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Aula 02 Processos cognitivos e escola Cláudia M. C. Dias Processos Cognitivos e Aprendizagem Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Diretora Editorial ANDRÉA CÉSAR PEDROSA Projeto Gráfico MANUELA CÉSAR ARRUDA Autor EDUARDO NASCIMENTO DE ARRUDA Desenvolvedor CAIO BENTO GOMES DOS SANTOS Olá. Meu nome é Cláudia M. C. Dias. Sou formada em Pedagogia, Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Alicante. Experiência como psicopedagoga e docente a mais de 29 anos. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! Autora CLÁUDIA M. C. DIAS INTRODUÇÃO: para o início do desenvolvimen- to de uma nova competência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser prioriza- das para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e inda- gações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofun- damento do seu conhecimento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últimas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma ativi- dade de autoapren- dizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; Iconográficos Olá. Meu nome é Manuela César de Arruda. Sou a responsável pelo pro- jeto gráfico de seu material. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: SUMÁRIO Atenção, percepção e memória 10 O que é atenção? 10 Conceito de atenção 11 Atenção seletiva: o que é? 11 Atenção Sustentada 12 Atenção focalizada 13 Atenção dividida 13 Percepção 13 A Memória 16 Um pouco de história 16 Esquemas: os estudos de Bartlett 18 Emoção, conceitos e categorização 21 Emoção 24 O desenvolvimento emocional 26 A expressão emocional 27 Empatia 28 Funções executivas, resolução de problemas e linguagem 29 O que são as funções executivas? 29 Primeira Infância: o que é? 31 Primeira Infância no Brasil 32 Resolução de Problemas 33 Perspectiva histórica 33 Estratégias para resolver problemas 34 Linguagem 36 Linguagem e psicologia cognitiva 36 O processo escolar de ensino-aprendizagem, conceitos e características 38 A cognição na escola 38 Conceito de Aprendizagem 41 Aprendizagem e suas definições 41 Como aprendemos? 42 Como ensinamos? 44 Concepções de aprendizagem 45 Processos Cognitivos e Aprendizagem 7 UNIDADE 02 PROCESSOS COGNITIVOS E ESCOLA Processos Cognitivos e Aprendizagem8 Você sabia que os processos cognitivos estão relacionados à vida escolar de nossos alunos? Já parou para pensar que o desenvolvimento cognitivo deve ser trabalhado na escola desde os primeiros dias de aula? Pensando nisso, convidamos você para a conhecer e analisar uma revisão da literatura sobre este tema, visando contribuir para a compreensão dos processos cognitivos. Neste capítulo serão apresentados os conceitos de atenção, percepção e memória. Sobre a atenção, iremos apresentar sua definição e conhecer suas características. A partir disso, estudaremos sobre a percepção e aprofundaremos nossos conhecimentos sobre a memória. Na sequência vamos conhecer os conceitos e algumas categorizações da emoção. Esses temas são relevantes para entendermos as funções executivas e como elas estão ligadas à resolução de problemas e ao desenvolvimento cognitivo da linguagem, temas do terceiro tópico deste capítulo. No último tópico conheceremos algumas teorias de aprendizagem e alguns conceitos relacionados ao processo de ensino aprendizagem. INTRODUÇÃO Processos Cognitivos e Aprendizagem 9 Olá! Seja bem-vindo à Unidade 2, o objetivo desta unidade é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Compreender os conceitos de atenção, percepção e memória. 2. Conhecer algumas teorias sobre o desenvolvimento da emoção nas habilidades adquiridas pelo indivíduo. 3. Identificar as funções executivas, relacionando com as habilidades de resolução de problemas e o processo de desenvolvimento da linguagem. 4. Compreender o processo de ensino-aprendizagem, seus conceitos e principais características para o conhecimento humano. Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! OBJETIVOS Processos Cognitivos e Aprendizagem10 Atenção, percepção e memória Analisar os conceitos de atenção e percepção sob a perspectiva da psicologia cognitiva. Conhecer os estudos sobre a memória e suas relações com a atenção e a percepção. OBJETIVO: A ideia de compreender o homem por sua mente e ações se inicia com Sócrates. Ele inovou o pensamento metafisico de tamanha maneira, que a filosofia passou a ser dividida em filósofos pré e pós-socráticos! Mas afinal o que ele disse de tão inovador?. O que é atenção? Considerada como uma das funções mais importantes de nosso cérebro, a atenção é reconhecida como uma temática de máxima importância por muitos pesquisadores. A atenção é uma das atividades mais complexas do cérebro e para estudá- la é necessário que estejamos atentos. Nossa vida e realidade estão cheias de símbolos que nos remetem a um determinado momento ou ponto de atenção. Figura 1: Sinal de atenção Fonte: Flaticon Pois bem, atenção é dar foco a determinado acontecimento, aspecto ou fato em detrimento de outras situações que estão acontecendo. Por exemplo, pense quantas vezes já te fizeram a pergunta “Você está prestando atenção?”. Vamos conhecer o conceito de atenção. Processos Cognitivos e Aprendizagem 11 Conceito de atenção Podemos definir o termo “atenção” de modo geral como: DEFINIÇÃO: “Atenção” se refere a concentração e ao foco da atividade mental (MATLIN, 1983 apud BEST, 2001, p. 41). Em outras palavras, é o esforço mental que se realiza conscientemente para eleger um determinado estímulo. Segundo Luria (1984) a atenção é o fator responsável por extrair os elementos essenciais para a atividade mental, um processo que mantém uma vigilância sobre o curso preciso e organizado da atividade mental. Já William James destaca a seletividade como um parâmetro de possessão pela mente, de forma clara e vívida, de um entre vários objetos ou pensamentos que podem aparecer simultaneamente (REBOLLO et al., 2006). Fúster (1995) sinaliza e inclui alguns aspectos sobre a atenção denominados de “preparação”, também conhecido como memória de funcionamento ou como memória seletiva. O autor classifica a atenção como: atenção seletiva, atenção sustentada, atenção focalizada e atenção dividida (REBOLLO et al., 2006). Atenção seletiva: o que é? São necessárias duas perguntas prévias para iniciar o estudo e denominar o que é a atenção seletiva: Você consegue dirigir e dançar ao mesmo tempo que está falando por telefone? É fácil? Ou talvez você seja um craque em comer e cantar, ao mesmo tempo em que realiza exercícios de yoga? Parecem ideias e ações controvérsias, mas na realidade pode ser que consigamos executar uma atividade ou outra, desde que não tenhamos nenhum estímulo que desvie nossa atenção. Processos Cognitivos e Aprendizagem12 Atenção Sustentada Quantas horas de estudo você consegue manter em uma rotina diária? Podemos afirmar que a atenção sustentada está relacionada a quantidade de tempo que o indivíduoconsegue focar sua atenção em uma tarefa. A atenção sustentada nos permite investigar sobre a temporalidade e qualidade da atenção de um determinado indivíduo. Sancovschi e Kastrup (2013) afirmam que: [...] o problema da sustentação da atenção resume-se a como fazer com que a atenção se mantenha de maneira a garantir que a tarefa seja realizada com eficiência, trata-se, portanto, de uma questão de performance, e não de um tempo necessário à experiência de estudo (SANCOVSCHI E KASTRUP, 2013, p. 195). As autoras apresentam, em seus estudos, as duas possibilidades que foram analisadas por W. James para sustentar a atenção: a via do esforço e a via do interesse. De acordo as os estudos de W. James, o tempo que um indivíduo deve dedicar aos estudos dependerá exclusivamente de seu interesse pela tarefa que será executada. A preocupação central no estudo sobre a atenção sustentada está baseada, fundamentalmente, na análise de como esse tipo de atenção influencia na performance da realização de uma tarefa pelo indivíduo. IMPORTANTE: Quando selecionamos um estímulo principal e descartamos outros, ou seja, aqueles que consideramos secundários para completar uma tarefa ou ação, estamos categorizando nossa atenção. Então, esta escolha seletiva se caracteriza pela seleção de uma mensagem principal em detrimento a um conjunto de informações que denominamos como secundário. Por isso, chamamos de “atenção seletiva” este tipo de seleção da informação. Processos Cognitivos e Aprendizagem 13 Um exemplo de atenção sustentada é manter-se concentrado por três a quatro horas em determinada atividade como ler um livro, assistir uma palestra ou ver um filme. Atenção