Prévia do material em texto
Autores: Carlos Alberto Medrano Evelise Vieira Melo Rodrigues TEORIA E PRÁTICA DA PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profa. Gisele Brandelero Camargo Pires Revisão Gramatical: Profa. Marli Helena Faust Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2009 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 370.15 M492t Medrano, Carlos Alberto. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional/ Carlos Alberto Medrano [e] Evelise Vieira Melo Rodrigues. Centro Universitário Leonardo da Vinci. – Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2009.x ; 98 p.: il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-170-5 1. Psicopedagogia 2. Rodrigues, Evelise Vieira Melo I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Impresso por: Carlos Alberto Medrano Psicólogo formado na Universidad J.F Kennedy, Buenos Aires ,Argentina. Psicanalista especializado na clínica com crianças e adolescentes. Realizou trabalhos de Supervisão e coordenação em saúde mental e educação. Consultor de instituições educativas na Argentina e no Brasil. Mestrado em Saúde Pública (UFSC), Mestrado em Enfermagem: História da Saúde (UFSC). Professor Universitário com atuação nos cursos de: Psicologia e Pedagogia. Pós-Graduação: Cursos de Psicopedagogia Clínica e Institucional em diversas Instituições de Nível Superior. Publicou: Saúde pública, psicanálise e infância. Os espaços para o brincar no território da saúde; Do Silêncio ao Brincar; Do brincar pestilento ao brinquedo esterilizado: uma análise foucaultiana. Evelise Vieira Melo Rodrigues Pedagoga com habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais. Especialista em Psicopedagogia e Mestre em Psicopedagogia Institucional com Linha de Pesquisa em Gestão Escolar. Coordenadora Pedagógica de Instituição Particular de ensino, conveniada à rede Objetivo. Professora Universitária com atuação docente em cursos de Especialização em Psicopedagogia, Supervisão e Orientação Escolar. Publicou: Tempo e Espaço para as Atividades Lúdicas; A ética nos discursos e nas práticas pedagógicas; Educação Infantil: Novas Escutas, Novos Olhares.análise foucaultiana. Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 Cada Caso é um Caso ........................................................... 11 CAPÍTULO 2 A Psicopedagogia Institucional .......................................... 23 CAPÍTULO 3 Passeios Conceituais ........................................................... 37 CAPÍTULO 4 As Instituições ...................................................................... 53 CAPÍTULO 5 Recursos Técnicos .............................................................. 71 CAPÍTULO 6 Relatório Psicopedagógico Institucional ........................ 87 7 APRESENTAÇÃO Mais do que uma introdução a esta disciplina: Teoria e prática da psicopedagogia institucional, este é um convite que fazemos a você. Um convite para fazer uma viagem. Veremos como, aos poucos, esta palavra “viagem” não é uma metáfora nem um deslize poético inserido arbitrariamente em um texto acadêmico. Está intimamente ligado à prática psicopedagógica. Uma prática que requer visitar, mas, fundamentalmente, vivenciar certos espaços que inicialmente pertencem ao nosso íntimo, o espaço da interioridade, para depois se lançar ao encontro psicopedagógico com o outro. A prática psicopedagógica, e de propósito estou dando ênfase à prática para depois reconhecer os fundamentos teóricos que a sustentam, não pode ser identifi cada com um daqueles “pacotes turísticos” que qualquer um pode contratar. Aqui se trata de resgatar o valor da singularidade. Iniciamos, pois, esta caminhada, entre nós autores e você, que é única e irrepetível, assim como serão únicas e irrepetíveis para você também em cada intervenção psicopedagógica. Vejamos algumas características e diferenciais entre viajar e percorrer um circuito turístico. Uma viagem é imprevisível e, mesmo que tenhamos uma ideia do que queremos fazer, a qualquer momento podemos alterar essa ideia original e transitar por outros lugares, ou decidir fi car num deles até a experiência e a vivência chegarem ao ponto de satisfação. Num circuito turístico não nos é permitido alterar o contrato, nem somos livres para adaptá-lo às novas necessidades ou interesses que possam surgir no decorrer dos dias. De uma viagem, poderíamos dizer que nunca retornamos. Depois de uma viagem não somos os mesmos. O local de saída já não é o mesmo, é outro. A metamorfose acontecida transforma também o entorno. É provável que você possa estar pensando o que tem a ver tudo isso com o nosso objetivo e interesse acadêmico. Vou pedir um pouco de paciência para entender e poder ressignifi car essas ideias um pouco mais adiante. Mas este pedido é muito mais do que isso. A paciência, a capacidade de saber esperar é o primeiro elemento, a primeira ferramenta técnica com a qual você vai trabalhar e sem a qual não terá como fazer suas intervenções. Dessa forma, a impaciência e a ansiedade são dois elementos que ofuscam o olhar e o escutar psicopedagógico. A paciência, a capacidade de saber esperar é o primeiro elemento, a primeira ferramenta técnica com a qual você vai trabalhar e sem a qual não terá como fazer suas intervenções. 8 E Isso não pode ser ensinado, faz parte de uma construção individual. Cada um de nós necessitará de um tempo que sempre será singular. Então, temos de aprender a suportar não entender por enquanto. Esse “por enquanto” é que é difícil, às vezes angustiante, outras, insuportável, mas sempre desafiador. Concluindo, por enquanto, uma viagem, esta viagem, será um desafio. Aprender a lidar com as próprias angústias e ansiedades e com isso desenvolver a capacidade de ser paciente é uma das condições para o exercício desta profissão. Outra condição é a necessidade de tomar distância da formação de graduação. Quando exercemos a função de psicopedagogo deixamos de ser professores, psicólogos, pedagogos, etc., para assumir outra posição perante a problemática a ser analisada e abordada. Sugiro aqui um questionamento ao aluno, para que ele possa interagir com o texto. Exemplo: Em sua opinião, que posição o Psicopedagogo deve assumir diante dessa problemática (definir a problemática)? Refletir sobre a postura do Psicopedagogo supõe um trabalho de desconstrução das identidades formadas a partir dos diferentes discursos que deram origem às diferentes profissões para construir com esses e outros elementos uma nova identidade. Os obstáculos são aqueles saberes, aqueles conhecimentos que resistem a ser modificados. Muitas vezes temos medo de conhecer o novo, e esse medo produz resistências, porque nos sentimos seguros naquilo que sabemos e imaginariamente dominamos. As rupturas são as formas com que conseguimos ultrapassar esses obstáculos e conquistamos novos conhecimentos, novos saberes e novos fazeres a partir dos quais reconstruímos novas identidades. Por conseguinte, acrescentamos à paciência, a capacidade de aceitar o desconhecido, não como ameaça, mas sim como desafio. Todo conhecimento se constrói sobre ou em contraposição a um conhecimento anterior. Mas então quais seriam esses saberes e conhecimentos com os quais construira prática psicopedagógica? Eles estão organizados em capítulos nos quais iremos desdobrando e aprofundando alguns conceitos já trabalhados em outras disciplinas, somados a outros novos e, também, construindo e descobrindo técnicas necessárias para poder intervir psicopedagogicamente. No primeiro capitulo, vamos transitar por duas experiências psicopedagógicas, dando ênfase à singularidade das intervenções, tentando perceber em cada um Psicopedagogo supõe um trabalho de desconstrução das identidades formadas a partir dos diferentes discursos que deram origem às diferentes profissões para construir com esses e outros elementos uma nova identidade. 9 de nós o que ainda não sabemos para sair a buscar, com a força do desejo, a força do meu “ensinar-aprender” e o seu. No segundo capítulo vamos definir a psicopedagogia institucional, analisar os elementos que compõem a prática e discutir as relações entre teoria e prática psicopedagógica. No terceiro vamos aprofundar os aportes da psicanálise para a psicopedagogia. Esses aportes ajudaram a compreender o pensamento e as concepções teórico-práticas presentes nas práticas psicopedagógicas tanto clínicas quanto institucionais. Com algumas dessas ideias você já teve contato no material da disciplina Introdução à psicopedagogia. Agora é o momento de entrar em cada um desses conceitos para poder interpretar a realidade psicopedagógica em cada um dos campos e situações nos quais você seja chamado a atuar. No quarto vamos conhecer, problematizar, questionar e debater ideias que estão presentes nas instituições nas quais trabalhamos e que necessitam deixar de ser tomadas como “naturais” quando na realidade são concepções histórica, social e ideologicamente construídas. Dessa forma estaremos em condições de entrar na etapa de conhecer e aprender a aplicar diferentes técnicas de aproximação diagnóstica e intervenção. Esses temas serão trabalhados no capitulo quinto. Finalmente, veremos como registrar, elaborar e interpretar relatórios psicopedagógicos. Não é a ideia de que este seja o capítulo final. Pelo contrário, é o capítulo que abre outros encontros, a partir dos quais estabeleceremos novos vínculos e, desta forma, faremos outras viagens. CAPÍTULO 1 Cada Caso é um Caso A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Identifi car, a partir de dois exemplos de intervenção em psicopedagogia institucional, os conceitos e princípios que regulam esta prática. Analisar situações-problema que competem ao campo de trabalho da psicopedagogia institucional. 13 CADA CASO É UM CASO CADA CASO É UM CASO Capítulo 1 ConteXtualiZaçÃo Nesta disciplina você utilizará conceitos, saberes e fazeres que foram desenvolvidos durante o curso. É uma disciplina em que você deverá integrar conteúdos e colocá-los a funcionar na prática psicopedagógica institucional. Colocaremos à sua disposição algumas técnicas de diagnóstico e intervenção pertinentes ao campo da psicopedagogia institucional. Se bem que em muitas ocasiões faremos referências às escolas, não devemos esquecer que o campo da psicopedagogia institucional é muito mais amplo e está em constante revisão. É importante que consigamos abrir espaços para pensar psicopedagogicamente os hospitais, os centros de saúde, as organizações empresariais, etc. Onde o aprender e o ensinar aconteçam deverá existir um psicopedagogo institucional capaz de ajudar a pensar e resolver as situações-problema para as quais é convocado e para as quais desenvolverá um exercício de aproximação diagnóstica institucional e, posteriormente, as ações e intervenções necessárias para a resolução dessas problemáticas. Cada Caso é um Caso Vamos começar a partir de duas situações que nos acompanharão ao longo deste texto: reconhecer os conceitos e os elementos (tanto teóricos quanto práticos) que serão necessários para desenvolver nosso trabalho. De propósito utilizo a palavra situação e não exemplo, ressaltando novamente o caráter de singularidade de cada situação- problema. Isto costuma ser fonte de angústia e ansiedade na construção da identidade profi ssional do psicopedagogo, assim como de qualquer outra profi ssão: aceitar que não existem receitas prontas ou modelos a serem imitados e reproduzidos. Cada intervenção (aproximação diagnóstica e tratamento) requer a criatividade e a capacidade de estar aberto ao novo e ao imprevisível. Cada caso é um caso. A primeira situação corresponde a um extrato de uma apresentação da psicopedagoga Nilce Azevedo Cardoso, intitulada “Inibição cognitiva: ato falho de conhecimento? Fragmento de um tratamento psicopedagógico” publicado na revista do Espaço Psicopedagógico Brasileiro Argentino (EPSIBA), dirigido por Alicia Fernandez, num número dedicado à escrita, aprendizagem e subjetivação. (s/d) A segunda corresponde a um trabalho realizado em uma escola na cidade de Buenos Aires (Argentina) há alguns anos e que é inédito, sendo publicado aqui Cada intervenção (aproximação diagnóstica e tratamento) requer a criatividade e a capacidade de estar aberto ao novo e ao imprevisível. Cada caso é um caso. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 14 pela primeira vez. Trata-se de um pedido de intervenção para resolver o problema de “mau comportamento” e desajustes e falta de observância no regulamento da instituição, por parte de uma turma do último ano do ensino fundamental. Já podemos estabelecer um elo entre a proposta inicial de fazer uma viagem e essa outra necessidade de abrir entre nós um espaço de brincar, um espaço de aprender para, a partir dessa abertura, cada um poder constituir-se em autor do próprio pensamento e com isso caminhar, como diz Marcia Andrade (2002), para o prazer da autoria. O prazer de viajar, de brincar, de aprender, de ensinar. a) O caso de Maria Vou me permitir a reformulação e a fragmentação necessária para o desenvolvimento sequencial dos objetivos traçados e da organização neste material de estudo. O jogo dramático, como um sonho, é uma manifestação plena de sentido e, como nos diz Winnicott, na área de jogo tudo é permitido. A função do jogo é elaborar as situações traumáticas, fazendo ativo o que foi sofrido passivamente, pois a criança expressa com os brinquedos os seus confl itos. Para Sara Pain, importante é descobrir como a criança joga e, por último, em que condições pode fazê-lo. Segundo Alicia Fernandez, o “espaço de jogo e espaço de aprendizagem coincidem”. Então, abrindo a possibilidade de jogar se abrirá a possibilidade de pensar (AZEVEDO, 1997, p. 62). Atividade de Estudos: 1) Procure e registre na sequência informações sobre o pediatra e psicanalista Donald Winnicott. Principais aportes teóricos. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Resgate e registre as brincadeiras signifi cativas na própria 15 CADA CASO É UM CASO CADA CASO É UM CASO Capítulo 1 infância, tentando relacionar com situações signifi cativas na sua história (em particular relacionadas com o aprender). ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________ Maria é uma menina de cinco anos e meio que foi encaminhada para tratamento psicopedagógico pela escola por apresentar o que, segundo a professora, se considerava um comportamento inadequado para sua idade e também para o processo de preparação à alfabetização: “Ela se comportava como bebê, querendo fi car só no colo, chorando. Brincava, às vezes, mas se negava a fazer tarefas propostas” (AZEVEDO, 1997 p. 62). A modalidade de intervenção utilizada foi a de entrevistas individuais com a criança, envolvendo a utilização do psicodrama analítico, jogos, desenhos, trabalhos com argila e matérias de arte, sessões individuais com a mãe e entrevistas vinculares mãe-criança. A teoria e a técnica de entrevista serão trabalhadas em capítulos posteriores. Aparece aqui uma série de conceitos, instrumentos e técnicas que serão descritas em capítulos posteriores. Mas é importante ir estabelecendo aos poucos certa intimidade com eles. Apelo mais uma vez à paciência, a suportar não saber ou entender por enquanto. Continuemos com o relato de nossa companheira de caminhada, a psicopedagoga Azevedo Cardoso: Durante algumas sessões a criança (que vou chamar de Maria) contou histórias e armou as cenas dessas histórias. Sempre queria dramatizar uma criança abandonada com sua irmã numa fl oresta, com pais muito pobres. Exatamente como a escola tinha dito de Maria, eu, como psicopedagoga, ‘não Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 16 entendia o que era dito’, não estava vendo o que ela queria mostrar, sentia-me embaralhada, inibida, na minha capacidade de compreender o que estava sendo dito (AZEVEDO, 1997, p. 62-63). Analisemos algumas das colocações do texto. Primeiramente vou resgatar e identifi car alguns elementos que considero chaves para abrir a possibilidade de problematizar a prática psicopedagógica: a) algumas sessões; b) contou histórias e armou as cenas dessas histórias; c) eu, como psicopedagoga, não entendia o que era dito. Vejamos, então, algumas particularidades nestes fragmentos de discurso: “Algumas sessões” supõe uma forma de viver o tempo, o tempo do tratamento que pouco tem a ver com as exigências e ansiedades institucionais, familiares e do próprio profi ssional. Esse é um ponto que o psicopedagogo tem de trabalhar consigo mesmo: a sua própria vivência do tempo, para saber esperar, para saber que as coisas têm um tempo particular e singular para se desenvolverem. Um diagnóstico e processos de intervenções levam seu tempo, nunca podem ser para ontem, tal como a contemporaneidade exige de cada um de nós. Recomendável a leitura de um curto romance de Milan Kundera chamado A lentidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. 158 p. Dar-se o tempo para a trama da problemática desabrochar é a melhor forma de preservar-se da tendência a emitir juízos e fazer conclusões antecipadas sem contar com elementos sufi cientes. “Contou histórias e armou as cenas dessas histórias”: aqui podemos perceber o valor e a ênfase da palavra, da fala (nas suas diferentes vertentes), do brincar, da dramatização como condição para compreender o mundo subjetivo da criança. Abre-se nesse contar histórias a dimensão mais puramente humana, sua historicidade. Historicidade que é necessário resgatar para descobrir junto com a criança (neste caso) o sentido e a função de um sintoma. “Eu, como psicopedagoga, não entendia o que era dito” revela a capacidade 17 CADA CASO É UM CASO CADA CASO É UM CASO Capítulo 1 de poder aceitar não saber. É justamente a partir do não saber que aparece o desejo. O desejo que surge de uma falta. Só a partir do desejo de saber é que podemos aprender. Muitas vezes esse desejo entra em confl ito com outras forças psicológicas, do ambiente social, familiar e cultural. As outras somos nós mesmos que temos difi culdade para assumir a própria ignorância. Mas, neste caso, resgatamos a autoridade moral, a dimensão de uma honestidade intelectual para poder dizer e se dizer que não se entende. E é assim mesmo que funciona a prática psicopedagógica. Começa por não se entender, e é muito bom que assim seja para não cair em falsos diagnósticos e consequentemente em modelos ou planos de intervenção elaborados a partir de falsas premissas. Mas continuemos com o relato de Azevedo: Maria, fi lha única, vivia com a mãe desde que nascera. Seu nascimento fora perturbado por lágrimas da mãe: o pai negou-se mesmo a ver o bebê recém- nascido e pediu separação. Quando mãe e fi lha saíram do hospital, foram morar com os avós maternos. Alguns meses depois, os pais de Maria tentaram uma reconciliação e voltaram a morar juntos. Numa noite, a mãe da Maria, chegando a casa, encontrou o marido deitado no berço com a fi lha (sic). Eles discutiram e, numa cena violenta, o pai apertou o pescoço da mãe, quase ao ponto de sufocá-la... A mãe atirou algo nele e saiu com Maria para a casa dos avós. E nada foi dito para eles. Esta história foi contada numa sessão individual com a mãe, logo após uma sessão conjunta mãe e fi lha. Nesta, no meio de uma cena, Maria veio com uma ambulância, para o médico observar o pescoço da boneca que até aquele momento usava sempre um cachecol. A mãe pôs-se chorar e a fi lha abraçou-a dizendo que a amava muito e que “sairiam desta” (AZEVEDO, 1997, p. 63). Neste ponto a psicopedagoga percebeu que Maria queria mostrar alguma coisa. Em toda queixa, seja individual ou institucional, sempre há alguma coisa que se mostra, embora não consigamos saber o signifi cado, e algumas outras que se escondem. Nesse sentido, poderíamos dizer que a queixa não é a queixa. É importante dar um tempo para a verdade do sujeito aparecer. Chamam a atenção dela as queixas da escola: “ela não joga, “não apresenta freio inibitório”. É importante aqui estabelecer que entre as queixas institucionais estão presentes determinadas concepções teóricas e ideológicas sobre as quais é necessário estar atento. O que signifi ca, para “essa” escola, jogar? Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 18 Atividade de Estudos: 1) O que é, para você, jogar? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) O que é, para você, brincar? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 3) Brincar e jogar são a mesma atividade? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Em outro capítulo voltaremos a abordar a importância do brincar e suas especifi cidades no trabalho psicopedagógico, mas adiantamos em parte o que é nossa concepção de brincar. As crianças são seres falantes. Isso que poderia ser tomado como uma afi rmação simples e uma obviedade não é tão simples assim, quando se leva em conta as formas como são consideradas as crianças. As crianças têm coisas a dizer – e não são poucas coisas – em relação aos seus sofrimentos, às suas descobertas, às suas angústias, aos seus medos, à incompreensibilidade e deciframento de um mundo que às vezes é hostil e às vezes aconchegante, mas, sobretudo, é confl itivo e contraditório. Elaborar este mundo – o impacto sobre a sua subjetividade – só é possível por meio da palavra nas suas diferentes formas: jogar, brincar. (MEDRANO, 2004, p. 29). Se na escola diziam que Maria representava tão bem o desejo de ser um bebê, não estaria ela jogando e a instituição não conseguiu “ler” nessa representação o brincare o dizer de alguma coisa por parte de Maria? Azevedo (1997) entende que era preciso que alguém soubesse “ler” e 19 CADA CASO É UM CASO CADA CASO É UM CASO Capítulo 1 “escutar” Maria. Desta vez Maria convidou sua mãe para participarem juntas de um jogo em uma sessão: Maria distribuiu os papéis. As duas seriam irmãs abandonadas na fl oresta. Arrumariam a casa, fariam a comida e viria o lobo. Virando-se para mim, disse: “Você, Nilse, vai ser o lobo. “O que, então, deverei fazer?” “Quando chegar a hora, você virá, tentará nos pegar e nós te mataremos”. Disse à mãe o que ela deveria fazer e imediatamente entrou no jogo. Maria arrumou toda a casa. Foi buscar frutas com a cestinha e, com a sua ‘irmã’, preparou a comida. Veio o lobo, invadiu a casa. Conseguiu entrar na casa mas foi morto pelas irmãs e caiu no chão. As duas comentaram que o lobo estava morto e seguiram com as lidas da casa. Tanto uma como a outra pulavam sobre mim para passar de um lugar para outro. E seguiram vivendo na casa como se nada tivesse acontecido. Participando da cena, eu não tinha percebido ainda o que tinha sido revelado. Olho para Maria e ela não responde ao meu olhar, ou melhor, responde fi ngindo não me ver. (AZEVEDO, 1997, p. 63-64). Atividade de Estudos: Com os dados oferecidos pela autora: 1) Elabore, a partir dos dados apresentados até aqui, algumas hipóteses sobre as causas e origem da inibição cognitiva. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Consigne e faça uma lista de prováveis motivos e signifi cados da cena que Maria dramatizou junto com a mãe e a psicopedagoga. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 20 Retomaremos em capítulos subsequentes o desenlace do caso. Para isso será necessário fazer alguns passeios conceituais que trabalharemos no capítulo 3. b) Caso Morgan Day School O Morgan Day School (MDS) é uma escola bilíngue (espanhol-inglês) situada num bairro nobre da grande Buenos Aires. No momento da Consulta Psicopedagógica Institucional contava com quatro anos de existência e se perfi lava para ser uma das instituições educativas de referência na região. Durante esses quatro anos aumentara a matricula de alunos conforme um plano empresarial estratégico, mas um fato acontecido durante uma saída pedagógica dos alunos do último ano do primeiro grau preocupou as autoridades e motivou o pedido de consulta. O grupo de alunos, acompanhado por alguns pais e docentes da escola, saíram para visitar um museu. Quando chegaram, desceram do ônibus e começaram a gritar palavrões para as pessoas que transitavam pela rua, jogando bolachas e outros objetos. Vale a pena assinalar que não se tratava de um ato perpetrado por um pequeno grupo, e sim pela turma toda. A visita ao museu foi suspensa e voltaram para a escola. Quando a diretora tomou conhecimento do acontecido, reuniu os alunos, perguntou o porquê desses atos “selvagens” e convocou uma reunião de pais. Nessa reunião, os pais se mostraram muito preocupados e atribuíram à escola a responsabilidade desses acontecimentos, colocando em questão a capacidade da instituição para controlar o comportamento e a educação dos seus fi lhos. Nesse momento é que são convocados os profi ssionais chamados a intervir para tentar compreender o porquê dessa situação e procurar soluções para essa problemática. Atividade de Estudos: 1) Descreva se viveu alguma vez, na sua vida de estudante ou profi ssional, situações de violência verbal ou física. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 21 CADA CASO É UM CASO CADA CASO É UM CASO Capítulo 1 ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Consigne e faça uma lista de prováveis motivos, causas e signifi cados da situação descrita. O que você faria? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Tal como fi zemos com o caso anterior, suspendemos, “por enquanto”, a continuidade do relato para retomá-lo quando contarmos com elementos de análise e de intervenção sufi cientes para elaborar estratégias de diagnóstico e tratamento. Algumas Considerações Chegamos ao fi nal do primeiro momento da nossa viagem. Em cada um de nós começam a surgir perguntas, nem sempre as mesmas. Pretendíamos com essas duas situações - são assim que chegam à consulta - conseguir perceber a complexidade e o mistério que se esconde por trás de uma simples queixa. Retomaremos quando necessário as duas situações-problema, e iremos introduzindo outros dados para compreender como cada elemento novo pode gerar novas e impensadas hipóteses de trabalho. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 22 Quero que neste ponto resgatemos novamente o valor da paciência, do saber esperar, do desafi o que signifi ca abandonar saberes constituídos para sair à procura de novos conhecimentos e novas formas de intervenção, a renúncia ao conforto de modelos prontos de atendimento ou intervenção que matam a singularidade e subjetividade do aprendente-ensinante. Inaugurar juntos um espaço de saber-fazer. Saber que fazer não é um fazer qualquer, que saber fazer requer criatividade, espírito crítico, livre. Um saber fazer a partir do qual nos autorizamos a pensar, a ser autores e atores de ações que ajudarão outros “ensinantes-aprendentes” a sentir o desejo e viver o prazer da sensação de insatisfação por saber mais. Então, peço que me acompanhem nos próximos passeios conceituais, instrumentais, com os quais você construirá sua identidade profi ssional. ReFerÊncias ANDRADE, Márcia. O prazer da autoria. Coleção Temas de Psicopedagogia. Livro 3, São Paulo, 2002. AZEVEDO, N. “Inibição cognitiva: ato falho de conhecimento? Fragmento de um tratamento psicopedagógico”, Buenos Aires: EPSIBA,1997. MEDRANO, C Do silêncio ao brincar São Paulo Vetor Editora, 2004. CAPÍTULO 2 A Psicopedagogia Institucional A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Defi nir os princípios fundamentais da teoria a prática da psicopedagogia institucional. Apresentar os fundamentos epistemológicos que norteiam a teoria ea prática da psicopedagogia institucional. Debater sobre os princípios e fundamentos epistemológicos da teoria e da prática da psicopedagogia institucional. 25 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 ConteXtualiZaçÃo Quem é o psicopedagogo institucional? Onde e como atua? Qual sua prática? Em quais fundamentos e princípios tal atuação se sustenta? Vivenciamos transformações, possibilidades de ressignifi car acerca da aprendizagem. Há urgência na necessidade da refl exão sobre nossas ações buscando responder ao que gera movimentos de prática e teoria na psicopedagogia institucional. Nasce o conceito de instituição aprendente, e este compreende a instituição como sistema vivo, pulsante e produtor de aprendizagens individuais e coletivas. Os estudos a seguir serão permeados dessa importante conceituação que sustentará discussões e refl exões sobre a parceria Psicopedagogia e Instituição. PrincÍpios Gerais e sua Singularidade Cada integrante de uma organização tem suas concepções, e essas são construídas e reconstruídas conforme suas necessidades, experiências e interações. Nesse contexto, pode-se perguntar: como aprendemos? Podemos aprender coletivamente? Uma instituição aprende? E assim, apontamos respostas possíveis: Aprendemos fazendo conexões, aprendemos errando, aprendemos fazendo, aprendemos imitando, aprendemos uns com os outros. Enfi m, aprendemos e aprendemos! Aprendemos coletivamente, o que não signifi ca homogeneamente. Na verdade reconhecemos hoje que aprendemos muito mais nos confl itos, divergências, debates. Sim, nós aprendemos, e muito, nas diferenças. Mas que tal embate seja sempre realizado com diplomacia. Podemos e devemos reivindicar, opinar, divergir, sem esquecer a ética, o cuidado e o respeito com o outro. E, fi nalmente, uma instituição aprende. Uma instituição é o que é, positiva ou negativamente, em razão das aprendizagens. Em nossos dias você deve considerar que a necessidade de atualização é constante. Deparamo-nos com um grande número de informações e precisamos selecionar o que poderá contribuir para sermos melhores na vida profi ssional, acadêmica e pessoal. Para isso, contamos com o auxílio da tecnologia, que é o grande avanço e nos pode levar à conclusão de que a mera habilidade pode ser substituída pela máquina. Precisamos então ser competentes, mas também estar conscientes de que para sermos competentes necessitamos de conhecimento, habilidade, atitude e comunicação. Como adquirir tal competência? Através do aprender. Sendo o Aprendemos fazendo conexões, aprendemos errando, aprendemos fazendo, aprendemos imitando, aprendemos uns com os outros. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 26 aprender objeto de estudo da Psicopedagogia, identifi camos a Psicopedagogia necessária como instrumento mediador de aprendizagem por sondar, analisar, refl etir e favorecer os processos de aprendizagem humana. Podemos estabelecer alguns princípios fundamentais da teoria e prática da Psicopedagogia Institucional parafraseando Barone (1987, p. 19 - 20), na relação entre psicopedagogo e aprendente: • o direito de todos à aprendizagem, ao saber e à cultura; • a leitura e escrita como ferramentas fundamentais ao aprender; • respeito à liberdade; • parceria com a família no diagnóstico e intervenção; • escola como espaço privilegiado de aprendizagem, considerando, também, as demais instituições. Podemos ressaltar a ética e a criticidade como próprias aos princípios citados. Optamos pelo termo aprendente por compreendê-lo como o mais adequado, substituindo paciente ou cliente, considerando, também, que pode se tratar tanto de um indivíduo quanto de uma instituição. Atividade de Estudos: Leia, no site da Associação Brasileira de Psicopedagogia, o artigo Psicopedagogia: ação e parceria, de Marlei Adriana Beyer: http:// www.abpp.com.br/artigos/19.htm. Neste artigo, a autora faz a seguinte afi rmação: “A Psicopedagogia dentro da organização pode orientar ações avaliando a aprendizagem profi ssional, propondo e coordenando cursos de atualização que atendam as necessidades específi cas desse espaço, além de estabelecer princípios técnicos e metodológicos que permitam o tratamento didático dos diferentes programas da Andragogia.” 27 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 1) Pesquise e conceitue ANDRAGOGIA: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ A ConstruçÃo Transdisciplinar do FaZer Psicopedagógico Bossa (2007, p 20) relata a inevitável atuação da Psicopedagogia vista como intersecção dos campos da Psicologia e da Pedagogia. Encontramos em Andrade esclarecimentos e em seguida citamos Paín, defi nindo assim os fundamentos epistemológicos da Psicopedagogia: Psicopedagogia não se coloca no lugar da Pedagogia no sentido de que irá trabalhar com o sujeito cognoscente, o sujeito do conhecimento. Nem no lugar da Psicologia/ Psicanálise ao trabalhar com o sujeito do inconsciente, o sujeito desejante. Por outro lado, não trabalhará com a soma destas duas instâncias, mas na articulação de ambas, no espaço de transformação que surge da fecundação entre sujeito cognoscente e sujeito desejante e que possibilita o nascimento do sujeito aprendente. A Psicopedagogia busca compreender a subjetividade constituída pelo desejo de saber e pela demanda de conhecimento. (ANDRADE, 2006, p. 14). Nesse lugar do processo de aprendizagem coincidem um momento histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a tantas outras estruturas teóricas, de cuja engrenagem se ocupa e preocupa a Epistemologia; referimo-nos principalmente ao materialismo histórico, à teoria piagetiana da inteligência e à teoria psicanalítica de Freud, enquanto instauram a ideologia, a operatividade e o inconsciente (PAIN,1985, p.15). Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Epistemologia é Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 28 o estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas, e que visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas. Trata-se de uma teoria do conhecimento. Dessa forma, podemos apontar que a epistemologia, ou seja, as teorias do conhecimento que fundamentam a Psicopedagogia encontram-se principalmente na Psicologia, Psicanálise e Pedagogia em autores como Piaget, Vygotsky - Leontiev e Lúria - e Freud. Porém, como área inter/multidisciplinar, “recorre-se a outras áreas como a fi losofi a, a neurologia, a sociologia, a lingüística”. (BOSSA, 2007, p. 27). Esse espectro de conhecimentos pode ser ampliado, pois o psicopedagogo institucional necessita ter um profundo e amplo conhecimento do funcionamento dos grupos, da história e da cultura organizacional, bem como do funcionamento administrativo para favorecer a aprendizagem institucional em favor da ética e do progresso da empresa concomitante ao bem-estar de todos os sujeitos pertencentes à instituição. E especifi camente a Psicopedagogia Institucional foca tais estudos no campo das organizações, no campo profi ssional, espaço no qual as mudanças são explícitas como exigência de mercado. É importante perceber que a Psicopedagogia busca o equilíbrio entre os resultados e os processos de aprendizagem;preocupa-se, além da produção e das metas, com aspectos de aprendizagem social referentes às relações, bem como com o aspecto procedimental, pois também podemos aprendemos a fazer. Um trabalho em equipe que ocorra de forma cooperativa é fundamental. E para isso as empresas precisam capacitar os colaboradores, acolher sugestões e críticas e valorizar o trabalho de equipe. O ambiente hostil, demasiadamente competitivo, pode difi cultar a aprendizagem conceitual, procedimental e atitudinal, impedindo habilidades, aptidões e talentos que poderiam atuar efetivamente em benefício da instituição como um todo. O olhar psicopedagógico institucional pode prevenir, detectar e, inclusive, intervir nessas questões específi cas da aprendizagem que alinhem teoria e prática da instituição com os objetivos da organização e a qualidade de vida de seus colaboradores. Ressaltamos que a Psicopedagogia Institucional atua em outros espaços além da escola, como hospitais, empresas e também organizações não governamentais. Encontramos o meio acadêmico e profi ssional em constante mudança, o que gera angústias, incertezas, confl itos certamente, refl exões e transformações. Adequar-se aos As teorias do conhecimento que fundamentam a Psicopedagogia encontram-se principalmente na Psicologia, Psicanálise e Pedagogia O olhar psicopedagógico institucional pode prevenir, detectar e, inclusive, intervir nessas questões específi cas da aprendizagem que alinhem teoria e prática da instituição com os objetivos da organização e a qualidade de vida de seus colaboradores. 29 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 novos tempos e exigências da sociedade é algo produtivo, porém a resistência à mudança é bastante comum nas organizações. O psicopedagogo é o profi ssional adequado para mediar tais processos, impulsionando a aprendizagem. A psicopedagogia acredita que o aprender garantirá o espaço do sujeito, pois favorecerá a adequação de conceitos, procedimentos e atitudes conforme os interesses e necessidades atuais. Objetivamos aprofundar nossos conhecimentos sobre a psicopedagogia institucional e nos apropriar de práticas de atuação no campo organizacional. A psicopedagogia foca seus estudos nos processos de aprendizagem, prevenindo e tratando as difi culdades referentes a esta, atuando na instituição escolar e demais instituições, tendo por objetivo a aprendizagem grupal, em favor da cooperação mútua e do crescimento da instituição. Atividade de Estudos: 1) Classifi que princípios e fundamentos epistemológicos e discorra sobre a relevância de ambos na teoria e prática da Psicopedagogia Institucional. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Da Prática À Teoria e da Teoria À Prática Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 30 Como aproximar tais fundamentos à psicopedagogia nas instituições? A Psicopedagogia Institucional e a Psicopedagogia Clínica têm o mesmo objeto de estudo: o aprender. A Psicopedagogia é única, é uma só, segue concepções diferentes, conforme necessidades e afi nidades dos psicopedagogos, mas tem os mesmos pressupostos de investigação, sondagem, avaliação, diagnóstico para, a partir daí, apontar caminhos que favoreçam o aprender em prol de avanços e melhorias nos processos e nos resultados, sejam eles individuais ou grupais. Assmann (1998, p. 19) explica que: com a expressão sociedade aprendente pretende-se inculcar que a sociedade inteira deve entrar em estado de aprendizagem e transformar-se [...]