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Indice
Sumário
Introdução
Para início de conversa
1 A Bíblia é “luz” para nosso caminhar
2 Bíblia, um volume com muitos livros
Bíblia significa livros
3 A Bíblia é como uma colcha de retalhos
4 Algumas diferenças entre o Primeiro e o Segundo
Testamentos
5 Livros canônicos
6 Autoria dos livros da Bíblia
7 Bíblia, Palavra de Deus na palavra humana
8 Há erros na Bíblia?
9 Historicidade dos fatos
10 Linguagem bíblica
11 Traduções da Bíblia
12 Citações da Bíblia
13 Universalidade da revelação
14 A Bíblia, uma obra em mutirão
15 Onde viveu o povo da Bíblia
16 Distintas épocas estão por trás da Bíblia
17 História da redação dos livros da Bíblia
Conclusão
Para orar e aprofundar
Sugestão de leitura
Uma introdução à Bíblia
PORTA DE ENTRADA
Volume 1
lido Bohn Gass (Org.)
Digitalizado por: Jolosa
 
PAULUS
2012
Centro de Estudos Bíblicos - CEBI 
A Serviço da leitura libertadora da Bíblia
Certo dia, nos anos sessenta, numa comunidade pobre no
interior do Brasil, um estudioso da Bíblia explicava a lei
bíblica que proíbe comer carne de porco (livro do Levítico,
capítulo 11, versículo 7 e livro do Deuteronômio, capítulo
14, versículo 8). Dizia que esta lei nasceu no deserto. No
calor forte e sem condições de obter o sal, a carne de
porco estragava, e o povo que a comesse naquela situação
poderia morrer. Esta lei visava defender a vida da
comunidade.
Escutando isso, uma pessoa ali presente disse: “Então hoje,
com essa mesma lei, Deus nos manda comer carne de
porco!”. Diante do assombro causado por esta conclusão, o
agricultor, com as mãos calejadas e com o rosto queimado
pelos muitos anos de luta pela vida, explicou: “Hoje a única
carne que nós temos para nós e nossos filhos são os
porquinhos que nós mesmos criamos. Se aquela lei era para
defender a vida da comunidade, então, para defender a
vida de nossas crianças e de nossa comunidade hoje, Deus
nos manda comer carne de porco!”.
Assim surgia diante dos olhos daquele biblista um novo
jeito de ler a Bíblia. Ele havia chegado às suas conclusões
estudando geografia, história e métodos científicos para
interpretar as Escrituras. Mas aquele homem simples, a
partir da realidade dura e pobre em que vivia e da sua luta
em defesa da vida de sua gente, fez uma interpretação
muito mais profunda do texto. Descobriu o Espírito de Deus
por trás daquelas palavras antigas e, ao mesmo tempo,
trouxe este Espírito, a defesa da vida, para o momento
presente e para sua situação concreta. Dessa experiência
nasceu um novo método de leitura da Bíblia. A leitura a
partir da realidade e em defesa da vida, que ficou
conhecido como a “Leitura Popular da Bíblia”.
Para divulgar, aprimorar e capacitar pessoas no uso desse
método, foi fundado em 1979 o Centro de Estudos Bíblicos
— CEBI. O CEBI é uma associação ecumênica sem fins
lucrativos, formada por mulheres e homens de diversas
denominações cristãs, reunidos pelo propósito de captar e
fortalecer esse jeito de ler a Bíblia, para que junto com
Jesus possamos orar: “Pai, eu te agradeço porque
escondeste essas coisas dos sábios e entendidos e as
revelaste aos pequenos. Sim, Pai, assim foi do teu agrado!”.
(Evangelho de Mateus, capítulo 11, versículo 25).
O CEBI, que em 2009 completou 30 anos, atinge milhares
de grupos e comunidades, ajudando o povo a reapropriar-se
da Bíblia, encontrando nela luz e ânimo para resistir às
dificuldades, lutar por vida mais digna e recuperar a
esperança.
Para alcançar estes objetivos, o CEBI se articula e se
organiza a partir dos municípios e mantém dois programas
em nível nacional. O Programa de Formação promove a
capacitação de lideranças populares, agentes de pastoral e
assessores, desde o nível local até o nacional. Aborda as
seguintes dimensões: 1. “Espiritualidade” - busca na Bíblia
e na vida as motivações que alimentam a fé e a
solidariedade com os excluídos. 2. “Ecumenismo” -
possibilita atitude de abertura, diálogo e respeito para com
o diferente em vista da unidade na pluralidade.