focalizada A atenção focalizada ou concentrada está relacionada a situações em que, ao contrário da atenção seletiva, o foco é destinado apenas à uma atividade ou situação. Nesse caso, a atenção está voltada para uma única ação e não conta com a intervenção de fatores externos. Ou seja, a pessoas se desliga completamente do ambiente e foca exclusivamente na atividade que está realizando naquele momento. Atenção dividida A atenção dividida ou alternada permite que o indivíduo realize mais de uma atividade ao mesmo tempo, é necessário cuidado para não confundir com falta de foco. Para muitas pessoas, por exemplo, é fácil estudar e ouvir música ao mesmo tempo, pois consideram que sejam tarefas complementares. No entanto, para outras isso é algo extremadamente difícil, às vezes sendo impossível realizar duas atividades ao mesmo tempo. Agora que já conhecemos um pouco sobre os tipos de atenção, vamos entender o conceito de percepção. Você já parou para pensar no significado de percepção? Vamos ver o que alguns autores falam sobre a percepção. Percepção Segundo o dicionário Aurélio, percepção é: “Ação ou efeito de perceber, de compreender o sentido de algo por meio das sensações ou da inteligência: percepção do sofrimento, do clima”. Ou seja, sempre que entendemos o frio ou o calor, o quente ou o gelado, o triste ou o feliz, trata-se de uma percepção. Processos Cognitivos e Aprendizagem14 De acordo com Chauí, a percepção da sensação, conforme a tradição filosófica do século XX, se dá pelo grau de complexidade. Enquanto a sensação é definida como uma reação corporal imediata a um estímulo ou excitação externa, sem que seja possível distinguir no momento da sensação o estímulo exterior e interior. Assim, quando um sujeito verbaliza que algo está quente, por exemplo, quer dizer que a comida está quente, isto é, as qualidades são sentidas de forma mais ampla e complexa do que uma sensação isolada. Concluindo, só existem sensações sob a forma de percepções, isto é, sínteses de sensações (CHAUÍ, 2000). Chauí (2000) explica que a sensação seria um ponto do objeto externo que entra em contato com algum dos sentidos para chegar ao cérebro e retornar ao ponto de origem sensorial. A causa do conhecimento sensível é a coisa externa, de modo que a sensação e a percepção são efeitos passivos de uma atividade dos corpos exteriores sobre o nosso corpo (CHAUÍ, 2000, p 152). CHAUÍ (2000) expõe que o termo alemão Gestalt significa: configuração, figura, estrutura, forma. IMPORTANTE: A percepção é o modo como tomamos Consciência dos objetos, em especial sobre aquilo que nos é dado pelos sentidos. A pergunta que muitos filósofos colocam acerca da percepção é a seguinte: será que o fato de percepcionarmos objetos é suficiente para justificar a nossa crença na sua existência fora da nossa consciência? (ALMEIDA et al, 2009, p. 201). A “percepção” apresenta as seguintes características em torno do seu conceito, Chauí (2000): � uma experiência dotada de significação; � a organização de formas e estruturas do mundo que estão dotadas de sentido; � uma relação do sujeito com o mundo exterior e não uma reação físico-fisiológica de um sujeito físico-fisiológico a um conjunto de estímulos externos (empirismo), nem uma ideia formulada pelo sujeito (intelectualismo); Processos Cognitivos e Aprendizagem 15 � forma de comunicação que estabelecemos com os outros e com as coisas; � um campo perceptivo que indica a relação entre o corpo, sujeito e objetos num campo de significações visuais, tácteis, olfativas, gustativas, sonoras, motrizes, espaciais, temporais e linguísticas; � envolvimento de contextos: personalidade, história pessoal, afetividade, desejos, paixões como forma fundamental do ser humano estar no mundo; � envolvimento social, sociedade e grupo; � uma maneira de ter ideias sensíveis ou significações perceptivas; � estar sujeito ao erro: ilusão. Além das características apresentadas pela autora, vamos conhecer outras definições de “percepção”, aqui faremos uma exposição sobre diferentes concepções do termo, conforme a corrente teórica: 1. Empiristas: a percepção seria advinda de uma ‘associação de sensações’. As sensações se dariam no estímulo externo, em contato com os órgãos dos sentidos, e seria processada organicamente – dando origem a percepção. 2. Intelectualistas: percepção é considerada a interpretação, dada por um sujeito ativo, das situações vivenciadas. Ou seja, depende das condições particulares do sujeito e está passível de equívocos. A partir do século XX, essas concepções são ampliadas com contribuições da filosofia e da psicologia, dando origem a duas outras correntes, que não diferenciam sensação de percepção, sendo elas: 3. Fenomenologia do conhecimento: a percepção é considerada como origem e parte principal do conhecimento humano, mas é compreendida pela subjetividade do sujeito construída na sua relação com o ambiente. 4. Psicologia da Forma (ou Gestalt): considera a relação entre os estímulos e como os percebemos, difere o todo das partes para construirmos uma percepção. Antes de passarmos para nosso próximo tópico de estudo, observe uma imagem da psicologia Gestalt. Nessa imagem algumas pessoas irão visualizar uma senhora, enquanto outras visualizam uma dama, esse é um exemplo de percepção visual. Processos Cognitivos e Aprendizagem16 Figura 2: Percepção visual Fonte: Pixabay A Memória Certamente você já deve ter parado para pensar nas histórias mais emocionantes de sua vida. Bem, não nos colocaremos nostálgicos, porque falar sobre memória irá ampliar nossas considerações profissionais e pessoais. Por exemplo, você se recorda do primeiro dia de escola? Qual foi a primeira palavra que disse no entorno familiar? Um pouco de história Vamos conhecer um pouco sobre o trabalho de um filósofo e psicólogo chamado Hermann Ebbinghaus (1850-1909). Suas pesquisas contribuíram para o desenvolvimento de um vasto campo de estudos sobre a memória. Ebbinghaus decidiu estudar a memória a partir de novos conhecimentos, um de seus experimentos consistia em estudar uma combinação de sílabas sem sentido, com o objetivo de aprender e recordar. Como umgrande pesquisador experimental (Baddeley, 1990), controlou o estudo de cada sílaba com um metrônomo que marcava o ritmo cada 2 os 2,5 segundos, dependendo do tipo de estudo (Baddeley, 1990 apud BEST, 2001). Em linhas gerais, para verificar a efetividade do experimento desenvolveu um método para avaliar os resultados e elaborou o que ficou conhecido como ‘curva do esquecimento’. Processos Cognitivos e Aprendizagem 17 Figura 3 – Hermann Eddinghaus Fonte: Wikipedia Depois da grande colaboração de Ebbinghaus, que até hoje recebe admiração em distintos contextos profissionais, veremos que o enfoque do processamento de informação da memória (Atkinson e Shiffrin, 1968; Waugh e Norman, 1965) ganha grande espaço como campo de investigação e pesquisa. Pois bem, dentro do enfoque do processamento de informação, entendemos como funciona um sistema de componentes que deposita ou armazena dados que são possíveis de ser representados e que recebem o nome de códigos cognitivos. É importante destacar que esta perspectiva descreve que os códigos cognitivos podem ser transferidos de um depósito a outro, chamados de processo de controle, e que um destes ‘armazéns’ é denominado de registro sensorial (BEST, 2001, p. 88). Agora imagine quanta informação recebemos ao longo de uma hora, um dia e um ano, ou melhor, durante nossa vida. Existe espaço suficiente para armazenar toda esta informação? Quais os tipos de estímulos sensoriais que recebem informação constantemente? Pense! Para cada registro sensorial há um sentido e toda a informação recebida é alterada pelo fator tempo. Afinal, quantas memórias realmente possuímos? É importante lembrar que falar da quantidade de componentes de nossa memória nos faz perceber que existem inúmeras lembranças e que recuperá-las ou guardá-las, às vezes, não é tarefa nada fácil. Observe na tabela a seguir algumas pesquisas que relatam tipos de memória e os autores que desenvolveram essas pesquisas. Processos Cognitivos e Aprendizagem18 Tabela 1: Estudos contemporâneos sobre a Memória. PESQUISA DESCRIÇÃO Memória Associativa (Raajmakers e Shiffrin, 1981) Para guardar algum dado devemos associá-lo com uma ideia ou conceito anterior. Memória episódica e semântica (Tulvin, 1972, 1983) Este autor apresenta uma diferença dos tipos de memória permanente: 1. a memória episódica corresponde a dados pessoais; 2. a memória semântica se relaciona com a anterior e se organiza a partir dos dados de conhecimento geral que podem ser