivos e Aprendizagem 17 Processamento cognitivo e os sistemas de informação O telefone, a televisão, os computadores são alguns dos exemplos de sistema de informação que sofrem transformação ao longo do tempo. Analogamente, esses sistemas foram utilizados metaforicamente para explicar os processos da cognição humana, especialmente os computadores. Figura 9: Imagem meramente ilustrativa. Fonte: Pixabay. Os psicólogos cognitivos utilizavam, como exemplo, os sistemas informáticos para explicar como funcionava o processo de informação humana, sua complexidade e o processo de aprendizagem em si. Por isso, considera-se que a ciência cognitiva é uma área de estudos interdisciplinares que se inter-relaciona com a psicologia cognitiva, ciência da computação, sistemas de informação, inteligência artificial,neurociências e linguística, entre outras (LIMA, 2003 apud NEVES, 2006). Gagné (1985), determina que: a comparação das partes do sistema de processamento do computador tem funções similares a do sistema de processamento de informação do ser humano. Os seres humanos, igualmente aos computadores, realizam um trabalho em uma unidade central de armazenamento; logo depois de tratarem as informações, os seres humanos as armazenam em uma memória a largo prazo, e os computadores, em um disco rígido” (GAGNÉ, 1985, p.49). Processos Cognitivos e Aprendizagem18 Alguns profissionais estão de acordo com esta analogia, enquanto outros são contrários a esta comparação. Assim, diante de inúmeras discussões, Massaro e Cowan (1993) e Palmer e Kimchi (1986) definiram uma linha de princípios sobre o processamento da informação associado ao processo cognitivo. Veja, na tabela 1, as cinco qualidades ou princípios e seu significado (MASSARO e COWAN, 1993; PALMER e KIMCHI, 1986 apud BEST, 2001, p. 27). Tabela 1: Figura 10: Relação entre processamento da informação e processos cognitivos. Qualidade Significado Descrição da informação Entorno pode ser categorizado em função da quantidade e do tipo de informação que contém Decomposição recursiva Os processos cognitivos são simples e aparecem organizados de modo hierárquico Continuidade do fluxo A informação caminha sempre para frente como a linha do tempo Dinâmica do fluxo Não se pode produzir vários processos neurais ao mesmo tempo Materialização física Todos os processoscognitivos coexistem em um lugar físico Modelos de processamento da Informação: A memória Você sabia que tudo começou com o estudo científico da memória? Isso mesmo, a memória passou a ser objeto de estudo a partir do trabalho de Hermann Ebbinghaus (foto na figura 10), o primeiro investigador experimental. Processos Cognitivos e Aprendizagem 19 Figura 10: Hermann Ebbinghaus (1850-1909). Fonte: Wikipédia. Ebbinghaus (1885), que estava interessado no espaço da memória, demonstrou que pessoas entre 18 e 20 anos conseguiam recordar mais dados que os de 8 a 10 anos, e ainda comprovou que o sentido tinha um papel importante para recordar um dado, determinando que as palavras sem sentido tinham pouca influência no espaço da memória. Binet também estudou as relações da memória com uma lista de palavras curtas e sem sentido (NEUFELD E STEIN, 2001). As pesquisas sobre a memória perpassam por duas linhas centrais: � memória operativa; e � memória a largo prazo. Para o que se define como modelo de processamento da Informação, verificaremos como se desenvolve a memória durante o processo de aprendizagem. Assim, para aprender alguma coisa, nossa mente recebe a informação e a organiza em série, atuando de modo sequencial. Assim, poderíamos concluir que, para processar uma informação, nossos processos cognitivos trabalham em uma sequência organizada e seriada, como em uma sequência numérica do tipo (1, 2, 3, 4, 5, 6, ...). Na figura 11, vemos uma nova revisão do modelo. Por este diagrama, é possível observarmos como os componentes que processam a informação no ser humano aparecem divididos e distintos uns dos outros. Processos Cognitivos e Aprendizagem20 Figura 11: Modelo Modal. De acordo com esta teoria, o primeiro componente é o sistema sensorial, de onde se cria o código cognitivo. Aqui é onde detectamos os aspectos de nosso ambiente, o entorno que nos rodeia. A partir disso, selecionamos e organizamos um processo de entrada e saída de informações para armazená- las na memória a curto prazo (MCP) e/ou memória a largo prazo (MLP). Após a recepção e seleção da informação, nosso primeiro bloco de armazenamento se denomina memória a curto prazo (MCP). Aqui, o tempo de retenção das informações é relativamente curto e sua capacidade é limitada. Hoje, muitos acreditam na diferença entre memória a curto prazo e memória operativa (MO) ou de trabalho, pois alguns estudiosos defendem que, com a memória a curto prazo, enfatizamos a duração de uma determinada informação. Dessa forma, a memória operativa se refere à funcionalidade da informação de modo consciente. Quando resolvemos, mentalmente, uma adição 33 + 24, o primeiro e mais habitual procedimento é somar as unidades e guardar o resultado na memória operativa, para então continuar a soma das dezenas até obter o resultado. Vamos a um novo exemplo? Pense no que você deseja fazer neste final de semana. Percebeu alguma coisa? Pois bem, Processos Cognitivos e Aprendizagem 21 as imagens que foram produzidas em sua mente ao ouvir as palavras “final de semana” são o retrato das ações que você deseja colocar em prática. Estas imagens estão guardadas na memória operativa. A memória operativa pode ser codificada e, por isso, pode ser armazenada na memória a largo prazo (MLP). Aqui, existe uma integração entre os conhecimentos anteriores e os novos conhecimentos. A informação pode ser elaborada, alterada, transformada, recuperada e reconstruída. A principal caraterística da MLP é armazenar informações durante toda a nossa vida, para utilizá-las posteriormente. O modelo Modal, anteriormente postulado por Atkinson e Shiffrin (1968) e posteriormente revisado por (Baddeley e Hitch, 1974), demostra que o processamento sensorial está interligado com a memória a MCP, MLP e com os processos metacognitivos que interferem diretamente no processo de cognição. Mas, o que vêm a ser processos meta-cognitivos? DEFINIÇÃO: O termo vem do conceito de metacognição, que representa o acervo de conhecimentos preliminares sobre os próprios conhecimentos que possuímos, além dos processos de avaliação, percepção, organização e regulação desses mesmos processos cognitivos. Além disso, a MCP passa a diferenciar-se da memória operativa e da MLP. Essa última traz as informações declarativas e procedimentais, tais como as destrezas e atividades que possibilitam o movimento e a linguagem. Baddeley (1986, 1987) propõe uma estrutura de memória operativa que compreende um sistema geral denominado executivo central e dois subsistemas: o bucle fonoarticulatório e a agenda viso-espacial. IMPORTANTE: A memória de trabalho (ou operativa) é uma espécie de processamento consciente dos códigos cognitivos, em que os objetivos podem ser modificados e a memória permanente fica encarregada de armazenar informações para usá-las posteriormente ao longo de toda a vida. Processos Cognitivos e Aprendizagem22 A teoria de processamento da informação contemporânea refere- se, especificamente, à memória sensorial e à memória a curto prazo, sendo seus principais pressupostos: (BRUNING, SCHRAW e NORBY 2012): 1. Os sistemas de memória estão funcionalmente separados: todos os estudos cognitivos do processamento da informação definem dois ou mais sistemas de memória globais e que realizam funções específicas. 2. A atenção é limitada: a capacidade para realizar um esforço mental está limitada de várias maneiras. 3. Os processos cognitivos são automáticos e controlados: um processo cognitivo eficiente é o resultado do uso adequado dos recursos. 