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A_religiosidade_celta_politeismo_natural (1)

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
INSTITUTO DE LETRAS 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA 
CENTRO DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DA 
ANTIGUIDADE 
 
 
 
CADERNOS DO CEIA 
 
 
No. 1 - 2008 
 
 
 
EXPERIÊNCIAS POLITEÍSTAS 
 
 
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima 
Adriene Baron Tacla 
(ORGANIZADORES) 
 
 
 
Niterói - 2008 
 
 
1 
 
 
 
Copyrigth2008: Todos os direitos desta edição reservados ao 
Centro de Estudos da Antiguidade (CEIA), da Universidade Federal 
Fluminense (UFF). 
 
Capa: Górgona – VI século a. C. – Museu de Siracusa/ Contra-capa: Perseu 
combatendo as Górgonas – VI século a. C. 
(http://www.pixelteca.com.br/apuentes/grecia/medusa/html) 
 
Diagramação: Prof. Ms. José Roberto Paiva 
 
 
 
LIMA, Alexandre Carneiro Cerqueira, TACLA, Adriene Baron (org) 
Experiências Politeístas. Cadernos do CEIA. Ano 1 No 1 
Niterói: Centro de Estudos de Antiguidade – CEIA – da 
Universidade Federal Fluminense (UFF), 2008. 
176 pp. 
ISSN 1981-6782 
CDD 930 
Palavras-chave: 1 – História; 2 – Politeísmo; 3 – Cultos; 4 – Divindades 
 
 
 
 
 
Cadernos do CEIA 
Publicação Semestral do Centro de Estudos Interdisciplinares da Antiguidade 
Universidade Federal Fluminense 
CEIA – Instituto de Letras e Instituto de Ciências Humanas e Filosofia 
Campus do Gragoatá, Bloco C, sala 310 
São Domingos – Niterói – Cep: 24.210-350 
Tel: (21) 2629-2603 
Página na rede mundial de computadores: http://www.ceiauff.rg9.net 
Correio eletrônico: ceiauff@yahoo.com.br 
 
 
 
2 
 
ISSN 1981-6782 
CADERNOS DO CEIA 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
INSTITUTO DE LETRAS 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA 
CENTRO DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DA ANTIGUIDADE 
 
EDITORES RESPONSÁVEIS 
Dr. Ciro Flamarion Santana Cardoso – UFF 
Dra. Silvia Damasceno – UFF 
Dr. Alexandre Carneiro Cerqueira Lima – UFF 
 
CONSELHO EDITORIAL 
Dra. Adriane Silva Duarte – USP 
Dra. Claudia Beltrão da Rosa – UNIRIO 
Dr. Fabio de Souza Lessa – UFRJ 
Dra. Glória Braga Onelley – UFF 
Dra. Maria de Fátima de Sousa e Silva – Universidade de Coimbra 
Dra. Sonia Rebel de Araújo – UFF 
 
CONSELHO CONSULTIVO 
Dr. André Domingos dos Santos Alonso – UFF 
Dra. Adriene Baron Tacla – CEIA/UFF 
Ms. Manuel Rolph de Viveiros Cabeceiras – UFF 
Dr. Marcelo Aparecido Rede - UFF 
Dra. Maria Bernadete de Carvalho Rocha – UFF 
Dra. Maria Regina Candido – UERJ 
Ms. José Roberto de Paiva Gomes – NEA/UERJ 
 
 
 
3 
 
SUMÁRIO 
 
Editorial 4 
A religiosidade celta: politeísmo “naturalista”? 8 
Adriene Baron Tacla 
As espacialidades transitadas por Ártemis em Corinto 29 
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima 
O mar e os pescadores: deuses, medos e ambivalências 41 
Ana Lívia Bomfim Vieira 
Jogos e festas no Alto Império romano: alegria, sacralidade e 52 
identidade 
Ana Teresa Marques Gonçalves 
O Politeísmo dos antigos egípcios sob o Reino Novo 63 
(1530-1069 a.C.) 
Considerações em torno de religio em suas manifestações 77 
literárias 
Claudia Beltrão da Rosa 
Tornar-se atleta: práticas esportivas ritualizadas entre os 89 
gregos antigos 
Fábio de Souza Lessa 
Monoteísmo na Babilônia? Considerações acerca da mitologia 106 
de Marduk 
Marcelo Rede 
Religião e o politeísmo entre os gregos 128 
Maria Regina Candido 
Usos iconográficos do monumento funerário em Atenas Clássica 137 
Marta Mega de Andrade 
Rituais divinatórios na República Romana 149 
Regina Maria da Cunha Bustamante 
Politeísmo no Asno de Ouro de Apuleio 166 
Sonia Rebel de Araújo 
 
 
 
4 
 
 EDITORIAL 
A CRIAÇÃO DE UM TÓPOS DIALÓGICO 
 
Alexandre Carneiro Cerqueira Lima 
Adriene Baron Tacla 
(CEIA – UFF) 
 
 O Centro de Estudos da Antiguidade (CEIA), sediado 
na Universidade Federal Fluminense (UFF), desde a sua 
criação em 1998, sempre teve a preocupação de agregar 
profissionais de distintas áreas e de diferentes centros de 
pesquisas e universidades, reunindo, pois, historiadores, 
arqueólogos, lingüistas e filólogos que trabalham com as 
sociedades da Antiguidade oriental e ocidental. Todos os anos 
o CEIA promove a Jornada de Estudos da Antiguidade, um 
evento que permite divulgar trabalhos de professores e de 
pesquisadores sobre sociedades antigas no Brasil. Além da 
Jornada, o CEIA organiza regularmente mini-cursos e possui 
grupos de estudos voltados para a discussão de várias 
temáticas, tais como: cristianismo, escravidão, sociedades 
egípcia e celtas, e politeísmo. 
 Atualmente o CEIA pretende divulgar sua produção e 
suas pesquisas por meio dos Cadernos do CEIA, uma 
publicação semestral, que, na forma de números temáticos, 
objetiva reunir profissionais de diversas áreas (sobretudo 
História, Letras e Arqueologia) para debater questões atuais e 
apresentar à comunidade acadêmica seus trabalhos acerca das 
sociedades antigas. Desta forma, egiptólogos, assiriólogos, 
helenistas, latinistas e celticistas terão nos Cadernos mais um 
espaço para divulgarem suas pesquisas. 
 O presente Caderno trata de pesquisas de historiadores 
interessados pelas experiências religiosas dos politeísmos 
antigos. A discussão em torno deste tema surgiu a partir da 
organização do grupo de estudos de politeísmo no CEIA, em 
novembro de 2006, por Professores e Pesquisadores 
 
 
5 
 
interessados em compreender as manifestações religiosas de 
sociedades politeístas antigas. 
 A publicação deste Caderno consiste na materialização 
de um esforço da equipe de Professores e de Pesquisadores 
filiados ao CEIA. Quando escolhemos a temática dos 
politeísmos antigos estávamos interessados em criar um espaço 
aberto e profícuo, baseado em distintas visões e abordagens. 
Tivemos como inspiração a experiência dos helenistas Jean-
Pierre Vernant e Marcel Detienne, que organizaram o Centro 
Louis Gernet, cuja grande marca residia na diversidade, na 
interdisciplinaridade e nos estudos comparados. De modo que, 
uma plêiade de estudiosos participava dos encontros, 
discussões e pesquisas coletivas desse grupo (1). Vernant e 
Detienne tinham a convicção de que o trabalho em equipe 
possibilitaria a criação de um locus privilegiado de trocas e de 
contribuições recíprocas, marcando bem o aspecto dialógico, 
da troca baseada na diferença. 
 Detienne advoga em sua obra Les Grecs et Nous a 
necessidade de se criar um saber compartilhado. Historiadores 
e antropólogos podem, juntos, trabalhar em parceria – um 
ajudando o outro com o objetivo de melhor compreender uma 
dada questão. Daí, Detienne falar em comparatismo 
experimental e construtivo (2). Os pesquisadores podem 
convergir seus olhares com o intuito de compreender o maior 
número de produções culturais. A equipe composta por 
especialistas ao longo dos anos deve trabalhar transitando entre 
as sociedades e as manifestações culturais, procurando sempre 
estabelecer noções ou categorias de análise. 
 Assim, o primeiro Caderno do CEIA – Experiências 
Politeístas, tem o propósito de criar um tópos de discussão, 
trazendo a religiosidade e as formas de ritualização para o 
centro do debate acerca das sociedades antigas no ocidente e no 
oriente próximo. Com Experiências Politeístas, visamos 
abordar as formas como diferentes sociedades antigas 
vivenciaram a relação com o sagrado. Das práticas às crenças, 
 
 
6 
 
nosso interesse reside na compreensão das formas de 
religiosidade e de experiência ritual, isto é, na diversidade da 
ação humana em contextos rituais, a multiplicidade de seus 
significados, usos e implicações na vida em sociedade. 
 Para tanto, é preciso que, primeiramente, nos afastemos 
da noção de irracionalidade, por tanto tempo atribuída ao 
âmbito do ritual e do religioso, e que, ancorada no dualismo 
sagrado-profano (3), pressupõe ser o ritual ligado tão somente 
ao simbólico, ao místico e ao sobrenatural. Dentro da 
arqueologia, como destacam J. Brück e R.D. Whitehouse (4), 
essa visão racionalista moderna instaurou a noção de que ritual 
era tudo o que não tinha uma “função” prática específica e que, 
por conseguinte, não podia ser logicamente explicado.No entanto, ao contrário, os achados arqueológicos e a 
documentação textual das mais diversas sociedades antigas 
demonstram haver uma profunda ligação entre religiosidade, 
ritual e vida quotidiana; donde não se trata tão somente de 
distinguir diferentes esferas funcionais, mas sim de 
compreender que “os saberes ritual e religioso são (...) 
construídos das mesmas condições materiais que a vida 
quotidiana” (5). Da mesma forma, novas abordagens 
antropológicas sobre ritual têm chamado a atenção de 
historiadores e arqueólogos para a necessidade de compreender 
que ritual e prática, ou ritual e racionalidade, não são opostos. 
Ao contrário, ritual é prática e possui uma racionalidade 
intrínseca. Trabalhos como os de C. Bell e C. Humphrey e J. 
Laidlaw (6) mostram-nos que a ação/prática ritual implica 
hábitos fixos, mímesis e rotinas estabelecidas aprendidas na 
experiência ritual, mas também envolve, igualmente, 
comprometimento, racionalidade, improviso e inovação. Isso 
abre novas frentes de análise e interpretação da prática ritual e 
das formas de religiosidade, destacando, sobretudo, a ação e a 
experiência humanas; o que permite ao pesquisador ir além dos 
aspectos simbólicos e culturais dos rituais. 
 