organizados hierarquicamente. Karl Lashley (1929, 1950) memória e organização cerebral. Dois princípios básicos: 1. Ação massiva; 2. Equipotencialidade. Já que estamos falando de pesquisa, vamos conhecer o estudo de Bartlett? Ele, assim como outros pesquisadores, dedicou suas pesquisas ao estudo da memória e desenvolveu um teste de memória. Esquemas: os estudos de Bartlett Bartlett (1932) realizou diversos estudos com amigos e estudantes universitários em Inglaterra e definiu o esquema como “uma organização ativa das reações ou experiências passadas” (BARTLETT, 1932 apud BEST, 2001). Seu objetivo era verificar como se armazenava e conservava a informação significativa na memória do sujeito. Os materiais utilizados foram: contos populares, fábulas etc. Leia duas vezes a história que aparece na tabela História da “Guerra dos fantasmas”. Descanse por 15 minutos. Logo, escreva tudo que possa lembrar com a maior riqueza de detalhes. Por último, compare seu resultado com os resultados dos indivíduos de Bartlett na tabela 3. Processos Cognitivos e Aprendizagem 19 Tabela 2: História da “Guerra dos fantasmas” Uma noite, dois jovens de Egulac desceram ao rio para caçar focas e enquanto estavam por ali o rio se cobriu de bruma e de silêncio. Logo ouviram gritos de guerra e pensaram: “Pode que seja de uma reunião de guerra”. Correram até a margem do rio e se esconderam atrás de uma árvore. Agora, as canoas remetiam-se ao rio e eles escutavam o som dos remos e viram uma canoa que vinha em sua direção. Haviam cinco homens na canoa, que disseram: “Que opinam? Gostaríamos de levá-los conosco. Estamos regressando ao rio para guerrear com outros”. Um dos jovens disse: “Não temos flechas”. Eles disseram: “Levamos flechas na canoa”. “Não irei com vocês. Podem matar-me. Meus parentes não sabem onde fui. Mas você”, disse voltando-se a seu companheiro, “pode ir com eles”. Um dos jovens foi com os guerreiros, mas o outro voltou a casa. Os guerreiros regressaram ao rio e chegaram a um povoado do outro lado de Kalama. As pessoas desceram ao rio e começaram a lutar, muitos morreram. Mas, na contenda o jovem ouviu dizer a um dos guerreiros: “Rápido, voltemos a casa: esse índio foi alcançado”. O companheiro ferido pensou: “Oh, são fantasmas”. Não se sentiu enfermo, eles dissessem que eu estava ferido, mas não me senti enfermo”. Contou tudo e logo ficou tranquilo. Quando saiu o sol, caiu. Algo negro saía de sua boca. Sua face estava desencaixada. As pessoas saltavam e gritavam. Estava morto. Tabela 3: Esforço de um dos sujeitos de Bartlett (1932) para reproduzir a história “Guerra dos fantasmas”. Primeira reprodução 15 minutos após ouvir a história: Dois jovens de Egulac saíram caçar focas. Acreditaram ouvir gritos de guerra e em um minuto ouviram ruídos de remos de canoa. Em uma destas canoas haviam cinco nativos, que se dirigiram para onde estavam eles. Um dos nativos gritou: “Venha conosco: vamos a guerrear com os nativos da parte alta do rio”. Os dois jovens responderam “Não temos flechas”. “Têm flechas nas nossas canoas”, responderam. Então, um dos jovens disse: “Meus conhecidos não sabem onde fui”, mas voltando a seu companheiro disse: “você pode ir”. Portanto, um voltou enquanto o outro resolveu ir com os nativos. Processos Cognitivos e Aprendizagem20 O grupo regressou ao rio até um povoado ao lado de Kalam, onde desembarcaram. Os nativos desta parte desceram ao rio para enfrentá- los. Produziu-se uma carnificina e muitos índios, dos dois lados, acabaram mortos. Logo, um dos nativos que dirigiu a expedição rio acima gritou “Regressaremos: o índio caiu”. A continuação tentou persuadir ao jovem para que regressasse, dizendo-lhe que estava ferido, mesmo que ele não se sentisse enfermo. Logo, pensou que enxergava fantasmas a sua volta. Quando regressaram, o jovem contou a todos seus amigos o que havia ocorrido. Descreveu como muitos haviam morrido em ambos os lados. Estava a ponto de amanhecer quando o jovem se sentiu muito enfermo, quando começou a sair o sol uma substância negra começou a sair de sua boca e os nativos diziam: “Está morto”. Existem muitas observações a respeito desta pesquisa e de outras, como resultado da pesquisa, Bartlett identificou que as memórias mais acuradas eram exceção – sendo que a maioria não lembrava de vários trechos da história. REFLITA: Agora é com você! Reflita sobre o estudo de Bartlett (1932) faça o teste e escreva suas impressões. RESUMINDO: Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo ? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Inicialmente, foi possível analisar os conceitos de atenção, percepção e memória relacionados às perspectivas da psicologia cognitiva. Pudemos conhecer também o conceito de “percepção”, a partir de uma perspectiva filosófica. Por último, revisamos o conceito de memória e suas características sobre o processamento da informação. Processos Cognitivos e Aprendizagem 21 Emoção, conceitos e categorização OBJETIVO: Conhecer um pouco da história que fundamenta os estudos e pesquisas sobre a emoção. Relacionar alguns conceitos sob a perspectiva da emoção, para a prática de ensino- aprendizagem. Para estudar a emoção muitas ideias nos vêm à mente. Primeiramente é necessário verificar que a emoção não é um conceito que aparece no final do século passado. Desde que o homem decidiupensar e refletir sobre o seu conhecimento e sua atuação no mundo e com os demais indivíduos, muitos filósofos se interessaram pelo tema das emoções, talvez não como a conhecemos nos dias de hoje. Assim, estudaremos o que o contexto histórico nos ensina sobre as emoções. Na Grécia antiga muitos filósofos questionaram a transcendência humana, a razão, o desejo, o espírito e a alma. Esses são temas retratados nos escritos de Platão e Aristóteles, embora com pensamentos diferenciados sobre a forma de compreender cada assunto. Aristóteles, um grande e incansável filósofo, escreveu uma obra dedicada aos sentidos (os cinco sentidos), como forma de conhecer o mundo físico e fazer alusão ao comportamento humano. Dando um salto na história, séculos mais tarde, nos encontraremos com René Descartes que realiza um estudo sobre as paixões, resultado de uma publicação em 1649 intitulada” Les passions del’áme (As paixões da alma). Descartes (1649) apresenta em sua obra uma análise criteriosa sobre as paixões ou emoções primitivas e básicas. Agora, vamos analisar o tema das emoções a partir da obra The expression of the emoticons in man and animals, do naturalista Britânico Charles Robert Darwin (1809-1882). Para o contexto da psicologia cognitiva, a obra de Darwin representa um avanço no que se conhece sobre o tema, relacionando-o com as perspectivas dos psicólogos condutistas, porque incide na questão comportamental. Processos Cognitivos e Aprendizagem22 O trabalho de William James (1842-1910), em acordo com Descartes, afirma que não choramos porque estamos tristes e sim que estamos tristes porque choramos. Ainda, postula que “as mudanças corporais seguem diretamente a percepção do fato desencadeante e que nossa sensação dessas mudanças, de acordo e como vão se produzindo, é a emoção” (James, 1890, p. 449-450). Simultaneamente, Carl Georg Lange (1834-1900) realiza estudos similares e destaca, junto com James, que o aspecto expressivo das emoções fortalece os sentimentos que as desencadeiam. John Broadus Watson (1878-1958), fundador do Condutismo, reconhece três emoções inatas a partir de sua teoria: medo, raiva (ira e cólera) e o amor, deixando claro que estas emoções são a base e o núcleo de outras reações emocionais. Analisemos algumas respostas inatas estudadas por Watson: � Medo: pausa na respiração, seguida de uma respiração acelerada, com pronunciados câmbios vasomotores, fechar o olho de modo repentino, apertar os punhos e franzir os lábios. � Ira: gritar, agitar, rigidez de todo o corpo, movimentos desorde- nados das extremidades superiores e inferiores, reter a respiração. � Amor: sorriso, abraços. Watson (1919), define sua teoria Condutista da emoção como: “uma emoção é um modelo de reação hereditário, que envolve profundas mudanças nos mecanismos corporais e, de modo geral e particular, nos sistemas viscerais e glandulares” (WATSON, 1919, p. 195). Na sequência dos fatos, Walter Bradford Cannon trouxe sua contribuição para o tema, com severas críticas aos pressupostos teóricos de James e Lange. Sua principal aportação às teorias sobre a emoção veio à tona com a divulgação de Homeostasis (Cannon, 1929), mas foram os estudos de seu aluno Phillip Bard (1898-1977) que ampliaram as considerações sobre como se compreendia as emoções, desde uma perspectiva fisiológica. Hoje conhecemos esta perspectiva teórica como ‘Cannon-Bard’, a qual considera que o tálamo é a essência biológica da expressão física e da experiência emocional. Já o hipotálamo é a essência biológica responsável pelo comportamento emocional. Processos Cognitivos e Aprendizagem 23 Figura 4 – Circuito Emocional de Cannon-Bard. Considerando os avanços e estudos sobre as questões neurais do cérebro e sua relação com as emoções, James Wenceslas Papez (1883- 1958), partidário das teorias de Cannon-Bard, aposta na investigação da essência das emoções e do comportamento emocional. Papez (1937) reafirma estudos anteriores sobre o caminho percorrido no cérebro, pelo que chamamos de emoções. Paul D. Maclean (1913-2007) contribuiu significativamente com as investigações neste campo e descreveu, em suas teorias, que o cérebro humano é composto por três unidades funcionais, a saber: 1. Cérebro Réptil: determina nosso comportamento para preservar a espécie, promove reflexos simples e instintivos. 