4. O significado é construído: o processo da informação é muito mais amplo do que traduzir e representar estímulos. Linguagem e a fundamentação teórica sobre o desenvolvimento cognitivo As alterações na linguagem, basicamente na língua oral, desper- taram interesse em muitos pesquisadores e cientistas no mundo. No último século, psicológicos, médicos, filósofos e linguistas se ocuparam com investigações nas áreas de transtornos causados pela linguagem. Destacamos isto na tabela 2, que mostra alguns dos nomes mais relevantes que nos servem de base para estudos, e que fundamentaram pesquisas sobre as alterações da língua oral. Tabela 2: Autores relevantes e pesquisas sobre alterações da língua oral. Autor Área de pesquisa Francis J. Gall (1758-1828) Relacionou lesão cerebral e alteração da linguagem. Observou que as faculdades mentais são funções fisiológicas. Tentou especificar a localização cerebral com as funções mentais. Seus estudos derivam da frenologia. Processos Cognitivos e Aprendizagem 23 Pierre Paul Broca (1824-1880) Impulsionou e reconheceu a limitação cognitiva (afasia). Área de Broca (1861), postulou que os transtornos da linguagem se produziam devido às lesões na 3ª circunvalação frontal esquerda do cérebro. Carl Wernicke (1848-1905) Continuou os estudos sobre a afasia. Área de Wernicke (1908), sinalizou uma área do lóbulo temporal como diretamente implicada na compreensão verbal e na associação de sons. Fonte: Imagens extraídas do Wikipédia. A medicina e a neurologia contribuíram para o desenvolvimento das pesquisas indicadas na tabela acima. Logo, surgiram alguns críticos afirmando que o cérebro humano possuía mais atributos do que se imaginava, e que não se podia caracterizar as funções cerebrais de modo fracionado e independente. Veremos que, simultaneamente, foram desenvolvidos estudos sobre as alterações da linguagem escrita, fundamentalmente no que diz respeito aos problemas apresentados com a leitura de texto. Aguilera (2003) indica alguns autores que estudaram o fenômeno das alterações na linguagem oral, como ilustrado na tabela 3. Processos Cognitivos e Aprendizagem24 Tabela 3: Autores relevantes que pesquisaram sobre as alterações da linguagem. Autor Área de pesquisa James Hinshelwood (1805-1866) Amplia os estudos sobre a afasia em crianças com problemasde leitura. Marca os termos de “incapacidade específica para a leitura”, “cegueira verbal adquirida” e “cegueira verbal congênita” Propôs uma teoria sobre a localização cerebral das alterações da leitura em 1917. Samuel Orton (1879-1848) Em 1925, considerou que as dificuldades de leitura eram ocasionadas por um conflito entre os hemisférios devido a uma dominância cerebral. Descreveu seis alterações: alexia evolutiva, agrafia evolutiva, surdez verbal evolutiva, afasia motora evolutiva, tartamudez infantil e apraxia evolutiva. Autor Área de pesquisa W.S.Gray (1885-1960), e C. T. Gray Destacaram o valor do diagnóstico das medidas perceptuais e o movimento dos olhos. Reconhecem múltiplas causas das dificuldades leitoras. Desenvolvem programas de intervenção. Gilligham e Stillman Desenvolvem pesquisas baseadas nas teorias de Orton e, a partir disso, elaboram um sistema que enfatiza a deficiência de associação, utilizando uma aproximação auditiva, visual e cinestésico-tátil. Fernald e Keller Em 1931, elaboram o Método cinestésico de ensino da leitura, no qual a criança deverá utilizar o tato e o movimento muscular. Fonte: Adaptado de Aguilera, 2003, p. 4. Imagens extraídas do Wikipédia, Edublox, e Academy of Orton-Gillingham Practitioners and Educators Processos Cognitivos e Aprendizagem 25 As pesquisas no campo da medicina seguem e ganham novos adeptos e novas considerações acerca das alterações e implicações perceptivo-motoras que envolvem o campo da linguagem. Com o florescimento das investigações nesta área, e com a chegada de Hitler ao poder, muitos pesquisadores interrompem seus trabalhos para continuar suas pesquisas nos Estados Unidos. Nesta fase, os pesquisadores direcionam seus centros de estudo para as pessoas não-deficientes e aquelas que, aparentemente, não sofreram nenhuma lesão cerebral. Concomitante com tudo isto, as investigações sobre o desenvolvimento cognitivo e a revolução na psicologia cognitiva contribuem, de uma maneira ou outra, para que novas pesquisas sobre a linguagem sejam realizadas a partir de um enfoque psicológico e educativo. SAIBA MAIS: Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos as seguintes leituras: ANDERSON, J. R. (2005) Cognitive Psychology and its implications (6ª ed.). Nova Iorque: Worth. EYSENCK, M. W.; KEANE, M. (2005). Cognitive Psychology: A student’s handbook (5ª ed.). Nova Iorque: Psychology Press. RESUMINDO: E então? Você viu como a história da Psicologia Cognitiva proporcionou diferenças na compreensão dos processos de aprendizagem? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Primeiro: você observou que a psicologia cognitiva se estabeleceu como o estudo científico dos processos mentais, e que a psicologia experimental, iniciada em 1879, passou a ser de orientação cognitiva. Segundo: o condutismo acabou convertendo-se na principal perspectiva das linhas de pesquisa entre os psicólogos americanos. A psicologia condutista se transformou em uma tendência para o mundo a partir de inúmeros estudos de psicólogos americanos que são referências até a atualidade. Processos Cognitivos e Aprendizagem26 É bom saber, que a partir do fim da segunda guerra mundial, o interesse pela psicologia cognitiva começou a ter um grande impulso entre outros investigadores que estavam insatisfeitos com a perspectiva condutista. Terceiro: as ciências da informação começaram a se expandir e foram amplamente utilizadas como analogias para entender os processos cognitivos. Quarto: o processamento da informação é uma metáfora defendida por muitos psicólogos, descrevendo os fenômenos psicológicos para o processamento cognitivo da informação pelos seres humanos e, nesse contexto, a memória é vista como um dos elementos básicos para o processamento da informação. Quinto: foi possível entender os conceitos básicos da psicologia cognitiva e a influência dos modelos de processamento da informação. Sexto: verificamos que as pesquisas sobre linguagem marcaram a evolução do processo de desenvolvimento cognitivo, e foram impulsionadas por várias áreas do conhecimento. O processo de aprendizagem sob o foco cognitivo INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo, você será capaz de compreender as contribuições da psicologia cognitiva para o processo de ensino e aprendizagem, além de como o processo cognitivo contribui para entendermos a aquisição da aprendizagem pelo indivíduo. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Processos Cognitivos e Aprendizagem 27 Figura 12: Imagem meramente ilustrativa. Fonte: Pixabay. A partir dos anos sessenta, vive-se uma grande revolução no âmbito acadêmico, em que os pressupostos teóricos sobre o sentido e significado da ciência sofrem alterações em distintas áreas do conhecimento, tais como a filosofia, a pedagogia, a psicologia, etc. Nesse ponto, a educação é alvo de um processo de inovação no que diz respeito aos estudos cognitivos, e é sobre isto que iremos discorrer ao longo deste capítulo. A educação como perspectiva cognitiva Você já imaginou um mundo com novas perspectivas? Observe que, com a revolução dos paradigmas científicos, sobretudo na psicologia cognitiva, a educação passa a ser alvo de inúmeras investigações, principalmente no que diz respeito às teorias e aos processos de aprendizagem. Você vai perceber que a diversidade de perspectivas científicas altera, consideravelmente, as formas de pensar sobre o processo educativo e suas relações com a atividade cognitiva do ser humano. Neste período, identificamos especialistas de distintas áreas, contribuindo com pesquisas sobre o processo cognitivo, em especial, aqueles cuja formação estivesse relacionada às áreas de medicina, biologia e psicológica. Processos Cognitivos e Aprendizagem28 Jean Piaget (foto na figura 13) foi um epistemólogo que contribuiu com seus estudos sobre a infância, seu desenvolvimento e as habilidades da inteligência e aprendizagem. O psicólogo Lev Vygotsky (figura contribuiu com suas investigações no campo da psicologia histórico- social, considerado um precursor da neuropsicologia soviética, com uma proposta de não reduzir os processos psíquicos a funções fisiológicas, mas considerá- los como processos constituídos nas interações sociais. Henri Wallon (1879- 1962) trouxe relevantes contribuições para a educação, psicologia e filosofia, principalmente sobre o contexto e origem do pensamento e do desenvolvimento da afetividade na criança. As obras e contribuições de Wallon são ricas em fontes de estudo sobre a psicologia genética e a neuropsicologia, compreendendo a psicogenética como o estudo da origem (gênese) dos processos psíquicos, não reduzidos à condição de determinismo genético. Figura 13: Jean Piaget (1896-1980); Figura 14: Lev Vygotsky (1896-1934); Figura 15: Henri Wallon (1879- 1962). Fonte: Wikipédia. Por outro lado, devemos ter claro que o objeto de preocupação da maioria das pesquisas no campo educacional estava direcionado à concepção estática e unilateral do contexto do aprender. Não obstante, houve uma grande produção científica que estabelecia relações entre os processos de informação e a área educacional, para identificar como o ser humano transformava, recuperava e armazenava a informação recebida e o conhecimento que havia sido gerado. Processos Cognitivos e Aprendizagem 29 Nesse contexto, foi dado maior ênfase aos estudos sobre o conhe- cimento, a informação e a comunicação. Neste século, paradoxalmente, a supervalorização dos meios de