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11 TÓPICO 2 NOÇÕES DE ARTE E CULTURA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Podemos entender cultura como o cultivo da mente humana e as práticas que dela advêm. Estas estão ligadas à sociedade em que se insere e sua história. O termo culturas, no plural, refere-se ao fato de que em diferentes espaços os indivíduos desenvolvem culturas singulares, o que as distingue das demais. Dessa forma, a identidade de cada indivíduo se desenvolve em relação à cultura a que está exposto e às suas experiências particulares. A literatura, bem como outras artes, está implicada pela cultura e esta é capaz de criar mundos, no plural. Ao falar de arte não há como dissociá-la da cultura na qual ela nasce. Porém, a cultura não é estática, visto que, com o tempo mudam-se os valores, os costumes, a maneira que cada sociedade tem de ver o mundo e de organizar a vida. Assim também a arte há de renovar-se constantemente e, apesar de nascida dentro de cultura específica, que por sua vez dialoga com outras culturas, é produto do pensamento do artista, que tem uma identidade própria, tornando cada obra de arte singular. A arte representa a sociedade e a cultura, expressa maneiras de contemplar o mundo, mas o recria de acordo com a forma de expressar de seu criador. A arte, antes de tudo, está ligada à estética, à contemplação, mas muitas vezes mostra-se crítica, subversiva e desafiadora, trazendo-nos o desafio nem sempre tranquilo de ver e pensar além. 2 A ARTE "A ciência descreve as coisas como são; a arte como são sentidas, como se sente que são". Fernando Pessoa A palavra arte deriva do latim ars ou artis, que significa maneira de ser ou de agir, habilidade. Na cultura greco-romana possuía o sentido de ofício. Nesse aspecto, a arte está ligada ao fazer, construir manualmente. A ela também se atribui o sentido de conhecimento, visão ou contemplação. Nesse sentido, não se coloca como arte apenas o aspecto exterior, mas um sentido próprio de visão da realidade. UNIDADE 1 | LITERATURA: QUE ARTE É ESSA? 12 Compreende-se, assim, a arte como o espaço de fazer, de conceber o conhecimento e produzir uma visão possível, mas não única. Valores estéticos, criação e atividades humanas estão implicados em determinados períodos históricos, diferentes culturas sociais ou mesmo interpretações individuais. Se, por um lado pode parecer difícil dar uma explicação incontestável sobre o que é arte, por outro, se nos pedem para dar exemplos de artistas ou obras artísticas, certamente lembraremos alguns itens que de maneira geral compreendem-se como tal: o romance Dom Quixote de Cervantes, as pinturas Mona Lisa de Leonardo da Vinci ou Abaporu de Tarsila do Amaral etc. Explicar o porquê essas obras são arte é mais complexo. Podemos entender por arte manifestações da atividade humana que nos trazem sentimentos de admiração, reflexão da realidade etc. Podemos dizer, ainda, que a interpretação da arte consiste no entendimento do que é belo, do que nos faz ver novas perspectivas da realidade. Nesse aspecto, perceber a arte seria mais interessante que a definir. No entanto, a própria arte e seus artistas podem trazer desafios a esse entendimento e aí voltamos à pergunta: Isso é arte?! Jorge Coli (1995) exemplifica um desses desafios ao mencionar Marcel Duchamp, que leva à exposição um mictório igual a tantos outros, sem nenhuma mudança estética, levando apenas sua assinatura. Seria essa uma crítica à arte que aceita como tal quaisquer criações existentes sob a assinatura de um artista já consagrado? FIGURA 1 - MICTÓRIO FONTE: Marcel Duchamp (1917) TÓPICO 2 | NOÇÕES DE ARTE E CULTURA 13 O artista faz o mesmo com outros objetos do cotidiano, como rodas de bicicleta ou garrafas, incitando o público a pensar que um objeto é artístico simplesmente porque deslocado de seu ambiente cotidiano para um espaço destinado às obras de arte e aceito como tal. O que poderia ser compreendido como uma crítica daquilo que se considera cultura ou um questionamento de valores continua exposto como arte. Sob esse viés, podemos interpretar que a atitude dos “detentores da dita alta cultura” estariam tão submissos quanto os consumidores comuns de determinada marca de roupa ou calçado, atribuindo-lhes um valor agregado pelo seu nome? Algo que já não se pode mais ser questionado? Por outro lado, tal objeto, convertido