 
7 
 
 Isto posto, devemos destacar que os trabalhos, aqui, 
reunidos apresentam manifestações múltiplas das experiências 
religiosas dos homens da Antigüidade, estudadas por 
profissionais oriundos de diferentes instituições e, por 
conseguinte, com distintos olhares e abordagens. O lugar 
social heterogêneo e plural deste grupo de historiadores 
contribui para termos análises e abordagens fecundas e 
distintas sobre a temática levantada (7). 
 
NOTAS 
(1) VERNANT, J.-P. Entre Mythe et Politique. Paris: Seuil, 1996, p. 45. 
(2) DETIENNE, M. Les Grecs et Nous: une Anthropologie Comparée de la 
Grèce Ancienne. Paris: Perrin, 2005, p. 22. 
(3) cf. BELL, C. Ritual Theory, Ritual Practice. New York/ Oxford: 
Oxford University Press, 1992, passim; BRÜCK, J. Ritual and Rationality: 
Some Problems of Interpretation in European Archaeology. European 
Journal of Archaeology, 2 (3), 2004, pp. 313-344. 
(4) WHITEHOUSE, R.D. Ritual Objects - Archaeological Joke or 
Neglected Evidence? In: WILKINS, J.B. (ed.) Approaches to the Study of 
Ritual. London: Accordia Research Institute University of London, 1996, 
pp. 9-30. 
(5) BARRETT, J.C. Towards an Archaeology of Ritual. In: GARWOOD, 
P. et al. (eds.). Sacred and Profane: Proceedings of a Conference on 
Archaeology, Ritual and Religion. Oxford: Oxford Committee for 
Archaeology, v. 32, 1991, p.6. 
(6) Humphrey, C. and Laidlaw, J. The Archetypal Actions of Ritual: A 
Theory of Ritual Illustrated by the Jain Rite of Worship. Oxford: Clarendon 
Press, Oxford studies in social and cultural anthropology, 1994. 
(7) Segundo Michel de Certeau: “Toda pesquisa historiográfica se articula 
com um lugar de produção sócio-econômico, político e cultural. (...) Ela 
está, pois, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma 
particularidade. É em função deste lugar que se instauram os métodos, que 
se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões, 
que lhe serão propostas, se organizam.” DE CERTEAU, M. A Escrita da 
História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982, pp. 66-67. 
 
 
 
 
8 
 
 
A RELIGIOSIDADE CELTA: POLITEÍSMO 
“NATURALISTA”? (1) 
 
Adriene Baron Tacla 
(CEIA/UFF e BRATHAIR) 
 
Resumo: O presente artigo discute a relação da religiosidade das 
populações ditas “Celtas” e a “Natureza”, apontando a necessidade de 
revermos a conceituação e propondo a perspectiva de uma paisagem vivida 
marcada pela relação entre “homem” e “ambiente”. Para tanto, nosso 
argumento considerará, principalmente, os relatos antigos e as 
interpretações antropológicas relativas ao tema de animismo. 
Palavras-chave: Idade do Ferro, Natureza, religiosidade 
 
Abstract: This paper discusses the relationship between the religiosity of 
the so-called ‘Celtic’ populations and Nature, showing the necessity to 
revise concepts and supporting the perspective of a lived landscape marked 
by the interaction between ‘man’ and ‘environment’. In order to achieve 
that, my argument will take into consideration the ancient sources on the 
Celts and anthropological interpretations regarding animism. 
Keywords: Iron Age, Nature, religiosity 
 
Introdução 
Quando falamos de religiosidade na proto-história 
Européia, lembramo-nos, primeiramente, dos relatos dos 
autores antigos descrevendo rituais, oferendas e sacrifícios 
feitos a céu aberto em “locais naturais” pelos celtas antigos. 
Esses relatos nos lembram dos achados de depósitos em lagos, 
rios e pântanos (2); o que leva a uma imediata equação entre 
“religiosidade proto-histórica” e “Natureza”, que tem 
fascinado, em igual medida, pesquisadores e leigos. 
A maioria dos estudiosos interpreta os achados de 
depósitos em “locais naturais” e as referências greco-latinas 
acerca dos rituais das populações celtas como expressão e 
evidência de uma “religião naturalista”, que é baseada na 
 
 
9 
 
crença de sacralidade enraizada na Natureza e no uso de 
“lugares naturais” como locais de culto. No entanto, como 
veremos abaixo, esse conceito é inapropriado para 
compreender esta sorte de prática religiosa. Primeiramente, 
porque ele supõe uma divisão, para não dizer uma hierarquia, 
de religiões de acordo com seu nível de complexidade, 
envolvendo a relação entre lugares a céu aberto e o uso ou não 
de santuários cobertos ou templos. Segundo, esse conceito 
perpetua a visão dos autores antigos que percebiam essas 
sociedades como “bárbaros primitivos”. Tais relatos podem ser 
enganosos, porquanto criam a impressão de que tratava-se de 
uma religiosidade “não corrompida” pela sociedade, isto é, não 
afetada pela exploração política, por conflitos de interesse ou 
pela vida econômica nas comunidades praticantes. 
 As populações ditas “bárbaras” são representadas pelos 
autores greco-romanos em meio a um panorama de terras 
distantes e próximas, de inimigos e aliados, moldado pelo 
fascínio por hábitos e culturas diferentes, bem como pelo medo 
e o terror despertados por sua diferença e potencial hostilidade. 
Como destacamos em outra ocasião, “os helenos 
hierarquizavam os bárbaros por uma série de variáveis que 
incluiriam: não falar o grego, não possuir os valores e costumes 
helênicos. Conforme nos aponta Kristeva (1994: 58), aos olhos 
dos helenos haveria, outrossim, uma distinção entre ‘bárbaros 
bons’ e ‘maus’, designando, respectivamente, aqueles que eram 
aliados e, portanto, poderiam adotar a cultura helênica, e os que 
eram inimigos e, por conseguinte, permaneceriam distantes da 
civilização” (TACLA, 2001: 32). 
 
 Os celtas, como parte dessas populações bárbaras, eram 
considerados, ao mesmo tempo, com a possibilidade de contato 
(e comércio) e de guerra ou invasão. Vários autores tratam dos 
celtas antigos – sua estrutura sócio-política, religião, hábitos, 
guerra e etc. (3) – geralmente, citando-os como o pitoresco, o 
 
 
10 
 
exótico e o bizarro de terras estrangeiras. A maior parte desta 
documentação consiste de fragmentos ou referências isoladas 
constantes de narrativas históricas e/ou geográficas mais 
amplas. Tais referências são, em sua maioria, acerca da Gália e 
da Bretanha e poucas são as fontes anteriores ao século IVº 
a.C. 
 As primeiras referências são predominantemente 
baseadas em relatos históricos e geográficos dos primeiros 
périplos (manuais de viagens dos primeiros exploradores do 
ocidente). Dos séculos IV e III a.C., há várias informações de 
que vêm de outros périplos ou narrativas históricas, geográficas 
e/ou etnográficas. Porém, grande parte dos relatos se concentra 
no período compreendido do século II a.C. ao século I d.C. 
Assim, sendo, temos que tratam essas fontes de uma vasta 
gama de populações celtas de diversos períodos e regiões, 
fornecendo-nos o que poderíamos chamar de um panorama 
pan-céltico. 
 Aqui,um tal panorama, ao invés de obstáculo ou 
empecilho, se nos apresenta como vantagem, posto que nos 
revelam constantes (e transformações) tanto nas visões acerca 
dessas populações, quanto na relação dos celtas e com a 
Natureza. Destarte, nos deteremos, neste trabalho, nos aspectos 
que ligam essas populações à Natureza nos relatos greco-
latinos a fim de compreender o que fundamenta a interpretação 
de “religião naturalista” e demonstrar a necessidade de 
revermos a conceituação, defendendo a perspectiva de uma 
paisagem vivida marcada pela relação entre “homem” e 
“ambiente”. 
 Devemos, aqui, destacar que, por questões de espaço, 
não poderemos nos deter sobre as tradições da historiografia, 
geografia e etnografia antigas, limitando-nos, apenas, a pontuar 
algumas breves observações a esse respeito. No entanto, é 
preciso apontar que esses gêneros literários estiveram 
profundamente ligados, de tal modo que era prática corrente 
começar um trabalho etnográfico delineando e descrevendo a 
 
 
11 
 
região habitada pela população em questão, especialmente 
porque havia, por parte desses autores, a concepção de que as 
características e condições da região e do território habitados 
definiriam o caráter e a natureza da população (haja vista os 
relatos de César sobre a floresta Hercinia (B Gall, VI.25) e de 
Diodoro da Sicília (V.25.1-2) sobre o clima na “Céltica”). 
 