informação e comunicação se transformou em grande desafio para o nosso conhecimento. Observe a figura 16 e imagine como será nosso futuro, daqui a alguns anos, com os avanços da tecnologia. Descobriremos algo novo sobre o funcionamento de nosso pensamento? Como será o processo de aprendizagem? Figura 16: Cidade do futuro.Fonte: Pixabay. Nossa proposta, para este século, é ampliar o que já sabemos sobre a aprendizagem, tendo como foco a psicologia cognitiva. O século XXI será nossa oportunidade de produzir conhecimento que transforme o que hoje conhecemos sobre como se aprende ou como se ensina. REFLITA: Face a tudo isto que expusemos até aqui, voltamos a uma velha discussão: a educação é importante? Para quem a educação realmente importa? Reflita sobre estas questões e descobrirá que as instituições educativas são muito importantes para a sociedade do conhecimento e, por sua vez, admitirá que todos reconhecerão sua importância. Agora sabemos que, o urgente e necessário é indicar um caminho entre a educação do passado e os saberes do futuro. Processos Cognitivos e Aprendizagem30 EXPLICANDO MELHOR: Seoane (1995) cita, como exemplo, alguns trabalhos sobre o contexto político que marcam as transformações no campo da educação, da sociedade e da política para a perspectiva cognitiva, a saber: Stone (1981), que qualifica os anos 60 a partir da preocupação pela eficácia e o compromisso pessoal; White (1950), que considera que as novas gerações e seus estudiosos estão preocupados com o que são capazes de fazer; McClelland (1961), que determina a realização social e Rotter (1966), que estabelece o controle social; Campbell e outros (1964), que determinam o sentimento de impotência social e política. Dentro deste cenário, o modelo tradicional de educação e os processos clássicos de aprendizagem estariam com o tempo contado, mesmo reconhecendo que, em educação, as unidades temporais são mais extensas em sua eficácia e realização social (SEOANE, 1995, p. 46). Como se define a perspectiva cognitiva DEFINIÇÃO: Entendemos por perspectiva cognitiva, o momento em que vários cientistas e estudiosos buscaram compreender novas possibilidades de entender o conhecimento e o saber humano. A perspectiva cognitiva passa a ter maior validez a partir da segunda guerra mundial, com uma diversidade de áreas de estudos, tais como: Cibernética; Inteligência artificial; Ciências da Computação; Psicologia Cognitiva; etc. Podemos considerar que, nos anos sessenta, estes exemplos representam uma transformação científica e uma revolução na perspectiva das ciências cognitivas, caracterizando um movimento. Pressupostos básicos da perspectiva cognitiva Seoane (1995) nos indica quais foram as propostas em que se desenvolveram as metas da perspectiva cognitiva. Foram elas: Processos Cognitivos e Aprendizagem 31 1. O sujeito ativo: o sujeito psicológico deve ser ativo, complexo no seu processamento e em suas estratégias de comportamento (IBAÑEZ, 1989). Além disso, deve ser criativo e gerar planos orientados ao futuro. 2. Novos métodos: aqui, deve-se negar o rigor metodológico do empirismo positivista, característica original da perspectiva cognitiva. Devemos admitir uma multiplicidade de métodos de investigação. 3. Mente como informação: surge um novo conceito de mente. Este novo conceito está relacionado ao sistema de processamento da informação (SEOANE, 1995, p. 55). Resumindo, a definição dos pressupostos de uma perspectiva cognitiva foram: o sujeito ativo, os novos métodos de pesquisa e o conceito de mente relacionado ao sistema de informação. Educação, ciência cognitiva e aprendizagem Mayer (1992) resume em três metáforas a aprendizagem e seus protagonistas: 1. Aprendizagem como aquisição de respostas: esta foi a concepção dominante no século XX, tanto em psicologia como na prática educacional. Define o sujeito como um ser passivo e objeto da aprendizagem. A aprendizagem é mecânica e está determinada por recompensas. O professor deve valorizar as condutas do aluno em detrimento das atividades. Além disso, deve esperar respostas específicas a estímulos específicos. 2. Aprendizagem como aquisição do conhecimento: esta concepção tem grande orientação cognitiva. A aprendizagem acontece a partir da relação do sujeito com o seu conhecimento. Aqui, o aluno aprende como um processador de informação, e o professor ensina como um distribuidor de informação. De acordo com Mayer, o currículo é a ferramenta básica da instrução. O conhecimento é avaliado a partir da quantidade de conhecimentos adquiridos. 3. Aprendizagem como construção do conhecimento: a partir deste enfoque, a aprendizagem passa a ter sentido para o sujeito que aprende. O professor se transforma em um participante ativo do processo e junto ao aluno. Ambos promovem a aprendizagem e a construção de conhecimentos em um ambiente de cognição adequado para a dinâmica didática. Processos Cognitivos e Aprendizagem32 De modo geral, identificamos que estas definições de aprendiza- gem estão relacionadas aos modelos de processamento de informação. Não obstante, vivemos em constante transformação social, por isso, entendemos que a educação é um elemento essencial para a promoção e formação do indivíduo. Conceitos de problemas de aprendizagem, avaliação e intervenção. RESUMINDO: Você compreendeu tudo acerca do que abordamos até aqui? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que as revoluções, no âmbito acadêmico, contribuíram para o desenvolvimento das teorias cognitivas. A educação, como uma das áreas de interesse da psicologia cognitiva, passa a ter destaque no ambiente acadêmico e a produção científica se multiplica, principalmente no que diz respeito ao processo cognitivo. Alguns pesquisadores, sobretudo da área de psicologia e medicina, se destacam no contexto internacional e nos servem de referência até os dias de hoje, como: Vygotsky, Wallon ente outros. Com isso a preocupação de estudar a perspectiva cognitiva sob o foco educacional ganhou adeptos no mundo inteiro. É importante destacar as influências sociais presentes nesta época. Por último, revisamos o pensamento de Mayer sobre o contexto de aprendizagem. INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo, você será capaz de analisar os seguintes conceitos: problemas de aprendizagem, dificuldades de aprendizagem, avaliação e intervenção. Além disso, vai discernir sobre a importância do processo de avaliação e intervenção no âmbito profissional. E então? Preparado para mais uma viagem, sem volta, rumo ao conhecimento? Então aperte o cinto e, boa viagem! Processos Cognitivos e Aprendizagem 33 Dificuldades ou problemas de aprendizagem A sociedade atual exige um maior nível de competitividade, de preparação profissional e de desenvolvimento pessoal para afrontar os desafios que o século XXI apresenta. Ao contrário, se um determinado indivíduo manifesta um desenvolvimento insatisfatório, principalmente na idade escolar, ou desenvolve dificuldades e problemas no percurso de aprendizagem, enfrentará um caminho mais difícil no processo de ensino e aprendizagem, bem como em sua integração social. O que podemos fazer para reverter esse quadro? Como enfrentar as queixas das famílias sobre o baixo rendimento escolar de seus filhos? Que tipo de prática educacional é adequado para desenvolver o potencial desses alunos? As experiências desenvolvidas na prática com crianças e adolescentes, a partir do enfoque neuropsicológico, estão se mostrando atrativas e, ao mesmo tempo, efetivas. Além disso, aportam novos conhecimentos profissionais para situações passadas. Se você observar as pesquisas sobre boas práticas educativas e as dificuldades de aprendizagem, poderá verificar como o enfoque sobre essas dificuldades era percebido por diversos autores. Salvaterra (1995), analisa que: Nossa experiência, de mais ou menos vinte e cinco anos na atenção psicológica de crianças com problemas de aprendizagem escolar motivados pela falta de concentração (alto índice de distração), problemas na leitura, na escrita, instabilidade emocional, impulsividade e explosividade na conduta, na maioriadas vezes está determinada por: compromissos neurológicos que começam desde a imaturi- dade neurológica até a lesão cerebral. Este compromisso cerebral aparente nos problemas de aprendizagem muitas vezes é percebido pelos pais e professores das crianças que padecem, mas preferem silenciar-se ou ignorar o problema como melhor forma de afrontá-lo” (SALVATERRA, B., 1995). Processos Cognitivos e Aprendizagem34 Se observarmos esta perspectiva conceitual de Salvaterra (1995), concluiremos que o conceito de “problemas de aprendizagem” modificou- se com as pesquisas mais recentes. Por isso, a neurologia e a neurociência aplicadas à educação contribuem com novos conhecimentos para a compreensão dos processos de