. Supera-se a era de produção dos bens materiais e estas mudanças paradigmáticas ocorrem na sociedade como um todo, inclusive e principalmente nas instituições de ensino. Porém, reconhecemos a dicotomia entre os discursos, o que se fala e o que realmente ocorre nas instituições, sejam elas escolares ou não. Teoria e prática nem sempre estão afi nadas. As intervenções que ocorrem tanto fora quanto dentro da instituição escolar são imprescindíveis para favorecer o tipo de aprendizagem que poderá ou não impulsionar o desenvolvimento. No entanto, muitas vezes nos deparamos com a instituição escolar propondo uma educação interativa, onde a paisagem que se observa, por exemplo, é de um ambiente totalmente padronizado, ou seja, de carteiras enfi leiradas que imobilizam o corpo da criança e de silêncio total e, no entanto reconhecemos que a criança pode aprender mesmo sem permanecer imobilizada e em silêncio. E será que só o fato da mudança de arquitetura espacial garante a aprendizagem? Ou por vezes, em instituições com propostas similares, se ouve professores justifi cando que “fulano não aprende porque não está maduro”. Mas, afi nal, acreditamos que é a aprendizagem que promove e impulsiona o desenvolvimento, então não precisamos esperar e sim agir. Obviamente, há que se considerar o respeito à criança e evitar intervenções além e aquém de suas possibilidades e necessidades. São estes tipos de discursos que ocorrem nas práticas pedagógicas que nos confundem, fazendo com que deixemos de exercitar efetivamente a educação em que acreditamos e que nos propusemos a fazer. (RODRIGUES, 2006). É difícil atuar com base naquilo em que não acreditamos, mas, na maioria das vezes, são as infl uências externas que acabam nos forçando a assumir um discurso de verdade que não é o nosso. Isso acontece porque o saber tem sempre relação com o poder e vice-versa. Então, dependendo dos acontecimentos, essas relações de poder acabam predominando no tipo de saber que é utilizado, produzindo um tipo de subjetividade que se deseja. 31 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 Neide de Aquino Noff s (1995) aponta tarefas do Psicopedagogo Institucional, tais como: administrar confl itos; trabalhar com grupos; propor refl exões; identifi car sintomas de difi culdades nos processos de aprendizagem; organizar atividades de prevenção; auxiliar na defi nição de cargos, papéis e funções; desenvolver estratégias para a prática e compreensão da autonomia (conceito Piagetiano), fazer mediações (conceito Vygotskyano); criar espaços de escuta; levantar hipóteses; observar, entrevistar e fazer devolutivas; fazer sondagens, encaminhamentos e orientações, utilizando-se de metodologia psicopedagógica em favor da aprendizagem. A concepção interacionista compreende que a aprendizagem acontece na troca, nas relações estabelecidas. Dessa forma entendemos que aprendemos uns com os outros. Paulo Freire, o grande educador brasileiro, trata a educação sob o olhar da ética e da estética, ou seja, da decência e da “boniteza”. Entendemos que também devemos defi nir os processos de aprendizagem como processos interativos e cooperativos. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Última publicação, em vida, do grande educador brasileiro Paulo Freire. A aprendizagem é o objeto de estudo da psicopedagogia. Aprender é essencial em nossa vida para melhorarmos, refl etirmose trabalharmos com as diferenças. Aprendemos sempre, cotidianamente. Aprendemos em situações de prazer e de sofrimento, pois aprender é próprio do ser humano, que deve servir à coletividade. O aprender deve ser socializado e assim nos tornamos melhores e sentimos o melhor dos outros. Quando ignoramos, desconhecemos, pouco podemos fazer, mas o fato de conhecer nos exige novas atitudes. Quando aprendemos, assumimos compromisso com esse saber, com aquilo que faremos dele. Na psicopedagogia precisamos nos instrumentalizar para enfrentar desafi os, como a resistência de um grupo ou de parte dele frente às propostas de aprendizagem. Essas situações, que nos devem impulsionar e não bloquear nosso trabalho, é que necessitam de uma intervenção psicopedagógica. Quando tudo está bem em relação ao aprender de um indivíduo, podemos ter um objeto de estudo, mas não um objeto de intervenção, de atuação, como: compreender a dinâmica desse grupo, favorecer novas aprendizagens, ampliar e socializar os saberes e facilitar a interação. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 32 Os estudos empresariais e administrativos, como os estudos em tantas outras áreas, trilharam diversas mudanças no século passado. Com o surgimento das máquinas, novas concepções se formaram em torno do trabalho humano, resultando em mudanças sociais, políticas e econômicas. “O termo administração [...] signifi ca aquele que realiza uma função comandado por outrem, prestando um serviço a outro”. (CHIAVENATO, 1993, p. 7). Nós precisamos reconhecer que cada vez mais essa hierarquia tem seu papel minimizado, privilegiando a autonomia, a participação, a parceria e a cooperação. Mas, a necessidade administrativa persiste. A administração é um campo abrangente. Segundo Chiavenato (2000, p.1), administração nada mais é do que a condução racional das atividades de uma organização, seja ela lucrativa ou não lucrativa. A administração trata do planejamento, da organização (estruturação), da direção e do controle de todas as atividades diferenciadas pela divisão do trabalho que ocorram dentro de uma organização. Maximiano (1997, p. 26) afi rma que “Administração é o processo de tomar e colocar em prática decisões sobre objetivos e utilização de recursos.” Algumas etapas norteiam o processo administrativo: planejamento, organização, direção e controle. A Teoria da Administração evolui constantemente, aprimora-se e se atualiza. E hoje seu principal elemento é a pessoa e sua aprendizagem integrada e interativa. Percebemos a evidência de uma competição acirrada, da pressão de mercado, da concorrência etc. Situações tendiam à desqualifi cação profi ssional, à defasagem dos saberes, ao detrimento das habilidades humanas em relação ao trabalho mecânico que aos olhos da Teoria Comportamental são analisados, interpretados e criticados, pois, o reconhecimento e a valorização do capital humano em uma organização é tendência efetiva. A inteligência emocional, a qualifi cação, a formação continuada são pilares dessa nova forma de estruturar as organizações. Realizar tais mudanças e transformações vai além da sobrevivência e se fi rma, principalmente, na qualidade de vida. Vivemos cada vez mais, trabalhamos cada vez mais, portanto, estar bem é essencial e resulta na qualidade do trabalho, da atuação profi ssional. O papel do psicopedagogo na empresa, juntamente com o profi ssional de Recursos Humanos, contribuirá para a manutenção dos talentos, o aprimoramento das habilidades e a ampliação dos conhecimentos de acordo com as necessidades e as propostas da instituição. O reconhecimento e a valorização do capital humano em uma organização é tendência efetiva.. 33 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 Acesse o site: www.chiavenato.com Você irá encontrar materiais muito interessantes sobre assuntos como: Gestão de Pessoas, O Capital Humano das Organizações, Comportamento Organizacional, entre tantos outros. Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito. Eu nem desconfi ava que existissem lugares muito diferentes... Eu ia pra escola todos os dias de manhã e quando chegava, logo, logo, eu tinha que me meter no vidro. É, no vidro! Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não! O vidro dependia da classe em que a gente estudava. Se você estava no primeiro ano ganhava um vidro de um tamanho. Se você fosse do segundo ano seu vidro era um pouquinho maior. E assim, os vidros iam crescendo à medida que você ia passando de ano. Se não passasse de ano era um horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado. Coubesse ou não coubesse. Aliás, nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros. E pra falar a verdade, ninguém cabia direito (ROCHA, 2003, p.19). Rocha, em sua literatura infantil, faz um relato institucional, no qual é possível perceber sua análise e crítica a um modelo de instituição escolar. Atividade de Estudos: 1) Relate, brevemente, com um olhar psicopedagógico, sobre as instituições escolares que temos e as instituições escolares que queremos. Descreva percepções pessoais sobre as instituições reais com seus acertos e erros e a instituição ideal. Lembre-se de que, quando falamos da psicopedagogia, nosso objeto de estudo é a aprendizagem. Você pode, se preferir, optar por outra instituição que não a escolar, mas é fundamental ter um olhar crítico focado no aprender: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 34 ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ A Psicopedagogia Institucional aborda possibilidades do aprender conceitual, procedimental e atitudinal nas instituições. A Psicopedagogia Institucional é um campo multidisciplinar e, portanto, pode fundamentar-se em teóricos como Piaget, Vygotsky, Freud, bem como em Wallon, Gardner, Foucault – autor fundamental na área institucional; em autores das áreas empresariais e administrativas como Peter Senge, Chiavenato e em autores essencialmente da Psicopedagogia, como Alícia Fernandez, Sara Pain, Jorge Visca e Eulália Bassedas. Partindo do pressuposto de que o aprender é subjetivo e sistêmico, surge o conceito de “instituição aprendente”. Para compreender a ideia de instituição aprendente, confi ra o que nos dizem Carlos Ramos Mota, Najla Veloso e Sampaio Barbosa (Salto para o Futuro, 2004): Uma escola à altura do seu tempo traz para si a responsabilidade de investigar as questões postas pelos seus constituintes. Para isso, reorganiza-se como espaço social do diálogo, com base na equidade dos saberes, nas diferentes contribuições científi cas, nas percepções do cotidiano humano, nas manifestações da cultura, enfi m, numa permanente busca de alternativas para as demandas de seu público. A escola se transforma em uma instituição aprendente e seus integrantes, sujeitos sociais interferentes, capazes de denunciar e anunciar as reais necessidades do mundo em que vivem. (MOTA, VELOSO; BARBOSA, 2004). Pode haver contribuição da Psicopedagogia em toda e qualquer instituição, seja ela escolar, empresarial, hospitalar, pois nessas organizaçõeshá necessidade de transformação, de crescimento e adequação aos novos tempos e necessidades. Acreditamos que tal transformação se dá somente através do aprender, do aprender em grupo, da integração e cooperação. A Psicopedagogia Institucional aborda possibilidades do aprender conceitual, procedimental e atitudinal nas instituições. 35 A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL Capítulo 2 Atividade de Estudos: 1) Muitas mudanças estão acontecendo no desenvolvimento das organizações, determinadas ora pelas imposições do mercado, ora pela necessidade de reorganização do ambiente interno organizacional. O conhecimento humano surge como principal fonte de vantagem competitiva para as organizações. Como você compreende a Instituição Aprendente? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Escolas que Aprendem, de Peter Senge. Também há uma adaptação do livro disponibilizado no site: • http://www.aprendente.com.br/materiais/artigo_escolasqueaprend em.pdf Algumas Considerações Retomamos as primeiras questões ao contextualizarmos a disciplina: Quem é o psicopedagogo institucional? Onde e como atua? Qual sua prática? Em quais fundamentos e princípios tal atuação se sustenta? No decorrer do estudo, procuramos favorecer a refl exão sobre a psicopedagogia, seu enfoque institucional, e a relevância do psicopedagogo junto às instituições. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 36 Conhecemos seus princípios gerais dos quais destacamos o primeiro deles: “o direito de todos à aprendizagem”, os principais fundamentos, dos estudos de Freud, Vygotsky e Piaget, ressaltando ainda o caráter transdisciplinar da psicopedagogia. Nas instituições, especifi camente, há necessidade dos saberes organizacionais, empresariais e administrativos. Enfi m, compreender o espaço institucional como um espaço privilegiado do aprender coletivo e cooperativo é entender a instituição como aprendente, organização viva, complexa, que se forma e transforma e assim permanece e evolui. ReFerÊncias ANDRADE, Márcia Siqueira de. Ensinante e aprendente: a construção da autoria de pensamento. Construção Psicopedagógica, São Paulo, v. 14, n. 1, p.00-00, dez. 2006. Anual. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo. php?script=sci_issuetoc&pid=1415-695420060001&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 ago. 2009. BARONE, Leda Maria Codeço. Considerações a respeito do estabelecimento da ética do psicopedagogo. In SCOZ, Beatriz Judith Lima (et al.) Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profi ssional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. BOSSA, Nádia A. A Psicopedagogia no Brasil. Porto Alegre: Artemed, 2007. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro: Campus, 2000. MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Atlas, 1997. MOTA, Carlos Ramos. VELOSO, Najla. BARBOSA, Sampaio. Salto para o Futuro. Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/boletins2004/cp/ tetxt1.htm>. 10 ago. 2009. NOFFS, Neide de Aquino. Entrevista: Palavra de Presidente. Revista Psicopedagogia. 5 set. 1995. PAÍN, Sara. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. Porto Alegre: Artemed, 1985. ROCHA, Ruth. (Este) Admirável Mundo Louco. São Paulo: Salamandra, 2003. CAPÍTULO 3 Passeios Conceituais A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer os conceitos que fundamentam o trabalho Psicopedagógico nas instituições. Valorizar o uso e a importância dos marcos conceituais para poder interpretar a realidade Psicopedagógica numa instituição. 39 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 ConteXtualiZaçÃo Neste capítulo vamos mergulhar nos conceitos necessários para que você consiga construir sua identidade e prática profi ssional, tal como fi zemos referência no fi nal do capítulo 1. Para isso retomaremos, cada vez que necessários, os dois casos (Maria e Morgan Day School). No capítulo I apresentamos as queixas e os motivos de consulta para, a partir deles, poder perceber quais são os elementos e conceitos de que necessitamos para compreender e elaborar as estratégias para a resolução das problemáticas com as quais o psicopedagogo tem de trabalhar e pelas quais é demandado. Um dos conceitos já introduzidos em disciplinas anteriores é o de sujeito. Termo que foi aparecendo sutilmente, mas sobre o qual estamos obrigados a nos debruçar para podermos entender como se articula com as noções de, por exemplo, “aprendente” e “ensinante”. Seremos obrigados a adentrar ainda mais na teoria psicanalítica, na teoria dos grupos, na psicologia social, por serem algumas das bases nas quais se sustentam a prática psicopedagógica clínica e a institucional. Práticas que, como você já sabe, não se pode separar de forma absoluta, por funcionarem de forma entrelaçada e interdependente. Os conceitos e as teorias de onde surgem servem para fundamentar a prática psicopedagógica, assim como acontece com outras práticas profi ssionais. Servem para compreender as problemáticas para as quais somos convocados a atuar. Orientam na escolha dos caminhos a trilhar. Com eles fazemos da nossa prática uma prática científi ca, preservando dessa forma os sujeitos com os quais trabalhamos do saber vulgar baseado na tradição ou na ingenuidade. Para você poder orientar, organizar e intervir psicopedagogicamente, necessitará de ferramentas. Essas ferramentas surgiram e se sustentam em referenciais teóricos específi cos. Nossa viagem continua através deles. Psicanálise: Teoria do SuJeito e da SuBJetiVidade Vamos trabalhar as noções de sujeito e de subjetividade a partir da teoria psicanalítica. Quando falamos de “ensinante”, de “aprendente”, estamos fazendo referências a um sujeito que ensina e aprende, mas não desde qualquer lugar, senão desde e com a sua subjetividade. É a minha subjetividade, é a sua subjetividade que está em jogo aqui, enquanto eu escrevo para você, enquanto Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 40 você lê, interpreta e pensa sobre essas ideias. Eu sou autor enquanto escrevo, você é autor enquanto pensa. Estamos no plano da intersubjetividade. Que signifi ca isto? Primeiramente que não há sujeito a não ser em relação a um outro. Essa relação é a condição da constituição da subjetividade. É por isso que o sujeito sempre está sujeitado a outro. Este outro funciona como igual, mas ambos por sua vez estão sujeitados a um Outro (lugar da terceiridade, da cultura, da Ley). Ensinar e aprender são o resultado dessa dupla sujeição, ao outro e ao Outro. Essas sujeições, e aqui começaremos a nos debruçar sobre alguns conceitos psicanalíticos, não pertencem ao nosso domínio. Na realidade somos dominados por saberes dos quais nada sabemos, dos quais não temos conseguido nos apropriar. A esses saberes é que damos o nome de inconscientes. Inconsciente é a palavra que inaugura e a partir do qual se constrói o pensamento psicanalítico. a) Mas, o que é psicanálise? O mentor da teoria psicanalíticafoi Sigmund Freud, no fi nal do século XIX e começo do século XX. Foi ele que atribuiu o nome de Psicanálise à teoria na qual, segundo Laplanche e Pontalis (2001), é possível distinguir três tipos de enfoques: a) Um método de investigação que consiste essencialmente em evidenciar o signifi cado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios) de um sujeito. Este método baseia-se principalmente nas associações livres do sujeito que são a garantia da validade da interpretação. A interpretação psicanalítica pode estender- se a produções humanas para as quais não se dispõe de associações livres. b) Um método psicoterápico baseado nesta investigação e especifi cado pela interpretação controlada da resistência, da transferência, e do desejo. O emprego da psicanálise como sinônimo de tratamento psicanalítico está ligado a este sentido; exemplo: começar uma psicanálise (ou uma análise). c) Um conjunto de teorias psicológicas e psicopatológicas em que são sistematizados os dados introduzidos pelo método psicanalítico de investigação e de tratamento (p. 384-385). A seguir, apresentamos alguns conceitos que são essenciais na compreensão da teoria psicanalítica. Acompanhe!!! Associação livre: método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento 41 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma espontânea. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 39). Interpretação: a) destaque, pela investigação analítica, do sentido latente nas palavras e nos comportamentos de um sujeito. A interpretação traz à luz as modalidades do confl ito defensivo e, em última análise, tem em vista o desejo que se formula em qualquer produção do inconsciente. b) No tratamento, comunicação feita ao sujeito, visando a dar acesso a esse sentido latente, segundo as regras determinadas pela direção e evolução do tratamento. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 245). Transferência: designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada. É a transferência no tratamento que os psicanalistas chamam a maior parte das vezes transferência, sem qualquer outro qualifi cativo. A transferência é classicamente reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este tratamento. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 514). Desejo: Jaques Lacan procurou recentrar a descoberta freudiana na noção de desejo e recolocar essa noção no primeiro plano da teoria analítica. Nessa perspectiva, foi levado a distingui-la de noções com as quais muitas vezes é confundida, como as de necessidade e demanda. A necessidade visa um objeto específi co e satisfaz-se com ele. A demanda é formada e dirige-se a outrem. Embora incida ainda sobre um objeto, este não é essencial para ela, pois a demanda articulada é, no fundo, demanda de amor. O desejo nasce da defasagem entre a necessidade e a demanda; é irredutível à necessidade, porque não é no seu fundamento relação com um objeto real, independente do sujeito, mas com a fantasia; é irredutível à demanda na medida em que procura impor-se sem levar em conta a linguagem e o inconsciente do outro, e exige absolutamente ser reconhecido por ele. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 114). Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 42 Atividade de Estudos: 1) Procure dados biográfi cos e principais aportes à teoria psicanalítica dos seguintes autores: a) Sigmund Freud: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ b) Jaques Lacan: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ c) Maud Mannoni: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ O surgimento da teoria psicanalítica signifi cou uma ruptura epistemológica em relação ao modo de pensar o Homem. Segundo Freud, a humanidade passou por três grandes desilusões, que ele chamou de feridas narcísicas (fazendo alusão ao Mito grego de Narciso). O conhecimento desse mito será importante para 43 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 poder entender alguns processos psíquicos que fazem parte da constituição da subjetividade e de certos movimentos nos grupos e nas instituições. Movimentos fundamentalmente relacionados com os diferentes tipos de identifi cações entre os membros e nas relações intersubjetivas. A primeira grande desilusão foi a chamada revolução copernicana. Momento em que cai a ideia de a Terra ser o centro do universo e não mais do que um simples planeta que orbita ao redor de uma estrela. O homem passou do centro à periferia. A segunda ferida se refere à teoria da evolução das espécies elaborada por Charles Darwin no século XIX, na qual demonstra a origem do Homem a partir do reino animal. A terceira é a infl igida pelo próprio Freud, quando declara que não somos donos de nós mesmos e que estamos sujeitados a forças desconhecidas que controlam nosso comportamento e das quais nada sabemos. A teoria psicanalítica é parte do acervo cultural desde o início do século XX e hoje convive no nosso cotidiano como um saber com o qual convivemos, embora não tenhamos conhecimento das especifi cidades que cada conceito encerra. A tradicional expressão “Freud explica”, arraigada no dizer popular, é prova disso. O pensamento psicanalítico, a lógica psicanalítica convive diariamente com cada um de nós, comigo, com você. Temos aprendido a desconfi ar da inocência de um simples erro. Reconhecemos nele uma intencionalidade, um sentido do qual o sujeito nada quer saber. Entramos desse modo no conceito nodal da teoria psicanalítica que é o conceito de inconsciente. Vale a pena lembrar que a teoria psicanalítica tem mais de cem anos e que os conceitos foram mudando e evoluindo. Também o conceito de inconsciente mudou ao longo da história: nas diferentes correntes em que está dividido o pensamento psicanalítico, este conceito foi adquirindo diferentes sentidos e signifi cados. Dentre todos eles, vamos escolher aquele que vem ao encontro do pensamento psicopedagógico, tal como é trabalhado por Alicia Fernandez. No ano de 1900, Freud publica o livro “A interpretação dos sonhos”. Nesse texto resgata o valor dos sonhos para compreender a vida psíquica das pessoas. No capitulo VII, elabora oque é conhecido como Primeira teoria do aparelho psíquico ou Primeira tópica freudiana. Reconhece a existência de três instâncias: Consciente, Pré-consciente Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 44 e Inconsciente. Entre esses sistemas circulam o que Freud chama de representações. Atualmente, e a partir do ensino de Lacan (1983), que incorporou os conhecimentos da linguística e da antropologia estrutural, chamamos a esses elementos de signifi cantes. Os signifi cantes formam correntes e é a partir dessas correntes que podemos entender o sentido e o signifi cado dos sintomas e das produções do inconsciente. Freud utilizou três modelos para tentar compreender como essas representações, esses signifi cantes produzem efeitos sobre a vida psíquica de um sujeito. A esses modelos Freud chamou-os de Econômico, Tópico e Dinâmico, que atuam entrelaçadamente. Já em 1923, Freud publica um trabalho titulado “O ego e o Id”, no qual elabora a Segunda teoria do Aparelho Psíquico. Essa nova forma de explicar o funcionamento mental não invalida a anterior, ela a complementa. Surgem assim as noções de Ego (ou Eu), Super-ego (ou super-eu) e Id (ou isso). A teoria freudiana trabalha a partir da ideia de que a vida psíquica acontece numa luta contínua entre elementos que entram em confl ito e de cujo conhecimento só conseguimos saber a partir das formações resultantes dessa luta (sonhos, atos falhos, sintomas). Como você pode perceber, introduzimos outras palavras caras ao pensamento e fazer psicopedagógico: sentido, signifi cado e sintoma. Vamos retomar neste ponto os dois casos que apresentamos no capítulo 1 para tentar ler à luz desses conceitos algumas das singularidades. Agora pode começar a fi car mais clara aquela afi rmação: “A queixa não é a queixa”. Aquilo que é colocado como motivo de consulta é um sintoma, é dizer, uma formação produzida por representações ou signifi cantes inconscientes em confl ito. b) As “queixas” no Caso Maria e no caso Morgan Day School Embora a princípio as queixas em relação à Maria possam ser pensadas a partir, tal como a autora do texto de referência o fez, da Psicopedagogia Clínica, é importante poder reconhecer nessa problemática singular o quê, da instituição escolar, está em jogo. Neste caso fazemos também uma análise institucional sobre o papel da escola e/ou da professora sobre o que é falado em relação à Maria. Preferimos, seguindo uma longa tradição dentro da psicologia e da psicopedagogia, diferenciar o Motivo de Consulta do que é chamado de Queixa. 45 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 Sem essa diferenciação, limitamos a possibilidade de pensar a motivação que leva alguém a consultar, da presença ou não da vivência subjetiva que provoca o mal-estar de uma difi culdade ou problemática. Assim é que pode ir surgindo uma série de perguntas, como: Quem consulta? O que o motiva a fazer essa consulta? Sobre quem recai o pedido de consulta? Qual o problema sobre o que se consulta? A palavra queixa deixa pouca margem para desdobrar uma problemática que, como você sabe, é complexa. A Queixa é parte do motivo de consulta. É a parte das reclamações, do sofrimento, da sensação de impotência perante uma problemática para a qual não se tem a solução. É o lamento, fala da angústia. Vejamos como tem funcionado nos casos que apresentamos. • Caso Maria - comportamento inadequado para sua idade e também para o processo de preparação à alfabetização; - ela se comportava como bebê, querendo fi car só no colo, chorando. Brincava, às vezes, mas se negava a fazer tarefas propostas. Qual a leitura que podemos fazer dessas queixas? Embora Maria tenha sido encaminhada para tratamento psicopedagógico individual, não podemos ignorar nem omitir a dimensão institucional presente nessas queixas. Embora a indicação de tratamento psicopedagógico clínico para Maria esteja plenamente justifi cada, é importante resgatar e pesquisar a dimensão institucional, ou seja, como o sintoma de um sujeito se entrelaça com os sintomas institucionais. Quando falo de plenamente justifi cado, quero dizer: só a partir do resultado das aproximações diagnósticas realizadas pela psicopedagoga clínica e não pelas queixas apresentadas pela escola ou professora. A expressão “comportamento inadequado para a sua idade” remete a uma concepção da pedagogia que se sustenta em parâmetros de normalidade / anormalidade que resultam difíceis de sustentar na atualidade. Comportar-se como bebê, negar-se a fazer tarefas propostas, brincar às vezes, não signifi cam nada em si mesmas. Poderia tratar-se de apreciações subjetivas da professora ou da escola a partir de certos preconceitos ou modelos em que estão implicados Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 46 pressupostos nos quais se ressignifi cam certas expressões que circulam no imaginário escolar com um peso específi co muitas vezes alienante. O trabalho do psicopedagogo institucional é o de entrar nesse particular mundo da instituição (no caso escolar) para resgatar os sentidos ocultos das práticas e dos discursos que regulam a relação entre os membros da comunidade institucional. No caso que nos ocupa, saber como é vivido pela escola ou pela professora o ato de alguém negar-se a fazer alguma coisa, o fato de alguém estar a fi m ou não de brincar (sem esquecer que o brincar é uma das poucas atividades humanas impossível de ser realizada por obrigação) ou o signifi cado e repercussão do comportamento inadequado. • Caso Morgan Day School O interesse por compreender a conduta dos alunos e o interesse por preservar o nome e prestígio da instituição acabam se confundindo no pedido de intervenção. Aqui fi ca em evidência a diferença que estabeleci entre Queixa e Motivo de Consulta. A queixa (reclamação) está relacionada com o comportamento dos alunos, o motivo da consulta denuncia o temor de desabar o projeto institucional da escola. O pedido da escola foi o de programar algum tipo de dispositivo para poder acalmar os pais que fi caram revoltados com a conduta dos fi lhos, mas responsabilizando a escola. Também para disciplinar os alunos dessa turma para que esses fatos não voltem a se repetir e de fazer um trabalho de prevenção com outras turmas para detectar possíveis e/ou futuros atos de vandalismo. O motivo de consulta diz muito mais do que a queixa em relação ao mal-estar e sobre as fantasias e ansiedades depositadas por parte da instituição sobre o psicopedagogo. A esse processo de projeção de fantasias, angústias, ansiedades é que a psicanálise dá o nome de transferência. Você pode voltar à defi nição de transferência que aparece em páginas anteriores para perceber como esse conceito técnico e teórico começa a funcionar na prática psicopedagógica. 47 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 Nesse primeiro momento, que chamamos de aproximação diagnóstica, limitamos o trabalho à função da escuta. É um momento privilegiado que exige do psicopedagogo um dos maiores esforços, que é a “não intervenção”. “Não intervenção” que é uma forma de intervir, deixando que sejam os próprios sintomas institucionais os que falem e façam-se escutar. Dar respostas precipitadas pode contaminar todo o trabalho a ser desenvolvido. Neste momento queremos saber sobre o desejo da instituição, aquele escondido por trás das palavras com as quais a instituição se apresenta, por trás das queixas (próprias ou alheias), sobre o poder de reconhecer-se como sendo parte das problemáticas que coloca. Vamos fazer mais uma parada nesta viagem para conhecer outros conceitos necessários para as próximas etapas. Mais uma vez apelo para a sua capacidade de manter o “por enquanto”, a capacidade de não se debruçar perante a necessidadede respostas, de poder suportar as perguntas e deixá-las momentaneamente em aberto. Primeira Tópica Freudiana (1900) Como já adiantamos, foi no ano de 1900 que Freud elaborou a primeira teoria do aparelho psíquico. Nele reconhece três instâncias que na continuação serão descritas: a) Inconsciente O inconsciente freudiano é circunscrito como um sistema radicalmente separado do pré-consciente pela censura. Freud instaura a dimensão do que ele chama de “psicologia das profundezas” para se diferenciar dos modelos psicológicos da psicologia tradicional e experimental que iam se tornando saber hegemônico dentro da ciência psicológica a partir da segunda metade do século XIX. Para Laplanche e Pontalis (2001), incontestavelmente é no termo inconsciente que deveríamos reconhecer o ponto nodal da teoria psicanalítica. Para esses autores, o inconsciente desde a perspectiva freudiana é: 1) Em primeiro lugar, uma noção tópica e dinâmica, que brotou da experiência do tratamento. Este mostrou que o psiquismo não é redutível ao consciente e que certos “conteúdos só se tornam accessíveis à consciência depois de superadas certas resistências [...]” 2) Quais serão esses conteúdos? “Não intervenção” que é uma forma de intervir, deixando que sejam os próprios sintomas institucionais os que falem e façam-se escutar. Dar respostas precipitadas pode contaminar todo o trabalho a ser desenvolvido. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 48 a) No artigo “O inconsciente”, Freud denomina-os “representantes da pulsão” [...] as representações inconscientes são dispostas em fantasias, histórias imaginárias em que a pulsão se fi xa e que podemos conceber como verdadeiras encenações do desejo. b) A maior parte dos textos freudianos anteriores à segunda tópica assimilam o inconsciente ao recalcado [...] c) Outra assimilação classicamente reconhecida é a do inconsciente ao infantil em nós. [...] Para Freud, é pela ação do recalque infantil que se opera a primeira clivagem entre o inconsciente e o sistema pré-consciente – consciente. 3) Sabe-se que o sonho foi para Freud o caminho por excelência da descoberta do inconsciente. Os mecanismos (deslocamento, condensação, simbolismo) e constitutivos do processo primário são reencontrados em outras formações do inconsciente (atos falhos, lapsos, etc.) equivalentes aos sintomas pela sua estrutura de compromisso e pela sua função de realização de desejo. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, págs. 236 – 237). b) Consciente Pode ser defi nido como um sistema de percepção – consciência, situado na periferia do aparelho psíquico. As percepções e informações que chegam tanto do exterior quanto do interior são processadas por esse sistema para dar lugar à construção da realidade psíquica de um sujeito. d) Pré-consciente Termo utilizado por Freud no quadro da sua primeira tópica. Como substantivo, designa um sistema do aparelho psíquico nitidamente distinto do sistema inconsciente (Ics). Como adjetivo, qualifi ca as operações e conteúdos desse sistema pré-consciente (Pcs). Estes não estão presentes no campo atual da consciência e, portanto, são inconscientes no sentido “descritivo” (x) do termo, mas distinguem-se dos conteúdos do sistema inconsciente na medida em que permanecem de direito acessíveis à consciência (conhecimentos e recordações não atualizados, por exemplo). Do ponto de vista metapsicológico, o sistema pré-consciente rege-se pelo processo secundário. Está separado do sistema inconsciente pela censura, que não permite que os conteúdos e os processos inconscientes passem para o Pcs sem sofrerem transformações. 49 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 No quadro da segunda tópica freudiana, o termo pré-consciente é sobretudo utilizado como adjetivo, para qualifi car o que escapa à consciência atual sem ser inconsciente no sentido estrito. Do ponto de vista sistemático, qualifi ca conteúdos e processos ligados ao ego quanto ao essencial, e também ao superego. • Econômico Os processos psíquicos consistem na circulação e repartição de uma energia quantifi cável (energia pulsional), isto é, suscetível de aumento, de diminuição, de equivalências. Consiste em considerar os investimentos na sua mobilidade, nas variações da sua intensidade, nas oposições que entre eles se estabelecem (noção de contra-investimento), etc. Ao longo de toda a obra de Freud estão presentes considerações econômicas; para ele, não seria possível a descrição completa de um processo psíquico sem a apreciação da economia dos investimentos. • Dinâmico Laplanche e Pontalis descrevem o modelo dinâmico como o ponto de vista que considera os fenômenos psíquicos como sendo o resultado de confl itos e do conjunto das forças que pressionam pulsionalmente. As representações estão em permanente movimento e sujeitas à pressão dessas forças. As principais são aquelas que lutam por manter essas representações em estado inconsciente e as que tentam que essas representações consigam passar para a consciência vencendo a censura. • Tópico Teoria ou ponto de vista que supõe uma diferenciação do aparelho psíquico em certo número de sistemas dotados de características ou funções diferentes e dispostos numa certa ordem uns em relação aos outros, o que permite considerá- los metaforicamente como lugares psíquicos de que podemos fornecer uma representação fi gurada espacialmente. Atividade de Estudos: 1) Procure o signifi cado dos seguintes conceitos para a teoria psicanalítica: a) Processo primário: ______________________________________________________ ______________________________________________________ b) Processo secundário: ______________________________________________________ ______________________________________________________ Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 50 Segunda Tópica Freudiana Como adiantamos alguns parágrafos anteriores, foi em 1923 que Freud desenvolveu sua segunda teoria do aparelho psíquico. Essa segunda teoria não substitui a primeira, mas a complementa. Primeiramente iremos defi nir cada uma das instâncias que a compõem para depois ver como interagem entre elas. a) Ego ou Eu Para Freud, o ego nasce como sendo uma parte diferenciada do ID pelo contato com o mundo exterior e as percepções internas do sujeito. Topicamente o ego está numa relação de múltiplas dependências, das reivindicações do id, dos imperativos do superego e das exigências da realidade. Embora se situe como mediador, encarregado dos interesses da totalidade da pessoa, a sua autonomia é apenas relativa. Essa ideia é justamente uma das mais resistentes e ao mesmo tempo é uma das que norteiam o pensamento psicopedagógico contemporâneo. No dizer do Winnicott, o desenvolvimento de um sujeito se dá na conquista da autonomia a partir da dependência absoluta na qual nasce o ser humano. Poder ser autores do nosso pensamento, poder nos apropriar do aprender e do ensinar supõe sair do vínculo alienante da dependência e, dessa forma, constituir-nos agentes da nossa história. O Ego também representa o polo defensivo da personalidade ao pôr em jogo uma série de mecanismos de defesa, estes motivados pela percepção de um afeto desagradável (sinal de angústia) que ameaça sua integridade. Esse aspecto é muito importante quando analisamos o grau de coesão ou fragmentação numa instituição, pudendo reconhecer os mecanismos de defesa mais utilizados para a resolução dos confl itos e dos sintomas institucionais. b) Super-Ego ou Super-Eu Sua função é semelhante à de um juiz ou de um censor em relação ao Ego. Antes de elaborar a Segunda teoria do aparelho psíquico Freud já falava da existência de uma consciência moral que tinha, dentre outras, a função da auto-observação, da formação de ideais, que logo foram descritas como funções do superego. Classicamente, o superego é defi nido comoo herdeiro do complexo de Édipo; constitui-se por interiorização das exigências e das interdições parentais. 