3. “Cidadania” - cria o compromisso com a reconstrução da
dignidade e da esperança nas cidades. 4. “Gênero” —
propõe um novo tipo de relacionamento entre mulheres e
homens. 5. “Estudo” - organiza encontros, cursos e
seminários, além de outras atividades.
Já o Programa de Publicações produz material que
responde às exigências da formação bíblica, quer quanto ao
conteúdo, quer quanto ao método. As publicações querem
partilhar as experiências de leitura bíblica nas bases e
subsidiar os grupos de estudo nos mais diferentes níveis. A
mais conhecida das publicações do CEBI é a revista
bimensal Por Trás da Palavra, que sempre vem
acompanhada por dois estudos bíblicos da série A Palavra
na Vida.
Além destes programas, há o Serviço de Articulação e
Intercâmbio, que visa ajudar na articulação de todos os
grupos que promovem a leitura da Bíblia numa perspectiva
popular e libertadora não só em nível latino-americano,
mas também na África e no Primeiro Mundo.
O CEBI está organizado em todos os Estados do Brasil.
Existe uma articulação em nível de polos regionais. Por sua
vez, cada Estado tem sua coordenação. Além disso, há
subdivisões em cada uma das federações. São as sub-
regiões, setores ou núcleos. Cada uma dessas
instâncias planeja e organiza suas atividades de formação
bíblica:
Maiores informações você poderá buscar junto ao CEBI em
seu Estado ou junto ao CEBI Nacional: Caixa Postal 1051 —
Bairro Scharlau - São Leopoldo/RS - CEP 93121-970 - Fone:
(51) 3568-2560 - Fax: (51) 3568-1113 - E-mail:
cebi@cebi.org.br-http://www.cebi.org.br
http://www.cebi.org.br/
Introdução
Este é o primeiro volume da nova série do CEBI “Uma
Introdução à Bíblia”. É mais uma publicação a serviço da
leitura libertadora da Bíblia. A série completa, além de
questões introdutórias, vai abranger as grandes etapas da
história que deu origem à Bíblia.
Originalmente, o conteúdo desta série foi escrito para o
Curso de Bíblia por Correspondência promovido pelo CEBI.
A Equipe de Formação do CEBI decidiu publicar o conteúdo
do curso em uma nova coleção, porque achou que poderia
ser útil a outras pessoas engajadas no movimento de leitura
popular das Escrituras, uma vez que somente têm acesso
aos cadernos do Curso por Correspondência as pessoas
nele inscritas.
Sempre chamaremos de Primeiro e Segundo Testamentos o
que habitualmente costuma se chamar de Antigo e Novo
Testamentos. O Primeiro corresponde às Escrituras que
nos vêm dos judeus, enquanto o Segundo são os escritos
das comunidades de discípulos e discípulas de Jesus. Por
um lado, é uma atitude de respeito para com o povo
judeu. Por outro, é porque continuamos lendo a Aliança de
Deus com os israelitas como um momento-chave da sua
revelação na história humana e não apenas como algo já
“velho”, já superado, mas sim como algo que tem ainda
muito a nos dizer hoje.
Nesta série, em vez de fazer um estudo dos livros da Bíblia
na ordem em que se encontram, desde o livro do Gênesis
até o Apocalipse, propomos fazer uma caminhada com o
povo da Bíblia através da sua história e, dentro dela, situar
o surgimento dos livros bíblicos. Nossa proposta de leitura
da Bíblia situa os textos das Escrituras dentro do
seu contexto, da sua história. Achamos isso importante,
porque pensamos que a leitura histórica é fundamental
para a correta compreensão da Bíblia e para a escuta da
Palavra de Deus em nosso cotidiano.
Para servir de “Porta de Entrada” ao estudo da Bíblia,
neste volume, você poderá encontrar uma série de questões
introdutórias, como constam no sumário.
Boa leitura!
Para início de conversa
Antes de ler qualquer coisa, comece pensando nestas
perguntas.
1.    Qual a tradução da Bíblia que você mais usa?
2.    Você conhece outras traduções? Quais?
3.    O que a Bíblia significa para você?
4.    Você já encontrou gente que critica a Bíblia? O que é
que essas pessoas criticam? (Lembre algumas coisas que
essas pessoas dizem criticando a Bíblia!)