aprendizagem e seus problemas e dificuldades, proporcionando instrumentos para uma avaliação mais criteriosa. Desse modo, podemos conhecer melhor os pontos frágeis e fortes de cada aluno e neles aplicar programas de intervenção capazes de enriquecer seu desenvolvimento em contextos escolares e sociais. IMPORTANTE: Revisando a literatura acerca do tema, verificamos que alguns autores apontam diferenças entre os termos: problemas de aprendizagem e dificuldades de aprendizagem. Para esclarecer este ponto, indicaremos o que se entende por aprendizagem e, a partir disso, a influência que cada termo exerce sobre o contexto de aprender, principalmente na escola. Sabemos que as concepções de aprendizagem surgem com o legado das investigações empíricas, definindo que todo conhecimento provém da experiência. Partindo desta premissa, a psicologia, enquanto ciência do comportamento observável, passa a relacionar aprendizagem e condicionamento. Com o desenvolvimento de novas perspectivas de aprendizagem, surgem as ideias defendidas pelo fundamento epistemológico do tipo racionalista, destacando que todo conhecimento é anterior à experiência, resultado das estruturas mentais dos sujeitos. (GIUSTA, 2013). Assim, entender estas posturas, sobre as concepções da aprendizagem, nos servirá como fio condutor para determinar o que entendemos sobre aprendizagem. Nesse caminho, iremos ao encontro dos pesquisadores Piaget e Wallon, que estudaram a gênese do processo e evolução psicológica da criança. No entanto, Pain (1989) descreve que “o processo de apren- dizagem se inscreve na dinâmica de transmissão da cultura, que constitui a definição mais amplia da palavra educação, com quatro funções independentes” (PAIN, 1989, p. 11): Processos Cognitivos e Aprendizagem 35 a. Função mantenedora da educação: ao reproduzir em cada indivíduo o conjunto de normas que regem a ação possível – a educação garante a continuidade da espécie humana. b. Função socializadora da educação: a utilização de utensílios, da linguagem e do habitat, transforma o indivíduo em sujeito e, para isto, a educação ensina as modalidades destas ações que se percebe no aprendizado e construção das normas sociais. c. Função repressora da educação: permite conservar e reproduzir os valores e poder de cada classe ou grupo social. d. Função transformadora da educação: possibilita a tomada de consciência para uma educação com e para a liberdade. Tabela 4: Conceitos de aprendizagem. Autor/ano Conceito (Campos, 1986, p. 30) “A Aprendizagem pode ser definida como uma modificação sistemática do comportamento, por efeito da prática ou da experiência, com um sentido de progressiva adaptação ou ajustamento”. (Gagné, 1980, p. 6) “A aprendizagem é inferida quando ocorre uma mudança ou modificação no comportamento, mudança esta que permanece por períodos relativamente longos durante a vida do indivíduo”. (Kaplan, 1990, p. 91) “A aprendizagem pode ser definida como uma mudança no comportamento, que resulta tanto da prática quanto da experiências anteriores”. (Davidoff, 1983, p. 158) “Aprender uma atividade que ocorre dentro de um organismo, e que não pode ser diretamente observada; de forma não inteiramente compreendida, os sujeitos da aprendizagem são modificados: eles adquirem novas associações, informações, insights, aptidões, hábitos e semelhantes”. Fonte: Adaptado de “Psicologia e Educação: o significado do aprender” (ZANELLE, 2003). Processos Cognitivos e Aprendizagem36 Note que, no quadro da tabela 4, apresentamos alguns dos conceitos sobre o que se entende por “aprendizagem”. Analisando cada conceito, você identificará sua proximidade ou não da teoria de modelos do processamento da informação. EXPLICANDO MELHOR: A memória é um dos fatores que determina o processo de aprendizagem na vida e na escola. Por isso, muitos estudiosos defendem a memória como um dos requisitos básicos para a aprendizagem dos conhecimentos no âmbito escolar. Também, inúmeras pesquisas justificam que um déficit nas estruturas de organização do processamento das informações pode acarretar em problemas de aprendizagem simples e complexos. Definição de problemas de aprendizagem Figura 17: Foto ilustrativa em alusão a problemas de aprendizagem na escola. Fonte: Pixabay. Processos Cognitivos e Aprendizagem 37 Você sabia que a definição de problemas de aprendizagem está relacionada ao desenvolvimento e história da Psicologia Escolar? Isso mesmo. A trajetória da psicologia escolar no Brasil acompanhou as grandes transformações do século XIX, além das propostas de psicólogos americanos e europeus. Nessa época, a psicologia se ocupava de tratar os problemas e deficiências das pessoas para aprender em contextos sociais normais. Por isso surgiram várias pesquisas, e o Brasil foi um dos países preocupados em estudar, em seus laboratórios de aprendizagem, os problemas de aprendizagem. Os termos “problemas de aprendizagem” e “dificuldades de aprendizagem” sempre estiveram relacionados com a história e o desenvolvimento da psicologia escolar no Brasil e no Mundo. Um problema de aprendizagem pode estar associado a uma patologia aparente nos processos cognitivos, que impede ou dificulta a aprendizagem, para que esta, por sua vez, possa ser identificada, investigada e decifrada. Segundo Pain (1989) o termo “problemas de aprendizagem” pode-se definir da seguinte maneira: O “problema de aprendizagem é considerado como um sintoma no sentido de que o não-aprender não configura um quadro permanente, mas ingressa numa constelação peculiar de comportamento, nos quais se destaca como sinal de descompensação” (PAZ, 1971 apud PAIN, 1989, 28) . No entanto, se revisarmos a literatura sobre o tema, descobriremos que, em alguns casos, um “problema de aprendizagem” se relaciona, muitas vezes, com o ambiente clínico, enquanto a expressão “dificuldades de aprendizagem” passa por um viés educacional, mas ambas têm a finalidade de explicar uma atividade cognitiva. Atualmente, concebemos o termo “dificuldades de aprendizagem” em sentido amplo, mas sem perder de vista as contribuições que são aportadas por outros profissionais. Por isso, pesquisamos sobre as duas perspectivas, considerando os diversos fatores que devem ser analisados ao considerar esse fenômeno como escola, família, comunidade, práticas pedagógicas, etc. Processos Cognitivos e Aprendizagem38 Definição de dificuldades de aprendizagem Figura 18: Foto ilustrativa em alusão a dificuldades de aprendizagem (causas neurais). Fonte: Pixabay. O conceito de “dificuldades de aprendizagem” surge com a preocupação e estudos de profissionais da área de medicina, principalmente neurólogos. Para realizar suas pesquisas, os cientistas estudavam indiví- duos que padeciam de alguma deficiência, em sua maioria, aqueles que não possuíam a capacidade de falar, ler, movimentar-se, etc. Por isso, é fundamental entender o percurso histórico da expressão “dificuldades de aprendizagem” e a evolução deste conceito até os dias atuais. Assim, antes de definir as dificuldades de aprendizagem, levare- mos em conta as definições universalmente aceitas na história da medicina e dapsicologia, e que fazem as seguintes referências: � Alteração ou retraso no desenvolvimento: as funções cognitivas que auxiliam o processo de aprendizagem aparecem mais tarde. � Transtornos: desordem em um ou mais processos psicoló- gicos básicos, envolvidos na compreensão da linguagem oral ou escrita, que pode manifestar-se na falta de habilidade para ouvir, falar, ler, escrever, pensar e operar com o cálculo. Processos Cognitivos e Aprendizagem 39 É interessante diferenciar alguns termos que se utilizam, indistintamente, de termos para expressar déficits ou dificuldades de aprendizagem e transtornos do desenvolvimento, como são os seguintes: � deficiência; � dificuldades de aprendizagem; � transtorno de desenvolvimento; � e invalidez. DEFINIÇÃO: Seguindo os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS), desde ano de 1983, uma deficiência está caracterizada pela anormalidade de uma estrutura ou função fisiológica, psicológica ou anatômica. A partir deste momento, visualizamos uma acentuada distinção entre estas terminologias: deficiência, problemas e dificuldades de aprendizagem. Assim, podemos destacar alguns tipos de deficiências, como as que se seguem: � intelectuais; � audição; � musculoesqueléticas; � desfigurador; � de linguagem; � da visão; � viscerais; � generalizadas; � ou múltiplas. Mas, como se configura a deficiência? A deficiência é a ausência da capacidade de se realizar uma atividade, da forma que se considera normal para o ser humano. Nesses termos, considera-se como deficiências as: � da conduta; � da comunicação; � do cuidado pessoal; � do movimento; etc. Processos Cognitivos e Aprendizagem40 Então, podemos dizer que a expressão “dificuldades de aprendizagem” ganha espaço entre pesquisadores de diferentes áreas das ciências e, a partir disso, surge também a necessidade de se unificar o que se entende por esta expressão. Desse modo, observamos o desenvolvimento histórico antes de definirmos esta expressão, até os dias de hoje. Veja que, a primeira definição formal para “dificuldades de aprendizagem” foi proposta em uma Conferência organizada pela Association for Children with Learning Disabilities (ACLD), organizada por esta associação de pais e educadores que lidam com alunos portadores de dificuldades de aprendizagem no âmbito escolar. Esta definição foi proposta por Samuel A. Kirk em 1962, esclarecia: uma dificuldade de aprendizagem se refere a uma alteração ou retraso no desenvolvimento em um ou mais dos processos de linguagem, falar, soletrar, escrever ou aritmética que se produz por uma disfunção cerebral e ou transtorno emocional ou de conduta e não por um retraso mental, de privação sensorial ou fatores culturais ou instrucionais” (Kirk, 1962, p.263 apud AGUILERA, 2003, p. 44). H. Mycklebust (1963) faz referência aos aspetos neuropsicológicos para definir as dificuldades de aprendizagem, e destaca que: utilizamos o termo Transtorno Neuropsicológico da Apren- dizagem para referir-se a deficiências na aprendizagem, em qualquer idade, causadas por diferenciações no Sistema Nervoso Central e que não se devem a deficiência mental, alteração sensorial, ou causas psicogênicas. A etiologia pode ser enfermidade ou acidente, ou fatores evolutivos (adaptada de AGUILERA, 2003, p.45). Processos Cognitivos e Aprendizagem 41 Continuando com a citação de Jesus (2015): (...) devemos caminhar no sentido de superar as concepções que culpabilizam e/ou patologizam os alunos isoladamente pelo seu fracasso sem considerar o contexto social, político e econômico no qual está inserido, passando a olhar com mais atenção para seu cotidiano e para as interações que este sujeito estabelece com seus pares. Tendo em vista esses objetivos, a promoção da resiliência no ambiente escolar constitui-se em um meio para a superação das adversidades que surgem a partir dos erros cometidos pelos estudantes visando o sucesso na escolarização. (JESUS, T. D. S., 2015) Por outro lado, Hammill (1990) se refere a um grupo heterogêneo de transtornos devidos a disfunções no Sistema Nervoso Central, seja de forma identificável ou induzida. Numerosos estudos e publicações analisam a origem e o desenvolvimento histórico das dificuldades de aprendizagem, dos quais destacamos: los de Romero (1993), García (1995, 1998, Molina (19997), Gonzáles-Pienda y Nuñez (1998), Miranda (1986), Miranda, Soriano y Jarque (2001, Ortiz (2004), entre outros. Observe, no quadro da tabela 4, as sínteses sobre o desen- volvimento histórico das dificuldades de aprendizagem. Tabela 5: Desenvolvimento histórico das dificuldades de aprendizagem. Fase Características Autores Etapa de fundamentos (1800-1940) �Criação do campo de trabalho. �Centrada em adultos com lesão cerebral. � Investigação médica clínica. � Iniciação em linhas sobre a linguagem: fala e escrita, e transtornos perceptivos- motores. Gall, Brouillard, Broca, Head, Hinshelwood, Orton, Fernald, Goldstein, Strauss y Werner. Processos Cognitivos e Aprendizagem42 Etapa de transição (1940-1963) �Desenho e aplicação de tratamentos corretivos. �Atenção a criança. � Investigação desde a Psicologia e Educação. �Desenvolvimento de instrumentos de avaliação. Osgood, Wepman, Fernald, Myklebust, Kirk, Einsenson, Meginnis, Kephart, Lehtinen, Cruickshank. Etapa de Integração (1963 -1974) �Aparição de Learning disabilities. � Integração de tendências e enfoques. � Primeiras associações de padres e profissionais. Kirk, Myklebust, Cruickshank, Kephart, Delecato, Frosting, Haring, Lindsley, Lovitt Sínteses clássica de Wierderthold (1974), adaptado de García Vidal, I., Gonzáles Manjón, D. 2001, p. 15). Avaliação A avalição é um dos temas mais controversos em um processo de ensino e aprendizagem. Isto posto, convido você a analisar algumas questões sobre o processo de avaliação e buscar respostas de apoio que colaborem com nossas necessidades profissionais. Figura 19: Imagem meramente ilustrativa. Fonte: Pixabay. Processos Cognitivos e Aprendizagem 43 A avaliação deverá garantir um conjunto de dados da situação- problema, criando, rapidamente, condições que favoreçam uma análise profunda dos dados e de suas variáveis para, a partir daí, estudar as alternativas e oportunidades de aprendizagem. Alchieree Cruz(2003) esclarecemqueodesenvolvimento da Psicologia, enquanto ciência, deveu-se à sistematização dos processos psíquicos básicos e ao uso experimental das formas de medidas psicológicas que tinham como finalidade verificar os estágios de desenvolvimento e aprendizagem humana (ALCHIERE E CRUZ, 2003 apud FACCI E SOUZA, 2014). Lembre-se, para que o processo de avaliação seja efetivo, devemos garantir alguns requisitos como: investigação, identificação, estratégia e ferramenta de avaliação, como mostra o diagrama da figura 20: Figura 20: Processo de avaliação. O Conselho Federal de Psicologia define a avaliação, no contexto da psicologia, como um processo técnico e científico realizado com pessoas ou grupos de pessoas que, de acordo com cada área do conhecimento, requerem metodologias específicas. Sugere-se que a avaliação seja dinâmica, e se constitua em fonte de informações de caráter explicativo sobre os fenômenos psicológicos, com a finalidade de subsidiar os trabalhos nos diferentes campos de atuação do psicólogo, dentre eles: saúde, educação, trabalho e outros setores em que se fizer necessária. Disto, concluímos ser a avaliação um estudo que requer um planejamento prévio e cuidadoso, de acordo com a demanda e com os fins aos quais se destina. Processos Cognitivos e Aprendizagem44 Sobre a avaliação, numa perspectiva interacionista do desen- volvimento cognitivo, em situações de dificuldades de aprendizagem, é importante considerar os fatores socioculturais, didáticos, familiares, individuaisecomunitáriosentre as diferentes formas de avaliação existentes. Podemos exemplificar com a avaliação assistida, proposta pela teoria socio-histórica de Vygotsky, que consiste em distinguir o que o indivíduo já sabe (desenvolvimento real) do que potencialmente pode aprender (desenvolvimento proximal), e, tanto a avaliação quanto a intervenção, acontecem nesse “espaço” entre o desenvolvimento real e potencial, denominado zona de desenvolvimento proximal (LINHARES, M. B. M. 1996) Intervenção Quando detectamos um potencial caso de problema ou dificuldade de aprendizagem, aparecem muitas entre os profissionais, a família e, principalmente, com respeito ao sujeito (adulto ou criança) e todo o seu contexto educacional, familiar e comunitário. Por outro lado, entre os profissionais, existe a necessidade de compreender o problema a partir de uma perspectiva profissional, que é produzida por resultados de um processo de avaliação motivado anteriormente. Assim, a intervenção interfere na dinâmica da avaliação, considerando os fatores e as causas de um problema no campo específico das dificuldades de aprendizagem. Estes fatores podem ser: IMPORTANTE: Além disso, a Resolução CFP nº 07/2003 destaca que “os resultados das avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais, e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para atuar, não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a conclusão do processo de avaliação psicológica”. (Conselho Federal de Psicologia, junho, 2007, p. 8). Disponível em: http://bit.ly/34uSPpk Processos Cognitivos e Aprendizagem 45 � orgânicos; sociais; � psicopedagógicos; � culturais; � e ambientais. Então, o que significa Intervenção? Bem, se analisamos nossa realidade social e política, encontraremos um sentido pejorativo, negativo e, às vezes, repressivo da palavra. Mas, ainda bem que não é este tipo de intervenção a qual nos referimos, não é verdade? DEFINIÇÃO: No campo dos problemas de aprendizagem, entendemos por intervenção, um conjunto de técnicas, métodos e procedimentos capazes de mitigar ou eliminar os efeitos de tais problemas. Aguilera e Rodrigues (2003), a partir dos estudos de Ellis (1993), ressaltam como relevantes os três grandes momentos que dão origem aos modelos de intervenção relacionados às dificuldades de aprendizagem (AGUILERA E RODRIGUEZ, 2003 apud ELLIS, 1993b). Na tabela 6, apresentamos estes períodos que marcam historicamente os modelos de intervenção na prática de nossos profissionais. Tabela 6: Etapas que marcam a história dos modelos intervenção. Momento Características Apresentação do termo Learning Disabilities Kirk (1963) apresenta esta expressão e desenvolve testes e programas de intervenção dirigidos aos processos psicológicos básicos (percepção, atenção, memoria, etc.) implicados na aprendizagem. Este autor define as dificuldades de aprendizagem como resultado de possíveis alterações. Hammil e colaboradores criticam os modelos anteriores As críticas ampliam e conduzem os profissionais para analisar questões centradas no contexto da aprendizagem. O modelo médico-clínico passa a ser refutado. Processos Cognitivos e Aprendizagem46 Processamento da informação A eficácia deste novo paradigma se faz notar por vários investigadores e profissionais. Construtivismo e Instrução Existe uma convergência entre o construtivismo e os paradigmas de instrução. Fonte: Adaptado de Aguilera, 2003. Gondim, Bastos e Peixoto (2010) observaram que, a partir de uma pesquisa realizada sobre o trabalho dos psicólogos brasileiros, “indícios apontam que o modelo de intervenção individual está sendo substituído por outro modelo, mais fortemente focado na intervenção social” GONDIN, BASTOS e PEIXOTO, 2010, p. 192 apud LOPES E NASCIMENTO, 2015). Mesmo que as atividades em clínica de avaliação psicológica continuem como principais áreas de atuação da psicologia em nosso país, a psicologia da educação, campo consolidado e extremamente vasto em pesquisas, publicações e propostas de intervenção no Brasil, tem uma discussão ampla e expressiva sobre avaliação e intervenção em processos de aprendizagem. Estamos de acordo com o questionamento de Facci e Souza (2014): Se compreendemos as dificuldades escolares como expressão de um conjunto de relações que se estabelecem no processo de escolarização, constituídas por dimensões pedagógicas, institucionais, políticas, culturais e sociais, como construir métodos de avaliação que contemplem a complexidade do fenômeno estudado? (Facci e Souza, 2005) Assim, as autoras concluem que, (...) o foco do trabalho do psicólogo, do psicanalista ou do psicopedagogo está nas crianças e na forma como estes pensam ou compreendem a aprendizagem, e a intervenção deve ser feita a partir dela e/ou da de sua família. É sobre ela que recai o acompanhamento, tanto clínico quanto cognitivo (FACCI E SOUZA, 2014, p. 389). Processos Cognitivos e Aprendizagem 47 Dessa forma, a avaliação e a intervenção são processos que se complementam onde os profissionais devem buscar caminhos que respeitem o sujeito e seu contexto histórico e social. Assim, entender a intervenção como um processo contínuo e de constante aprendizado é, portanto, um avanço na prática do profissional. SAIBA MAIS: Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: “A pesquisa intervenção em psicologia da educação e clínica: pesquisa e prática psicológica” (SZYMANSKI e CURY, 2004) disponível na Internet e acessível pelo link: http://bit.ly/36vd5c4 RESUMINDO: Vamos resumir o que você aprendeu até aqui, neste capítulo? Primeiramente, foi necessário definir um marco conceitual das expressões “problemas de aprendizagem” e “dificuldades de aprendizagem”. Partindo desta premissa, você deve ter entendido o que significa aprendizagem e como essa compreensão pode contribuir com os objetivos e necessidades do campo profissional em que se pretende atuar. A partir disso, foi proposta uma revisão da literatura sobre os conceitos de “problemas de aprendizagem” e “dificuldades de aprendizagem” em uma visão histórica, que contribuiu, de modo geral, para o que hoje conhecemos como psicologia cognitiva. Na sequência, nos referimos ao conceito de avaliação, dentro de um marco global na área de psicologia para compreender este processo e sua representatividade no contexto da intervenção psicológica e educacional. Isso porque consideramos como competência fundamental à formação de qualquer profissional desta área. Também reconhecemos o conceito de intervenção como uma continuidade do processo de avaliação, defendido por muitos autores como complementar. Processos Cognitivos e Aprendizagem48 Aspectos psicossociais e cognitivos INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo, você será capaz de entender como os estudos dos aspectos psicossociais e cognitivos influenciam os processos de ensino-aprendizagem. Isso será fundamental para conceber a ideia sobre o pensamento humano e as influências que este exerce sobre o contexto social. Vamos lá! Os estudos sobre aspectos cognitivos e aprendizagem se dividem entre os que trabalham com uma maior ênfase no interacionismo e na abordagem do processamento da informação. Neste sentido, cabe destacar: � Teoria psicogenética de Piaget: Para Piaget (1983), a cognição humana é uma forma de adaptação biológica, na qual o conhecimento é construído aos poucos a partir do desenvolvimento das estruturas cognitivas que se organizam de acordo com os estágios de desenvolvimento da inteligência. Assim, desenvolvimento cognitivo está ligado aos processos de assimilação e acomodação que promovem o equilíbrio, variando de acordo com a idade (FLAVELL; MILLER, P.H.; MILLER, S.A., 1999; STERNBERG, 2000). � Teoria sócio-histórica de Vygotsky:Para Vygotsky (1998), o conhecimento é construído durante as interações entre os indivíduos em sociedade, desencadeando o aprendizado. Assim, o processo de mediação se estabelece quando duas ou mais pessoas cooperam em uma atividade, possibilitando uma reelaboração. Nesse sentido, os adultos que proporcionam modelos de comportamento organizam e estruturam a participação das crianças em atividades, sendo denominados “incentivadores cognitivos” na “participação orientada” (FLAVELL, 1979; MILLER, P.H; MILLER, S.A. (1999). Entretanto, as crianças não são passivas; assimilam o conhecimento e o reelaboram, viabilizando novas atitudes e gerando novos comportamentos, sucessivamente. Processos Cognitivos e Aprendizagem 49 A abordagem do processamento das informações compreende que nosso cérebro está em pleno desenvolvimento desde que nascemos. A adaptação e o processo de desenvolvimento cerebral envolvem processos cognitivos básicos, que nos permitem avançar, cultural e socialmente, para compartilharmos eventos com outros seres humanos, promovendo, assim, sua integração ao meio ambiente. IMPORTANTE: Lembre-se que a cognição equivale à capacidade do ser humano para processar a informação a partir da percepção, da experiência e do indivíduo. Para que isto aconteça, será necessário colocar em prática outros processos, como a atenção, a memória, a aprendizagem, o pensamento, entre outros. Baseando-se nas teorias do processamento da informação, a percepção seria a base para que outros processos cognitivos, tais como a linguagem, o pensamento e a inteligência, que são considerados complexos, se desenvolvam. O conhecimento Figura 21: Imagem meramente ilustrativa em alusão ao conhecimento humano. Fonte: Pixabay Processos Cognitivos e Aprendizagem50 Você sabe o que é o conhecimento? Como o conhecimento pode configurar nossa percepção sobre o mundo? A partir de agora, iremos estudar as relações que se estabelecem entre o conhecimento (conteúdos), o pensamento (processos cognitivos) e a interação social. Estas relações podem influenciar a maneira de compreender o funcionamento da mente humana. Vejamos, primeiramente, o papel do conhecimento nas atividades do ser humano. Você sabe como o disco rígido de seu computador consegue armazenar tantas informações? Figura 22: Imagem meramente ilustrativa. Fonte: Pixabay Em um HD (hard disk, ou disco rígido), sabemos, precisamente, quanto de informação somos capazes de armazenar em sua mídia. Mas, no caso da mente humana, qual seria o espaço necessário para armazenar todo o conhecimento de que dispomos, e iremos dispor até o final de nossa vida? Podemos armazenar conteúdo sem considerar o espaço que necessitamos? O espaço que ocupa uma memória de computador não é o mesmo espaço que ocupa a memória operativa do ser humano. Por isso, em um computador, bem como em outros dispositivos, temos a opção de expandir a memória para armazenar mais e mais conteúdo. Agora, veja que interessante! O ser humano registra os conteúdos de forma diferente para economizar este espaço físico de armazenamento. A nossa memória operativa trabalha com um espaço reduzido e limitado. Por isso, nosso conhecimento é dividido em conhecimento geral e específico. DEFINIÇÃO: O conhecimento geral é aquele relacionado ao domínio do vocabulário e às habilidades de processamento da informação implicados na realização de uma tarefa. Processos Cognitivos e Aprendizagem 51 Vejamos algumas situações em que lançamos mão de nosso conhecimento geral: 1. Reconheço uma informação. 2. Interpreto esta informação. 3. Apresento esta informação ao mundo de diferentes maneiras. Intuitivo, não? Vejamos, então, o que significa o conhecimento específico: DEFINIÇÃO: Oconhecimento específico se refere a um determinado tema que o ser humano deve dominar sobre uma tarefa específica da ciência e da realidade que o rodeia. Consegue imaginar situações em que utilizamos conhecimentos específicos? Então, vejamos alguns exemplos: 1. Qual é o tipo de tarefa que temos para executar? 