51 PASSEIOS CONCEITUAIS PASSEIOS CONCEITUAIS Capítulo 3 c) Id ou Isso O id, na acepção clássica freudiana, constitui o polo pulsional da personalidade. Trata-se de representações herdadas cultural e familiarmente e, também, recalcadas e adquiridas. Do ponto de vista econômico, o id é, para Freud, o reservatório inicial da energia psíquica; do ponto de vista dinâmico, entra em confl ito com o ego e o superego que, do ponto de vista genético, são as suas diferenciações. Ensinante e Aprendente Alicia Fernandez elabora os conceitos de ensinante a aprendente para delimitar um campo específi co do saber que é o saber da psicopedagogia. Esta autora afi rma que: “Às palavras ensinante, aprendente, e modalidade de aprendizagem estou atribuindo o valor de conceitos e considero-os centrais para a psicopedagogia clínica” (2001, p. 53). Esses termos não são equivalentes a aluno e professor, já que fazem referência a um tipo de dispositivo escolar e pedagógico. A dimensão especifi camente psicopedagógica indica um modelo de posicionamento subjetivo do qual nem a psicologia, nem a pedagogia, nem a própria psicanálise conseguem dar conta do conhecer e do aprender (FERNANDEZ, 2001). O sujeito aprendente e o ensinante estão subjetivamente posicionados em relação ao aprender desde o desejo, termo caro à psicanálise que opera como elo entre esta e a psicopedagogia. Aprendente e ensinante são dois sujeitos que “brincam” juntos. É na superposição do espaço de brincar de um e outro que acontece o aprender (FERNANDEZ, 2001). Essa ideia surge a partir do pensamento de Donald Winnicott, pediatra e psicanalista que fez do brincar um dos conceitos fundamentais para compreender tanto o desenvolvimento da criança quanto a psicologia do mundo adulto. Resgatou o valor positivo da criatividade presente no brincar como forma de resolução dos confl itos intrapsíquicos. Podemos ampliar a fórmula a partir da qual Winnicott entendia o processo psicoterápico às práticas psicopedagógicas. Para ele a psicoterapia (para nós também a psicopedagogia) se dá na superposição de duas zonas de brincar, a do terapeuta e a do paciente. São duas pessoas que brincam juntas. Um dos problemas é quando o paciente não sabe ou não consegue brincar. O primeiro movimento terapêutico será facilitar ou desenvolver a capacidade para brincar no paciente. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 52 Um problema insolúvel é quando quem não sabe ou não consegue brincar é o terapeuta ou o psicopedagogo que, nessa situação, está inabilitado para exercer sua função (WINNICOTT, 1975). Salientamos, portanto, que você desenvolva sua capacidade criativa, seu brincar. Será a condição principal para o exercício da sua profi ssão e uma das mais importantes técnicas com as quais desenvolver sua prática. Convidamos você a continuar brincando e passeando com e pelos próximos conceitos. Algumas Considerações Fechamos provisoriamente uma etapa desta viagem. Conhecemos os conceitos que lhe permitirá compreender quem é esse sujeito que forma parte das instituições nas que você atuará. Também da sua complexidade e da necessidade de contar com um referencial teórico e ferramentas conceituais que norteiem sua prática. Introduzimos os conceitos de aprendente e ensinante que resultam indispensáveis para o trabalho psicopedagógico institucional. Agora é o tempo de adentrarmos em outras complexidades, as das instituições propriamente ditas. ReFerÊncias FERNANDEZ, A. Os idiomas do aprendente. Porto Alegre, Artmed, 2001. FREUD, S. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1999. LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1968. LAPLANCHE, J; PONTALIS, J. Vocabulário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Matins Fontes, 2001. WINNICOTT, D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. Salientamos, portanto, que você desenvolva sua capacidade criativa, seu brincar. Será a condição principal para o exercício da sua profi ssão e uma das mais importantes técnicas com as quais desenvolver sua prática. CAPÍTULO 4 As Instituições A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Apresentar as noções fundamentais que regem o trabalho do(a) psicopedago(a) institucional. Debater as noções fundamentais da prática psicopedagógica institucional. 55 AS INSTITUIÇÕES AS INSTITUIÇÕES Capítulo 4 ConteXtualiZaçÃo O aprender não se restringe à escola, é inerente ao desenvolvimento humano durante toda a sua existência, através das interações com o outro. A Psicopedagogia Institucional surgiu da necessidade das organizações de se reformularem, levando em conta a grande quantidade de informações que as instituições geram e também a força das exigências de um mercado insaciável que exige inovações, adaptações, iniciativa e qualidade de conhecimento. Para compreendermos tal constatação precisamos explicitar o que é instituição e as relações nela estabelecidas frente aos processos de aprendizagem. DeFiniçÃo de InstituiçÃo Instituições são organizações com regras e sanções reconhecidas socialmente, como as escolas, os hospitais, as empresas e as igrejas que atendem às necessidades e interesses da sociedade. Tais regras e sanções costumam ser descritas em documentos institucionais como os Estatutos, os Regimentos, os Projetos Político-Pedagógicos entre outros. Esses documentos caracterizam o funcionamento da instituição e podem servir ao psicopedagogo em sua investigação diagnóstica. Foucault é leitura imprescindível ao tratarmos de instituição. Vale ressaltar que as instituições produzem e, também, reproduzem conhecimentos da sociedade num processo cíclico; são, portanto, geradoras de aprendizagem. Atividade de Estudos: Para recordarmos alguns aspectos apresentados sobre a Psicopedagogia Institucional, sugerimos que você revisite o caderno de estudos de Introdução à Psicopedagogia. Além disso, reveja o Código de Ética da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPP), que também está disponível no site: http://www.abpp.com.br/leis_regulamentacao_etica.htm 1) Faça uma análise do Código de Ética da Associação Brasileira de Psicopedagogia em relação à atuação do psicopedagogo. Instituições são organizações com regras e sanções reconhecidas socialmente, como as escolas, os hospitais, as empresas e as igrejas que atendem às necessidades e interesses da sociedade Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 56 ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ Ao estudarmos Michel Foucault, é provável relacionarmos seus escritos com fatos de nossa vida profi ssional como professores e/ ou psicopedagogos. De fato, vamos além da teoria, refl etindo e procurando compreender os mecanismos que regem as instituições, seja para nos identifi carmos ou para ilustrarmos nossas observações e críticas. Ao prestarmos muita atenção, vamos perceber, por exemplo, que as relações de poder dentro das instituições são reconhecidas e, por vezes, mantidas por nós. De acordo com Sá (1993), a legitimação da educação fornecida pela escola tende a apresentar qualquer tipo de educação que não seja Estamos tão acostumados a conviver com a instituição escolar que nos parece difícil discutir o seu funcionamento, a sua organização. Na verdade, o que é preciso fazer, antes de gastarmos tantos esforços para aprimorarmos a escola, é discutirmos as premissas básicas do seu sistema organizacional. 57 AS INSTITUIÇÕES AS INSTITUIÇÕES Capítulo 4 instituída como algo acidental, quando não como um verdadeiro delito. Estamos tão acostumados a conviver com a instituição escolar que nos parece difícil discutir o seu funcionamento, a sua organização. Na verdade, o que é preciso fazer, antes de gastarmos tantos esforços para aprimorarmos a escola, é discutirmos as premissas básicas do seu sistema organizacional. Um exemplo: ensinamos as crianças, desde pequenas, a ganhar ou a “saber perder”. Por quê? Ora, o que se diz sempre é que a vida fora da escola é competitiva. Assim sendo, precisamos preparar nossos pequenos. A escola mantém e fortalece esse poder. Dizemos que fazemos dessa forma porque vivemos num mundo de competição. Mas será que o mundo é competitivo porque o mantemos assim? Não desenvolvemos ou favorecemos a parceria, a solidariedade, a equipe, a autonomia, o espírito coletivo na escola. Estamos o tempo todo exigindo dos nossos alunos que lutem e vençam, lembre a prática dos vestibulares. Queremos classifi car os melhores (para governar) e os piores (para serem governados). Dessa forma, produzimos o tipo de subjetividade de que a sociedade precisa, mantendo as relações de poder existentes. Atividade de Estudos: 1) Refl ita e cite um ou mais exemplos de práticas na escola que a caracterizam como instituição que mantém ou reproduz os modelos da sociedade: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Perpetuamos nossos discursos e nossos silêncios, fundamentando nossas Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 58 ações em discursos que interiorizamos e dos quais nos apropriamos. Há os que percebem, que lutam, que se desvencilham e que talvez gerem mudanças, mas há principalmente aqueles que nem percebem o quanto estão governando e sendo governados. Se há algo que a escola sempre fez muito bem, faz e, provavelmente, continuará fazendo é disciplinar e controlar através de suas estratégias, currículos, avaliações, regimentos. Instituições Escolares e nÃo Escolares De acordo com os pensamentos de Brandão (1995), ninguém escapa à educação. Aprender e ensinar, educar, são próprios do homem e ocorrem principalmente nos espaços institucionais, igreja ou escola. Todos nós nos envolvemos com a educação, portanto, não há uma forma única, um padrão uniforme de educar. A escola não é o único lugar onde a aprendizagem acontece e talvez nem seja o melhor. Aprender e ensinar não são práticas exclusivas da escola, dos professores e alunos e tampouco são eles seus únicos praticantes. Mas, a escola é o espaço privilegiado de aprendizagem, isto é fato. Há planejamento, processos e avaliações sistemáticas da aprendizagem. A educação se faz presente desde que o homem é homem. Já a educação sistematizada, escolarizada, se deu primeiramente sem classes, sem livros e sem professores especialistas, mais tarde, com escolas, salas, professores e métodos pedagógicos. E o professor imagina que serve ao saber e a quem ensina, mas, na verdade, ele pode estar servindo a quem o constituiu professor, a fi m de usá-lo, e ao seu trabalho, para os usos escusos na educação – interesses políticos impostos à sociedade. A educação é uma prática social cujo fi m é o desenvolvimento do que pode ser aprendido entre os tipos de saber existentes em uma cultura, para a formação dos tipos de indivíduos, em um momento da história. Se considerarmos as transformações, identifi camos mudanças na educação pela sociedade e na sociedade pela educação. Existe a educação entre povos que dominam outros povos, usando a educação como um recurso a mais de seu domínio. Educa-se para algum fi m. E essa fi nalidade é sempre específi ca e intencional, como no caso da educação a que os jesuítas submeteram os ameríndios. Antes de religiosos ou alfabetizadores, seus ensinamentos eram claramente políticos e serviam à poderosa Coroa Portuguesa. Assim, quando são necessários guerreiros ou Já a educação sistematizada, escolarizada, se deu primeiramente sem classes, sem livros e sem professores especialistas, mais tarde, com escolas, salas, professores e métodos pedagógicos. 59 AS INSTITUIÇÕES AS INSTITUIÇÕES Capítulo 4 burocratas, a educação é um dos meios de que os homens lançam mão para criar guerreiros ou burocratas. Ela ajuda a pensar tipos de homens. Mais do que isso, ela ajuda a produzir um determinado tipo de subjetividade de que se necessita. Ameríndios: é uma denominação genérica dos diferentes povos que viviam na América antes da chegada dos europeus no século XVI. Quando se inventa a escola é quando aparece a categoria de “ensinar a aprender”. Para Brandão (1995), nesse momento, reduz-se a aldeia à escola, a educação ao ensino, e o que antes era feito por toda uma comunidade é então tarefa de um “professor”. Há uma especialização de responsáveis pela tarefa de educar e também pela organização de o que e como ensinar, a partir de funções que dão vazão a inúmeras interpretações, o que acaba originando discursos de verdade inquestionáveis. Aparece a preocupação com a quantidade de conhecimentos que o homem deveria acumular, esquecendo- se de que o principal é a qualidade de tais ensinamentos. Acaba-se priorizando a educação escolar e sistemática em detrimento de outras, como a transmissão de tradições e culturas que se aprendia em família ou no cotidiano da comunidade. É importante, portanto, que não se reduza a “educação” à escolarização. É preciso não esquecer os ensinamentos das vivências e experiências pelas quais passa um homem. É uma necessidade atual acreditar que o ato humano de educar existe tanto no trabalho pedagógico da escola, quanto no ato político de luta por outro tipo de escola, para outro tipo de mundo. A tentativa escolar de prender o saber num tempo e num lugar limita as possibilidades do pensar, além de depreciar a capacidade humana de aprender. Porém, não há comonegar que a escola é, em nossa sociedade, reconhecida e legitimada como instituição responsável pelos processos de ensino-aprendizagem e, dessa forma, campo imprescindível de estudo do psicopedagogo. Atividade de Estudos: 1) Desenvolva uma síntese desse assunto, concluindo com uma refl exão sobre a Instituição Escolar. Não há como negar que a escola é, em nossa sociedade, reconhecida e legitimada como instituição responsável pelos processos de ensino- aprendizagem e, dessa forma, campo imprescindível de estudo do psicopedagogo. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 60 ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ RelaçÃo SuJeito – InstituiçÃo Há um enfoque à ética escolar, e nos preocupamos com a possibilidade de que seja mais uma das artimanhas para camufl ar um papel ativo e efetivo do indivíduo na socieda, como ocorre com ”democracia”, “cidadania”. É comum mos tais termos, sem que refl itamos sobre seus conceitos, ou, pior, banalizamos e fazemos uso indevido e tendencioso para tais termos. A ética é essencial como elemento de refl exão e ação e deve ser exercitada, vivenciada, experimentada nas instituições escolares. Nos documentos ofi ciais sobre a educação encontramos uma constante preocupação com os aspectos que dizem respeito às relações do sujeito com a instituição escolar. Ora, se reconhecemos o sujeito como social e interativo, compreendemos que as relações estabelecidas com o meio estarão diretamente vinculadas à sua aprendizagem. Somos infl uenciados e infl uenciamos tal meio. Ao lado do trabalho de ensino, o convívio dentro da escola deve ser organizado de maneira que os conceitos de justiça, respeito e solidariedade sejam vivifi cados e compreendidos pelos alunos como aliados à perspectiva de uma ‘vida boa’. Dessa forma, não somente os alunos perceberão que esses valores e as regras decorrentes são coerentes com seus projetos de felicidade como os integrarão às suas personalidades: Respeitar-se-ão pelo fato de respeitá-los. (BRASIL, 1997, p. 70). Na apresentação dos Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, podemos nos ater a uma determinada questão que, apesar de ser um tanto óbvia, parece ser complexa quando tratada Nos documentos ofi ciais sobre a educação encontramos uma constante preocupação com os aspectos que dizem respeito às relações do sujeito com a instituição escolar. É fácil compreender que o professor espere ser respeitado para respeitar a criança, porém, é coerente que a criança o respeite justamente por ser respeitada. 61 AS INSTITUIÇÕES AS INSTITUIÇÕES Capítulo 4 na prática pedagógica: “respeitar para ser respeitado”. É fácil compreender que o professor espere ser respeitado para respeitar a criança, porém, é coerente que a criança o respeite justamente por ser respeitada. Não se trata de conceitos de respeito e sim de “atitudes”. Compreender o que devemos fazer e como devemos fazer é sempre mais simples do que o exercício adequado, justo e ético do respeito em nossas ações efetivas. Educar signifi ca, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros, em uma atitude básica de aceitação, respeito e confi ança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis. (BRASIL. RCNEI, 1999, p. 23). Como o objetivo deste trabalho é o de propor atividades que levem o aluno a pensar sobre sua conduta e a dos outros a partir de princípios e não de receitas prontas batizou-se o tema de ética [...]. Parte-se do pressuposto que é preciso possuir critérios, valores, e, mais ainda, estabelecer relações e hierarquias entre esses valores para nortear as ações em sociedade (BRASIL. 1997, p.. 55). As intervenções que ocorrem tanto fora quanto dentro da instituição escolar são imprescindíveis para favorecer o tipo de aprendizagem que poderá ou não impulsionar o desenvolvimento do indivíduo. No entanto, muitas vezes nos deparamos com a instituição escolar propondo uma educação interativa, mas a paisagem que se observa, por exemplo, é de um ambiente totalmente padronizado, ou seja, de carteiras enfi leiradas que imobilizam o corpo da criança e de silêncio total, e, no entanto, reconhecemos que a criança pode aprender mesmo sem permanecer imobilizada e em silêncio. E será que só o fato de se mudar a arquitetura espacial garante a aprendizagem? Outra vezes, em instituições com propostas similares, ouvem-se professores justifi cando que “fulano não aprende porque não está maduro”. Mas, afi nal, se acreditamos que é a aprendizagem que promove e impulsiona o desenvolvimento, então não precisamos esperar e sim agir. Obviamente, há que se considerar o respeito à criança e evitar intervenções além e aquém de suas possibilidades e necessidades. São estes tipos de discursos que ocorrem nas práticas pedagógicas que nos confundem, fazendo com que deixemos de exercitar efetivamente a aprendizagem em que acreditamos e que nos propusemos a fazer. As intervenções que ocorrem tanto fora quanto dentro da instituição escolar são imprescindíveis para favorecer o tipo de aprendizagem que poderá ou não impulsionar o desenvolvimento do indivíduo. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 62 Atividade de Estudos: 1) Em sua opinião, até que ponto a instituição favorece ou difi culta os processos de aprendizagem do sujeito? Exemplifi que: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Toda prática pedagógica está fundamentada em um discurso de verdade. Muitas vezes utilizamos o discurso científi co considerado verdadeiro que já interiorizamos durante a nossa formação de professores, sem que ao menos nos perguntemos se o mesmo responde aos problemas que é preciso resolver. É difícil atuar com base naquilo em que não acreditamos, mas, na maioria das vezes, são as infl uências externas que acabam nos forçando a assumir um discurso de verdade que não é o nosso. É fato que o saber tem sempre relação com o poder e vice-versa. Então, dependendo dos acontecimentos, essas relações de poder acabam predominando no tipo de saber que é utilizado, produzindo um tipo de subjetividade que se deseja. Conceito de SaÚde, Norma e Normalidade Pelo paradigma de normalidade – conforme a medicina – classifi camose separamos, tal qual no modelo bíblico, o joio do trigo. Assim excluímos, segregamos, encarceramos, afastamos, escondemos... Grande hipocrisia! Alegamos, assim, proteger a nós – os normais – e a eles, os anormais. A tal ponto que em nossos dias temos a extrema e desconfortável briga pela “inclusão escolar”. Ora, não teríamos a quem incluir se não nos empenhássemos em excluir desde cedo por meio de mecanismos disciplinares. É difícil atuar com base naquilo em que não acreditamos, mas, na maioria das vezes, são as infl uências externas que acabam nos forçando a assumir um discurso de verdade que não é o nosso. 63 AS INSTITUIÇÕES AS INSTITUIÇÕES Capítulo 4 Conceituando “o anormal”, Foucault (2001) descreve uma rede de funcionamento e manutenção que caracterizaria e justifi caria a si mesma. Abordaremos alguns dos elementos de uma rede, num olhar particular e analógico, procurando as questões referentes à vigilância, aos diagnósticos, aos adestramentos e às especifi cidades de instituições, papéis e funções. Foucault (2001) explica que os discursos de verdade e sua produção, na sociedade disciplinar, buscam constantemente manter a ordem e a normalidade, conforme padrões estabelecidos. Vigilância e correção se dão principalmente através do respaldo da medicina e da legislação. A vigilância é o primeiro passo para identifi car o “anormal”. Se considerarmos um padrão de normalidade A, então A+ e A-, mesmo não sendo o “padrão”, estão próximos dele. Mas se em nossa vigilância detectamos B, ou C, rotulamo- los anormais. Seguimos então com os diagnósticos, que podem ser de médicos ou de especialistas, que proliferam cada vez mais – psicólogos, psiquiatras, fonoaudiólogos, psicomotricistas, pedagogos, psicopedagogos, entre tantos outros. Além dos especialistas da área da saúde e educação, há ainda os de área jurídica, que detectam e classifi cam os desviantes como os “fora da lei”. A sociedade não se dá por vencida. Assim, com métodos e tratamentos variados, buscamos salvar tais sujeitos da monstruosidade e “aplicamos” nossa terapia intensiva para contribuir no “adestramento”. Se não alcançamos os resultados esperados, encaminhamo-los para os devidos confi namentos, ou seja, hospitais, manicômios, asilos, prisões, fundações para cegos, para surdos, classes especiais para hiperativos, agressivos e desatentos, escolas especiais para os portadores de síndromes, paralíticos. E assim segue a estratégia de “profi laxia social”. Dessa maneira, conseguimos manter de certa forma a “sociedade saudável”. Não é difícil revoltar-se com tal sistema ou tal “rede”, e também é fácil fi ngir que não é bem assim. Se acreditarmos no ser humano, na sua capacidade de superação, de crescimento e aprendizagem, não poderemos insistir em manter tais práticas de compartimentar e fragmentar. Devemos, sim, buscar formas de “não exclusão”, de integração, união e fortalecimento. Escola alguma “salva” uma criança da marginalização. O que observamos é que, na maioria das vezes, é a própria escola que marginaliza, como a própria sociedade produz seus bandidos. Discutimos, hipocritamente, a nomenclatura mais adequada para o rótulo a ser estabelecido, participamos de discussões calorosas que pretendem defi nir se chamaremos “esses anormais” de defi cientes, ou Devemos, sim, buscar formas de “não exclusão”, de integração, união e fortalecimento. Escola alguma “salva” uma criança da marginalização. O que observamos é que, na maioria das vezes, é a própria escola que marginaliza, como a própria sociedade produz seus bandidos. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 64 especiais, ou diferentes, quem sabe “portadores de”, e não nos damos conta de que dessa forma não estamos só enquadrando, mas também os desqualifi cando. Muitas vezes fazemos isso com muita “elegância”, para mostrar o quanto nós somos “normais”, e assumimos esse poder de apontar erros, conforme paradigmas socialmente ditados! Mas, enfi m, em que essa tal criança, que não se enquadra nos padrões sociais de normalidade, afetaria as demais “normais”, por sua simples presença? Excluímos o que nos parece “feio”, “desagradável”, e pensamos que assim vamos “proteger” os demais. Trata-se de convicção ridícula, arbitrária e desumana, que acaba por tornar monstros justamente aqueles “normais” que se tentava proteger. Apenas o racismo/exclusão pode explicar seres humanos ateando fogo em índio, entre outras situações que zombam da miséria humana. Nossas escolas e nossa sociedade devem produzir indivíduos mais justos, fraternos e solidários, pois tais mazelas não estão apenas nos jornais, mas também acontecem no nosso dia a dia. Lembro-me da perplexidade de um grupo de professoras ao assistir a cenas do curta-metragem “Ilha das Flores”, quando questionadas “Mas vocês não veem isso – pessoas buscando comida em meio ao lixo – todos os dias nas lixeiras de seus edifícios?” Ouvi como resposta: “Mas não é mesma coisa.” Precisamos reconhecer que a verdade está ao nosso lado, e sob nossos olhos é banalizada, é naturalizada. Não nos deixa perplexos, não nos impressiona. Não questionamos um tempo medieval; falamos do hoje, do agora. Temos que buscar argumentos para que as escolas abram os portões e os professores acolham a criança diferente. Sabemos que todas as crianças têm direito à escola, toda e qualquer criança. No entanto, os professores questionam que não são preparados para atender tais defi ciências. E continuamos a querer um aluno ideal. Mas sabemos que as famílias recebem crianças com defi ciências e não se faz curso para se ter um fi lho cego, ou para aprender a lidar com um irmão defi ciente mental. Aprende-se a viver, e a conviver, vivenciando. Deveria ser assim na escola. Instituições deveriam estar abertas para aprender e ensinar defi cientes nas experiências diárias, na troca entre alunos e professores e também buscando, além dos especialistas, as refl exões e ações que os ajudem nas necessidades diárias. Algumas indicações de livros: FREIRE, Paulo. Por uma pedagogia da pergunta. 3º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. 65 AS INSTITUIÇÕES AS INSTITUIÇÕES Capítulo 4 AQUINO, Julio Groppa. Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summos, 1998. Atividade de Estudos: 1) Aprendemos não só encontrando as respostas, aprendemos formulando perguntas, questionamentos geradores de refl exões e possíveis alavancas de mudança. Partindo da frase vencedora do Concurso Cultural da Revista Nova Escola: “A convivência ampla e plena é favorável à aprendizagem. Quando todos forem bem-vindos à escola não nos preocuparemos com inclusão, pois não haverá excluídos” (RODRIGUES, 2006), elabore alguns questionamentos em relação aos padrões de normalidade e à instituição escolar. Lembre-se: sua tarefa é refl etir e questionar: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Os cursos de formação também não “ensinam” professores a atuar com a criança que tem difi culdades de aprendizagemde cunho cognitivo ou sócio-afetivo, mas não vamos nos ater à questão da formação. A refl exão psicopedagógica que se faz necessária é a de que o professor, em seus estudos e em sua prática pedagógica, na troca de saberes com outros professores e também com alunos, aprende, cria, recria, transforma. Reconhecemos que esta não é uma tarefa fácil. Reconhecemos, como já dissemos, que a educação não se faz de progressos Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 66 e tampouco de retrocessos e sim de um ir e vir constantes, de um devir. Nesse sentido, então, aprender é o grande objetivo da instituição escolar. Se não é, certamente deveria ser. A DiFiculdade como Sintoma Na psicopedagogia não podemos nos equivocar acreditando que a queixa, por exemplo, é a difi culdade de aprendizagem em si. Da mesma forma, precisamos compreender que o sintoma de difi culdade compreende signifi cados muito mais amplos e profundos. O sintoma é um indicativo, uma demonstração de que algo não vai bem. Se compreendemos que aprender abrange aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais e que a aprendizagem é possível, precisamos estar atentos às difi culdades de aprendizagem e aos seus sintomas para diagnosticar as reais causas, favorecendo, assim a superação. O diagnóstico não completa o olhar interpretativo nem diagnóstico: todo o processo terapêutico é também diagnóstico. Quem tem o saber sobre o que está acontecendo (ainda que não tenha o conhecimento) é o próprio paciente. O desdobramento e o afl oramento do mesmo acontecerá durante o tratamento. Reciprocamente, consideramos o momento chamado diagnóstico de grande relevância terapêutica. (FERNÁNDEZ, 1991, p. 44). Deleuze (1988, p. 270) diz que “não há método para encontrar tesouros nem para aprender, mas um violento adestramento.” Concordamos com a analogia entre aprendizado e tesouro, por isso nos dedicamos à educação. Mas esta está impregnada de métodos, “didatismos” e “pedagogismos”. E interpretamos esses como sinônimos de adestramento. Apesar de não se dedicar exclusivamente à Educação, Deleuze (1988) nos aponta algumas pistas, que compreendemos como uma resistência à massifi cação no que se refere ao ato de ensinar. Para ele, a importância está no ato de aprender, porque o conhecimento surge da necessidade, perplexidade, vontade, interesses humanos e estes são internos, intrínsecos. Compreender o sintoma e sua “função” no processo do não aprender é objeto de estudo do psicopedagogo, e, na instituição, propiciar um ambiente de tempo e espaço propícios e facilitadores da aprendizagem serve como prevenção a tais sintomas e difi culdades. Diagnosticar o não-aprender como sintoma consiste em encontrar sua funcionalidade, isto é, sua articulação na situação integrada pelo paciente e seus pais. A falta de aprendizagem revelará seu signifi cado se prestarmos atenção Objeto de estudo do psicopedagogo, e, na instituição, propiciar um ambiente de tempo e espaço propícios e facilitadores da aprendizagem serve como prevenção a tais sintomas e difi culdades. O sintoma é um indicativo, uma demonstração de que algo não vai bem. 67 AS INSTITUIÇÕES AS INSTITUIÇÕES Capítulo 4 à maneira como o sujeito é para o outro, evidentemente a partir de sua maneira particular de ser como organismo e como história. Desta forma, o eixo do diagnóstico será a articulação do sintoma, o sentido da ignorância. (PAIN, 1985, p. 69). É isto que caracteriza o aprisionamento da inteligência, tema de livro e de palestras de Alícia Fernandez. É muito interessante e oportuno focar esse conceito, pois o mesmo derruba afi rmações que atribuem ao próprio sujeito culpa por sua não aprendizagem e por outro lado indica que há necessidade de intervir nesse processo e de superá-lo. O problema de aprendizagem que constitui um ‘sintoma’ afeta a articulação entre a inteligência, o desejo, o organismo e o corpo levando a um aprisionamento da inteligência por parte da estrutura simbólica inconsciente. (FERNANDÉZ, 1991, p. 82). O sintoma não é a difi culdade em si. Se uma criança de, mais ou menos, nove anos que frequenta a escola desde os quatro anos não está alfabetizada, não poderemos concluir que sua difi culdade está em se alfabetizar. Essa é uma conclusão ingênua e equivocada. Atividade de Estudos: 1) Considerando a situação como queixa de uma professora, levante algumas hipóteses para iniciar uma investigação psicopedagógica: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 68 Segundo Foucault (1989, p. 14), O problema político essencial para o intelectual não é criticar os conteúdos ideológicos que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática científi ca seja acompanhada por uma ideologia justa [...] mas de desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento. Varela (1994, p. 95), com base em Foucault, salienta que, para articular a refl exão e a ação, “talvez pudéssemos começar por tentar uma difícil via de aproximação entre saberes gerais, teorias científi cas e saberes locais, os saberes dos práticos, com o fi m de inter-relacionar uns saberes com os outros”. Certamente, assim aproximaríamos e facilitaríamos a aprendizagem proposta na instituição escolar, que parece, por vezes, querer afastar tal conquista dos alunos. Talvez caiba ao psicopedagogo institucional a possibilidade de refl etir junto às instituições escolares para romper com essa busca eterna pela homogeneização, pelos mesmos paradigmas de educação, como também pela insistência em ensinar a pensar, ensinar a fazer, ensinar a ser, pois ao indivíduo cabe o aprender a pensar, aprender a fazer etc. Isso não exclui o papel do professor, apenas o modifi ca. Quando falamos em educação pensamos normalmente como informação, isto é, pensamos no professor que oferta algo que ele tem a quem disso precisa. Mas o professor pode ser aquele que instiga, desafi a, problematiza seus alunos para novas “caças ao tesouro”, mediando e favorecendo novas e signifi cativas aprendizagens. Se você quiser saber mais sobre essa questão, acesse o site: http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=909 Neste estudo são apontados alguns fragmentos da dissertação de Mestrado em Psicopedagogia - A Ética nos Discursos e nas Práticas Pedagógicas - de Evelise Vieira Melo Rodrigues (2006). Algumas Considerações O aprender é próprio do homem e de seu processo de desenvolvimento. A aprendizagem nas organizações tem como característica a interação e entre seus objetivos a prevenção. A Psicopedagogia Institucional nasce da necessidade 69 AS INSTITUIÇÕES AS INSTITUIÇÕES Capítulo 4 das instituições e procura aprofundar conhecimentos para adequar-se aos novos tempos, tecnologias, saberes e fazeres. O olhar foucaultino é imprescindível aos estudos institucionais para o conhecimento histórico e refl exivoda instituição e seus elementos de controle, aos quais é possível superar através do enfoque psicopedagógico de possibilidade e superação. Finalizamos, lembrando que dentre as instituições, a escola, é, essencialmente, o lugar do aprender, e como tal, socialmente legítimo e reconhecido. Assim, preferencialmente, lugar de atuação do psicopedagogo institucional, podendo porém, atuar e contribuir com a aprendizagem cooperativa, interativa e coletiva em outras instituições. Ressaltamos a forte relação entre a instituição e seus sujeitos e nossa preocupação com a inclusão, sendo a psicopedagogia integradora e facilitadora da aprendizagem, para além do sintoma e do diagnóstico. ReFerÊncias BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1995. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais, ética. Brasília: MEC/SEF, 1997. _____. Referencial Curricular Nacional para Educação infantil. Brasília: MEC / SEF, 1999. DELEUZE, G. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988. FERNÁNDEZ, Alícia. Inteligência aprisionada: Abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artmed, 1991 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 2001. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989. _____. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982. PAÍN, S. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. Porto Alegre: Artemed, 1985. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 70 SÁ, R. S. Do corpo disciplinar ao corpo vibrátil: uma abordagem libertária contemporânea. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003. VARELA, J. O estatuto do saber pedagógico. In: SILVA, T. T. O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994. CAPÍTULO 5 Recursos Técnicos A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer os instrumentos e recursos técnicos necessários para desenvolver o trabalho psicopedagógico em instituições. Aplicar os instrumentos e recursos técnicos da psicopedagogia institucional. 73 RECURSOS TÉCNICOS Capítulo 5 ConteXtualiZaçÃo O diagnóstico psicopedagógico é uma tarefa processual e investigativa, requer método, ética, pois se trata de um processo científi co. Tem como objeto de estudo a aprendizagem em seus aspectos conceituais, atitudinais e procedimentais. O profi ssional habilitado para realizar o diagnóstico psicopedagógico é o especialista em psicopedagogia, título obtido em curso de pós-graduação. A ABPp - Associação Brasileira de Psicopedagogia - é o órgão que representa a categoria profi ssional dos psicopedagogos. Diagnóstico, na Psicopedagogia, é a investigação sobre o APRENDER, seus elementos e singularidades. Mas, como fazer tal diagnóstico? Apresentaremos, a seguir, alguns recursos técnicos, ferramentas do psicopedagogo para sua investigação. EntreVista e OBserVaçÃo Uma avaliação psicopedagógica institucional é uma investigação que parte de uma queixa, de uma problematização, de questionamentos para os quais buscamos respostas e possibilidades de superação. Prosseguimos esse caminho coletando e analisando dados para a elaboração de um relatório, de um informe psicopedagógico. Quando um psicopedagogo realiza uma entrevista com um docente, uma família ou um aluno, normalmente já dispõe de informações muito valiosas [...]. Esse conjunto de dados deve permitir elaborar uma primeira hipótese que, posteriormente, será o guia que ajudará a organizar a entrevista. A hipótese deverá incluir, de forma sistêmica, todos os membros que participam e as interações entre eles e o papel de cada um. A validade da hipótese deverá se confi rmar ao longo da entrevista, mantendo o equilíbrio entre não abandoná-la diante do primeiro indício de incongruência e tampouco querer mantê-la de forma rígida a qualquer custo. A entrevista deve ser conduzida com muito tato, pedindo-se informações de forma ordenada e sistemática. (SÁNCHES-CANO, 2008 p. 24). Confi ra o seguinte exemplo: Há uma queixa de desempenho insatisfatório de parte dos alunos, nas turmas de séries iniciais de determinada instituição de ensino. O psicopedagogo pode levantar a hipótese de que os planejamentos não estejam adequados e favoráveis à aprendizagem de tais alunos. Assim, elabora entrevistas com o corpo docente. Ressaltamos que para essas entrevistas é necessário preparar o espaço, os equipamentos utilizados – o registro das respostas poderá ser escrito, gravado em Avaliação psicopedagógica institucional é uma investigação. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 74 áudio ou fi lmado, por exemplo. Precisamos elaborar um roteiro, desenvolver questões prévias. Essas perguntas precisam ser abertas, dando possibilidade a novos questionamentos. Questões fechadas geram respostas como sim, não ou talvez. Além de pensar no cuidado com os entrevistados, o psicopedagogo institucional deve iniciar a entrevista de maneira acolhedora, relativamente informal, pois não se trata de testar os conhecimentos do entrevistado, ou de apontar culpados, e sim de colher dados para serem interpretados, analisados, favorecendo a superação das difi culdades de aprendizagem. Veja o roteiro de perguntas a seguir: a) Há quanto tempo você atua como docente? b) Quais aspectos da profi ssão mais lhe agradam? c) Relate sua rotina pedagógica, em sala de aula, com seus alunos: d) Fale um pouco sobre os momentos de recreação da turma: e) Como você planeja suas aulas? f) Que critérios defi nem os conteúdos a serem desenvolvidos? g) Como você escolhe as estratégias de ensino a serem utilizadas? h) Que procedimentos são tomados quando alguns alunos apresentam um ritmo mais lento para aprender? No decorrer da entrevista as hipóteses podem ser confi rmadas ou não, defi nindo os próximos passos para o diagnóstico do psicopedagogo institucional. As entrevistas podem ser aplicadas conforme a queixa, a instituição e também a necessidade. Professores, alunos, familiares, equipe pedagógica em uma instituição escolar, bem como gestores e colaboradores em uma empresa podem ser alvo de entrevistas para coleta de dados e confi rmação de hipóteses, tendo como foco a aprendizagem, mas sempre partindo de uma queixa. Certamente para elaborar roteiros de entrevistas se faz necessária uma breve pesquisa sobre Competência. Competência é o CHA, conjunto de Conhecimentos, Habilidades e Atitudes. Este pressupõe que além da apropriação de conceitos é necessário saber O psicopedagogo instituciAXonal deve iniciar a entrevista de maneira acolhedora. No decorrer da entrevista as hipóteses podem ser confi rmadas ou não.. 75 RECURSOS TÉCNICOS Capítulo 5 fazer e ter atitudes frente a esses saberes e fazeres. Para obter mais informações sobre este assunto, consulte o livro: Construir as Competências Desde a Escola. Perrenoud, Philippe. Editora ARTMED, 1999. Atividade de Estudos: Agora é a sua vez! Considere o segmento do Ensino Médio, que fundamenta sua Proposta Pedagógica objetivando o desenvolvimento das competências - Philippe Perrenoud. A queixa da Direção Pedagógica é a aparente falta de motivação para ensinar e aprender de professores e alunos. E sua hipótese é de que há dicotomia entre essa pertinente teoria com a prática, ou seja, os professores não compreendem ou desconhecem como desenvolver as aulas com essa abordagem. Elabore dois pequenos roteiros – um para professores e outros para alunos, para iniciar uma investigação psicopedagógica institucional. 1) Roteiro de entrevista com professores: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Roteiro de entrevista com alunos: ______________________________________________________ Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 76 ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Sobre o recurso técnico da entrevista, Bassedas (1996, p. 51) indica sete objetivos do psicopedagogo para a entrevista inicial com o professor: a) estabelecer relação clara, funcional e positiva; b) ampliar informações sobre encaminhamento; c) colher informações sobre aspectos escolares, adaptação, hábitos, avaliações; d) colher informações sobre a parceria, ou não, dos pais; e) desvendar atitudes do professor para ajudar seu aluno; f) fi xar compromisso mútuo de colaboração e esclarecer o processo de diagnóstico e seus passos; g) captar vivências da relação do professor com a problemática do aluno. A mesma autora (p. 52) conclui: Na prática, o desenvolvimento da entrevista com o educador deveria seguir os seguintes passos: aprofundamento da defi nição do problema; ampliação da informação referente ao aluno no que concerne a diversos aspectos como relacionamento pessoal, hábitos, linguagem, área de aprendizagem e jogos, entre outros; informação dos contatos entre pais e escola; estratégias de mudança usadas pelo professor e, fi nalmente, objetivos e compromissos mútuos. Como é possível perceber, as entrevistas podem e devem ser elaboradas de maneira diferenciada, dependendo dos objetivos estabelecidos e do contexto em que são realizadas. Porém, planejar a entrevista é sempre fundamental, tendo objetivos claros e encaminhamentos que nortearão a sua realização. 77 RECURSOS TÉCNICOS Capítulo 5 Apresentamos como sugestão de leitura: ARAÚJO. U. de. Assembleia escolar: um caminho para a resolução de confl itos. São Paulo: Moderna, 2004. Há uma síntese disponível na Internet: h t t p : / / w w w. m o d e r n a . c o m . b r / m o d e r n a / d i d a t i c o s / s u p / artigos/2006/032006-01.htm Você também pode acessar um vídeo que apresenta a experiência de alunos, professores e Diretores da Escola Comunitária de Campinas, SP, com as Assembleias Escolares. http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm. do?select_action=&co_obra=51294. São propostas interessantes para aguçar seu olhar e sua escuta, favorecendo a refl exão psicopedagógica sobre a instituição escolar. Além das entrevistas, outro recurso técnico importante, e que muitas vezes as complementa, é a observação. Observar é a possibilidade de localizar, encontrar e compreender, por exemplo, semelhanças e diferenças entre o que se diz e o que se faz. Aos olhos do observador podem ser encontradas situações específi cas, pertinentes e sutis que podem passar despercebidas e, dessa forma, podem agravar possíveis difi culdades de aprendizagem, individuais e/ ou coletivas. A observação individual não pode ser desvinculada da observação do grupo, dado que a primeira não tem sentido fora do contexto de interação do aluno. A observação implica sempre considerar os elementos próprios da dinâmica grupal e deve levar em conta o contexto, se quisermos dispor de informação consistente que nos permita propor alternativas de mudança nos âmbitos nos quais se produzam os confl itos e em que se situam as aprendizagens do aluno. (SÁNCHES- CANO, 2008 p. 50). Observar proporciona desvelar o grupo e suas relações, identifi car no tempo e espaço de aprendizagem elementos que a favorecem, a prejudicam ou até a impedem. Mas a observação não é qualquer uma. A observação efi caz não pode ocorrer de qualquer jeito, no improviso. Precisamos aprender a observar, educar Além das entrevistas, outro recurso técnico importante, e que muitas vezes as complementa, é a observação. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 78 esse olhar e essa escuta, defi nir o foco e pontuar objetivos. Sobre observação, Madalena Freire (2009), no site Espaço Pedagógico, descreve os cinco elementos inerentes ao ato de observação: A observação é uma ação altamente refl exiva quando o olhar está pautado para buscar ver o que ainda não sabe. Não é um olhar vago, à espera de descobertas. É um olhar focalizado para detectar, diagnosticar o saber e o não saber do grupo. Por isso mesmo ação estudiosa de realidade pedagógica que, por sua vez, demanda esforço, empenho, disciplina. Na ação própria do nosso ensinar e na função de observador, é preciso o exercício de: 1. Silenciar: ser capaz de permanecer em silêncio. [...] 2 Escutar: a escuta de falas, reações mais variadas, e por vezes até silenciosas do grupo. [...] 3 Ver: olhar o todo, o coletivo, as partes [...] 4 Escrever: a escrita é um instrumento valioso de interação do observador [...] 5 Participar: aprender a participar de modo diferenciado [...]. Estes cinco elementos inerentes ao ato de observação, quando assumidos no seu exercício da aprendizagem cotidiana, possibilitam em nós o desenvolvimento de competências cruciais [...] um exercício de capacidades como a paciência, a humildade, a tolerância, a generosidade, sem as quais a construção do conhecimento fi ca comprometida. Leia na íntegra o artigo de Madalena Freire sobre observação: http://www.pedagogico.com.br/edicoes/3/artigo2205-1.asp?o=r Atividade de Estudos: 1) A partir de suas leituras, desenvolva um texto refl exivo sobre a observação como recurso técnico para o diagnóstico psicopedagógico institucional: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 79 RECURSOS TÉCNICOS Capítulo 5 ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Com esse olhar sobre o ângulo da subjetividade, busca-se capturar elementos essenciais à investigação, visto que seu principal objetivo se localiza na análise entre discursos e ações. É importante observar os grupos em momentos de trabalho, atividades, reuniões, estudos, bem como de lazer, recreação e de convivência informal. O Brincar e a Ludicidade Que a sociedade já reconhece a importância do brincar para a aprendizagem das crianças, é fato. O mesmo já ocorre na compreensão de que deve haver tempo e espaço para a brincadeira na instituição escolar. Entendemos que o lúdico abrange o brincar, o jogar e o amplo espectro das artes. Devemos nos valer desses aspectos criativos, cooperativos, de interação, integração infantil e sensibilização da ludicidade como facilitadores da aprendizagem e como instrumentos de avaliação dessa aprendizagem. Vygotsky (1989, p. 67) afi rma:“As maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro se tornarão seu nível básico de ação real e moralidade”, e Paín valoriza e especifi ca e relação entre a atividade lúdica e a aprendizagem: o exercício de todas as funções semióticas que supõe a atividade lúdica possibilita uma aprendizagem adequada, na medida em que é através dela que se constroem os códigos simbólicos e signálicos e se processam os paradigmas do conhecimento conceitual, ao se possibilitar, através da fantasia e do tratamento de cada objeto nas suas múltiplas circunstâncias possíveis (1985, p. 51). Confi ra algumas sugestões para favorecer e avaliar a aprendizagem através de atividades lúdicas: • Propor brincadeira de faz de conta - cantinhos, como: escritório, médico, casinha, bonecas e carrinhos, mercado, farmácia, escolinha, salão de beleza, circo, acampamento, pet-shop etc. Também em outros espaços como o parque ou pátio. Entendemos que o lúdico abrange o brincar, o jogar e o amplo espectro das artes. Devemos nos valer desses aspectos criativos, cooperativos, de interação, integração infantil e sensibilização da ludicidade como facilitadores da aprendizagem e como instrumentos de avaliação dessa aprendizagem. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 80 Para Fernández (1991, p. 111), “a atribuição simbólica pessoal de signifi cado ao processo de aprendizagem vai recorrer, como faz o sonho, aos restos diurnos, a um reservatório de cenas em movimento”. • Histórias para ouvir - narradas, em vídeo, em CDs, para ler, dramatizar, interpretar e representar com fantoches. Conto desenhado, utilização de adereços como avental, palco, bonecos de vara, máscaras, alegorias. • Jogos de pátio: pular corda, elástico, cantigas de roda, amarelinha, caixa de areia, piscina de bolinhas, cama elástica; jogos de tabuleiro: dominó, memória, trilha, dama, jogo de percurso; jogos de quadra: futebol, vôlei, basquete, jogos cooperativos. • Modelagem: com massinha industrializada ou caseira, argila, papel machê; uso de formas, palitos, rolos. • Música - para dançar, para cantar, trabalhar a letra da música, brincadeiras de roda, coreografi as. • Pintura - com diferentes técnicas e materiais: esponjado, pincel, brocha, rolinho, pintura a dedo, molde vazado, carimbo de rolha, serigrafi a. • Recorte e colagem - rasgar, picar, uso de tesoura; colar em papel, em objetos, em brinquedos, utilizar papeis de diferentes texturas, gramaturas e cores. Sucata - construção de brinquedos, montagens livres e monitoradas. Se a brincadeira é, efetivamente, uma necessidade de organização infantil ao mesmo tempo em que é espaço da interação das crianças, essa atividade merece o crédito de recursos de alto valor educativo no processo pedagógico. Muitos podem ser os recursos empregados pela criança para conhecer o mundo que a rodeia. O tema escolhido incorpora problemas que a criança tentará resolver ou simplesmente será uma maneira usada para mostrar suas habilidades e descobertas, o que fará seu companheiro de brincadeira também crescer pela troca de experiências. Atividade de Estudos: Lembrando que as atividades lúdicas podem ser efetivas ferramentas psicopedagógicas, pesquise e cite algumas para serem realizadas com alunos dos respectivos segmentos, ampliando assim sua compreensão e repertório de possibilidades. Se a brincadeira é, efetivamente, uma necessidade de organização infantil ao mesmo tempo em que é espaço da interação das crianças, essa atividade merece o crédito de recursos de alto valor educativo no processo pedagógico. 81 RECURSOS TÉCNICOS Capítulo 5 1) Atividades Lúdicas para a Educação Infantil: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Atividades Lúdicas para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental (do 1º ao 5º ano): ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 3) Atividades Lúdicas para os Anos Finais do Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano): ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 82 Interagindo com o espaço Jogos de Quadra e Jogos de Encaixe Brincadeiras folclóricas e Brincadeiras no parque Jogos de tabuleiro e Interação com o outro FO N TE: os autores 83 RECURSOS TÉCNICOS Capítulo 5 O psicopedagogo precisa considerar e fazer uso do lúdico em razão de que, brincando, a criança constrói signifi cados e apropria- se de diferentes papéis sociais, para o entendimento das relações afetivas e a construção do conhecimento. A imitação do mundo dos adultos, das atitudes dos mesmos em relação à família e ao trabalho, por exemplo, favorece para a criança a elaboração de investigações e elaboração de hipóteses sobre o funcionamento da sociedade. Essa atitude lhe permite uma busca de compreensão das ações humanas. Brincando a criança aprende e assim se desenvolve. AValiações Psicopedagógicas Há diferenças entre Psicodiagnóstico e Diagnóstico Psicopedagógico: O Psicodiagnóstico é uma avaliação com propósitos clínicos em função exclusiva do Psicólogo com testes privativos a esse profi ssional, que coleta e interpreta informações psicológicas com o objetivo de avaliar o comportamento em casos individuais, grupais e situações específi cas. O Diagnóstico Psicopedagógico é um procedimento dirigido exclusivamente ao processo de aprendizagem humana, aplicado por profi ssional habilitado, o Especialista em Psicopedagogia. Entre os instrumentos para a coleta de dados, fazemos nossa escolha conforme a necessidade dos objetivos do diagnóstico psicopedagógico. Concordamos com Sánches-Cano (2008 p. 15): “Entendemos que a avaliação psicopedagógica deve nos permitir dispor de informações relevantes não apenas em relação às difi culdades apresentadas por um determinado aluno ou grupo, por um professor, ou alguns pais, mas, também, as suas capacidades e potencialidades”. Veja a seguir outros recursos técnicos para coletar dados e elaboraruma avaliação psicopedagógica institucional além da entrevista e da observação. a) Análise Documental Estudo de documentos próprios da Instituição Escolar e norteadores do dia a dia pedagógico e análise de documentos como: Projeto Político-Pedagógico e “Entendemos que a avaliação psicopedagógica deve nos permitir dispor de informações relevantes não apenas em relação às difi culdades apresentadas por um determinado aluno ou grupo, por um professor, ou alguns pais, mas, também, as suas capacidades e potencialidades”. O psicopedagogo precisa considerar e fazer uso do lúdico em razão de que, brincando, a criança constrói signifi cados. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 84 Planejamentos. Fora das instituições escolares poderemos analisar documentos próprios das demais instituições como Regimentos, Códigos de Ética, Normas de Segurança, Organogramas entre outros. Enfi m, estudar, interpretar e compreender documentos próprios das instituições que regem, ou devem reger, seu funcionamento organizacional e as relações de convívio e trabalho. Com isso, visamos a estabelecer relações desses documentos com as possibilidades e entraves à aprendizagem. Atividade de Estudos: 1) Realize a análise Documental de uma instituição escolar, destaque aspectos signifi cativos como os autores que fundamentam a proposta da escola, os planejamentos, as avaliações, a formação continuada dos professores, as reuniões pedagógicas e de pais, etc. Se houver difi culdade para visitar uma instituição, você pode realizar esta atividade com pesquisa on-line, pois muitas escolas disponibilizam seu Projeto Político-Pedagógico em síntese na Internet. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 85 RECURSOS TÉCNICOS Capítulo 5 b) Narrativa/História de Vida A narrativa serve como relato mais espontâneo da história de vida dos sujeitos. Como autobiografi a, deve focar trajetória de vida pessoal, escolar/ acadêmica e profi ssional, cabendo ao psicopedagogo focar tal relato às situações de aprendizagem do narrador. Atividade de Estudos: 1) Exercite a narrativa. Conte um pouco de sua trajetória escolar e acadêmica. Lançaremos um desafi o a mais, descreva sua relação com o aprender. Problematizações que podem favorecer seu registro: Houve momentos de difi culdades para aprender? Quais? Quando? Foram superadas? Como? Quais suas hipóteses ou confi rmações sobre tais difi culdades? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 86 Algumas Considerações Os recursos técnicos são as ferramentas que permitem ao psicopedagogo aplicar seus conhecimentos na elaboração de um diagnóstico psicopedagógico, precisamente, neste caso, um diagnóstico institucional. A partir de análise documental, da observação do cotidiano e de entrevistas com as professoras regentes, poderemos analisar equívocos da instituição em sua proposta pedagógica, compreensão e aplicabilidade desta, por exemplo. Por vezes, equívocos dessa natureza são geradores de difi culdades de aprendizagem, tanto dos alunos quanto do próprio grupo docente - ou, em instituições não escolares, difi culdades de aprendizagem de funcionários e gestores. ReFerÊncias BASSEDAS, Eulália. Intervenção Educativa e Diagnóstico Psicopedagógico. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. FERNÁNDEZ, Alícia. Inteligência aprisionada: Abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artmed, 1991. FREIRE, Madalena. O olhar do observador. Disponível em: <http://www. pedagogico.com.br/edicoes/3/artigo2205-1.asp?o=r>. Acesso em: 6 jun. 2009. PAÍN, Sara. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. Porto Alegre: Artemed, 1985. SÁNCHEZ-CANO, Manuel; BONALS, Joan e cols. Avaliação Psicopedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2008. VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989. CAPÍTULO 6 Relatório Psicopedagógico Institucional A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer os princípios para a elaboração do relatório psicopedagógico. Compor e interpretar relatórios psicopedagógicos institucionais. 