3. E você, quando lê a Bíblia, quais as perguntas ou
dificuldades principais que tem?
6. Você já deve ter conversadocom pessoas que leem a
Bíblia, mas acham difícil. Quais as coisas que essas pessoas
acham mais difíceis de entender? (Lembre as principais
dificuldades que as pessoas falam!)
1 A Bíblia é “luz” para nosso caminhar
"Tua Palavra é lâmpada para os meus pés e luz para
o meu caminho." (Salmo 119,105)
Desde o nascimento do CEBI, nossa preocupação primeira
não foi aproximar-nos das Escrituras para simplesmente
adquirir mais conhecimentos teóricos. Para isso, já há vasto
material publicado. O que era e continua sendo nossa meta
é ajudar naquilo que a comunidade israelita sintetizou tão
bem no versículo 105 do Salmo 119. Ou seja, nossa
intenção é colaborar com a força do Espírito nesse grande
mutirão que quer tornar realidade ainda hoje o que de fato
significa a Palavra de Deus.
Sim, a leitura da Bíblia quer nos ajudar em nossos dias a
perceber a presença viva de Deus, do seu sonho de vida e
esperança, de paz e solidariedade. Por isso, a Palavra de
Deus é, acima de tudo, como a luz de um farol que indica
o caminho por onde andar. Mas não apenas ilumina. É
também luz que aquece nossa esperança. Nela
encontramos sentido para nossas vidas.
O texto que mais nos tem ajudado a descobrir o papel das
Escrituras na vida das comunidades é a história narrada no
Evangelho segundo Lucas, capítulo 24, versículos 13 a 35.
Aí nos é relatado que Cléofas e talvez-sua mulher Maria
(veja no Evangelho de João, capítulo 19, versículo 25) estão
fugindo de Jerusalém para Emaús, após o assassinato de
Jesus.
Antes de seguir a leitura nesta página, convidamos você a
ler esse trecho na sua Bíblia (Lucas, capítulo 24, versículos
13 a 35).
Responda as perguntas:
As Escrituras iluminam a vida, a
realidade. "Esquentam corações."
A prática da solidariedade faz enxergar Deus
na vida. "Abre os olhos."
Como Jesus faz uso das Escrituras?
Com que finalidade? E suficiente a memória das Escrituras
para devolver a esperança àquele par de discípulos?
Antes de mais nada, convém lembrar que Jesus recorre à
Bíblia para iluminar a realidade de sofrimento, de angústia,
de vida sem perspectivas daquelas duas pessoas. Os
discípulos de Emaús resumem a situação de todas as
comunidades da época. Jesus não quer simplesmente
aumentar a cultura bíblica daquela gente. Mas pretende
transformar sua vida. E de fato consegue. Porém, com o
auxílio das Escrituras, consegue somente em parte, como
eles mesmos reconhecem (leia de novo o versículo 32). A
leitura da Bíblia, embora aqueça o coração, ainda não é
suficiente. Algo falta. E o que de fato abre os olhos é uma
nova prática (veja o versículo 31). O novo jeito de ser
consiste na hospitalidade e na partilha realizadas naquela
comunidade. Ao compartilharem sua casa com o forasteiro
e partilharem sua mesa com ele, só então, estando o
coração já aquecido pelas Escrituras, seus olhos se abrem e
percebem a presença de Jesus em seu meio.
Imediatamente, voltam para a comunidade de Jerusalém e
anunciam a boa-nova da vitória da vida sobre a morte.
Nosso curso quer ser um pouco como a história de Emaús.
Quer esquentar nossos corações, isto é, nos dar esperança,
alimentar nossa mística, nossa espiritualidade. Mas não
basta somente ter esperança. Importa torná-la realidade no
dia-a-dia de nossas vidas, reforçando e estabelecendo
relações de partilha e de solidariedade. O Reino de Deus
já está em nosso meio, mas é preciso que vá se ampliando e
se traduzindo em um novo jeito de conviver, mais humano e
mais fraterno.
Bíblia, vida e comunidade
Costumamos dizer que leitura da Bíblia é como uma mesa.
Essa figura nos traz à mente várias imagens.
"Tudo o que lemos na Bíblia foi escrito para nos
instruir e para manter firme a nossa esperança, com
a força e a coragem que as Escrituras nos dão."