2. Em que consiste essa tarefa? 3. Como se forma ou qual é a estrutura desta tarefa? 4. Esta tarefa traz consequências para a vida do indivíduo ou grupo? Por ser um tema que chama muita a nossa atenção, vamos ampliar nossas considerações sobre o conhecimento específico. Pinto (2001) nos indica que: (...) as investigações realizadas no âmbito da psicologia cognitiva, nas áreas de aprendizagem e memória humanas, têm implicações importantes a nível escolar. Esclarece o autor que, nesse contexto, a aprendizagem não é independente dos outros processos mentais de atenção, percepção, memória e raciocínio, sendo o conhecimento de que somos portadores, oriundo do resultado da mediação, mais ou menos coordenada, dos vários processos cognitivos. (PINTO, 2001, p. 1). Processos Cognitivos e Aprendizagem52 Conhecimento declarativo DEFINIÇÃO: O tipo de conhecimento declarativo é aquele que identifica um determinado objeto, por exemplo: um carro. Este conhecimento é representado por meio de proposi- ções. Você sabe o que uma proposição representa uma unidade básica de informação no sistema de processamento de informação. Corresponde a uma ideia (GAGNÉ, 1985). Em outras palavras, esta ideia deve apresentar um significado linguístico que possa afirmar ou negar um conceito. Também devemos observar que, em uma proposição, coexistem dois elementos: uma relação e um argumento. Beltrán (1995) explica que o conhecimento declarativo abarca ideias, generalizações e teorias que foram armazenadas ao longo da vida, e está representado na memória em forma de redes de proposições (BELTRÁN et al. 1987, 1995). Vejamos o exemplo de Alicia: “Alicia é uma aluna inteligente e atualmente está cursando o 3º ano da educação básica. Sua professora solicitou que ela relatasse para seus companheiros os nomes de todos os estados brasileiros e suas respectivas capitais. Como era de esperar, Alicia recitou todos os nomes de estados e capitais sem titubear” (Autor, 2019). Este é um exemplo de conhecimento declarativo, pois agrupa as informações por meio de dados anteriormente estudados. Assim, as ideias que se constituem como argumentos representam os nomes, os pronomes e, também, os verbos e os adjetivos. A relação de uma proposição delimita a ideia e, por isso, identifica-se diretamente com os verbos, adjetivos e advérbios. Conhecimento procedimental O conhecimento procedimental relaciona-se com o modo de se fazer ou se colocar uma ideia em prática, ou seja, o de produzir algo. Mas, como fazer ou executar uma tarefa? Processos Cognitivos e Aprendizagem 53 Como construir uma casa, uma resenha ou um trabalho de fim de curso? Analise e aprecie a figura 23. Como foi construída esta casa, que hoje é o museu “Casa dos Contos”? Você pode reconhecer o estilo de construção? E, o que pode dizer sobre o seu estilo arquitetônico? Figura 23: Museu “Casa dos Contos” Fonte: Foto por Luis Rizo - obra de domínio público. Wikimedia commons Então, propomos as seguintes perguntas: Que estilo arquitetônico foi empregado, e qual método de construção foi utilizado? Essas perguntas podem ser respondidas a partir de duas variáveis. Primeira: se o meu conhecimento é declarativo ou estático, posso indicar a resposta se recordo as informações. Segunda: para essa, utilizo uma resposta mais criteriosa, com outros argumentos fundamentados em pesquisa. Isso pode indicar que conheço outros procedimentos para a construção de uma casa, por exemplo. O conhecimento procedimental é dinâmico e pode transformar a informação. Vamos a outro exemplo de conhecimento procedimental? Alicia necessita realizar a seguinte multiplicação: 919×3. Como ela realizará esta multiplicação? Para realizar esta operação, Alicia deverá transformar as informações iniciais em outra, para obter o resultado de 2.757. Portanto, a regra para distinguirum conhecimento procedimental de outro é verificar se eles podem ser representados por uma produção ou relação de condição-ação. Processos Cognitivos e Aprendizagem54 Observe a tabela 7. Ela oferece alguns questionamentos para discernir entre os tipos de conhecimento declarativo e procedimental. Tabela 7: Perguntas para avaliar o conhecimento declarativo, procedimental e ambos CONHECIMENTO DECLARATIVO 1. Neste estado, a idade legal para beber álcool é a partir dos 18 anos. Verdadeiro ou falso? 2. Moby Dick foi escrito por . a. Hawthorne b. Thoreau c. Melville d. Hemingway 3. Escreva o conceito de círculo. 4. Descreva os fatos e acontecimentos que levaram à Primeira Guerra Mundial. CONHECIMENTO PROCEDIMENTAL 1. Qual das figuras representa um triangulo? a. b. c. COMBINAÇÃO DE CONHECIMENTOS PROCEDIMENTAL E DECLARATIVO 1. Escreva uma redação sobre o tema: A principal causa da Segunda Guerra Mundial. Seja convincente! Gagné (1985) observa que a distinção entre o conhecimento procedimental e o declarativo foi identificada pelo filósofo Ryle (1949), e é um aspecto fundamental da teoria de aprendizagem de Gagné (1977). A autora indica que esta distinção também aparece na teoria cognitiva de J. R. Anderson (1976), e ainda esclarece que, muitos dos psicólogos que realizam essa diferenciação, destacam que estes conhecimentos são independentes um do outro. Já outros psicólogos não encontram nenhuma diferença (Gagné, 1985). O que você pensa a respeito? São Processos Cognitivos e Aprendizagem 55 diferentes? Um professor poderia notar esta diferença em sala de aula? De modo geral, os conhecimentos declarativo e procedimental são muito importantes na dinâmica da vida escolar e, por isso, são temas de investigação da psicologia cognitiva. Conhecimento condicional O conhecimento condicional, ou melhor, o raciocínio condicional envolve duas cláusulas: uma delas é denominada “Se” e a outra “Então”. Este tipo de conhecimento postula o “quando” e o “porquê” devemos aprender uma determinada ideia. A cláusula “Se” especifica uma ou mais condições para produzir e executar uma tarefa. De outro modo, a cláusula “Então” organiza estas ações de forma racional para que sejam executadas. Beltrán (1995) define o conhecimento condicional como essencial, porque sinaliza o campo de aplicação do conhecimento, evitando conhecimentos estáticos e favorecendo a transformação de uma tarefa primária em uma nova tarefa. Em linhas gerais, ele esclarece que, se ensinamos uma pessoa o que é um resumo (conhecimento declarativo), se ensinamos como produzir (conhecimento procedimental) e se ensinamos para que serve (ou sua utilidade), estamos ensinando um conhecimento condicional, discriminando a razão deste comportamento (BELTRÁN, 1995, p. 133). Você irá reconhecer isto, na prática, quando ouvir falar do conhe- cimento específico no processo de aprendizagem ou compreensão de conceitos, de modo significativo. SAIBA MAIS: A casa dos contos, hoje Museu, está localizada na cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, e foi construída entre 1782 e 1787. Seu projeto está atribuído a José Pereira Arouca e se classifica como um casarão. Este casarão é um dos vários emblemas do turismo em Minas Gerias e foi construído para ser a residência de João Rodrigues de Macedo, cobrador de impostos da Capitania de Minas Gerais. Visite a página da Cidade de Ouro Preto, acessível pelo link: http:// bit.ly/2C9eGq4 Processos Cognitivos e Aprendizagem56 A teoria dos esquemas DEFINIÇÃO: A ideia de compreender o homem por sua mente e ações se inicia com Sócrates. Ele inovou o pensamento metafisico de tamanha maneira, que a filosofia passou a ser dividida em filósofos pré e pós-socráticos! Mas afinal o que ele disse de tão inovador?. Bruning et al (2012) explica que “antes da década de 1970, o conceito de esquema era uma noção escura da psicologia experimental, aparecendo em uma perspectiva histórica na obra de Bartlett (1932) e nos trabalhos do filósofo do século XVIII Inmanuel Kant, que se referia às ‘regras da imaginação’, mediante às interpretações da experiência.” (BRUNING et al., 2012, p. 52) Vamos comprar uma casa? O que é necessário saber para comprar- mos uma casa? Observe a figura 24. Ela ilustra o plano de uma casa. Figura 24: Museu “Casa dos Contos” Processos Cognitivos e Aprendizagem 57 A imagem retratada na figura 24 representa o que lembramos quando desejamos comprar uma casa. Por exemplo, quais são as primeiras informações que devemos saber sobre a casa? Quantos quartos tem? Quantos banheiros? Para entender, quando vamos realizar uma compra desta magnitude, é prático listar uma série de itens ou desejos para efetivar a compra. No caso deste exemplo, a teoria dos esquemas pressupõe que existe uma representação mental ou conceitual sobre a “casa dos nossos sonhos”. Por isso, toda informação