2. Cérebro Límbico: responsável por nossos comportamentos programados para nossa sobrevivência e por controlar o nosso comportamento emocional. 3. Neocórtex: um tipo de cérebro mais evoluído que está composto por dois hemisférios (esquerdo e direito) e que nos permite pensar, falar, perceber, emocionar, imaginar, estudar, reflexionar e manter nossas relações de modo civilizado etc. Para finalizar esta relação histórica, estudaremos as perspectivas e as investigações de António C. R. Damásio, lisboense nascido em 1944. Suas investigações estão determinadas pelas bases neurológicas da mente, principalmente nas funções da memória, linguagem, emoções e o processamento de decisões, o que o leva a afirmar a impos Processos Cognitivos e Aprendizagem24 Emoção Onde anda você (Vinicius de Morais) E por falar em saudade Onde anda você Onde andam os seus olhos Que a gente não vê Onde anda esse corpo Que me deixou morto De tanto prazer E por falar em beleza Onde anda a canção Que se ouvia na noite Dos bares de então Onde a gente ficava Onde a gente se amava Em total solidão Hoje eu saio na noite vazia Numa boemia sem razão de ser Na rotina dos bares Que apesar dos pesares Me trazem você E por falar em paixão Em razão de viver Você bem que podia me aparecer Nesses mesmos lugares Na noite, nos bares Onde anda você SAIBA MAIS: Leia a seguinte publicação: O erro de Descartes de António R. Damásio, Companhia das Letras (2012). Processos Cognitivos e Aprendizagem 25 “E por falar em saudade onde anda você”, buscamos com esta canção compreender um dos temas mais interessantes e que iremos estudar nesta unidade: a emoção. As pesquisas sobre a emoção cresceram nos últimos anos, o que significa que o interesse sobre o tema tem suscitado muitos estudos nas áreas de educação e psicologia. “Em psicologia experimental, a emoção refere-se ao estado afetivo-fisiológico que um indivíduo apresenta na vigência de um teste de memória sob condições de estresse” (Baddeley, 1972 apud PERGHER et al, 2005, p. 65). Mas, você já observou que de acordo com o estímulo externo nossa emoção irá buscar uma relação direta ou indireta com a memória? Oliva et al (2006) indica um dos livros de Darwin (1872) em que os filósofos mais recentes como Espinoza e Descartes, escreveram intensamente sobre o assunto e finalizam que na literatura de ficção, assim como nos mitos, as emoções humanas desempenham um papel central (OLIVA et al 2006). Recentemente Gardner (1985), em seus estudos, nos esclarece que: [...] há decisão deliberada de diminuir a ênfase de certos fatores que podem ser importantes para o funcionamento cognitivo, mas cuja inclusão nesse momento complicaria de forma desnecessária o empreendimento científico-cognitivo. Esses fatores incluem a influência de fatores afetivos ou emoções [...] (GARDNER, 1985, p. 6 apud OLIVA et al., 2006). O que demonstra uma certa resistência de alguns pesquisa-dores em estudar um tema tão complexo, o qual se refere a processos subjetivos e que não são o enfoque das pesquisas da psicologia cognitiva. Mas, de acordo com Oliva et al (2006), a psicologia evolucionista colocou o estudo das emoções em foco, entendendo-as como programas superordenados que coordenam muitos outros, ou seja, como soluções de problemas adaptativos de mecanismos de orquestração: organizam percepções, atenção, inferência, aprendizagem, memória, escolha de objetivos, prioridades motivacionais, estruturas conceituais, categorizações, Processos Cognitivose Aprendizagem26 reações fisiológicas, reflexos, decisões comportamentais, processos de comunicação, níveis de energia e de alocação de esforços, coloração afetiva de eventos e de estímulos, avaliações da situação, valores, variáveis reguladoras (como auto-estima) e assim por diante (OLIVA et al., 2006). SAIBA MAIS: Leia a seguinte publicação: O lugar das Emoções na Ética e na Metaética. Orgs. Flavio Williges; Marcelo Fischborn; David Copp, (2018). Série Dissertatio Filosofía. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/nepfil/ O desenvolvimento emocional Gradativamente as emoções abandonam o status de coadjuvante e assumem um grande protagonismo nos estudos dos processos cognitivos. Por exemplo, quando os bebês choram ou demonstram alegria, observamos que expressam suas emoções. Com o passar dos anos e em virtude de seu desenvolvimento, essas emoções passam a ser mais específicas. Pode-se observar a alegria, a tristeza, a surpresa, o nervoso, o medo, a ansiedade etc. Estas emoções iniciam-se quando somos muito jovens e nos acompanham durante toda vida. Tabela 3: Características das emoções autoconscientes ou sócio-morais Emoção Objetivo Percepção com respeito a si mesmo Percepção em relação aos outros Tendência e Ação Função adaptativa Mani- festação fisiológica Vergonha Afeto e preservar a autoestima Não sou digno Todos sabem que tenho pouco valor Retraimen- to, repulsa dos outros Comportar- se adequa- damente; submissão. Ritmo cardíaco lento; voz baixa. Orgulho Aceitação de si mesmo e dos outros Sou competente Tenho muito valor ondutas de exibição Comportar- se adequa- damente; adaptar-se as regras Ritmo cardíaco acelerado, voz alta. Culpa Ajustar-se aos valores e normas interioriza- das Fiz algo contrário às normas Alguém sofre com a minha conduta Reparar; autocastigo Compor- tamento pró-social com boas intenções Respiração irregular, ritmo cardíaco acelerado. Processos Cognitivos e Aprendizagem 27 Na tabela, observamos que as emoções autoconscientes se referem a tudo que uma pessoa pode descobrir de si mesma. De modo contrário, tudo aquilo que se manifesta e estabelece relação social com outras pessoas seriam as emoções sócio-morais. A expressão emocional Expressar-se emocionalmente é uma das tarefas mais demandadas em nossa atualidade, em distintos campos de conhecimento e em variadas áreas de atividade profissional. Atualmente, temos à nossa disposição vários recursos e estra- tégias que facilitam a compreensão de nossas emoções. Sabemos que desde pequenininhos demonstramos nossas emoções com gestos, expressões e feições faciais. Em média, a partir dos três anos de idade selecionamos os sinais que desejamos expressar emocionalmente, mantendo uma interação com a figura de apego. Mas as grandes mudanças com respeito as expressões emocionais são definidas com o início da linguagem, é aí que ampliamos nossa rede social e a expressão emocional passa a ser uma grande ferramenta socializadora. Figura 5 – Por favor necessito de imagem parecida a esta que retrate vários rostos ou emoções. Fonte: Pixabay Processos Cognitivos e Aprendizagem28 Empatia “A empatia diz respeito à capacidade de compreender o outro através do seu ponto de referência” (Palhoco 2011, apud CORMIER, NURIUS & OSBORN, 2009). Como sabemos que uma pessoa é empática? Pois bem, é através da linguagem, comunicação não verbal e verbal que averiguamos a empatia no outro. No entanto, se observamos estas prerrogativas iremos identificar dois fatores básicos: o cognitivo e o emocional. Neste sentido, estes fatores podem nos ajudar a atuar com empatia diante de uma situação determinada. Nas pesquisas sobre o desenvolvimento infantil é possível verificar e reconhecer que as relações empáticas se tornam mais evidentes, a partir do desenvolvimento da linguagem. As crianças são mais propensas a colocar- se no lugar de outros devido aos vínculos afetivos que foram gerados desde a primeira infância. Palhoco (2011) afirma que “as crianças manifestam desde cedo sinais de empatia, nomeadamente ao nível do contágio emocional, pois na maternidade os bebês choram em resposta ao choro