(Carta aos Romanos, capítulo 15, versículo 4)
Um primeiro aspecto é que a mesa está com os pés no
chão. Quando isso não acontece, ela não fica firme e, ao
balançar, pode até derrubar o que está sobre ela. O que
queremos dizer com isso? Para se ler a Bíblia com proveito,
é importante ter os pés bem fincados na nossa vida pessoal,
bem como na vida sofrida do povo. É em função da nossa
vida real que vamos ao texto sagrado. Queremos buscar
luzes, motivações, força, ânimo, enfim, a vontade de
Deus para transformar nossas vidas e a vida nas Igrejas e
na sociedade, a fim de que estas se pareçam um pouco
mais com o Reino de Deus.
Uma segunda imagem que nos vem à mente é que não se
faz a mesa para colocá-la no canto da sala, mas no meio, de
modo que as pessoas possam se postar ao seu redor. A
mesa sugere comunhão, comunidade. Ali se partilham o
pão cotidiano, idéias, lazer, sentimentos. Assim também a
leitura bíblica certamente será mais rica se feita em
comunidade, “ao redor de uma mesa”. Trocam-se idéias,
amplia-se a compreensão do texto a partir de diferentes
contribuições. Há um crescimento mais qualificado que só
é possível em comunidade. A Bíblia teve um longo
processo de formação. Foi um grande mutirão. E, lendo-a
hoje também em mutirão, certamente seus frutos serão
maiores e mais saborosos.
Uma última imagem que aqui queremos evocar é que
raramente se encontra uma mesa sem que haja, pelo
menos, um vaso com flores, uma toalha ou um prato sobre
ela. Queremos dizer com isso que na mesa da comunidade
não pode faltar a Bíblia.
A leitura das Escrituras tem de ser feita com muito respeito
e fidelidade ao texto, com os pés firmes no chão da
realidade e em comunidade. Só assim é que se chega a
escutar a Deus. Pois ele é um Deus que continua se
manifestando para nós, não só através da Bíblia, mas
também através das pessoas e dos acontecimentos de nossa
época. Lida assim, a Bíblia sobre a mesa é como luz que
ilumina e aquece, cujos raios de vida atingem quem está a
seu redor bem como pessoas que estão mais distantes.
Critério principal para ler a Bíblia: defesa e promoção
da vida
Para nós, pessoas cristãs, o critério fundamental, a
principal chave de interpretação para ler as Escrituras é a
pessoa de Jesus Cristo. E ele mesmo resume
magistralmente o princípio que deve sempre nos orientar.
Ele mesmo diz qual é o critério para compreender a Palavra
de Deus presente nas palavras humanas, escritas pelo povo
de Israel. É a história desse povo, feita junto com seu Deus,
que está registrada na Bíblia. O critério central que Jesus
nos fornece é a defesa da vida. Defesa da vida em qualquer
situação em que ela se encontre diminuída, seja na
doença, na exclusão, na pobreza, na própria morte.
Confira essa prática de Jesus, por exemplo, no Evangelho
segundo Marcos, capítulo 3, versículos 1 a 6, ou no
Evangelho de Mateus, capítulo 25, versículos 31 até 46! Ou
ainda no Evangelho segundo João, capítulo 10, versículo
10, onde podemos ler: “Eu vim para que tenham a vida, e a
tenham em abundância”.
A letra do texto, seu sentido literal, é muito importante,
mas importa acima de tudo buscar o seu sentido, o seu
espírito. Assim escreve o apóstolo Paulo em sua Segunda
Carta aos Coríntios, no capítulo 3, versículo 6: “[...] a letra
mata, mas o Espírito é que dá vida”.
Leia agora o Salmo 1 e veja como ele nos coloca diante de
dois projetos, o do justo e o do ímpio!
As Escrituras querem justamente nos mostrar o caminho da
justiça. Na linguagem dos autores do livro do
Deuteronômio, optar entre um caminho e outro é optar
entre a vida e a morte.
Confira em Deuteronômio, capítulo 30, versículos 15a 20!
Leia a Segunda Carta aos Coríntios, capítulo 3, versículos 2
a 3 e 12 a 18, e reflita sobre estas perguntas:
1.    Que quer dizer que a comunidade é “uma carta de
Cristo”?