que organizamos está repleta de novos conteúdos, que se relacionam entre si. Mesmo assim, a teoria do esquema, apesar de ser criticada por apresentar um caráter geral e impreciso sobre o conhecimento, continua sendo utilizada por muitos pesquisadores cognitivos, que seguiram ampliando suas investigações e desenvolvendo conceitos, com base nos esquemas da percepção, da memória e da solução de problemas. Pensamento Você pensa? Pare e pense. Pense rápido! O que está pensando agora? Qual é o modo que o ser humano utiliza para pensar? São tantas perguntas e tão poucas respostas. Talvez nenhuma. Mas o simples exercício de pensar sobre estas perguntas nos faz parar e revisar a literatura sobre os estudos e investigações sobre o pensamento. Figura 25: William Shakespeare (1564-1616). Fonte: Wikipédia. Biólogos, nutricionistas, psicólogos, pedagogos, médicos, neurólogos, neurocientistas, educadores das atividades físicas e você estão preocupados em descobrir os propósitos ou as bases do ato de pensar ou de codificar uma informação ou mensagem. Processos Cognitivos e Aprendizagem58 Por isso, a maneira e as estratégias de pensamento se revitalizam em distintos campos de pesquisa no Brasil e no mundo. Por que e para que devemos ensinar a pensar? Como profissionais, que necessidade possuímos de ensinar alguém a pensar? Encontramos algumas respostas: Nickerson (1985) responde que: os estudantes estariam bem equipados para competir efetivamente pelas opções educativas, postos de trabalho, reconhecimento social e gratificações no mundo social, isso quer dizer que, teriam mais possibilidades de sucesso na vida” (BELTRÁN, 1995, p. 144). Glaser (1984) esclarece que “um pensamento crítico ajuda o cidadão a formular julgamentos inteligentes em temas públicos, contribuindo democraticamente para a resolução de problemas sociais” (BELTRÁN, 1995, p. 144). Pois bem, como profissionais, das respostas encontradas, e seguindo nosso campo ético de formação, verificamos que seria impossível negar a alguém nossa colaboração para aprender a pensar. Isso porque acreditamos que todos os indivíduos devem estar preparados para tomar sábias resoluções em suas vidas e poderem compartilhar decisões em benefício de si mesmos, para viverem em sociedade. IMPORTANTE: Acreditamos que os profissionais devam ampliar sua prática de ensino para que o indivíduo aprenda a pensar. Por outro lado, apontam Bereiter e Scardamalia, “se os professores se limitam a ser apenas transmissores de conhecimento, o resultado pode ser que os estudantes adquiram um conhecimento inerte, quer dizer, conhecimento inútil, que não será utilizado porque não está representado na memória a largo prazo, de um modo adequado que possa facilitar a recuperação, ao não estar conectado com o resto dos dados informativos na rede cognitiva do sujeito” (BERIETER E SCARDAMALIA, apud BELTRÁN, 1995, p. 147). Processos Cognitivos e Aprendizagem 59 Interação social O que você pode dizer sobre as relações que estabelecemos uns com osoutros? Interagimos socialmente com facilidade? Aprendemos com estas interações? Até que ponto podemos aprender e ensinar uma tarefa para um companheiro de classe? Chegamos ao ponto em que o pensamento humano e suas interações sociocognitivas passam a ser o foco da atenção dos investigadores de diferentes áreas do conhecimento. Assim, o social e cognitivo passam a representar um movimento teórico com raízes nas ideias de Piaget e Vygotsky, que fundamentam o desenvolvimento cognitivo relacionando às interações do indivíduo com o ambiente. Piaget descreve a construção do conhecimento por meio de estágios de desenvolvimento cognitivo, que se daria na relação do indivíduo, suas condições orgânicas em cada fase do desenvolvimento e do ambiente. Vygotsky, embora interacionista, como Piaget, coloca em sua pesquisa uma ênfase na importância dos aspectos sociais para a compreensão do desenvolvimento cognitivo na relação socio-histórica, ou seja, o homem como um ser social que, em uma relação dialética com o meio, constrói sua condição humana e modifica historicamente a humanidade (ontogênese) . Na teoria sócio-histórica, as relações interpessoais, denominadas de intersubjetividade, são a base para formação da subjetividade, como, por exemplo, os aspectos cognitivos. Analisando um pouco dos pressupostos teóricos de Piaget, notamos que ele considera a criança como ser ativo e responsável pelo seu desenvolvimento, selecionando os estímulos do meio e interagindo com estes. O indivíduo passa a ser o maior protagonista na relação indivíduo-meio, buscando e controlando seus estímulos com o meio para construir seu conhecimento. Piaget completa sua ideia, alertando que esta busca de estímulos está organizada por estruturas cognitivas que direcionam o sujeito em suas escolhas. Libâneo (2004) comenta que “o suporte teórico de partida é o princípio vygotskiano de que a aprendizagem é uma articulação de processos externos e internos, visando à internalização de signos culturais pelo indivíduo, o que gera uma qualidade autorreguladora Processos Cognitivos e Aprendizagem60 às ações e ao comportamento dos indivíduos. Esta formulação realça a atividade sócio-histórica e coletiva dos indivíduos na formação das funções mentais superiores, do caráter de mediação cultural do processo do conhecimento e, ao mesmo tempo, da atividade individual de aprendizagem pela qual o indivíduo se apropria da experiência sociocultural como ser ativo.” (LIBÀNEO, 2004, p. 6) Por isso, devemos considerar que a relação de aprendizagem com o indivíduo deverá proporcionar condições de ensino- aprendizagem que fomentem capacidades e habilidades do pensar a partir das condições internas do sujeito, relacionando- as com o contexto sociocultural. EXPLICANDO MELHOR: Biólogo de formação, Piaget considera que “não é possível compreender o desenvolvimento psicológico sem considerar suas bases orgânicas” (PIAGET, 1971 apud RODRIGO, 1984, p. 692). Rodrigo (1984) esclarece que esta frase de Piaget não indica um retorno a programas inatistas que tratam de explicar o desenvolvimento cognitivo, levando a variáveis biológicas, mas sim que buscam a existência de uma continuidade entre mecanismos biológicos básicos e desenvolvimento cognitivo. Assim, o desenvolvimento da inteligência é um caso particular do desenvolvimento biológico geral, e seu funcionamento é uma forma especial da atividade biológica. Piaget, neste caso, refere- se ao desenvolvimento cognitivo como uma embriologia mental” (PIAGET, 1947, 1950 apud RODRIGO, 1984 p. 692). SAIBA MAIS: Se você deseja aprender mais coisas sobre as ferramentas informáticas da ciência cognitiva, leia o capítulo de Aitkenhead e Slack em Issues in cognitive modeling (1985), ou, se prefere aprofundar-se na metodologia de pesquisa sobre a cognição, leia Methods and tactics in cognitive Science (1984), de Kintsch, Miller e Polson. Processos Cognitivos e Aprendizagem 61 RESUMINDO: Chegou a hora de sintetizar tudo o que vimos neste capítulo. Você deve ter compreendido a importância dos estudos sobre os aspectos psicossociais e cognitivos. Primeiro, analisamos que o conhecimento representa as informações, mentalmente, seguindo as formas de: preposições, reproduções e imagens. Segundo, você entendeu que o conhecimento declarativo nos traz a ideia de proposições. Uma proposição é a unidade básica de informação e consiste em uma ideia. Quando identificamos o conceito de algo, sabemos o que nos referimos ao conhecimento declarativo. Terceiro, o conhecimento procedimental é aquele que executa uma tarefa sobre uma determinada informação, ou seja, o saber fazer algo. Quarto, o conhecimento condicional responde ao raciocínio sobre determinado objeto ou ideia. Em outras palavras, ele responde para que serve ou qual a utilidade de algo. Quinto, a teoria dos esquemas está representada por estruturas mentais que organizam o conhecimento. Sexto, atualmente existem inúmeras investigações sobre o ato de pensar humano, com o objetivo de investigar e melhorar as condições de aprendizagem para a vida. Por último, verificamos que a interação com o meio é um dos fatores que influenciam o conhecimento humano. A partir disso, foram promovidas investigações situadas na psicologia cognitiva. Processos Cognitivos e Aprendizagem62 REFERÊNCIAS BECK e ALFORD, 2000 apud BALS E NAVOLAR, 2004, p. 4. NEVES, D. A. Ciência da informação e cognição humana: uma abordagem do processamento da informação. Ci. Inf. Brasília, v35, nº1, p. 39-44., 2006. FACCI, Marilda Gonçalves Dias; SOUZA, Marilene Proença Rebello de. O processo de avaliação-intervenção psicológica e a apropriação do conhecimento: uma discussão com pressupostos da escola de Vygotsky. Rev. psicol. polít., São Paulo, v. 14, n. 30, p. 385-403, ago. 2014. 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