dos outros (Simner, 1971) e as crianças de um ano de idade que veem o sofrimento de outra criança, procuram confortá-la” (Zahn-Waxler, Radke-Yarrow, Wagner, &Champman, 1992, apud Palhoco, 2011). RESUMINDO: Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Primeiro, você observou que a emoção é um dos temas de pesquisa mais desenvolvidos nos últimos anos. É um tema que provoca até hoje curiosidade de muitos investigadores, isso porque muitas vezes não sabemos qual é o verdadeiro caminho percorrido para justificar uma emoção ou outra. As pesquisas sobre emoção são antigas e atualmente ampliamos nossos conhecimentos a respeito dos processos, características e meios utilizados por nosso cérebro para memorizar uma informação ou outra. Também é importante destacar que as emoções básicas podem influenciar de certa maneira nossa conduta, atitude ou habilidade para desenvolver uma tarefa. Terceiro, a empatia nos permite reconhecer e compreender o outro sendo essa uma capacidade diretamente relacionada ao desenvolvimento das emoções. Processos Cognitivos e Aprendizagem 29 Funções executivas, resolução de problemas e linguagem OBJETIVO: Identificar o conceito de funções executivas e sua importância para o desenvolvimento das habilidades do ser humano. Valorizar o período da Primeira Infância como primordial ao desenvolvimento das habilidades do ser humano. Identificar a linguagem como um processo no desenvolvimento sob a perspectiva da psicologia cognitiva. O que são as funções executivas? As funções executivas representam um conjunto de habilidades específicas dos seres humanos. Lezak (1997) distingue-as entre funções cognitivas, percepção, memória e pensamento; e outras formas de cognição que regulam o comportamento humano, a saber: comportamento emocional e funções executivas. Se você observar a literatura sobre o tema, irá encontrar uma variedade de sinônimos, por exemplo: funções de supervisão, funções frontais, funções de controle etc. Majolino (2000) considera que existe uma variedade de processos e funções, como resolução de problemas, organização estratégica, decisão, inibição seletiva de comportamento, seleção, verificação e controle da execução de uma dada ação, flexibilidade cognitiva, memória operacional, entre outras. Neste ponto de nossas atividades, observe que você tem a capacidade de organizar, reflexionar e analisar todas as informações que foram recebidas até aqui, inclusive os erros, as observações e as inferências. Esta habilidade, além de trazer uma formação qualificada, promove a capacidade de contextualizar estes conhecimentos com sua vida acadêmica, profissional e pessoal. Assim, quando falamos sobre as funções executivas entende-se que estamos pesquisando sobre distintos processos cognitivos: � Conhecimento; � Comportamento; Processos Cognitivos e Aprendizagem30 � Capacidades e habilidades para executar alguma tarefa, sequência, organização e aplicação de uma determinada atividade. Figura 6: Função executiva Fonte: Pixabay O Núcleo Ciência pela Infância, em seus estudos sobre as Funções executivas e Desenvolvimento na Primeira Infância, descreve habilidades necessárias para a autonomia e apresenta um estudo sobre esta temática onde indica o conceito de funções executivas e nos auxilia como referência para ampliar nossos conhecimentos. De acordo com este documento, as Funções executivas apresentam três dimensões que, apesar de distintas, estão interligadas: � Memória de trabalho: permite armazenar, relacionar e pensar informações no curto prazo. Exemplo: você se lembrado que estava fazendo antes de voltar a estudar este capítulo? � Controle inibitório: possibilita controlar e filtrar pensamentos, ter o domínio sobre a atenção, o pensamento, as emoções e o comportamento. Exemplo: Você consegue ler um livro com a televisão ligada em um reality show? � Flexibilidade cognitiva: permite “mudar de perspectiva no momento de pensar e agir” e considerar diferentes ângulos na tomada de decisão. Exemplo: quando um aluno realiza uma multiplicação e se equivoca, percebe o seu erro e onde errou para logo poder realizar a correção. Processos Cognitivos e Aprendizagem 31 Primeira Infância: o que é? Podemos definir o termo “Primeira Infância” como: IMPORTANTE: Existe uma relação entre funções executivas e autorre- gulação. Inclusive, alguns pesquisadores realizaram estudos sobre as duas terminologias. Indicaremos o que diz o Comitê Científico do Núcleo de Ciência pela Infância, a saber que a autorregulação é uma habilidade que está interligada às funções executivas. Sua definição equipara-se, em larga medida, ao controle inibitório, porém o campo de estudo da autorregulação compreende mais aspectos. Enquanto pesquisadores de funções executivas se concentram mais em pensamentos, atenção e ações, os pensadores de autorregulação consideram mais as emoções. A pesquisa em autorregulação também se diferencia por compreender a importância da motivação e do empenho nas respostas às emoções. Assim, o conceito de autorregulação é mais amplo e abrange o monitoramento a regulação e o controle dos estados emocional, motivacional e cognitivo do indivíduo (NCPI, 2016). DEFINIÇÃO: “Primeira infância representa o período de vida compreendido do nascimento até os seis anos de idade e constitui um período sensível para o desenvolvimento de diversas habilidades” (Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância, 2016). Em outras palavras, este período de vida concentra grandes possibilidades de desenvolvimento cognitivo. Você, como profissional, deve conhecer a potencialidade do desenvolvimento nessa fase da infância. Processos Cognitivos e Aprendizagem32 Figura 7 – Primeira infância Fonte: Pixabay Primeira Infância no Brasil A primeira infância é objeto de estudo e um tema de elevada importância para que a sociedade possa alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável do milênio. Com isso em mente, vamos verificar que – desde o ano de 2004 – o Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas elaborou documentos de referência para que políticos e profissionais de todo o mundo possam compreender as necessidades das crianças neste período de desenvolvimento. No Brasil, muitos pesquisadores aderiram a mesma causa e ampliaram o raio de suas pesquisas com a finalidade de proporcionar qualidade ao desenvolvimento cognitivo, educacional e social dos indivíduos desta faixa-etária. Mesmo assim sabemos que não foi possível alcançar todos os objetivos previstos pelos órgãos nacionais e internacionais. Não obstante, estamos sofrendo uma queda significativa nas discussões sobre o tema. Embora enfrentemos dificuldades, nossa contribuição é zelar para garantir a atenção adequada às crianças na primeira infância. Por isso, é importante organizar tanto a sociedade como os profissionais para melhorar os índices de desenvolvimento infantil do país. Processos Cognitivos e Aprendizagem 33 Resolução de Problemas Perspectiva histórica Quantos problemas enfrentamos no dia a dia? Qual é o problema que você precisa resolver hoje? Quais são os seus objetivos profissionais? Lembre-se que resolver todos os problemas de uma vez não é o importante, mas sim aprender como resolvê-los. Primeiro, você sabe o que significa ou como se configura o conceito de problema? Segundo, você já parou para pensar quais são as características de um problema? Enfim, vamos tentar organizar para compreender qual o significado de resolver problemas. Observe: 1. Os problemas de um indivíduo não são necessariamente iguais ao de outro. 2. Os problemas possuem dimensões diferentes e que podem variar de acordo com o indivíduo e sua cultura. 3. Os problemas dos adultos não são os mesmos que de uma criança. 4. Existem estratégias para resolver os problemas. 5. Cada problema apresenta uma estrutura específica. 6. Para encontrar uma resolução adequada, o problema precisa ser bem definido. Assistimos, a partir do século XX, um grande interesse dos educadores e psicólogos sobre a resolução de problemas. Um dos pioneiros foi E. L. Thorndike (1911), que concluiu que a resolução de problemas está baseada em condutas de ensaio e erro e logo, uma solução. Contrastando com Thorndike, John Dewey (1910) considerou a resolução de problemas como um processo consciente e deliberado, que demonstra a organização por parte do indivíduo para solucionar o problema. Esta organização ocorre de modo natural e obedece uma seleção de passos a seguir, são eles: 1. Apresentação do problema. 2. Definição do problema. 3. Desenvolvimento de hipóteses. 4. Colocar em prática a hipótese ou hipóteses. 