2.    Que significa que essa carta é escrita “em tábuas de
carne, nos
—
coraçoes r
3.    Sobre a letra da Bíblia tem sempre um véu, quer dizer,
tem sempre alguma coisa obscura que a gente não
compreende. Como esse véu é retirado?
4.    Por que só em Cristo o véu é retirado?
5.    Por que “onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a
liberdade”?
6.    Que quer dizer que “refletimos como num espelho a
glória do Senhor”?
Poderiamos também desenhar esse jeito de lera Bíblia
como um triângulo. O texto está no centro, mas ele só nos
fala como Palavra de Deus se nós o lemos a partir do
contexto da vida donde ele nasceu (a história do povo da
Bíblia) e aonde ele chega (a história do povo de hoje).
Gostamos de falar do triângulo da leitura, ou triângulo da
interpretação, ou ainda triângulo hermenêutico.
“Hermenêutica” é uma palavra que vem da língua grega e
quer dizer simplesmente interpretação.
Realidade da PESSOA
Realidade    Realidade
da COMUNIDADE    da SOCIEDADE
Se estudarmos o texto somente a partir da realidade da
Pessoa, da Comunidade e da Sociedade da época que deu
origem aos escritos bíblicos, então fazemos apenas uma
interpretação do texto em si, isto é, uma exegese.
O processo hermenêutico só estará completo quando
interpretarmos e atualizarmos a mensagem daquela época
para a realidade da Pessoa, da Comunidade e da Sociedade
de hoje. A busca da mensagem do texto para a época em
que foi escrito é importante. Mas essa mensagem iluminará
mais nossa caminhada, na medida em que a atualizarmos
para nossa realidade hoje.
Para você continuar a reflexão
1.    Com que objetivos Jesus recorre às Escrituras?
2.    O que mais, além da Bíblia, é necessário para “abrir os
olhos”?
3.    Explique as razões pelas quais achamos importante
levar em conta a realidade da pessoa, da comunidade, da
sociedade e o texto bíblico na leitura das Escrituras.
4.    Para nós, pessoas cristãs, em que consiste o critério
fundamental para ler a Bíblia?
5.    Quais são suas motivações para aprofundar o estudo
das Escrituras?
6.    Neste primeiro item (“A Bíblia é luz para nosso
caminhar”), o que você achou mais importante? Por quê?
2 Bíblia, um volume com muitos livros
Os 73 livros da “Bíblia Católica”
PRIMEIRO TESTAMENTO
SEGUNDO TESTAMENTO
 
Bíblia significa livros 
A palavra Bíblia é uma palavra grega que está no plural e
significa livros. Embora seja um volume só, a Bíblia contém
muitos livros, é uma coleção de livros. E uma verdadeira
biblioteca. A “Bíblia Católica” contém 73 e a “Bíblia
Evangélica” contém 66 livros.
A Bíblia é uma coleção de livros escritos em épocas
diversas, por autores diferentes e em várias formas de
linguagem.
Diferença entre a Bíblia Evangélica e a Católica
Como você já sabe, a Bíblia se divide em dois grandes
blocos. O Primeiro Testamento e o Segundo Testamento.
No Primeiro, estão os livros escritos antes de Jesus Cristo
(a.C.) que narram a caminhada do povo israelita junto com
seu Deus.
No Segundo Testamento, estão os livros escritos depois de
Cristo (d.C.), narrando a caminhada de Jesus e das
primeiras comunidades cristãs.
A diferença entre a “Bíblia Católica” e a “Bíblia Evangélica”
só está no Primeiro Testamento, pelo fato de os evangélicos
adotarem a “Bíblia Hebraica”, que só contém os livros
escritos em hebraico. Já a “Bíblia Católica” possui sete
livros a mais. São livros que foram escritos em grego ou
cujo original hebraico se perdeu e que só se encontram
na tradução grega da Bíblia, feita pelos judeus a partir do
século III a.C.
Você pode ler sobre essa tradução para o grego dando uma
olhada na parte introdutória ao livro do Eclesiástico, que
está somente na “Bíblia Católica”. Ali, o autor explica que é
a tradução grega de um texto escrito em hebraico pelo seu
avô.
Os sete livros que somente se encontram na “Bíblia
Católica” são: Tobias, Judite, os dois livros dos Macabeus,
Baruc, Sabedoria e Eclesiástico.