Caráter e religiosidade celtas na documentação clássica 
 A documentação clássica enfatiza vários aspectos que 
mostram uma ligação entre as populações da Europa Centro 
Ocidental e o “selvagem”, a “Natureza”: sua aparência, caráter, 
comportamento, rituais e crenças religiosas. Essa ligação, se 
por um lado os afasta do âmbito da “cultura, do “mundo 
civilizado” greco-romano, por outro os define como um tipo 
muito particular dentro do espectro de bárbaros, estando os 
celtas entre o bárbaro mais próximo (helenizado) e o mais 
afastado (o desconhecido, que representa a alteridade total). 
Uma tal percepção deu lugar a três imagens dos celtas que 
prevalecem nos relatos antigos: o “bárbaro amigável”, o “ 
bárbaro destemido e temível” e o “nobre selvagem”. 
 O celta como “bárbaro amigável” é aquele que aparece 
nas primeiras referências, a saber: Hecateu de Mileto (4) 
(Steph. Byz., FGrH1A≠1, frags. 54-56), Hilmico de Cartago 
(5) (Avienus, Ora Maritima, 114-119, 380-389, 411-416) e 
Heródoto (II.33, IV.49). Hecateu e Hilmico, que se inserem na 
primeira tradição geográfica e etnográfica dos périplos, 
mapeiam as populações célticas em contato com helenos e 
cartagineses, assinalando, pois, populações helenizadas (a 
exemplo do sul da França) e/ou com quem tinham relações 
comerciais. Heródoto também apresenta os celtas como não 
muito distantes dos helenos. 
 Contudo, a interpretação da diferença das populações 
célticas mudou substancialmente durante os períodos 
helenístico e romano. Autores como Platão (Leis 1.637d-e), 
Aristóteles (Eth. Nic. III.7.6-7 [1115]; Eth. Eud. 3.1.25 
 
 
12 
 
[1229b]) e Éforo (Estrabão IV.4.6) apresentam os celtas como 
seres exóticos, bem como sendo a antítese dos helenos, isto é, 
povos dominados por grandes emoções e destemperança (6). 
Durante os séculos IV e III a.C., largamente em virtude das 
migrações célticas e das invasões de Delfos e Roma, as 
populações célticas começaram a ser representadas pelos 
autores greco-latinos como belicosas e temíveis (7); 
características que eram enfatizadas pelas práticas de 
sacrifícios humanos e pelo culto das cabeças cortadas. Essas 
características e hábitos, em oposição aos padrões do “mundo 
civilizado” greco-romano, colocavam essas populações no 
domínio do selvagem, isto é, no “mundo natural”. 
 Os modelos das tradições historiográficas e etnográficas 
de Heródoto e Tucídides são mantidos durante os períodos 
helenístico e romano, como no caso de Políbio, que seguiu os 
princípios básicos do modelo de Tucídides, para quem a escrita 
da história se baseava no testemunho ocular (cf. MILLAR, 
1964: 7). Para Políbio, os celtas representavam o caos em 
oposição à ordem e civilização romana; o que se deve 
sobremaneira ao evento da invasão e saque de Roma em 390 
a.C. 
 Contudo, referências detalhadas sobre os celtas só 
começam com o que Tierney (1960) chamou de “tradição 
Possidônia”. Segundo ele, a etnografia de Possidônio acerca 
dos celtas era a base para os relatos de Ateneu, Diodoro da 
Sicília, César e Estrabão. Ateneu seria, em verdade, a principal 
fonte dessa tradição, posto que é o único a dar os números dos 
extratos retirados de Possidônio (cf. CLARKE, 1999: 132-
133). Por outro lado, desde o séc. XIX, Diodoro é considerado 
como um “copista”, devido a sua “fidelidade” às fontes 
(SACKS 1994); o que tem sido combatido por pesquisas 
recentes, a exemplo de Sacks e de Yarrow (2000), que mostram 
a criatividade do autor na produção de seu texto, inserindo suas 
próprias idéias e crenças, especialmente no que concerne à 
política e história romanas. Porém, no que tange a suas 
 
 
13 
 
menções acerca dos celtas, temos que Diodoro se baseou 
largamente em Possidônio a ponto de suas passagens casarem 
com as de Ateneu. 
 O mesmo, contudo, não pode ser dito a respeito de 
César e Estrabão. Como Nash (1976: 114-115) demonstra, 
Tierney não levou em conta a verdadeira e original 
contribuição desses dois autores, nem tampouco reconheceu 
que o trabalho de César era completamente distinto dos demais, 
sobretudo porque, ao contrário de Ateneu e Diodoro, e apesar 
de César provavelmente ter tido conhecimento do trabalho de 
Possidônio, ele também foi testemunha ocular e, por 
conseguinte, certamente incluiu suas próprias visões e 
explicações acerca dos gauleses. Mais do que isso, Tierney não 
leva em consideração a relevância do período de produção 
dessas obras. A maior parte das informações mencionadas por 
tais autores provavelmente não estavam disponíveis para 
Possidônio e sem o texto dele na íntegra é verdadeiramente 
impossível certificar a extensão da influência de seus escritos. 
Ademais, como tais autores provavelmente leram Possidônio, 
eles também leram Homero, Hecateu e Heródoto dentre outros 
autores que eram parte da educação e do conhecimento da 
época. Isso significa que não havia a tradição de um só 
indivíduo, mas uma base de formação cultural e educacional 
que definia as identidades helena e romana frente a bárbaros e 
estrangeiros e que, juntamente com as experiências e 
percepções desses autores, fundamentava seus escritos sobre o 
“Outro”. 
 Crítica similar pode ser feita à hipótese de uma 
“tradição Alexandrina” levantada por Chadwick (1999). 
Defende ela que essa tradição, constituída por Timeu, 
Timógenes e Polistor, juntamente com autores da Escola de 
Alexandria (principalmente Plínio o Velho, Pompônio Mela, 
Lucano e Amiano Marcelino) teria cunhado uma visão muito 
distinta das populações celtas, em particular de sua religião. 
Não eram os celtas retratados como bárbaros temíveis ou 
 
 
14 
 
violentos, mas como pitorescos tanto por suas crenças 
religiosas/filosóficas quanto por sua relação estreita com a 
Natureza. Isso certamente implicou uma seleção de 
características que, para Chadwick, era principalmente 
explicada por uma tradição literária. Contudo, embora todos 
esses autores seguissem idéias estóicas, uma tal seleção seguia, 
acima de tudo, os propósitos e objetivos de cada um desses 
autores. 
 Dentre todos eles, Plínio o Velho é certamente o autor 
mais interessado na relação entre religião e Natureza, 
porquanto a noção estóica de poder criativo da Natureza se 
encontra profundamente arraigada em seu trabalho. Em 
contraste, as menções de Lucano aos bosques sagrados 
gauleses não eram guiadas por seu fascínio por essas “crenças 
selvagens”. Ao contrário, de seu relato emergem críticas aos 
ritos bárbaros (cf. Luc. I.450-458). Amiano Marcelino, ao 
invés, citando Timógenes ao se referir aos gauleses, se 
aproxima mais da tradição etnográfica de Tácito, estando ele 
preocupadoem explicar a natureza de tais bárbaros. 
 Chadwick (1999: 30) acreditava que, devido ao período 
em que ele escreveu, o trabalho de Tácito diferia daquele da 
tradição Alexandrina. Seus Anais e Histórias seriam 
claramente inspirados pela tradição histórica de Tucídides, 
enquanto que sua Germânia seguiria a tradição etnográfica, 
bem como a abordagem periegética de Hecateu (RIVES, 1999: 
11-21). Nos Anais, as referências aos celtas estão no contexto 
das campanhas romanas na Bretanha, ou seja, no contexto de 
conquista e dominação de populações “selvagens”. Ao passo 
que a Germânia, procura não só descrever as populações 
germânicas, mas explicar o fracasso da conquista da Germânia 
pelos romanos. Assim, traça ele a imagem dos germanos, não 
como uma mera oposição aos romanos, mas como populações 
“primitivas” corajosas e belicosas, selvagens, impulsivas e sem 
limites ou leis; o que contrasta sobremaneira com a imagem 
que ele traça dos celtas. 
 
 
15 
 
 Como podemos ver, até o IVº século a.C., foram eles 
vistos de forma os celtas foram vistos pelos helenos uma sorte 
de bárbaro mais próximo da cultura, com quem se podia 
conviver e negociar e, por conseguinte, também era passível de 
ser civilizado. Nos séculos IV-III a.C., firmou-se a visão de 
belicosidade e destemperança das populações celtas; 
características essas reforçadas por sua atuação como 
mercenários e as invasões e saques de Delfos e Roma, bem 
como pelas observações de Possidônio acerca do culto das 
cabeças cortadas e dos sacrifícios humanos. A visão de seu 
valor guerreiro também foi enfatizada ao longo da conquista 
romana da Gália e da Bretanha; o que também servia para 
enaltecer o valor e as vitórias de Roma. Após o séc. I d.C., 
surge a visão deste bárbaro como o “nobre selvagem” mais 
próximo da Natureza e, por conseguinte, distante da corrupção 
do “mundo civilizado”. Essa visão primitivista, juntamente 
com os relatos acerca dos lugares de culto celtas, é que 
contribuiu sobremaneira para a construção da visão da 
religiosidade celta como “naturalista”. 
 
