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Enchente de Clichê 
Wladir Dupont 
A chuva foi a responsável pelas enchentes. O homem morreu em função de uma queda 
no banheiro. O bairro ganhou um novo jardim. Se vivo estivesse, faria hoje 60 anos. A verba 
pública foi descontigenciada e disponibilizada para... 
Os exemplos do parágrafo anterior, do uso do idioma com predominância de clichês e 
lugares-comuns, aparecem todos os dias nos jornais, na internet, são vistos e ouvidos na TV e 
no rádio. Jornalistas, relações públicas, artistas, publicitários, governantes e funcionários 
públicos escrevem e falam essas bobagens sem nenhum constrangimento, não poucas vezes com 
empáfia e arrogância. Perguntam se essas expressões seriam erradas gramaticalmente. Se não é 
exagerada tanta exigência sutil no manejo cotidiano do idioma. 
O problema aqui não é incorreção gramatical; é o gosto duvidoso, pobreza de estilo e 
sobretudo falta de leitura de bons autores - ou na própria imprensa ou, melhor ainda, na 
literatura nacional. 
Então agora a chuva, um fenômeno da natureza, pensa, raciocina, planeja? Seria de fato 
responsável, tem culpa pelos estragos que causa? Por que não escrever ou dizer, pura e 
simplesmente, que a chuva provocou as enchentes? 
É só ler o noticiário sobre a cidade para encontrar as pérolas de costume quando o tema 
é alguma inauguração: o bairro, a comunidade, a rua ganharam um jardim, uma praça, uma 
fonte. Por que não dizer que a região ou lugar tem agora um novo espaço para lazer e descanso? 
Faria 60 anos. Como é mesmo? Morreu em função de quê? Ora, as pessoas morrem de 
doença, acidentes, homicídios, desastres. Caiu na banheira, bateu com a cabeça e morreu. E se 
vivo estivesse... mas não está, portanto escrever que faria hoje 60 anos não tem sentido nem 
lógica, é bobagem mesmo. 
Os mais recentes exemplos dessa cadeia de besteiras pomposas são os termos 
"contingenciar" e "disponibilizar". E a coisa piora ainda mais quando, no meio deles, brilha, 
impávido, o espantoso "descontigenciar". 
Por que complicar a vida do leitor comum, pouco familiarizado com essa linguagem 
burocrática, técnico-administrativa? Por que não escrever que a verba já foi liberada e destinada 
a tal departamento e agora está disponível... 
Na ânsia de parecer culta, muita gente teme que escrever de forma simples e direta, 
com correção, demonstre falta de maiores recursos lingüísticos e por isso apela, num trato 
equivocado do idioma, para escolhas léxicas pedantes e construções sintáticas obscuras. Em 
função disso (olha aí o diabo do clichezão!), escrevem e falam mal. 
(In: http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11400)

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