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Parte Geral Doutrina Decadência e Prescrição PALHARES MOREIRA REIS Advogado. Doutor em Direito. Professor Visitante da Universidade Moderna de Portugal, da PósGraduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco, da Escola Superior de Magistratura de Pernambuco, e da Faculdade de Direito de Olinda (PE). Membro Fundador da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas. "O Parecer GQ 203, publicado no DOU 08.12.1999, é, sem a menor dúvida, uma forma de desdizer o que está escrito expressamente na Lei" Pois é, dizem que o ensino jurídico no Brasil está indo de mal a pior e, por isso, há que se cuidar da qualidade dos docentes e das aulas. Mas parece que não é apenas aí que está o perigo, pois existem situações que são de pasmar, especialmente quando os conceitos mais comezinhos, ensinados e parece que neste ponto não há dúvida nos bancos escolares são esquecidos na sua aplicação, sobretudo quando em documentos de alta relevância e responsabilidade, como, por exemplo, num Parecer da AdvocaciaGeral da União, aprovado pelo Presidente da República, o que o torna, cogente para toda a Administração Federal. Queremos nos referir ao Parecer GQ203, publicado no DOU de 08.12.1999. O tema é o do conceito de decadência e diferença entre esta e a prescrição. No citado Parecer, a AGU admite que, de acordo com a lei, o prazo que permite anular atos administrativos dos quais decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada máfé. E, no dizer do § 1º, no caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contarseá da percepção do primeiro pagamento. Mas admite, por outro lado, que um ato declaratório da nulidade do ato administrativo, ilegal ou inconstitucional, não haverá de ser editado necessariamente no prazo de cinco anos. Este é o tema central. Se bem que haja controvérsias sobre alguns aspectos da questão, é assente de modo pacífico que, essencialmente, a prescrição extingue a ação e a decadência extingue o direito. A decadência faz perecer o direito e, portanto, o prazo decadencial não se interrompe nem se suspende. Já a prescrição impede o exercício do direito, isto é, com o término do prazo de prescrição, o direito de fundo subsiste, porém o seu titular não mais pode exigir o seu cumprimento. 42 RDC Nº 4 MarAbr/2000 DOUTRINA Tanto o prazo de decadência quanto o da prescrição resultam expressamente da lei. Somente a lei é que pode fixar o prazo, uma vez seus efeitos extinguem o direito ou obstam o exercício deste. É de decadência, por exemplo, o prazo de duração das funções do Presidente da República (art. 84 da Constituição), hoje de 4 anos. E todos nos lembramos de quando terminou o período de funções, então de 6 anos, do Presidente FIGUEIREDO, e se discutia a quem caberia receber o cargo, ele se retirou do Palácio sem passar a faixa presidencial, pois o seu período presidencial era improrrogável. Prazo decadencial, como dito acima. Na hipótese de omissão da lei quanto ao prazo temse o direito como imprescritível, sem falar no caso em que a própria norma o declara com este atributo. É a situação estabelecida no inciso XLIV do art. 5º da Constituição quando fixa que "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático". Como diz CÂMARA LEAL, "é de decadência o prazo estabelecido pela lei, ou pela vontade unilateral ou bilateral, quando prefixado ao exercício do direito pelo seu titular. É de prescrição, quando fixado, não para o exercício do direito, mas para o exercício da ação que o protege". 1 A distinção deve ser feita entre a decadência, que se refere ao direito material e cujo prazo "não se interrompe, nem se suspende, corre indefectivelmente contra todos e é fatal, peremptório, termina sempre no dia estabelecido", como ensina WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO 2 e a prescrição, que tem sentido processual, e pode ser interrompido na forma e para os casos previstos em lei, é por demais conhecida no ensino jurídico. DE PLÁCIDO E SILVA, no seu antigo e sempre atual Vocabulário Jurídico, 3 distingue, de modo muito claro, os efeitos da decadência e da prescrição, esclarecendo: "Em síntese, pois, a decadência faz perecer o próprio direito não afirmado pelo exercício; a prescrição faz perecer a ação para defender o direito já firmado, em virtude de importunação alheia". Recentemente, a Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, no seu art. 53 coloca em regra legal o entendimento, já sumulado pelo Pretório Excelso, de que a Administração pode rever seus atos, quando eivados de ilegalidade, ao determinar que "Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogálos por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos". javascript:openPopup('IDN4HBZGWY4ZNCEQX3CTSN4HGGCGNXRJRZV4ZTUNF1RIGQNYULZDGF','Janela-flutuante',324,216); javascript:openPopup('IDRPWXSDJ4MRMCCYGQC2OO3TRHCNYYB32ZJ35OLRKVGEKNNPYNCTSE','Janela-flutuante',324,216); javascript:openPopup('IDFD0KJ23DC05ZLWZNVQHHZ5ZPMFELKRTZ3YAKJOC1YNGQU3GU3MWF','Janela-flutuante',324,216); RDC Nº 4 MarAbr/2000 DOUTRINA 43 A mesma Lei, no entanto, já no artigo seguinte, estabelece uma limitação temporal ao direito que tem a Administração de anular seus atos, estabelecendo prazo decadencial: "Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada máfé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contarseá da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considerase exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato." O STF, em diversas e reiteradas decisões a respeito, já entendeu sobre o prazo decadencial: "O prazo de decadência decorre do último ato administrativo, que produz efeito jurídico novo. Não provimento, unânime". 4 Em Ação Ordinária Criminal nº 191 PE, sendo Relator o Ministro MARCO AURÉLIO, fez este uma adequadíssima distinção entre decadência e prescrição, verbis: AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA INÉRCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO: (...) PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA CRIME DE IMPRENSA Sendo o Direito uma ciência, os institutos, as expressões e os vocábulos possuem sentido próprio, sendo que a segurança na atuação científica não prescinde da correta utilização dos termos que lhe são próprios. "A organicidade que norteia o Direito direciona no sentido de tomarse o prazo do caput do art. 41 da Lei nº 5.250/67 como relativo a prescrição o de dois anos e o previsto no § 1º do citado artigo, a revelar a decadência, fulminando, o decurso do primeiro, a ação exercitável e do segundo, o próprio direito em si. Constatado que entre a publicação tida como ofensiva e a representação encaminhada ao Ministério Público não transcorreu o lapso de tempo superior a três meses, não há como pronunciar a decadência. Para exercício do direito na via subsidiária, considerase, como termo inicial, a data em que configurada a inércia do MP." 5 No MS nº 17628/DF o Tribunal Pleno, sendo Relator o Ministro BARROS MONTEIRO, assim decidiu: MANDADO DE SEGURANÇA. Se o ato impugnado já se tornara completo, operante ou exeqüível, na esfera administrativa, não podem os interessados provocar uma segunda manifestação do impetrado sobre o mesmo assunto, a fim de obterem a restituição do prazo de 120 dias para impetrar segurança. Prazo que, sendo de decadência, não se interrompe e nem se suspende. MS não conhecido. 6 O STJ, por sua vez, e muito antes da edição da Lei nº 9.784/99, já entendia que a anulação dos atos administrativos deveria ocorrer dentro de um prazo razoável, de modo a assegurar a estabilidade das instituições jurídicas. javascript:openPopup('IDDKLY3I23AGRSFELPVNIMNE3M3G4JETW1JKL2X4D1NLFJVJAUWQZO','Janela-flutuante',324,216);javascript:openPopup('ID0TCJGYOU3OVJDJGZH2MEQEZE1LZ2ZUWROBPCG2GOUI313OMCX3QM','Janela-flutuante',324,216); javascript:openPopup('ID3FJOKS1S2OBJIHS5VW24WGEGTDUG1B1CP10OMEM52U2V12VKPUEN','Janela-flutuante',324,216); 44 RDC Nº 4 MarAbr/2000 DOUTRINA O § 2º do art. 54 da Lei nº 9.784/99, supra referida, esclarece ademais que o exercício do direito de anular considerase através de qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. No caso em exame, o prazo de decadência contase da data do ato em si, no caso de haver efeitos favoráveis para os destinatários, contados do dia em que foram praticados ou, quando houver efeitos patrimoniais contínuos, a partir da percepção do primeiro pagamento. Alega, no entanto, a AGU, no citado Parecer GQ203, que "Afigurase razoável o entendimento de que a edição do ato declaratório da nulidade do ato administrativo, ilegal ou inconstitucional, não haverá de ser editado necessariamente no prazo de cinco anos". Ou seja, a edição do ato declaratório da nulidade do ato administrativo, no seu entender, pode ocorrer DEPOIS de ultrapassada a marca de cinco anos. A valer o raciocínio, de que adiantaria haver a Lei fixado o prazo decadencial em cinco anos, contados do dia em que foram praticados ou, quando houver efeitos patrimoniais contínuos, a partir da percepção do primeiro pagamento? O prazo decadencial, que nem ao menos se interrompe, como o da prescrição, se transformaria em letra morta, quando se entendesse que o tal ato declaratório de nulidade não teria de ser editado necessariamente no prazo de cinco anos, o que quer dizer, poderia ser editado depois de vencido um prazo decadencial, o qual nem interromper se pode. É, sem a menor dúvida, uma forma de desdizer o que está escrito expressamente na Lei.
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