5. Selecionar a melhor hipótese. Processos Cognitivos e Aprendizagem34 De outro modo, Wolfang Köhler (1929), depois de várias pesquisas com chimpanzés, afirmou que para a resolução de qualquer problema existe uma conduta (ou melhor, um insigth) que leva à resposta. Isto quer dizer que para resolver um problema não necessitamos de vários ensaios e erros para encontrar a solução. Desde a década de 1950 surgiram novas pesquisas e modelos sobre a resolução de problemas. A partir deste período, contamos também com as inovações na psicologia cognitiva, garantindo outros tipos de considerações sobre o processamento da informação. Apesar disso, a maioria das teorias sobre a resolução de problemas leva em consideração as etapas descritas por Dewey. Figura 8 – O problema do labirinto Fonte: Pixabay Por exemplo, quando observamos a imagem de um labirinto, que caminho escolhemos para atravessá-lo? Estratégias para resolver problemas Para cada problema, uma solução. Best (2001) indica uma definição moderna sobre o conceito de estratégia, vejamos: “as estratégias se definem como um movimento, uma prova ou uma tentativa destinada a mudar algo e promover a informação sobre determinado problema. Os psicólogos cognitivos descrevem duas classes de estratégias: heurísticas e algoritmos.” (BEST, 2001, p. 413). � Algoritmo: procedimento que oferece garantia de produzir uma resposta a um problema. Processos Cognitivos e Aprendizagem 35 � Heurístico: são aplicadas regras empíricas a partir da experiência para a resolução de um problema. Newell e Simon (1958 -1978) desenvolveram uma teoria muito popular entre os psicólogos cognitivos, criaram em 1957 um programa de computador que propunha resolver problemas gerais. Sua teoria, conhecida como a teoria de processamento de informação, parte do conceito da apresentação do problema com dois tipos de representação. De acordo com estes autores, o ser humano busca estratégias similares e, a partir disso, concebe que o processamento de informação não é tão complexo. É importante ressaltar que, segundo esta teoria, o problema deve ser analisado em profundidade e com a máxima neutralidade possível, o que se postulou a chamar de “entorno operativo”. Lembre-se, quando tentar resolver um problema (dentro desta perspectiva) é necessário organizar informações sobre o entorno do problema ou o Por quê? Depois, é necessário reconhecer que algumas representações são mais importantes que outras. Os autores entendem que o espaço do problema é aquele em que se justifica pela falta de conhecimento de todas as variáveis. A partir da tabela, analise e tente resolver alguns dos problemas dentro desta perspectiva. Tabela 3: Características das emoções autoconscientes ou sócio-morais Método Problema Autor Análises de submetas Nove homens e duas crianças desejamatravessar o rio utilizando uma canoa que pode levar, a cada vez, um homem e duas crianças. Quantas vezes a canoa deverá cruzar o rio para alcançar seu objetivo? Obs: Uma viagem completa equivale a cruzar o rio duas vezes. (Wickelgren, 1974) Trabalhar para trás Três pessoas participam de um jogo em que, a cada partida, uma pessoa perde e as outras duas ganham. A pessoa que perde deve dobrar a quantidade de dinheiro que cada um dos outros jogadores tem. (Wickelgren, 1974) Processos Cognitivos e Aprendizagem36 Linguagem A compreensão e a aquisição da linguagem são dois temas muito controvertidos e presentes em nossa dinâmica e condição humana. Não é possível nos imaginar sem estas habilidades. Chauí (2000) cita a o que afirma Aristóteles em sua obra Política, a saber: “o homem é um animal político, isto é, social e cívico, porque somente ele é dotado de linguagem. Escreve Aristóteles, os outros animais possuem voz (phone) e com ela exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra (logos) e, com ela, exprime o bom e o mau, o justo e o injusto”. Então, o que significa linguagem? Para simplificar, Pereira (2001) classifica os componentes ou dimensões, para compreender em sentido amplo o termo linguagem, são eles: � Semântica: estuda o significado das palavras e orações; � Fonologia e sintaxes: estuda o material sonoro da linguagem no ser humano (fonemas, combinações de fonemas, entoação, sotaque etc) e a ordem e relações de dependência que devem existir entre os elementos da oração; � Pragmática: está relacionada com o uso de nosso conheci- mento social. Exemplo, como expressamos nossas intenções, como introduzimos modificações em nosso modo de falar dependendo do grupo em que estamos, como escolhemos informações em função do nosso interlocutor ou também em função da informação que suponhamos que possui o interlocutor etc. Bloom e Lahey (1978) resumem estas dimensões em três: conteúdo (semântica), forma (fonologia e morfossintaxe) e usabilidade (pragmática). A linguagem não pode ser compreendida como mero processo de comunicação, desta forma não entenderíamos a variedade e o poder do homem quando emite uma mensagem. Linguagem e psicologia cognitiva Sabemos que algumas das teorias e estudos que dizem respeito à linguagem se desenvolveram junto com a evolução da psicologia cognitiva. De outro modo, os psicólogos estiveram interessados nas Processos Cognitivos e Aprendizagem 37 pesquisas e estudos da área linguística, dando origem a disciplina de psicolinguística. Os linguistas e os psicolinguistas compartilham interesses e contribuem com pesquisas nas duas áreas. SAIBA MAIS: Avram Noam Chomsky (1928) é um linguista, filósofo, Politólogo e ativista americano. Professor emérito do instituto tecnológico de Massachusetts (MIT), propôs a gramática generativa no centro das pesquisas sobre linguística. Leia um de seus livros: “A Ciência da Linguagem:. Conversas com James McGilvray” RESUMINDO: Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Com este capítulo aprendemos o conceito de Funções executivas e o que representam para o desenvolvimento humano. Analisamos o termo “primeira infância” e seu significado e importância. Além disso, tecemos alguns questionamentos sobre a primeira infância no Brasil e como devemos valorizá-la, fechamos o tópico pontuando a importância das funções executivas no desenvolvimento da primeira infância. Apresentamos a resolução de problemas a partir de uma perspectiva histórica e algumas das estratégias utilizadas para resolver problemas. O capítulo conclui abordando aspectos sobre a linguagem, seu significado, quais os componentes ou dimensaões para compreender o processo de linguagem. Além disso, analisamos o desenvolvimento da linguagem sob a perspectiva da psicologia cognitiva. Processos Cognitivos e Aprendizagem38 O processo escolar de ensino- aprendizagem, conceitos e características OBJETIVO: Reconhecer o desenvolvimento das teorias da psicologia que trazem contribuições para compreensão dos processos de ensino- aprendizagem. Compreender o processo de aprender e ensinar a partir das concepções de aprendizagem que definem seu significado. A cognição na escola O desenvolvimento de investigações sobre a linguagem permitiu que muitos pesquisadores produzissem uma rede de informações a respeito do tema. Além disso, estas pesquisas e estudos provocaram grande interesse sobre a área da aprendizagem, principalmente explicações sobre o processo de aquisição da linguagem e as compe- tências escolares básicas. Atualmente, os pesquisadores seguem fascinados pelo tema da linguagem e estudam fenômenos como a consciência infantil sobre o uso da palavra impressa e a natureza dos debates na aula. Por exemplo, alguns pesquisadores (Purcell-Gates, 1996; Purcell-Gates, Duke e Martineau, 2007; Sulzby, 1991) defendem que estes temas estão estritamente relacio- nados com o uso social da linguagem onde convivem as crianças ou em suas comunidades e nas escolas (BRUNING, 2012, p. 256). O domínio da linguagem é essencial para enfrentar os desafios sociais na escola. Praticamente todos os alunos possuem a capacidade linguística básica para aprender a ler e escrever, mesmo assim enfrentam muitos desafios para avançar com sucesso nas etapas escolares. Estes desafios podem ser culturais, sociais e/ou cognitivos. Processos Cognitivos e Aprendizagem 39 Figura 9: Desafio de aprender Fonte: Pixabay Esta imagem nos remete a seguinte pergunta: como ocorre o processo de ensino-aprendizagem? Para responder a esta pergunta, revisitamos a década de 1960 porque, de acordo com Kubo e Botomé (2001), este período de nossa recente história está marcado por lesões profundas em nosso país. Segundo os autores, foi um período em que a visão sobre as contribuições de Paulo Freire, reconhecido mundialmente por sua Proposta de Alfabetização de