Da nomenclatura de santuários e lugares sagrados 
 Nos relatos greco-latinos, vários termos são usados para 
nomear os lugares de culto célticos. Em latim, encontramos: 
locus consecratus, lucus, nemus, fanum, adytum, aedes e 
templum. Locus consecratus é um termo relativamente 
impreciso que designa locais sagrados em geral, enquanto que 
lucus é usado em referência a santuários limitados por um 
bosque, de modo a aludir não a um “local natural”, mas a uma 
paisagem criada que “reproduz” uma paisagem sagrada 
(BRUNEAUX, 1996: 60). Nemus também significa um bosque 
sagrado, uma clareira ou uma lareira sagrada, enquanto que 
fanum se refere a um lugar sagrado que tem seus limites 
demarcados por um fosso. Adytum, derivado do termo grego 
ádyton, é o santuário mais interior de um templo, ao qual é 
vetada a entrada de outros que não os sacerdotes. Aedes é um 
 
 
16 
 
templo, uma construção simples sem qualquer subdivisão, 
enquanto templum consiste em um amplo e impressionante 
edifício consagrado pelos adivinhos aos deuses. 
 Em grego, o vocabulário para lugares sagrados é um 
tanto vasto, com o léxico principal consistindo em: témenos, 
hierón, naós, bóthros, sekós, álsos, hérkos and anáktoron. Os 
três primeiros termos são, de fato, mais freqüentemente usados 
para identificar santuários dentro do mundo helênico. O termo 
témenos aparece, tal qual seu cognato latino templum, para 
nomear um lugar consagrado aos deuses. Originalmente, 
“ témenos é uma porção do território [que] depois se torna um 
espaço reservado/consagrado a uma divindade” (CASEVITZ, 
1984: 86). Ele se aplica a cercamentos sagrados delimitados 
por cercas, fossos ou muros. Hierón, por outro lado, apesar de 
freqüentemente usado para designar um edifício/templo, pode 
designar um “lugar sagrado” em seu sentido mais geral, sendo, 
por conseguinte, utilizado para remeter a vários tipos de 
santuários (BRUNEAUX, 1996: 61; CASEVITZ, 1984: 86). 
Naós, porém, sempre se refere a templos e edifícios sagrados; 
“é ‘a residência pessoal’ da divindade, que está presente por 
sua estátua” (CASEVITZ, 1984: 87). Bóthros, ao invés, é um 
poço ou uma cova ritual para deposição de oferendas 
(PIGGOTT, 1978: 37-38), enquanto sekós (8), tal qual 
témenos, corresponde a um cercamento sagrado (ROUVERET, 
2000: 47). Contudo, séka indica lugares devotados ao culto do 
herói (CASEVITZ, 1984: 94; WEBSTER, 1995: 446). Alguns 
termos, tais como álsos e hérkos pertencem especificamente a 
áreas florestadas. Álsos é uma mata ou bosque que contém uma 
fonte ou curso d’água, enquanto hérkos, originalmente uma 
área florestada, quando usado juntamente com hierón significa 
um cercamento sagrado (CASEVITZ, 1984: 93). Finalmente, 
anáktoron é “o lugar dos deuses, onde são celebrados os 
mistérios” (CASEVITZ, 1984: 95). 
 Acrescentando-se a isso, há o vocábulo galo-bretão 
nemeton, que é amplamente encontrado na toponímia e na 
 
 
17 
 
epigrafia da Gália, Bretanha e Galácia (PIGGOTT, 1978: 37; 
WEBSTER, 1995: 448). Nemeton, cognato do termo grego 
nemos (significando “pasto arborizado” ou “clareira numa 
floresta”) e do termo latino nemus (ALDHOUSE-GREEN, 
2000: 9; PIGGOTT, 1978: 37), e tal como locus consecratus, é 
visto como um termo razoavelmente impreciso, posto que 
designa lugares sagrados em geral. 
 Nem todos esses termos eram usados para se referir aos 
lugares sagrados célticos. O vocabulário empregado pelos 
autores gregos para descrever santuários gauleses se restringe 
tão somente a: témenos, hierón e sekós. 
 Estrabão (III.4.16) menciona a performance de rituais a 
céu-aberto por celtiberos em frente a suas casas, enquanto que, 
para as tribos gaulesas, ele (IV.1.13, IV.4.6) enfatiza a 
importância de lagos e ilhas como sítios rituais que coexistiram 
com construções por ele nomeadas como sekós e hierón. 
Devemos, porém, ressaltar que ilhas, de fato, aparecem no 
texto de Estrabão como teméne que possuíam hierá, onde se 
faziam os rituais. Diodoro da Sicília (V, 27.4) também 
menciona a dedicação de oferendas votivas em hierá e teméne, 
e Dio Cássio (LXII.7), ao mencionar os sacrifícios de 
prisioneiros romanos em um bosque de Andate pelos bretões, 
também usa hierá. 
 O uso seletivo de tais vocábulos revela a existência de 
diferentes tipos de lugares sagrados consistindo em áreas 
claramente demarcadas, algumas delas que talvez tivessem um 
altar ou construção no centro. O termo hierón é empregado 
tanto em seu sentido geral (de modo a designar ao mesmo 
tempo um templo ou uma característica geográfica tal como 
um lago ou uma caverna), quanto em seu sentido mais 
específico de uma área sagrada dentro de um témenos. 
Inversamente, sekós é usado por Estrabão (IV.1.13) para 
designar um tipo específico de santuário, reconhecido por 
Possidônio como consagrado ao culto dos ancestrais. 
 
 
18 
 
 Entre os autores latinos, Bruneaux (1996: 60) 
argumenta que há a tendência a usar os termos mais vagos, 
como locus consecratus e lucus, posto que em sua visão a 
nomenclatura de edifícios sagrados implica um caráter 
monumental que, a seu ver, provavelmente pareceria 
inapropriado para descrever os lugares sagrados dos bárbaros. 
Todavia, uma outra razão pode ser que eles não aludiam a 
nenhum edifício, mas a locais na paisagem. César, por 
exemplo, usa locus consecratus tanto ao mencionar o encontro 
druídico anual no território dos carnutos (B Gall. VI, 15) 
quanto para se referir aos lugares onde os gauleses faziam seus 
rituais após uma vitória (B Gall. VI, 17). Isso não significa que 
não houvesse edifícios sagrados, mas sim que os lugares 
sagrados em questão correspondiam a formas geográficas. 
 Muitas formas geográficas aparecem como lugares 
sagrados nas fontes clássicas. Plínio, o Velho, (HN. XVI. 
CXIII.250), por exemplo, aponta que os sacerdotes – druidas – 
receberam seu nome de drús (9) (termo grego que significa 
carvalho) e que as árvores e plantas, como o carvalho e o visco,tinham um significado sagrado, sendo, portanto, objeto de culto 
da população. Outros autores como Tácito (Ann. XIX.30) e 
Lucano (I.452-454) também se referem à sacralidade de 
florestas, matas e bosques. Alguns deles, como no caso do 
bosque sagrado perto de Massalía (Luc. III.411-412), eram 
igualmente relacionados a contextos aquático, em particular 
fontes, que eram usadas para práticas rituais com deposição. 
Por outro lado, Pompônio Mela (III, 2.18-19) menciona o uso 
de cavernas e vales de montanhas isoladas para o aprendizado 
druídico, bem como a existência de um oráculo numa ilha na 
Bretanha Francesa, que era dedicado a uma divindade gaulesa 
em Sena, no mar bretão em frente à margem de Ossimiano 
(Pompon. III.6.48). 
 Assim, os léxicos grego e latino empregados para 
designar os lugares sagrados célticos não só assinalam a 
existência de diferentes tipos de santuários, mas, acima de 
 
 
19 
 
tudo, mostram uma ligação ente “locais na natureza” e o 
mundo sobrenatural. Piggott (1978) demonstrou vários 
paralelos entre os vestígios arqueológicos de lugares sagrados 
célticos e os termos témenos, bóthros, fanum e templum. Por 
exemplo, estruturas arqueológicas que podem ser classificadas 
como teméne são muito comuns tanto nas Ilhas Britânicas 
(cercamentos sagrados quadrados, oblongos ou circulares) e na 
Europa Central (os chamados Viereckschanzen (10) 
(PIGGOTT, 1978: 49-51). Bóthroi, por outro lado, são bem 
representados por fossos votivos como aqueles de Holzhausen, 
enquanto que fana e templa podem ser atribuídos a vários 
exemplos de construções em madeira no interior de 
cercamentos sagrados. De fato, esses também podem se aplicar 
a conjunção hierón-témenos. Como apontado por vários outros 
scholars, como Wait (1980), Webster (1995) e Bruneaux 
(1996), os achados arqueológicos apóiam a maioria dessas 
interpretações. 
 
Animismo ou “religião naturalista”? 
 Vários autores antigos, em particular os escritores 
estóicos (como vimos acima), apresentam uma “visão 
primitivista” dos celtas (PIGGOTT, 1996: 91-99), que são por 
eles idealizados como populações primitivas puras, geralmente 
representadas como pertencendo a um passado perfeito, 
idealizado, mitológico, comumente referido como “a Idade do 
Ouro”, posto que eles eram entendidos como sendo livres da 
corrupção do “mundo civilizado”, tendo uma vida mais simples 
e, por conseguinte, estando mais próximos da Natureza e das 
divindades. Essa tradição literária clássica acabou, portanto, 
por criar a interpretação amplamente difundida de uma 
“religião natural” dos celtas. Primeiro, porque seus santuários 
eram localizados em rios, fontes, ilhas, pântanos, brejos, 
bosques, florestas, montanhas ou cavernas. Segundo, porque 
faziam eles largos oferecimentos de sacrifícios e ricas 
oferendas aos deuses nesses locais. 
 
 
20 
 
 Uma tal configuração levou muitos estudiosos a basear 
seu entendimento acerca das práticas religiosas da Idade do 
Ferro no conceito de uma “religião natural”. Permeado por uma 
visão evolucionista e aceitando a perspectiva dada pelos relatos 
greco-latinos, tal conceito presume a existência de uma forma 
de religião “primitiva”, que é apresentada como uma forma 
simples de religiosidade que era relacionada a supostas 
sociedades primordiais e, por conseguinte, teriam precedido a 
religião de posteriores sociedades “civilizadas” (cf. FRAZER, 
1926: 14). 
 Miranda Green, por exemplo, afirma que os celtas 
possuíam uma “... rica e variada tradição religiosa (...) [que] 
se deve largamente ao animismo essencial que parece ter 
sustentado a religião celta, a crença de que toda parte do 
mundo natural, todo traço da paisagem, era imbuído de 
qualidades sagradas, possuído por um espírito” e indo mais 
além, ela considera que “a percepção de espíritos na paisagem 
é amplamente demonstrada pelos nomes de deuses em 
dedicações epigráficas do período romano-céltico...” 
(GREEN, 1995: 465-466 – tradução e grifo nossos). 
 Diante dessas afirmações, devemos nos perguntar: 1) se 
estamos, realmente, diante de uma religiosidade animista em 
seu sentido original; 2) se a associação de dedicações aos 
deuses a “locais naturais” verdadeiramente consiste na crença 
dos deuses residindo na paisagem; e 3) como podemos 
compreender essa relação homem-ambiente. 
 