em peça de museu, torna-se peça de contemplação e provoca sentimentos específicos. Estaria aí seu estatuto de arte? Ou antiarte, que ganha outros adeptos? Assim como a valorização de textos, pinturas, músicas etc., dá-se pelas condições de recepção da arte, existem as condições culturais, estéticas específicas de um dado espaço institucional ou social etc. Dessa forma, não conseguimos aqui definir um conceito unânime do que vem a ser arte. Se Mona Lisa é uma arte maior que Duchamp ou não. Estes são conceitos movediços e cada um tem seu espaço próprio. Adorno (1997) explica que a arte em si não tem utilidade, logo não se pode comparar com um utensílio. Ela não pode ter uma finalidade, pois é já uma finalidade em si mesma. Só objetos são definidos não pelo que são, mas para o que servem. A arte seria o espaço da liberdade, não visa a nada além de si mesma. O autor ressalta, ainda, que o valor de comércio de dada arte não tem relação com o valor estético, visto que o valor de uma obra de arte é inestimável. Tampouco saber se um artista ganha muito dinheiro corresponde ao valor de sua arte e sim a um valor de mercado. Sobre isso, Pierre Bourdieu, em “A Produção da Crença” (2004), menciona que a arte tem um capital simbólico, ou seja, o valor que se atribui em termos de cultura ao detentor de uma obra; um valor social, que permite ao possuidor e consumidor de determinadas obras circular em determinados meios sociais, e o capital material, medido em dinheiro, vale mais que aquele que possui trabalhos mais valorizados pela crítica, sendo que os nomes dos autores ou obras funcionam mesmo como uma grife. Daí possamos talvez inferir que o exemplo do mictório de Marcel Duchamp foi retirado da sua condição de objeto e não tem mais serventia, resta-lhe o papel de arte, acentuado pela assinatura (marca) do artista. Parece-nos bastante complexa essa discussão, não? Mas temos até aqui uma boa reflexão a fazer. UNIDADE 1 | LITERATURA: QUE ARTE É ESSA? 14 3 A CULTURA A cultura é a própria identidade nascida na história, que ao mesmo tempo nos singulariza e nos torna eternos. É índice e reconhecimento da diversidade. Campomori A palavra cultura surge no século XV com o entendimento de cultivo da terra, daí o fato de hoje usarmos palavras como agricultura, floricultura, suinocultura etc. No século XVI, cultura passa a referir-se também ao cultivo da mente humana, afirmando-se que somente alguns indivíduos, classes ou grupos sociais têm mentes e maneiras cultivadas e que somente alguns possuem nível elevado de cultura e civilização. Já a palavra culturas, no plural, refere-se a diferentes modos de vida, valores e significados compartilhados por grupos distintos. A cultura está intrinsecamente ligada à comunicação humana, ao uso de linguagens, visto que o homem vive em comunidade e é preciso que exista uma língua e uma cultura semelhantes para que possam interagir. As diferentes linguagens é que distinguem uma sociedade das demais. É através da linguagem que o homem consegue acumular os conhecimentos e transmiti-los às próximas gerações. Essa linguagem, por sua vez, está em constante mutação, porque está relacionada com as atividades sociais e se adéqua às necessidades que vão surgindo. Está ligada à forma de enxergar o mundo, de encarar as dificuldades e as alegrias. A cultura é que determina os hábitos particulares de um povo. Nesse sentido, não há, como muitas vezes ouvimos, povo sem cultura. O que há são culturas mais ou menos valorizadas em determinados espaços sociais. É através da literatura como elemento cultural que se desfaz a ideologia de homem comoobjeto, instrumento para funcionalidades práticas, para dar espaço ao homem como momento do espírito humano, como ser cultural. É a percepção do homem por si mesmo. A literatura trabalha para o desenvolvimento de conceitos interiores, do espírito humano, para os estímulos artísticos. É através do conhecimento da literatura e de outras artes que compreendemos tanto a nossa cultura quanto nos tornamos mais sensíveis às culturas alheias. Por meio da literatura compreendemos a visão de sociedade de outras épocas e de outros povos. É por meio da literatura que nos detemos por mais tempo a contemplar uma obra e a pensar nas culturas nela descritas ou expostas. A literatura é uma das artes capazes de mostrar e estudar a cultura de um povo, ou mesmo a construção de dadas culturas. Mesmo que talvez o conceito mais comum sobre literatura esteja ligado à arte por ela mesma, também encontramos várias outras funções da literatura. Sobre isso, trataremos no próximo tópico. TÓPICO 2 | NOÇÕES DE ARTE E CULTURA 15 DICAS SUGESTÃO DE FILME: O SORRISO de Mona Lisa. Direção de Mike Newell. Produção de Revolution Studios e Columbia Pictures. 