Adultos, passaram a ser rechaçadas pelas políticas educacionais. Em contrapartida, as teorias relacionadas ao comportamentalismo passam a influenciar uma proposta pedagógica denominada Pedagogia Tecnicista, cada vez mais utilizada nas escolas e que traz propostas como Programação de Condições de Ensino de Carolina M. Bori, entre outros pesquisadores comportamentalistas (KIENEN, MITSUEKUBO, BOTOMÉ, 2013). As pesquisas na psicologia escolar dividem distintas concepções de como se dá a compreensão dos processos ensino-aprendizagem, dentre outros, vamos conhecer o modelo ambientalista e o modelo interacionista. Processos Cognitivos e Aprendizagem40 Como representante do modelo ambientalista, em questão de desenvolvimento de uma proposta pedagógica tecnicista, baseada na teoria do comportamentalismo, destaca-se o trabalho de Carolina M. Bori. A autora propôs uma metodologia de ensino centrada nas perspectivas científicas, principalmente na área de psicologia. Um dos seus objetivos era levar o aluno ao centro do trabalho de ensino. Carolina Bori iniciou suas experiências na Universidade de São Paulo, a colaboração de seu trabalho tinha como finalidade: [...] colocar o aluno no centro de seu processo de aprendizagem e seus princípios eram: o ensino deveria ser definido pela atuação do aluno; a aprendizagem deveria ser feita em etapas pequenas, de acordo com as características do aluno e de suas possibilidades de aprendizagem; o aluno deveria poder prosseguir de acordo com seu ritmo; a cada aprendizagem dos alunos e os procedimentos do professor deveriam ser objeto de estudo constante e no próprio curso, de forma a fornecer conhecimento para aperfeiçoamento, não apenas das técnicas mas também dos conceitos fundamentais envolvidos nos processos de ensinar e de aprender (KUBO & BOTOMÉ, 2001). Esse conceito de aprendizagem tecnicista apresenta como objetivoprincipal formar o indivíduo para o mercado de trabalho. Dentro do modelo Interacionista, como forma de compreender o processo ensino-aprendizagem, consideramos que Paulo Freire trouxe uma proposta inovadora e para além de um simples método, como exemplo podemos citar a alfabetização de adultos, a pedagogia do oprimido, entre outras. Freire indica algumas proposições (exemplo: reconhecer a importância do contexto do aluno no processo de ensinar) que desafiem o aluno a pensar criticamente e que apresentem um currículo significativo, expressos em uma Pedagogia Crítica. Paulo Freire (1968, 1971, 1975, 1976) “apresenta em seus textos uma concepção sobre como fazer a mediação entre o conhecimento e a relação da pessoa com a sua realidade de inserção, sua vida concreta, fora dos limites temporais e geográficos das condições de ensino e Processos Cognitivos e Aprendizagem 41 isso vai além do seu denominado Método de Alfabetização de Adultos” (KUBO & BOTOMÉ, 2001). Conceito de Aprendizagem Podemos definir o termo “aprendizagem” dentro do contexto da psicologia do comportamento. Em outras palavras, este conceito está fundamentado nas DEFINIÇÃO: “aprendizagem” é uma mudança de comportamento resultante do treino ou da experiência” (GIUSTA, 2013). investigações empiristas da Psicologia, citadas anteriormente no modelo ambientalista. Estas pesquisas em sua maioria estão baseadas no associacionismo, um dos seus expoentes é o behaviorismo, o qual define a psicologia como uma ciência do comportamento. Aprendizagem e suas definições Na realidade, o termo aprendizagem recebe outras definições que vão variar conforme o modelo teórico. O que não podemos esquecer é que todas defendem a aprendizagem como um importante processo para o desenvolvimento cognitivo. Por isso, ampliamos um pouco nossas considerações sobre o significado da aprendizagem: “...não é só a aprendizagem que provoca alterações na conduta (...) também a motivação, as reações inatas cerebrais, as drogas, a fadiga etc” (BRAGHIROLLI, 1999, p. 119 apud DÍAZ, 2011). Itelson apud PETROVSKI (1980), consideram que “... um homem que entra num quarto escuro e não enxerga nada e pouco a pouco começa a ver”. Esta resposta (ver) é uma propriedade fisiológica inata do sistema visual, portanto, não se aprende. Logo, a aprendizagem pressupõe uma modificação externa e de tipo físico (no comportamento), produto de outra interna (psicológica), o que permite alcançar determinado objetivo e só podemos considerar aprendizagem se a modificação for adequada Processos Cognitivos e Aprendizagem42 e estável na atividade que surge, graças a uma atividade precedente e não provocada diretamente por reações fisiológicas e inatas do organismo (DÍAZ, 2011). Figura 10 - Organograma da aprendizagem como um processo. Conclui-se que o processo ensino-aprendizagem é um processo complexo, no qual estão presentes os fatores psíquicos, orgânicos, sociais e afetivos. A consideração sobre como esses fatores vão se relacionar para a concepção desse fenômeno, varia conforme o modelo de desenvolvimento psíquico estudado. Como aprendemos? A partir das diferentes concepções de aprendizagem surgem também as características sobre a forma ou método de como aprender. Díaz (2011) apresenta alguns tipos e formas de aprendizado, seguindo uma revisão bibliográfica baseada em autores de referência sobre o tema, a saber: 1. Aprendizagem por Condicionamento Simples: produz-se a partir da relação entre os reflexos incondicionados (inatos) e os reflexos condicionados (adquiridos). Constitui uma aprendizagem simples em seu procedimento e elementar em seu resultado, baseia-se na famosa relação E-R (estímulo – resposta). Resultado das investigações de Pavlov (Reflexologia) e posteriormente por Watson, criador do Behaviorismo ou comportamentalismo. 2. Aprendizagem por Condicionamento Operante: é conhecida também como Aprendizagem Instrumental e foi descrita por Skinner, psicólogo behaviorista que, partindo do esquema E-R, desenvolveu um Processos Cognitivos e Aprendizagem 43 conceito muito importante nesta proposta e que tem grande aplicação nas Ciências Humanas – o “Reforço do comportamento aprendido” (positivo ou negativo). 3. Aprendizagem por Ensino-Erro: refere-se àquela que é produzida testando diferentes alternativas de respostas, uma a uma, até encontrar a resposta que satisfaz a exigência (ou estímulo) que desencadeou a ação do sujeito, depois de sucessivas respostas erradas. 4. Aprendizagem por Imitação: não é entendida como mera e simples repetição mecânica. Vygotsky foi um dos primeiros pesquisadores a priorizar o estudo da imitação humana, como uma recriação do meio social, acumulado historicamente. A criança, nas relações sociais, se apropria de informações, as processa em sua subjetividade e se expressa, sendo um processo dinâmico e de construção do conhecimento. 5. Aprendizagem por observação: alguns autores não diferenciam entre observação e imitação. Isto posto, Bandura, por exemplo, considera que a observação que um sujeito realiza para aprender, por ser uma operação de maior concentração mental e de mais dedicação motivacional, propicia uma aprendizagem de maior precisão funcional, ou seja, mais qualitativa. Assim, ele nos fala de “modelação, ou seja, aprendizagem através de observação de modelos que, segundo ele, é a forma mais frequente de aprender.” (BANDURA, 1960 apud FALCÃO, 2001, p. 170). 6. Aprendizagem por Insight: tradicionalmente este termo é considerado como uma revelação. A aprendizagem por insight pode ser interpretada da seguinte maneira: aquela em que um sujeito, repentinamente e de forma rápida, estabelece determinadas associações num set determinado, relacionando determinados componentes que antes estavam (aparentemente) desconexos entre si e que, nesse momento, se conectam solucionando um problema e produzindo a aprendizagem correspondente. 