 Tylor, apesar de não ter sido o primeiro a usar o termo 
animismo, é geralmente considerado seu criador. Entende ele 
que a forma mínima e primordial de religião seria “... a crença 
em seres espirituais” (1920, vol.1: 424). Essa crença, que ele 
classifica como animismo (p.425), seria própria de sociedades 
mais “primitivas” (no seu dizer), seria um desenvolvimento da 
“Religião Natural” (p.427), constituindo a primeira forma de 
religião. Para essa forma de religião, vida, mente, alma, espírito 
 
 
21 
 
e fantasma consistiriam não em entidades distintas, mas em 
formas diversas de um mesmo ser (p.435). No caso das 
sociedades ditas “primitivas”, a alma/espírito possuiria uma 
forma material (p.457-458), e por não verem elas distinções 
entre o humano e o animal, consideravam que tanto homens, 
quanto animais ou seres inanimados possuíam alma (p.469). A 
visão evolucionista de Tylor, assim como sua concepção de 
cultura, sobrevivência e animismo foram amplamente 
criticados) e pode-se inclusive dizer que a definição de Tylor 
sobre o animismo também não é exatamente precisa e ele 
mesmo parece reconhecer a dificuldade de explicar e 
conceituar os complexos fenômenos que essa forma de 
religiosidade abarcaria (STRINGER, 1999: 546). Mesmo 
assim, a definição de animismo presente ainda hoje no senso 
comum, nos dicionários e na academia (salvo raras exceções) 
se deve a Tylor, sendo, então, o animismo geralmente visto 
como uma forma simples e “primitiva” de religião. 
 Contudo, autores como Bird-David (1999), Descola 
(1996) e Viveiros de Castro (1999), dentre outros, têm 
mostrado a necessidade de se rever o conceito de animismo. 
Dentro da antropologia das religiões, animismo é o inverso do 
totemismo, posto que enquanto o totemismo se baseia na 
dicotomia cultura x natureza, o animismo se fundamenta na 
profunda relação, e não dissociação, entre natureza e cultura 
(VIVEIROS DE CASTRO, 1999: 474). Isto, segundo Descola 
(1996: 89-95), significa que a relação homem-natureza se 
configura em três sistemas – animismo, totemismo e 
naturalismo (11), os quais possuem variantes que se 
fundamentam em três modos relacionais distintos: 
reciprocidade, predação e proteção. Predação, a seu ver, é mais 
característico do totemismo, que não pressupõe uma estreita 
ligação entre seres humanos e não-humanos e, por conseguinte, 
não exige “ressarcimento” pela vida tirada. Por outro lado, 
reciprocidade e proteção são próprias do animismo, que 
implica uma forma de simbiose entre homem e natureza. Desta 
 
 
22 
 
forma, entende ele que o animismo media a relação entre 
cultura e natureza, entre o homem e as demais espécies; donde, 
defende ele, tal como Ingold (1993, 1996) e Viveiros de 
Castro, a compreensão do animismo não segundo Tylor, mas 
como uma ontologia ecológica. 
 Em linha de análise correlata, Bird-David (1999) 
propõe que se fale de animismos (no plural) e que esses sejam 
entendidos na forma de uma epistemologia relacional. Esta, tal 
qual a ecologia de Ingold, Descola e Viveiros de Castro, parte 
da interação do homem com o ambiente, com animais e 
também em sociedade para compreender sua inserção no 
mundo. Ambas as teorias tratam de “viver e existir no 
mundo” (being-in-the-world). Inspiradas na fenomenologia de 
Heidegger e de Merleau-Ponty, propõem que o cerne da 
compreensão dessa relação homem-ambiente reside no “ser” e 
na “experiência”. Neste sentido, a natureza e o ambiente não 
constituem algo que está “lá fora” e distante do homem. Ao 
contrário, o ambiente é “...a natureza constituída em relação 
ao organismo ou pessoa...” que o habita (INGOLD, 1993: 
156). Conseqüentemente, é um processo que assume forma na 
ação davida quotidiana, nas formas de percepção e de 
construção de uma paisagem vivida. E tal não se aplica 
somente às comunidades de caçadores-recoletores, mas 
também a várias sociedades agrárias. 
 Mas o que dizer do animismo entre os celtas? São essas 
interpretações aplicáveis às sociedades da Idade do Ferro na 
Europa Centro-Ocidental? E temos dados materiais que as 
corroborem? 
 Certamente, ao contrário do que Green afirma no trecho 
que destacamos, a existência de dedicações epigráficas do 
período romano-céltico em “locais naturais” não representa o 
reconhecimento de que aquelas divindades habitassem aquele 
determinado local na paisagem ou que esses locais 
personificassem essas divindades. Ao invés, isso significa tão 
somente que certos locais na paisagem, muitos deles, com um 
 
 
23 
 
histórico de visitas e dedicações desde fins da Idade do Bronze, 
eram consagrados àquelas divindades. A limitação de dados, 
porém, nos impede de saber se esses lugares sagrados na 
paisagem teriam sido sempre consagrados a uma mesma 
divindade durante todo este período, desde fins do Bronze até o 
período romano, como por exemplo no caso da Source de La 
Douix (Borgonha, França). 
 Bruneaux (1993), por outro lado, mostrou-se cético 
quanto a uma visão animista e crítico quanto à tradicional 
imagem “naturalista” acerca dos bosques sagrados celtas, 
porquanto demonstra ele que raras são as evidências de culto às 
árvores nas Idades do Bronze e do Ferro. Para ele a árvore 
desempenharia um “papel secundário”, não sendo, pois, objeto 
central de culto. Aldhouse-Green (2000), ao contrário, 
argumenta que árvores e postes de madeira representariam 
focos de culto em sítios rituais da Idade do Ferro. Argumento 
semelhante também poderia ser levantado (e com mais 
verossimilhança) acerca da grande formação rochosa do 
santuário de Heidentor (Baden-Württemberg, Alemanha). 
Seriam, então, essas árvores, rochas e demais formações 
geográficas o objeto central de culto? 
 As evidências de que dispomos sobre os depósitos em 
“locais naturais” e as referências dos autores greco-latinos 
tanto acerca da relação dos celtas com a natureza e o mundo 
selvagem quanto das formas de seus santuários (acima 
mencionadas) não configuram uma religião animista no sentido 
tradicional tal qual empregado por Miranda Green nos 
trabalhos que aqui citamos. A nosso ver, estamos diante de 
fenômenos muito mais complexos, cuja compreensão reside 
sobretudo nas formas e modos de ritualização, bem como no 
significado da ritualização nos contextos sócio-políticos. E para 
tanto, a via de interpretação de uma paisagem vivida se mostra 
sobremaneira frutífera. 
 
 
 
 
24 
 
NOTAS 
(1) O presente trabalho desenvolve algumas idéias e discussões levantadas 
em nossa tese de doutoramento, intitulada “Sacred Sites and Power in West 
Hallstatt Chiefdoms”, desenvolvida no Instituto de Arqueologia da 
Universidade de Oxford (Inglaterra), sob orientação de Sir Barry Cunliffe, 
Professor Emérito de Arqueologia Européia, e financiada pelo CNPq. 
(2) Para uma análise das formas de deposição, vide TACLA, A.B. Atos de 
devoção: os depósitos do bronze final ao início de la Tène na Europa 
centro-ocidental. Phoînix 14, 2008. (no prelo). 
(3) Levantamentos detalhados das referências greco-latinas acerca dos 
celtas podem ser encontrados em Freeman (1996, 2002) e Rankin (1987). 
(4) A obra “Descrição da Terra” de Hecateu, uma narrativa geográfica do 
périplo do Mar Negro até a Gália, só sobreviveu em fragmentos, como 
citações em outras obras, principalmente na Ethnica Epitome de Estefano de 
Bizâncio, mas também em Heródoto, Estabão e Avieno. 
(5) Principal fonte de Avieno para sua Ora Maritima (cf. FREEMAN, 1996: 
16-17). 
(6) Sauer (1992) argumenta que os celtas aparecem dominados por thymós e 
akrasía, o que faria deles seres destemperados, irracionais e, por 
conseguinte, comparáveis aos animais. 
(7) Sua ferocidade e força na guerra eram geralmente atribuídos à sua 
atitude destemida diante da morte, apoiada por uma crença na imortalidade 
da alma (Ammianus Marcelinus (XV.9.8), César (B Gall. VI.14), Diodorus 
Siculus (V.28); Lucano (I.34); Pompônio Mela (III.2.18-20), Estrabão 
(IV.4.4)). 
(8) Segundo Webster (1995: 446), sekós é um termo raro usado por 
Estrabão (IV.1.13) e Ateneu (IV.152) precisamente ao citar Possidônio. 
(9) Para uma discussão detalhada do termo “druida” e seus possíveis 
significados, vide Chadwick (1997: 12-13) e Piggott (1996: 100-101), bem 
como o Anexo I de LE ROUX, F. et GUYONVARC’H, C.J. Les Druides. 
Rennes: Editions Ouest-France, 1992, p. 425-432. 
(10) Essas estruturas geraram muita discussão acerca de seu uso e 
significado. Desde 1957, com as amplas escavações de Holzhausen 
(Bavária, Alemanha) por Schwarz, a hipótese de santuário ganhou apoio. 
Recentes descobertas de Ehningen e Bopfingen (Baden-Württemberg, 
Alemanha) trouxeram nova luz ao debate, sugerindo, ao invés, sua “função” 
como fazendas da elite ou centros de assentamento. Contudo, o debate ainda 
se encontra em aberto, com autores como Wieland propondo uma 
interpretação alternativa, de centros de assentamento com caráter tanto 
ritual quanto profano (cf. WIELAND, G. Die spätkeltischen 
Viereckschanzen in Süddeutschland – Kultanlagen oder Rechteckhöfe? In: 
HAFFNER, A., BAUER, S. (eds.) Heiligtümer und Opferkulte der Kelten. 
 