2003. O filme é protagonizado por Julia Roberts, no papel de Katherine Watson, uma professora de História da Arte muito empolgada por conseguir uma vaga para lecionar em Wellesley. Porém, logo percebe o tamanho do desafio que teria de enfrentar. Na primeira aula, ao fazer uma introdução da história da arte, conforme foi passando slides com obras, suas alunas sabiam o nome de todas elas, de quando datavam e já tinham até as suas interpretações. O que deixa a protagonista meio sem chão. Isso porque tinham lido todo o livro destinado à disciplina, talvez justamente para pôr a nova professora numa saia justa. Daí por diante, Katherine muda a estratégia e desafia suas alunas a interpretar outras obras de arte, que não aquelas previstas no livro didático, instiga as estudantes a construírem seus entendimentos. A arte que se estuda institucionalmente costuma ser arte conforme os critérios de quem? Mas aí entra em jogo o papel da direção da escola que questiona os métodos da professora por priorizar o ensino de obras “clássicas”. Além do conceito de arte, o filme abrange também questões culturais, especialmente sobre a vida e o papel social das mulheres nos anos 50. O que esperar delas? É um drama que vale a pena você conhecer e que certamente conseguirá fazer um link com o que estamos estudando sobre arte e cultura. 16 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A arte é amplamente entendida como representação estética, singular da realidade e da criatividade humana. Está ligada a períodos históricos e às sociedades em que se insere, mas é produto do fazer/da atividade humana e como tal cada obra será singular, produto de uma mente individual. Não conseguimos ter uma definição fechada do que vem a ser arte, de maneira que se torna mais fácil identificá-la do que a definir. • Como vimos com o exemplo de Marcel Duchamp, corre-se o risco de o produto confundir-se com a assinatura de um artista consagrado, de forma a identificar quaisquer objetos como arte. É dessa forma que o conceito de arte se confunde com o conceito de grife/marca. • Por cultura compreendemos o fazer humano, suas práticas em relação à sociedade em que se insere. Diferentes culturas representam diferentes realidades e formas de ver o mundo, e a arte é a expressão da cultura, porém reconstruída sob a ótica particular do artista. 17 1 O conceito de arte está ligado ao trabalho humano que provoca admiração, seja por sua beleza ou criatividade. Há uma corrente que defende que, apesar de ser fruto do trabalho humano, a arte tem uma finalidade em si mesma enquanto objeto artístico e, portanto, não pode comparar-se a um utensílio. Não há uma definição conclusiva sobre o que é arte, logo a mesma está sujeita às condições de aceitação da crítica e do público. Observamos que, às vezes, o nome do artista ganha renome e logo tudo que venha da ação dele acaba sendo considerado arte, ou seja, acontece com a arte o mesmo que acontece com quaisquer produtos de consumo em massa: a marca do sabão em pó, da calça jeans, do tênis etc. Dessa forma, muitas vezes, o nome do artista ou o espaço em que se localiza determinado objeto simplesmente acaba por defini-lo como arte, mas essa é uma questão que gera muita discussão. Sobre isso, assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para cada uma das alternativas a seguir. ( ) Qualquer objeto deslocado do seu espaço original para um espaço artístico torna-se arte e ninguém discute isso. ( ) Segundo o que estudamos, a arte, assim como a roupa ou outros produtos, estão sujeitos a ter no nome do seu autor um efeito de marca, grife. ( ) Para Adorno, a arte em si não tem utilidade, logo não se pode comparar com um utensílio. ( ) Geralmente um objeto é determinado como arte por um grupo de pessoas que o aceitam como tal, mas não é possível dar um conceito fechado sobre o que é ou não é arte. A sequência correta é: a) ( ) V,V,V,V b) ( ) F,F,F,F c) ( ) F,V,F,V d) ( ) F,V,V,V AUTOATIVIDADE
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