7. Aprendizagem por Raciocínio: descrita por alguns autores como Aprendizagem Racional ou Intelectual, aqui o sujeito utiliza as operações mentais básicas do pensamento humano para solucionar as exigências estimulantes de uma forma organizada, com um fim previamente determinado (aprender algo) e principalmente implica uma grande atividade biológica, psicológica e social, manifestada no esforço do sujeito para aprender. Processos Cognitivos e Aprendizagem44 EXPLICANDO DIFERENTE: A situação de aprendizagem é o momento em que o sujeito enfrenta um desafio interno ou externo relacionado ao objeto que deseja aprender. Entendemos que a etapa de aprendizagem propriamente dita representa a motivação individual que cada um tem por aprender algo. A última aprendizagem refere-se ao conhecimento, habilidade, valor, experiência etc. Como ensinamos? Como você ensina um determinado tema à outra pessoa? Como ensinamos um tema a um grupo de pessoas ou um indivíduo em concreto? Kubo e Batomé (2001), antes de qualquer definição, primeiro classificam “ensinar” como um verbo; segundo, por ser um verbo se caracteriza por uma ação; terceiro, definem o que um professor faz em um processo de ensino-aprendizagem. A partir disso, torna-se possível analisar esta categoria de comportamentos que deve ser estudada de forma indissociada, pois não existe ensino sem aprendizagem. Não é tarefa fácil dar respostas a estas questões, por mais simples que possam parecer. Tão pouco podemos simplificar o verbo “ensinar” às figuras de um determinado profissional e sua relação com outro sujeito. Então, Israel Sheffler (apud Passmore) escreve sobre ensinar: “pode ser caracterizada como uma atividade que visa promover a aprendizagem e que é praticada de modo a respeitar a integridade intelectual do aluno e a sua capacidade para julgar de modo independente” (SHEFFLER, 1973, apud PASSMORE, 1980). Isto posto, vejamos alguns dos fatores que intervém na ação de ensinar:1. Políticas educacionais: é necessário oferecer uma política que aporte subsídios para a qualidade do processo de ensinar. 2. Métodos educacionais: devem ser claros e orientados com base em conceitos de ensino. 3. Métodos pedagógicos: é necessário pesquisar sobre a qualidade e efetividade de métodos pedagógicos que atendam às necessidades de nossos alunos. Processos Cognitivos e Aprendizagem 45 4. As atividades: devem apresentar um reflexo do momento histórico e cultural da sociedade. Também, ter como finalidade básica a formação de um cidadão. 5. Profissional: orientado para considerar o processo de ensinar em um contexto macro e micro. 6. Aluno: buscar a responsabilidade sobre os fatores que intervêm em seu processo de ensinar. 7. Pesquisas: é necessário que você possa buscar estratégias para pesquisar sobre como se ensina. Concepções de aprendizagem Giusta (2013) “pontua que o conceito de aprendizagem emergiu das investigações empiristas em Psicologia, ou seja, de investigações levadas a termo com base no pressuposto de que todo conhecimento provém da experiência”. Assim, as pesquisas e teóricos que defendem esta perspectiva eram denominados associacionistas e uma das vertentes mais conhecidas até os dias de hoje é o behaviorismo. Nesta linha, a aprendizagem é resultado de um comportamento controlado e modelado por algumas variáveis. Por outro lado, nasce na Alemanha uma corrente (Gestalt) que se opõe à concepção anterior de aprendizagem, mas que se desenvolve nos Estados Unidos. Completamente oposta ao behaviorismo, a Gestalt fundamenta-se em um viés racionalista porque acredita que todo o conhecimento antecede qualquer experiência de aprendizagem. Percebemos que os pensadores behavioristas dispensam qualquer influência de questões racionais sobre o objeto, enquanto o racionalismo prioriza esta posição. Você pode observar que a “Gestalt rejeita a tese de que o conhecimento seja fruto da aprendizagem. De acordo com seus adeptos, os sujeitos reagem não a estímulos específicos, mas a configurações perceptuais. As gestaltens (configurações) são as legítimas unidades mentais e por elas a psicologia deve voltar-se” (GIUSTA, 2013). Percebe-se que a Gestalt observa as estruturas mentais em detrimento da experiência do sujeito. Atualmente, destacamos o paradigma da cognição situada como uma das mais representativas concepções da teoria e da atividade Processos Cognitivos e Aprendizagem46 sociocultural (Daniels, 2003 apud CESCON, 2016). Para Hendricks (2001), a cognição situada assume diferentes formas e nomes, diretamente vinculados com conceitos como aprendizagem situada, participação periférica legítima, aprendizagem cognitiva (cognitive apprenticeship) ou aprendizagem artesanal (CESCON, 2016). Esta perspectiva é recente e com enfoque instrucional, o ensino situado prioriza a atividade e o contexto para a aprendizagem e reconhece que a aprendizagem escolar está determinada por um processo de enculturação, no qual os estudantes partilham a ideia de que aprender e fazer são ações inseparáveis. Assim, os teóricos da cognição situada defendem um ensino centrado em práticas educativas, coerentes significativas e propositivas. Cescon (2016) apud Derry, Levin e Schauble (1995), apresentam um exemplo que ilustra as diversas opções de ensino da matéria Estatística, no curso de Psicologia. Este exemplo vincula a noção de aprendizagem significativa com as ideias da visão sociocultural e o modelo de cognição situada, com o seguinte enunciado instrucional-motivacional: “A propensão e as capacidades dos estudantes para raciocinar estatisticamente em cenários autênticos (da vida real) pode ser, consideravelmente, melhorada por meio de duas dimensões: Dimensão da relevância cultural. Uma instrução que empregue exemplos ilustrações, analogias, discussões e demonstrações que sejam relevantes para as culturas as quais os estudantes pertencem ou esperam pertencer. Dimensão da atividade social. Uma participação tutelada num contexto social e colaborativo de solução de problemas, com a ajuda de mediadores como a discussão em sala, o debate, o jogo de papéis e a descoberta guiada.” (Cescon, 2016 p.42). Processos Cognitivos e Aprendizagem 47 Cescon (2016), a partir destas dimensões, indica seis possíveis enfoques: 1. Instrução descontextualizada: centrada no professor que basicamente transmite as regras e fórmulas para o cálculo estatístico. 2. Análise colaborativa de dados inventados: assume que é melhor que o aluno faça algo, em vez de só ser receptor. 3. Instrução baseada em leituras com exemplos relevantes: adapta o estilo de leitura de textos estatísticos, com conteúdos relevantes e significativos, que os estudantes podem relacionar com os conceitos e procedimentos estatísticos mais importantes. 4. Análise colaborativa de dados relevantes: modelo instru- cional centrado no estudante e na vida real, que busca induzir o raciocínio estatístico através da discussão crítica. 5. Simulações situadas: os alunos se envolvem, colaborati- vamente, na resolução de problemas simulados ou casos tomados da vida real. 6. Aprendizagem in loco: baseia-se no modelo contemporâneo de cognição situada, que toma a forma de uma aprendizagem cognitiva, a qual busca desenvolver habilidades e conhecimentos próprios da profissão, assim como a participação na solução de problemas sociais ou da comunidade de pertença. IMPORTANTE: Alguns dos autores de referência para esta perspectiva são: Vygotsky (1986; 1988); Leontiev (1978); Luria (1987); Rogoff (1993); Lave (1997); Bereiter (1997); Engsetröme Cole (1997); Wenger (2001) entre outros do âmbito educativo. As estratégias em todas as perspectivas são importantes para definir uma linha metodológica de trabalho. Assim, Cescon destaca algumas estratégias de ensino situado: � Aprendizagem centrada na solução de problemas autênticos; � Análise de casos; � Métodos de projetos; � Práticas situadas ou aprendizagem in loco em cenários reais; Processos Cognitivos e Aprendizagem48 � Aprendizagem no serviço (service learning); Exercícios, demonstrações e simulações situadas; Aprendizagem mediada pelas novas tecnologias da informação e comunicação (NTIC). RESUMINDO: Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que o desenvolvimento dos estudos sobre a linguagem desencadeia pesquisas sobre o processo escolar de ensino-aprendizagem. Logo, se fez necessário dar sentido e significado ao termo aprendizagem para entender o contexto escolar, a partir dos paradigmas da psicologia e da pedagogia. Também, verificamos que algumas concepções de aprendizagem se fundamentam em teorias do desenvolvimento humano e estas, por sua vez, intervêm no processo escolar para contribuir na compreensão do processo ensino-aprendizagem. Processos Cognitivos e Aprendizagem 49 REFERÊNCIAS ALMEIDA et al. Dicionario Escolar de Filosofia, Ed. Plátano, 2009. BEST, J. B. Psicología Cognitiva, Madrid, Paraninfo, Thomson Editores, 2001. BRUNING, R. H; SCHRAW, G. J; NORBY, M. Psicología cognitiva y de la instrucción. Madrid, Person Educación, 2012. CESCON, E. (2016). Cognição situada e aprendizagem em contextos escolares. Itinerario Educativo, 68, 37-50. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000. DIAZ, F. O processo de aprendizagem e seus transtornos. EDUFBA, 2011. GAGNÉ, E. D. La psicología cognitiva del aprendizaje escolar. Ed. Visor, 1991. GIUSTA, A. S. (2013). Concepções de aprendizagem e práticas pedagógicas. Educação em revista, v. 29, nº01, p. 17-36. LEZAK M. D. 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