 
25 
 
Stuttgart: Theiss, 1995, p. 85-99; WIELAND, G. Keltische 
Viereckschanzen: einem Rätsel auf der Spur. Stuttgart: Theiss, 1999). Uma 
tal proposição, sem sombra de dúvida, vem ao encontro das observações 
feitas por Bradley (2005) sobre a ritualização em assentamentos. 
(11) O naturalismo constitui linha filosófica e literária ocidental moderna e 
não trataremos dele nesse trabalho. 
 
ABREVIAÇÕES 
Ann. – Annals 
B Gall. – De Bello Gallico 
Eth. Eud. – Ethica Eudemia 
Eth. Nic. – Ethica Nicomachea 
HN – Naturalis Historia 
Luc. – Lucan 
Steph. Byz. – Stephanus Byzantius 
Tac. – Tacitus 
 
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Edwards. London/Cambridge, Mass: Heinemann/Harvard University 
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DIODORUS SICULUS. Diodorus of Sicily (Loeb classical library). 
Translated by Charles Henry Oldfather, Charles L. Sherman, C. 
Bradford Welles. London/Cambridge, Mass: Heinemann/Harvard 
University Press, 1933. 
HERODOTUS History (Loeb classical library). Translated by A. D. 
Godley. Cambridge, Mass/London: Harvard University Press/W. 
Heinemann, 1920. 
LIVY From the Founding of the City (Loeb classical library). Translated by 
B. O. Foster. London/Cambridge, Mass: Heinemann/Harvard 
University Press, 1919. 
LUCAN The Civil War (Pharsalia) (Loeb classical library). Translated by 
J.D. Duff. London/Cambridge, Mass: W. Heinemann/Harvard 
University Press, 1962. 
PLINY THE ELDER Natural History (Loeb classical library). Translated 
by H. Rackham. London/Cambridge, Mass: Heinemann/Harvard 
University Press, 1938. 
POLYBIUS The Histories (Loeb classical library). Translated by W. R. 
Paton. London/Cambridge, Mass: Heinemann/Harvard University 
 
 
26 
 
Press, 1954. 
POMPONIO MELA Chorographie (Collection des universités de France). 
Translated by A. Silberman. Paris: Belles Lettres, 1988. 
POSIDONIUS Poseidonios: Die Fragmente (Texte und Kommentare). 
Edition and translation by Willy Theiler. Berlin/New York: W. de 
Gruyter, 1982. 
RUFUS FESTUS AVIENUS Ora Maritima: A Description of the Seacoast 
from Brittany to Marseilles. Translated by J. P. Murphy. Chicago: 
Ares Publishers, 1977. 
STEPHANUS BYZANTIUS. Ethnica Epitome In: Thesaurus Linguae 
Graecae (TLG®) Disponível em: http://www.tlg.uci.edu/ 
STRABO The Geography of Strabo (Loeb classical library). Translated by 
Horace Leonard Jones. London/Cambridge, Mass: 
Heinemann/Harvard University Press, 1917. 
TACITUSThe Annals (Loeb classical library). Translated by John Jackson. 
London/Cambridge, Mass: Heinemann/Harvard University Press, 
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Alexandre Carneiro Cerqueira Lima 
(CEIA/UFF) 
 
Resumo: Objetivamos compreender a organização dos espaços sagrados 
em Corinto durante os Cypsélidas. Neste artigo estudaremos a associação 
entre Ártemis e Dionisos representada em um alábastros coríntio achado 
em Caeres. 
Palavras-chave: espaço; divindades; Corinto 
 
Résumé: Nous voudrions comprendre l´organisation des espaces sacrés à 
Corinthe pendant les Cypsélides. Dans cet article nous irons étudier 
l´association entre Artémis et Dionysos représenté dans un alabastre 
corinthien trouvé à Caeres. 
Mots-clé: espace; divinités; Corinthe 
 
 No segundo semestre de 2006 ingressamos no 
Departamento de História da Universidade Federal Fluminense 
e no Centro de Estudos da Antiguidade (CEIA). No CEIA 
criamos um grupo de estudos dedicados ao estudo dos 
politeísmos. Tal grupo é composto por professores, graduandos 
e pós-graduandos tanto do CEIA-UFF quanto de outras 
instituições de ensino do Estado do Rio de Janeiro. No ano 
passado, em novembro de 2007, no I Congresso Internacional 
de História Antiga e Medieval oferecido pela Universidade 
Estadual do Maranhão (UEMA), proferimos uma conferência a 
respeito do synoecismo – ato fundador de uma cidade-Estado – 
e dos cultos em Corinto Baquíade (VII-VII séculos a. C.) Esta 
pesquisa nos despertou a questão relativa ao processo de 
formação de Corinto, bem como aos cultos politeístas. 
Anteriormente, em nossa Tese de Doutorado, já 
havíamos estudado a prática dos kômoi – procissões catárticas 
– e as imagens criadas pelos artesãos/ pintores dos dançarinos 
pançudos (komástai) (LIMA, 2001). Elencamos as divindades 
e entidades sobrenaturais representadas nos vasos e a produção 
 
 
30 
 
do corpus imagético. Conseguimos identificar 7 deuses e 4 
entidades, a saber: Dionisos, Poseidon, Apolo, Ártemis, 
Aphrodite, Nereu, Athená, Héracles, Hydra de Lerna, Górgona 
e esfinge. Em trabalhos anteriores enfocamos os cultos de 
Aphrodite e de Poseidon (LIMA, 2005). Nos últimos anos, 
portanto, o estudo das experiências religiosas e, em particular, 
a adoção do método comparativo nestes trabalhos tem 
demonstrado uma renovação na produção acadêmica 
(BRELICH, 2003, 57; DETIENNE, 2008, 19). 
No que concerne o presente artigo, seguiremos a 
proposta de Marcel Detienne em buscar identificar as 
associações das divindades nos diferentes tipos de documentos 
produzidos em um determinado contexto social. As variáveis 
das associações divinas nos indicarão os atributos destas 
divindades e a constituição de espaços diferentes e 
concomitantes (2000, 81-104). Além da combinação Dionisos 
– Aphrodite, já por nós trabalhada (2003), no período cypsélida 
forjou-se a combinação Ártemis – Dionisos. Para darmos conta 
de compreender tal fenômeno, iremos convergir estudos 
dedicados á questão do espaço, do sagrado e dos arranjos 
politeístas de uma dada comunidade e o seu valor social. 
Nossa proposta consiste em pensar estas escolhas 
politeístas vinculadas à conjuntura política e econômica dos 
VII e VI séculos a. C. Corinto passou de um regime dominado 
por um génos – o dos Baquíades – para um regime tirânico – 
Cypsélidas. Além dos arranjos politeístas forjadospor estes 
grupos, percebemos a espacialidade sendo reorganizada, do 
VIII ao VI século a. C. na pólis (tanto na chôra quanto na ásty). 
Desde a sua formação (synoecismo), Corinto e os habitantes do 
Istmo estabeleceram relações de amizade, de troca e de 
contatos com elementos externos, os estrangeiros. Para 
intermediar estas relações, os coríntios organizaram seus 
espaços, seus lugares sagrados com práticas e ritos próprios 
(ELIADE, 1965, 28). Sabemos que a atividade ritual promove 
a integração, o fortalecimento de laços sociais e a criação de 
 
 
31 
 
identidades. Porém, como mostrou Marc Augé, em um 
momento singular, em um espaço delimitado, ou seja, durante 
uma prática ritual, o Outro (as alteridades) aflora por meio de 
um processo de resistência/ renovação e aceitação do outro e de 
si próprio (AUGÉ, 1998, 19). Os ritos às divindades são 
necessários para o equilíbrio social e consistem num esforço 
constante de dirimir as diferenças e os conflitos. Os cultos às 
divindades e os ritos de hospitalidade (as hiérodoules de 
Aphrodite, por exemplo) foram promovidos para intermediar as 
atividades de contatos, quer dizer: da navegação, do comércio 
e da colonização. Desta forma, elaboramos a seguinte hipótese: 
a espacialidade e as associações politeístas em Corinto foram 
forjadas para atenderem a necessidade de reconhecer e de se 
relacionar com o Outro (outros homens e outros espaços 
também) em uma nova forma de organização política. Espaços 
concretos e simbólicos, muitas vezes justapostos, são 
necessários para viabilizarem os contatos baseados nas 
diferenças. Diferenças sociais, culturais e religiosas (1). 
Mencionamos acima, os regimes políticos em Corinto – 
o dos Baquíades e o dos Cypsélidas – os quais organizaram, 
junto com outros setores da sociedade, os arranjos politeístas 
na pólis. Tais associações entre as divindades do panteão e de 
seus respectivos cultos definiram a ocupação do território. A 
integração entre espaços rural e urbano foi proporcionada 
também pela edificação de santuários (DE POLIGNAC, 1996), 
ou seja, de espaços sagrados onde os cultuadores se 
encontravam e realizavam seus rituais ocupando e marcando a 
presença coríntia na proteção e demarcação de fronteiras 
cívicas. Os cultos dedicados à Poseidon e à Héra, por exemplo, 
marcaram a ascensão econômica e a hegemonia baquíade nas 
regiões do Istmo e de Pérachora respectivamente. No centro 
urbano, os áristoi coríntios provavelmente apoiaram os cultos 
de Hélios e de Apolo. Os processos de synoecismo e de 
colonização coríntias podem estar diretamente associados aos 
rituais praticados nos santuários de Hélios, na Acrocorinto, e 
 
 
32 
 
no de Apolo, na agorá, no templo da colina (BOOKIDIS, 
2003, 248-249). 
Quando olhamos atentamente para o contexto da tirania 
percebemos a preocupação, por parte dos dirigentes – Cypsélos 
e Períandros –, em integrar os espaços, por meio de 
edificações, de vias, do próprio díolkos (2), e o incremento de 
cultos nos espaços rural e urbano. Em vários lugares do Istmo, 
os coríntios irão erigir marcos sagrados com o intuito de 
garantir a proteção dos deuses. Eles sabiam que transitavam 
por espacialidades distintas e precisavam justamente destes 
marcos – santuários e estátuas de deuses – pois entrariam em 
contato com o estrangeiro, com o navegante e com o 
comerciante. Personagens estes que representavam novas 
crenças, novas idéias e uma carga simbólica significativa para 
o heleno por serem xénoi. Identificamos uma associação 
peculiar que pode nos ajudar a compreender este fenômeno que 
produzia ao mesmo tempo a permanência das noções de 
mancha/ purificação e propiciava o crescimento do território 
cívico e de novas atividades econômicas. 
Em um alábastros coríntio encontra-se um komastés 
dançando para a direita, na face A do vaso; na face B o pintor 
representou a deusa Ártemis alada segurando dois cisnes. Esse 
artefato foi encontrado na cidade-Estado de Caere, fato que 
evidencia os contatos com a cultura etrusca. Este alabastros foi 
classificado como pertencendo ao Estilo Antigo de pintura 
coríntia, cerca de 625-600 a. C. Neste objeto podemos 
constatar três elementos, a saber: o folião – komastés com a 
explicitação do grotesco; Ártemis alada e os cisnes. Vamos, 
então, elaborar uma possível leitura para a mensagem com a 
qual o pintor teria se inspirado ao produzir o desenho no vaso. 
 