89 RELATÓRIO RELATÓRIO PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL Capítulo 6 ConteXtualiZaçÃo A Psicopedagogia Institucional tem por objetivo verifi car, analisar e promover os processos de aprendizagem nas instituições. Sistemas organizacionais são dinâmicos e, como tal, se transformam, inovam, renovam, o que é possível através de constante aprendizagem. O diagnóstico e a intervenção psicopedagógicos são de grande valia nas instituições educativas, onde, sistematicamente, se constrói conhecimento. Porém, é válido compreender que há aprendizagem além das escolas. A atuação do Psicopedagogo Institucional serve de instrumento de mudança organizacional à medida que permite investigar a aprendizagem. Como sistematizar tal processo? De que forma poderemos planejar, desenvolver e apresentar resultados de uma investigação psicopedagógica? O Processo de ElaBoraçÃo A elaboração de um relatório ou informe exige cuidados éticos e teóricos. O conteúdo deve conter uma contextualização, indicar as estratégias utilizadas e seus processos. E também descrever a análise dos dados coletados e sugerir uma proposta de intervenção. O Relatório do Diagnóstico Psicopedagógico Institucional é confi dencial e deve ser entregue aos responsáveis. Com a autorização destes se poderá defi nir o que e como será compartilhado com osdemais sujeitos da instituição. Sobre o informe ou Relatório de Diagnóstico Psicopedagógico, Carlberg (2000) diz: “pode-se estabelecer um roteiro, com uma introdução, citação dos instrumentos utilizados para a realização da pesquisa, análise dos resultados”. Não se trata de um modelo, mas de uma possibilidade. O relatório pode e deve ser personalizado, conforme a fundamentação e o método do psicopedagogo. Vale ressaltar apenas os princípios de ética e de metodologia científi ca: a) Introdução Nela se deve caracterizar o sujeito ou grupo pesquisado, relatando, brevemente, a queixa ou problemática. Sobre o Relatório de Diagnóstico Psicopedagógico, diz: “pode-se estabelecer um roteiro, com uma introdução, citação dos instrumentos utilizados para a realização da pesquisa, análise dos resultados”. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 90 b) Procedimentos Citar as “ferramentas” utilizadas para coletar dados, como: observação, entrevistas, análise de documentos, entre outros. c) Análise dos resultados Nesse item serão detalhadas as conclusões sobre a investigação realizada. Carlberg (2000) ressalta que é o “momento de relatarmos o que concluímos, articulando a queixa, os sintomas, os obstáculos e as possíveis causas. [...] nossa tarefa é produzir um documento que sintetize o que observamos [...] sem, contudo, agredirmos o sujeito.” d) Proposta de intervenção Encerramos o relatório, quando necessário, com a proposta de intervenção. É o momento de apontar caminhos de superação da difi culdade de aprendizagem apontada. Poderemos sugerir encaminhamentos aos envolvidos, sejam eles sujeitos, grupos, famílias, professores, que podem auxiliar o processo. Atividade de Estudos: 1) Tendo como queixa a difi culdade de adaptação na transição entre Educação Infantil e o Ensino Fundamental, exercite a elaboração de um relatório fi ctício com base no roteiro sugerido: a) Introdução ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ b) Procedimentos ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 91 RELATÓRIO RELATÓRIO PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL Capítulo 6 c) Análise dos resultados ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ d) Proposta de intervenção ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Registro das InterVenções A documentação dos processos diagnósticos serve ao diagnóstico e intervenção em si, bem como às posteriores pesquisas e investigações. Madalena Freire valoriza profundamente o papel do registro na formação e atuação do educador. O registro da refl exão sobre a prática constitui- se como instrumento indispensável à construção desse sujeito criador, desejante e autor de seu próprio sonho. O registro permite romper a anestesia diante de um cotidiano cego, passivo ou compulsivo, porque obriga pensar. Permite ganhar o distanciamento necessário ao ato de refl etir sobre o próprio fazer sinalizando para o estudo e busca de fundamentação teórica. Permite também a retomada e revisão de encaminhamentos feitos, porque possibilita a avaliação sobre a prática, constituindo-se fonte de investigação e replanejamento para a adequação de ações futuras. O registro permite a sistematização de um estudo feito ou de uma situação de aprendizagem vivida. (FREIRE, 2004). Ressaltamos tal forma de memória e histórico como fundamental ao psicopedagogo que, registrando e analisando sua atuação, terá a sistematização de seu trabalho e suporte necessário para defi nir com maior segurança seu diagnóstico psicopedagógico. O registro pode e deve ser também mantido no decorrer de suas intervenções junto ao sujeito ou à instituição. O registro permite romper a anestesia diante de um cotidiano cego, passivo ou compulsivo, porque obriga pensar. Refl etir sobre o próprio fazer a retomada e revisão de encaminhamentos. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 92 O registro se dá desde o planejamento até a fi nalização do acompanhamento, consultoria ou assessoria psicopedagógica, permeando todo o processo. Registros fomentam o relatório ou informe psicopedagógico. Podemos citar algumas formas de documentação. Fundamentalmente se fará uso do registro escrito, mas precisamos salientar que os registros fotográfi cos e as fi lmagens em vídeo, além de ilustrar diagnóstico e intervenção, servem para focar detalhes e auxiliam a análise do investigador. AproXimações Diagnósticas A psicopedagogia contribui com todos os envolvidos no processo de aprendizagem, pois exerce seu trabalho de forma multidisciplinar numa visão sistêmica. O diagnóstico se inicia com uma demanda da instituição por um pedido de ajuda externa, está sempre relacionado com o processo de aprendizagem e tem como objetivo a identifi cação dos vínculos que possui com o conhecimento que se encontra em seu interior e em seu exterior. O olhar e a escuta psicopedagógicos são recursos importantíssimos que ajudarão a captar dados que estão além das aparências; ver do aparente ao escondido e escutar do barulho ao silêncio. A proposta de intervenção poderá ser apresentada juntamente com o relatório de diagnóstico e deve abrir espaços nos quais os aspectos subjetivos e objetivos possam ser expostos para que a autoria de pensamento (moral e intelectual) seja possível. A atuação da psicopedagogia no âmbito institucional fortalece a identidade do grupo, transforma o saber individual em coletivo. As práticas respeitam as singularidades e permitem que a equipe lide com resistências, difi culdades e desafi os. Enfi m, é instrumento de mudança, que pode aprimorar a realidade aprendente da organização. Finalizando, o diagnóstico psicopedagógico institucional é o momento da “devolutiva” - um espaço de novos dados ao estudo do caso, conferência das hipóteses e refl exão sobre a queixa. Lembramos que o diagnóstico psicopedagógico institucional se refere ao processo de aprendizagem da instituição. Deve, portanto, apontar caminhos para a mudança. Escolhas: horário, local, planejamento. O olhar e a escuta psicopedagógicos são recursos importantíssimos que ajudarão a captar dados que estão além das aparências; ver do aparente ao escondido e escutar do barulho ao silêncio. 93 RELATÓRIO RELATÓRIO PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL Capítulo 6 Âmbitos de intervenção: são múltiplas e diversas. Intervêm no sistema educativo, desde a sala de aula até a instituição, em consultórios, em centros de saúde (equipes), em organizações empresariais e em centros comunitários. Surgimento da demanda: a procedência da demanda de intervenção também resulta múltipla, podendo surgir de qualquer dos integrantes de uma família, de uma instituição, de uma corporação. Estratégias de intervenção: as práticas psicopedagógicasrecorrem a um amplo espectro de técnicas e estratégias de intervenção: entrevistas, coordenação de trabalhos interdisciplinares, grupos terapêuticos, técnicas de coleta de dados diagnósticas, estratégias terapêuticas, assessoramento e coordenação de projetos educativos institucionais e projetos pedagógicos inovadores, entre várias estratégias mais específi cas. (ANDRADE, 2004, p.71). Compreendemos a intervenção psicopedagógica institucional como o processo de mediação de aprendizagem a ser proposta na instituição. Como o objeto de estudo da psicopedagogia é a aprendizagem, a intervenção psicopedagógica deverá ser sempre desta natureza. A intervenção psicopedagógica, qualquer que seja a instituição, escolar, hospitalar, empresarial, espaço institucional, com grupo de gestores, funcionários e até familiar tem como objetivo “abrir espaços subjetivos e objetivos, onde a autoria do pensamento (a minha e a dos outros) seja possível, é dizer onde pode surgir o sujeito aprendente” (FERNÁNDEZ, 1994, p. 19). Constitui-se de práticas diretas com os grupos das instituições e pode ser composta por Vivências, Ofi cinas Psicopedagógicas e/ou Dinâmicas, além de palestras e elaboração e aplicação de Projetos. O Ciclo de Aprendizagem Vivencial - CAV - tem sua origem nas pesquisas de David KOLB (1990), psicólogo americano. Para o autor, a noção de criação e transferência de conhecimento é muito mais do que uma mera reprodução. É um processo que passa pela refl exão, crítica e internalização do que é vivido. Uma pessoa passa por uma experiência concreta, depois refl ete sobre a situação e disso abstrai ou internaliza algum signifi cado. Essa “bagagem” que passa a fazer parte dos conhecimentos, valores ou crenças dessa pessoa, pode então ser utilizada em outras situações, muitas vezes bastante diferentes da primeira. O ciclo é iniciado novamente. O CAV ocorre quando uma pessoa se envolve numa atividade, analisa-a criticamente, extrai algum insight útil dessa análise e aplica seus resultados. Este processo é vivenciado espontaneamente no dia a dia, mas também pode ser criado, em situações controladas, visando alcançar focos de aprendizagem específi cos. (LUZ, 2009). A psicóloga Márcia Luz desenvolve um trabalho de treinamento aplicando o CAV na utilização de fi lmes, o que gera construções de aprendizagem Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 94 através da emoção. São vivências cuidadosamente planejadas, com objetivos específi cos, vivenciadas pelo encanto do cinema. Imagens compostas por cenários e personagens, acompanhadas de diálogos e fundos musicais objetivam emocionar, provocando suspense, risos ou lágrimas e, em meio a esse contexto, facilitar aprendizagens pertinentes ao grupo aprendente. É uma estratégia pertinente ao trabalho de intervenção do psicopedagogo institucional. Se você deseja saber mais sobre o trabalho de Márcia Luz, acesse o site: www.marcialuz.com.br. O Psicopedagogo João Beauclair é um dos pesquisadores na área da Psicopedagogia, Dinâmicas de Grupo e Ofi cinas, como instrumentos de intervenção psicopedagógica e nos instiga, apontando as dinâmicas de grupo como outra pertinente ferramenta a ser aplicada, favorecendo a aprendizagem do grupo Percebo que as dinâmicas de grupo contribuem signifi cativamente para a modifi cação de atitudes e comportamentos individuais e grupais. O que se torna necessário é a construção de estudos metodológicos que possibilitem um entender com mais clareza e movimento teórico sobre sua prática, pois é necessário vincular teoria e prática para dar signifi cado e sentido ao seu fazer, ou seja, dinâmica de grupo tem que ter objetivo, não é só fazer por fazer (BEAUCLAIR, 2009). Atividade de Estudos: 1) Visite o site: http://www.fundacaoaprender.org.br/psicopedagogia- d inm ica -de -g rupos -e -mop-me todo log ia -de -o f i c i nas - psicopedaggicas. Leia na íntegra o artigo “Psicopedagogia, Dinâmica de Grupos e MOP - Metodologia de Ofi cinas Psicopedagógicas: contribuições possíveis, espaço de construção e autoria de pensamento” e relate uma Dinâmica de Grupo: Dinâmica: ______________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 95 RELATÓRIO RELATÓRIO PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL Capítulo 6 ______________________________________________________ ______________________________________________________ Objetivo (s): ____________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Materiais: ______________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Procedimentos: _________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Os Projetos de Trabalho procuram caracterizar uma prática que contextualiza e dá signifi cado à aprendizagem. Pressupõe papéis ativos dos integrantes do grupo e objetiva um produto fi nal ou a busca de solução para determinada problematização, privilegiando, essencialmente, as aprendizagens no decorrer do processo, nas buscas de soluções, nas ações e decisões coletivas. Uma alternativa interessante, pois é comum termos uma participação maior e mais efetiva quando valorizamos cada indivíduo como parte integrante e importante de um grupo. Talvez essa seja a razão pela qual, muitas vezes, as pessoas de determinada instituição apresentam resistência às mudanças, ao novo, aos estudos. E, em outras instituições, a mudança é bem-vinda, a aprendizagem é considerada instrumento favorável às mudanças, às melhorias, inclusive de qualidade de vida. Confi ra a afi rmação do psicopedagogo Dr. Nilbo Nogueira (2001): “Projetar é sonhar, afi nal, tem coisa melhor que planejar e pôr em prática, na sala de aula, atividades de acordo com seus gostos e interesses? Mas não basta sonhar sozinho, trabalhar com projetos deve ser uma criação coletiva.” Projetos de reciclagem, por exemplo, dão certo a partir do momento em que integrantes membros da instituição estão conscientizados, e a partir de um movimento Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 96 participativo ganham apoio dos demais. Aí, sim, a teoria extrapola os panfl etos e cartazes, a aprendizagem passa a ser, além de conceitual, procedimental e atitudinal. E a mudança se efetiva. O psicopedagogo na instituição pode e deve usar diferentes possibilidades para solucionar questões específi cas do grupo de professores. Um Projeto de Trabalho pode gerar um Grupo de Estudos, ou sistematizar ciclo de palestras com assuntos pertinentes àqueles docentes, pois somos sempre aprendentes. Como ajudar a alguém a aprender se não o compreendemos? E pior, por vezes quando não conseguimos atingir nossos objetivos - ajudar o outro no seu processo de aprendizagem - caímos no lugar comum de rotular o outro como uma pessoa portadora de difi culdade de aprendizagem [...] se entendermos que o próprio conceito de normalidade é no mínimo relativo e, ainda, que o homem é um ser temporal único, é imprudente estigmatizar, ou mesmo, classifi car alguém como um portador de difi culdades de aprendizagem para depois interceder no caso (FREITAS, 2000, p. 27). Freitas,com sua provocação, facilita pensarmos muito para não cairmos no erro de que nos cabe, tão somente, diagnosticar. O diagnóstico por si mesmo não vai muito além de rotular. Então questionamos: Como ajudar uma instituição em atuações pertinentes que favoreçam a aprendizagem de todos? Como efetivar a instituição como aprendente? Mais do que desenvolver diagnósticos, elaborar relatórios e realizar intervenções, é crucial que o psicopedagogo acredite. Acreditar na aprendizagem é acreditar na capacidade humana de aprender, assim será possível ao psicopedagogo exercer sua tarefa e contribuir para a aprendizagem dentro e fora das instituições. Encerramos com as palavras de Fernando Pessoa, Tudo são maneiras de ver Onde você vê um obstáculo, alguém vê o término da viagem e o outro vê uma chance de crescer. Onde você vê um motivo pra se irritar, alguém vê a tragédia total e o outro vê uma prova para sua paciência. Onde você vê a morte, alguém vê o fi m e o outro vê o começo de uma nova etapa... Onde você vê a fortuna, alguém vê a riqueza material e o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total. Onde você vê a teimosia, alguém vê a ignorância, um outro compreende as limitações do companheiro, percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo e que é inútil querer apressar o passo do outro, a não ser que ele deseje isso. 97 RELATÓRIO RELATÓRIO PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PSICOPEDAGÓGICO INSTITUCIONAL Capítulo 6 Cada qual vê o quer, pode ou consegue enxergar. Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura. Atividade de Estudos: 1) Escreva sobre a relevância da Psicopedagogia Institucional ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Algumas Considerações O relatório ou informe psicopedagógico é a sistematização de todo percurso percorrido. Um documento que como tal exige argumentos teóricos e cuidados éticos. Apontamos alguns parâmetros para sua elaboração, que deve se iniciar com uma introdução, seguindo com os procedimentos para coleta de dados e fi nalizando com a análise dos dados coletados. Se necessário, incluiremos a proposta de intervenção psicopedagógica. A documentação dos processos diagnósticos é imprescindível tendo em vista que será constantemente analisada, além de registro serve como concreta fonte de dados. Teoria e Prática da Psicopedagogia Institucional 98 O objetivo do diagnóstico psicopedagógico institucional é a identifi cação dos vínculos dos grupos com o conhecimento, e, por conseguinte sua funcionalidade no ambiente institucional, suas contribuições ao coletivo. As práticas grupais, institucionais podem ser desenvolvidas através de vivências, ofi cinas, dinâmicas e projetos e buscam a efetivação do aprender. Fundamentalmente, compete ao psicopedagogo institucional crer na instituição aprendente, na autoria de pensamento, na capacidade humana e interativa de aprender. ReFerÊncias ANDRADE, Márcia Siqueira de. Rumos e diretrizes dos cursos de psicopedagogia: análise crítica do surgimento da psicopedagogia na América- Latina. Cadernos de Psicopedagogia, jun. 2004, v. 3, n. 6, p. 70-71. ISSN 1676- 1049. BEAUCLAIR, João. Psicopedagogia, Dinâmica de Grupos e MOP - Metodologia de Ofi cinas Psicopedagógicas: contribuições possíveis, espaço de construção e autoria de pensamento. Disponível em: http://www. fundacaoaprender.org.br/psicopedagogia-dinmica-de-grupos-e-mop-metodologia- de-ofi cinas-psicopedaggicas. Acesso: 10 ago. 2009. CARLBERG, Simone. Considerações sobre a elaboração de um informe psicopedagógico. Boletim Informativo ago/set 2000 ABPp – seção Paraná Sul. Disponível em: <http://www.abpp.com.br/abppprsul/artigos.htm>. Acesso em: 10 ago. 2009. FERNÁNDEZ, A. Inteligência aprisionada: Abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artmed, 1991 FREIRE, Madalena. O Papel do Registro na Formação do Educador. Disponível em: <http://www.pedagogico.com.br/edicoes/8/artigo2242-1.asp?o=r>. Acesso em: 12 abr. 2009. FREITAS, Nilson Guedes de. Pedagogia do Amor: Caminho da libertação na relação professor aluno. Rio de Janeiro: Wak editora, 2000. LUZ, Márcia. A utilização do CAV para aplicação e exploração de fi lmes. Disponível em: <www.marcialuz.com.br/artigos_teste/cav.doc>. Acesso em: 18 mar. 2009. NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia dos projetos: uma jornada interdisciplinar rumo desenvolvimento das múltiplas inteligências. São Paulo: Érica, 2001.