 
 
 
 
 
 
33 
 
Representação de Komastés e motivos florais (3) 
 
 
 
Representação de Ártemis alada, cisnes e motivos florais 
 
 
 
 
O komastés encontra-se ladeado, ou melhor, abrigado 
pelas asas de Ártemis e pelas penas dos rabos dos dois cisnes. 
A mão esquerda do dançarino está sobre o seu estômago e a da 
direita em suas nádegas. Há aqui o enfoque no ventre e no 
baixo corporal. A própria barba do komastés parece ter sido 
‘exagerada’ propositadamente pelo pintor, com o intuito de 
criar uma barba fálica. Neste alábastros os ritos de fertilidade, 
 
 
34 
 
de fecundidade e de descobertas de novos espaços são 
reforçados com a presença de Ártemis alada. 
Ártemis, como lembra Jean-Pierre Vernant, é a Senhora 
das feras, a agreste e ao mesmo tempo a instrutora, 
fundamental para a prática da caça (VERNANT, 1991, 109). 
Além das montanhas, Ártemis estende seus domínios nos 
pântanos e nas “zonas costeiras onde, entre terra e água, a 
fronteira é indecisa.” (VERNANT, 1991, 112) Ela é a 
divindade curótrofa por excelência, cuida das crianças e dos 
filhotes, ou seja, nutri seres humanos e animais. Ártemis não 
representa somente a selvageria, ela consegue transitar entre as 
esferas da selvageria e da cultura. O cisne tem como habitat o 
lago e o pântano, ele vive em grupo (ARISTÓTELES, História 
dos Animais, VIII, 12 [597 b]), contudo, os cisnes são pássaros 
suscetíveis de se devorarem (ARISTÓTELES, História dos 
Animais, IX, 1 [609 b-610 a]), desta maneira fica marcada uma 
característica bastante selvagem destes animais. Eles se 
defendem das águias e à proximidade da morte, entoam um 
canto lamentoso (ARISTÓTELES. História dos Animais, IX, 
12 [615 a]; ESOPO. Fábulas, 174). A partir da caracterização 
feita por Aristóteles, verificamos que os cisnes, da mesma 
forma que Ártemis, transitam entre a cultura (vida em grupo) e 
a selvageria (bestial/devoradores). Os cisnes também marcam 
os espaços limítrofes – lagos e pântanos. Édouard Will aponta 
que foram encontrados em outros artefatos coríntios (relevos e 
placas votivas) a representação de Ártemis ‘alada’ (WILL, 
1955, 213-214). Ao representar Ártemis alada, o pintor conota 
mensagens relativas à vitória, e ao ato de transitar além dos 
espaços conhecidos. Os motivos florais nos remetem aos 
perfumes/ odores e à presença do invisível. Portanto, 
significados que estão de acordo com a conjuntura aqui 
analisada. 
A partir da análise deste artefato podemos levantar as 
seguintes questões: quais são as possíveis espacialidades nas 
 
 
35 
 
cenas representadas? Podemos perceber associações entre 
deuses/ entidades nas cenas? 
Bom, respondendo ao nosso primeiro questionamento, 
acreditamos que estas imagens nos permitem perceber várias 
espacialidades justapostas. Interpretamos este artefato por 
meio de noções sobre espaço trabalhadas por alguns 
pensadores. Henry Lefebvre, Michel Foucault, Edward Soja e 
Marc Augé nos ajudaram a melhor compreender a justaposição 
de espaços e de experiências vividas nestes lugares. Desta 
forma identificamos espaços concretos e abstratos coabitando 
em um mesmo lugar. O campo e o espaço rural foram 
pincelados por meio da representação do folião – o komastés. 
A passagem por limites e margens, sem esquecer, 
evidentemente, do espaço relativo ao sagrado valorizados com 
a presença da deusa. A experiência selvagem foi acentuada 
com a representação dos animais – os cisnes. Sacralidade, 
fecundidade e a passagem de fronteiras se encontraram de 
forma harmoniosa no alábastros que sairia de Corinto para a 
Etrúria. 
Sobre a segundaquestão detectamos a associação 
Dionisos – Ártemis. Divindades que transpassam limites e 
espaços. Elas são encontradas tanto na chóra quanto na ásty, 
presentes em bosques, espaços fronteiriços e também no 
centro, no meio da vida pública. Agora recorreremos aos 
relatos míticos das duas divindades que circulavam na região 
do Istmo. Tais relatos irão nos auxiliar a melhor compreender 
os signos representados no vaso, bem como identificar as 
principais características dos cultos dionisíaco e da deusa da 
caça. Reforçaremos neste trabalho que tais cultos praticados 
em certos espaços permitem aflorar as alteridades, ou seja, o 
reconhecimento do Outro, sem a perda de identidade. 
 O elo que une os dois deuses na região de Corinto é a 
pratica da caça e o mito de Actéon. Na versão beócia e 
assimilada na Ática (EURÍPIDES. As Bacantes, v. 1291), 
Actéon provoca a ira da deusa da caça Ártemis ao vê-la 
 
 
36 
 
banhar-se no bosque sagrado. A divindade faz com que o herói 
pereça sendo devorado por cães. Na versão coríntia, por meio 
do relato de Plutarco, Actéon é um jovem vigoroso e valoroso 
(PLUTARCO. Histórias de Amor, II [773d-f]). Ele desperta a 
paixão entre os homens e um deles, Archías, numa procissão 
com uma multidão/ turba vai à casa do jovem caçador e tenta 
seduzi-lo (Actéon – erômenos/ amado – de Archías – erastés, 
áristos coríntio que pertencia ao génos dos Heráclidas). Tanto 
Actéon quanto os seus familiares e amigos não aceitam o 
cortejo amoroso de Archías. O desfecho da história é 
dramático: Actéon sucumbe na disputa. O pai de Actéon – 
Mélissos – clama por justiça levando o corpo de seu filho à 
agorá da cidade, mas recebe em troca somente as lástimas dos 
coríntios. Durante os Jogos, no Istmo, Mélissos sobe ao templo 
de Poseidon e invectiva contra os Baquíades. Após invocar os 
deuses, ele se precipita sobre os rochedos. Depois deste 
episódio, a seca e a peste abatem a região de Corinto. Para 
aplacar a cólera de Poseidon e vingar a morte de Actéon, 
Archías decide deixar Corinto, com uma comitiva, rumo à 
Sicília onde funda Siracusa. O aristocrata tornou-se um míasma 
(pessoa manchada por um homicídio) em sua cidade, 
contaminando a comunidade. Desta forma, uma das opções 
seria a sua retirada para purificar a mancha que produzira. 
 É interessante notar que Plutarco ambienta seu relato na 
aldeia (kóme) de Mélissos, no espaço rural de Corinto 
(Korinthíon chóras). Além disso, o relato traça a interligação 
de espaços. Da aldeia no espaço rural, o relato segue para 
agorá e depois para o santuário de Poseidon no Istmo. 
Eurípides, o tragediógrafo ateniense, em sua peça As bacantes, 
também indica os diferentes espaços percorridos pelas 
mulheres delirantes de Tebas. Em um kômos, Agave, possuída 
pela manía dionisíaca, volta das montanhas segurando a cabeça 
de seu filho dilacerado (EURÍPIDES. As Bacantes, vv. 1165-
1175). As backaí percorrem a chôra e a ásty em um vai e vem 
 
 
37 
 
que reforça a interdependência entre o campo e o centro 
urbano. Caça, kômos, experiências de êxtase circulam por 
espaços distintos na pólis e podem se encontrar, ou melhor, 
podem se justapor em um mesmo lugar. O caminho percorrido 
pelas mênades pode ser comparado ao das ‘meninas ursas’ da 
região da Ática. Elas vão como meninas para o santuário de 
Ártemis e voltam como jovens prontas para o casamento, 
reforçando a relação selvageria/ cultura (THEML, 2005). Ao 
costurarmos todos os elementos contidos nas cenas do 
alábastros, bem como nos relatos de Plutarco e de Eurípides, 
fica explícita a diversidade de experiências acumuladas nestes 
espaços. Uma determinada manifestação em uma 
espacialidade cria laços, permite o reconhecimento dos limites 
e das margens, além de aflorar o contato com o Outro ou com o 
novo. 
 Seguindo nesta etapa outras pistas iremos voltar nosso 
olhar para o relato de Pausânias sobre Corinto e o Istmo. O 
viajante identificou na agorá duas estátuas de Dionisos e uma 
de Ártemis (4). A praça é um lugar privilegiado no centro 
urbano. Ela mescla em um só espaço as esferas religiosa, 
política e comercial (COULET, 1996, 56-58). A agorá pode 
ser compreendida por meio da expressão és mésos, estudada 
por Marcel Detienne (1965). Tal termo dá a idéia de 
centralidade, de esfera, de espaço comum/ público e de 
reciprocidade. Dionisos, presente na agorá, aparece também no 
santuário de Deméter e Koré, situado na encosta norte da 
Acrocorinto. Nancy Bookidis e Richard Stroud encontraram 
vestígios de artefatos dedicados à divindade do êxtase e do 
vinho no témenos do santuário (1987, 27). Saindo da área da 
ásty, Pausânias relata que na estrada direcionada ao porto de 
Kenchreai – voltado para o Oriente – existia um santuário e um 
xoanon dedicados à Ártemis (PAUSÂNIAS. Descrição da 
Grécia, II, 2, 3). Deusa das fronteiras e das margens, Ártemis 
aparece em Corinto tanto no centro da ásty, bem como nos 
limites. Ela irá intermediar as relações em um espaço 
 
 
38 
 
privilegiado da diferença: o porto. O porto, por sua vez, liga-se 
a um outro espaço repleto de experiências, de representações e 
bastante simbólico: o mar, no qual Dionisos também circula. 
 Dionisos e Ártemis transitam por diversas espacialidades, 
na agorá e nas montanhas, por exemplo, eles estão juntos 
(VIAN, 2003, 515). Os coríntios e estrangeiros de passagem 
pela região do Istmo e de Corinto iriam ter contato com duas 
potências divinas impregnadas pelas idéias do contato, do 
selvagem, do contágio e da epifania. Dionisos – Ártemis 
simboliza uma associação peculiar. As duas divindades evocam 
experiências múltiplas praticadas em espaços distintos, opostos 
e complementares (centro, periferia, urbano, rural). O contato 
com tais divindades proporcionaria a passagem por estes 
espaços sem provocar um desequilíbrio na ordem cívica. Ao 
mesmo tempo, os ritos dedicados a elas afloram a presença do 
Outro, do Estrangeiro, do Selvagem e do Cidadão. 
 
NOTAS 
(1) A noção de heterotopia, forjada por Michel Foucault, possibilita 
identificarmos a sobreposição em um mesmo lugar real diversos espaços, 
diversas espacialidades concretas e abstratas/ simbólicas e as práticas 
sociais conectadas a elas (FOUCAULT, 1986, 25; SOJA, 1993, 25). 
Seguindo Foucault e Henry Lefebvre, Edward Soja enxerga a possibilidade 
de criação de um terceiro espaço, ou seja, do Outro: o conhecido e o 
desconhecido, as experiências vividas reais e imaginárias, as emoções, os 
eventos, as escolhas políticas que perpassam questões entre centro e 
periferia, abstrato e concreto, etc Este terceiro espaço abre a possibilidade 
ao Outro: a uma rede complexa simbólica, ao clandestino, ao underground 
(SOJA, 1996, 67). 
(2) O díolkos era uma passagem terrestre, no Istmo, pela qual as 
embarcações podiam passar do Golfo Sarônico para o de Corinto. Os 
arqueólogos atestaram que o díolkos foi edificado durante a tirania de 
Períandros, cerca de 600 a. C. (SALMON, 1997, 37). 
(3) Alábastros coríntio encontrado em Caere (Etrúria). Musée du Louvre – 
E 588 (PAYNE, 1931, no. 382, 285). Early Corinthian Vases, ca. 625-600 
a. C. 
 
 
39 
 
(4) Ártemis Ephésia e xoana de Dionisos – Lysios e Baccheios 
(PAUSÂNIAS. Descrição da Grécia, II, 2, 6-7). Os xoana foram feitos da 
madeira da árvore que Penteu escalou (WILL, 1955, 212). 
 
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41 
 
 
O MAR E OS PESCADORES: DEUSES, MEDOS E 
AMBIVALÊNCIAS 
 
Ana Lívia Bomfim Vieira 
(UEMA) 
 
Resumo: O mar sempre provocou medo e atração e essa ambivalência 
"contaminou" aqueles que viviam de suas águas, como os pescadores. 
Pensando nos deuses ligados a pesca podemos identificar esta ambivalência 
e compreender um pouco mais o status social deste grupo. 
Palavras-chave: Mar, Deuses, Pescadores 
 
Résumé: La mer a toujours provoqué la peur et l'attraction e cette 
ambivalence a "contaminé" ceux qui vivaient de ses eux, comme les 
pêcheurs. En pensant aux dieux liés à la pêche nous pouvons identifier cette 
ambivalence et comprendre un peu plus le statut social de ce groupe. 
Mots-Clés: La Mer, Dieux, Pêcheurs 
 
Desde Homero que o mar é o lugar dos heróis, o percurso a 
ser desbravado com coragem, astúcia e ajuda dos deuses. Contudo, 
isto não quer dizer que o medo não estivesse presente. Os gregos 
sabiam o que um naufrágio representava. Ulysses já temia as 
tempestades e as mudanças que elas traziam para a cor das águas. 
Mesmo que o mar tenha estado sempre próximo, ele permanecia um 
elemento ambivalente, portanto, perigoso. 
A imagem do mar, irregular, flexível, ora amigável, ora 
tenebroso carregava um caráter negativo que poderia envolver o 
corpo social. A ambivalência do mar poderia contaminar os cidadão. 
Este não seriam mais justos e retos e sim, ardilosos (PLATÃO. As 
leis: IV, 705a-b). Essa idéia acaba, inclusive, contaminando a 
vizinhança e os povos do mar, como nos caso dos pescadores, por 
exemplo. Apresentar o Panteon dedicado à atividade da pesca, 
portanto, nos permite pensar e compreender melhor o lugar social 
ocupado pelos pescadores na pólis dos atenienses em particular, mas 
também a ambivalência ligada às atividades marinhas em geral. 
As divindades honradas por pescadores, neste caso, aquelas 
que não possuem um vínculo evidente com o mundo marinho, são 
 
 
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muito parecidas com eles. Todas possuem aspectos dúbios ao 
primeiro olhar. 
Optamos por ordenar estas divindades primeiro por sexo, 
começando por Ártemis a única feminina deste grupo. Em seguida, 
trabalharemos com as divindades masculinas ordenadas por espaço 
(Hermes, Pan e Príapo que, assim como Ártemis, não são associados 
imediatamente ao elemento marinho) Deixaremos de fora Glauco, 
pela especificidade de seu caso (1). 
Filha de Zeus e Leto, irmã gêmea de Apolo, Ártemis é 
também a deusa da caça. É a protetora e guardiã de todas as espécies 
de animais, mas também daqueles que os persegue, o caçador 
(XENOFONTE. Da caça: V, 34) Seus domínios mais conhecidos 
são os bosques, florestas e montanhas, mas não só. Eles se estendem 
desde as fontes e riachos até o mar. 
Se Ártemis era a deusa de todos os animais e de seus 
caçadores e se seus domínios incluíam também as águas, nada mais 
justo que essa deusa fosse adorada também pelos pescadores 
(ATENEU. Os Deipnosofista: VII, 325a 
A deusa Ártemis tinha o direito aos primeiros peixes e 
mesmo quando a pesca não tinha sido boa a regra era respeitada. 
Sendo a deusa da caça, ela agia como guia para os pescadores 
(SÉCHAN e LÉVÊQUE. 1966: 356) mas sem se desviar da sua 
atuação na proteção dos animais e do seu poder fertilizante do qual 
se beneficiavam os pescadores. 
Se observarmos atentamente, Ártemis ocupa um lugar 
aparentemente contraditório. Ela olha e guarda, ao mesmo tempo, 
caça e caçador. Os locais sagrados são ao mesmo tempo locais de 
caça, atividade limítrofe entre civilizada e selvagem. Mas são 
também limítrofes estes locais. A costa, a orla, nem mar, nem terra; 
as terras alagadas onde não encontramos nem a secura nem a 
umidade completa (VERNANT 1988: 18). Mas encontramos 
Ártemis. São estes os locais onde são edificados seus templos e onde 
pescadores vão lhe render homenagem. 
A deusa caçadora é ela também ambivalente, protege e pune, 
autoriza e proíbe. Mas, com esta ambivalência a deusa é a grande 
reguladora da fronteira entre a cultura e o selvagem, já que sabemos 
que o pescador transitava entre estes dois espaços. Portanto, Ártemis 
está presente neste grupo, e era adorada, tanto pelo seu atributo 
 
 
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‘caçador’, como pelo seu poder de regular os espaços proibidos 
evitando, assim, que o pescador ultrapassasse os limites permitidos 
atraindo, com isso, a contaminação social. Podemos imaginar o quão 
significativa seria para os atenienses a imagem de Actéon, por 
exemplo, punido com a morte pela deusa por ter desrespeitado o seu 
espaço sagrado. Possivelmente, era uma imagem forte o suficiente 
para garantir o cuidado de pescadores com os rituais à deusa e 
atenção para que, neste lugar de trânsito em que eles se encontravam, 
os limites não fossem esgarçados de tal forma que o retorno à ordem 
e a cultura se tornassem impossíveis. Um outro aspecto de Ártemis, 
mencionado por Vernant, nos faz refletir sobre a sua aproximação 
dos pescadores. 
Ártemis, assim como Dionísos, era considerada uma 
divindade estrangeira, Cítia. E os tauros cítios eram conhecidos pelo 
total desconhecimento das regras de hospitalidade, logo, os 
estrangeiros eram capturados e degolados em nome da deusa. A 
deusa, portanto, como seus adoradores, representava o recluso, 
àquele que se coloca em um lugar de recusa ao contato do outro 
(EURÍPEDES. Ifigênia em Aulis: .402, 1388). Podemos entender 
essa reclusão também como social e ela se parece bastante àquela 
vivida por pescadores. 
Mas assim como a deusa é assimilada pelos gregos e passa a 
cuidar para que os perigos da liminaridade não venham à tona, os 
pescadores, ao realizarem seus ritos, se re-inserem no espaço do 
civilizado. 
Limites, fronteiras, margens. Associadas à caça, são estas as 
características que fazem de Ártemis uma deusa adorada por 
pescadores. Mais do

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