Além desses livros, ainda existem passagens que
originalmente foram escritas em grego e que se encontram
nos livros de Ester e de Daniel. Por isso, essas passagens só
estão na “Bíblia Católica” e não constam na “Bíblia
Evangélica”.
Em Daniel, são os capítulos 13 e 14, bem como os cânticos
de Azarias e dos três jovens na fornalha, acrescentados ao
capítulo 3.
O texto de Ester apresenta duas formas: a hebraica
(capítulos 1 a 10), mais curta, e a grega, com vários
acréscimos e ampliações. Na Septuaginta, a tradução grega
da Bíblia, também chamada em português de “Setenta”, os
acréscimos gregos estão inseridos na introdução, após o
capítulo 3, versículo 13; capítulo 4, versículo 16; capítulo 8,
versículo 12 e capítulo 10, versículo 3. (Sobre a
Septuaginta veremos maiores explicações no item
“Traduções da Bíblia”).
Nas edições mais modernas da “Bíblia Católica”, essas
passagens em Ester e Daniel aparecem com letras de tipo
diferente.
É bom saber que essa diferença entre a “Bíblia Católica” e
a “Bíblia Evangélica” tem a seguinte origem: no tempo da
Reforma Protestante, no início do século XVI d.C., na
mesma época do descobrimento ou da invasão do Brasil
pelos portugueses, era muito forte o entusiasmo por
redesco-brir a cultura da Antiguidade. Foi o tempo em que,
na Europa, se redescobriram as obras de arte e de
literatura da Grécia, de Roma, etc. Havia a ideia de “voltar
às fontes” mais antigas. Outra razão é que algumas
práticas da Igreja Católica combatidas por Lutero eram
legitimadas recorrendo-se a textos desses livros do cânon
grego. Esse clima influenciou a Igreja e, por isso, Lutero
defendeu a ideia de que era preciso voltar ao
texto hebraico do Primeiro Testamento, que era o mais
antigo da Bíblia.
Mas Lutero também recomendou a leitura de todos os
livros, também dos sete que só estão em grego. Dizia que
eram muito úteis para alimentar a fé e a piedade. Nas
edições ecumênicas atuais da Bíblia já aparecem todos os
livros. E interessante lembrar que a Bíblia das diversas
Igrejas Orientais é mais ampla ainda que a Católica.
Qual é a diferença entre a “Bíblia Evangélica” e a “Bíblia
Católica”?
3 A Bíblia é como uma colcha de retalhos
Todos nós conhecemos bonitas colchas de retalhos com
diferentes figuras e formas. Olhando de longe, a gente vê
aquela unidade harmoniosa da figura. Olhando mais de
perto, a gente percebe cada retalho, todos diferentes uns
dos outros, mas que compõem a unidade do conjunto.
O Plano de Deus mantém a unidade entre os livros
da Bíblia tão diferentes entre si.
A Bíblia também é assim. Tem uma unidade que é o Plano
de Deus. Mas na composição dessa unidade entram os
diferentes livros. Diferentes na extensão, na origem, no
jeito de escrever ou gênero literário, nos autores, no tempo
em que foram escritos, no conteúdo, em tudo.
É fácil verificar. Geralmente, no começo da Bíblia, está o
“índice geral” com os vários títulos das coleções:
Pentateuco, Livros Históricos, Livros Sapienciais, Livros
Proféticos, etc. A variação entre eles é muito grande.
Mesmo no interior de vários livros bíblicos, nós temos
colchas com retalhos muito variados.
Veja como o índice de sua Bíblia classifica os diferentes
livros em coleções.
Mas o que mais impressiona quando a gente lê a Bíblia é a
descoberta de que essa “colcha de retalhos” está em nossa
casa. Isso por que a Bíblia é também como um grande
espelho de parede em que o nosso rosto está refletido. É
ainda como um álbum de família que guarda a memória do
passado. Lendo-a, muitas vezes reconhecemos que
nossa vida está dentro dela ou ela está falando para nós.
Para você continuar a reflexão
Explique suas idéias sobre essa comparação das Escrituras
com uma colcha de retalhos.
4 Algumas diferenças entre o Primeiro e o Segundo
Testamentos
Antes e depois de Cristo
Uma primeira diferença é o tempo em que foram escritos,
antes de Cristo e depois de Cristo.
Duração do tempo de redação: 1000 anos para o
Primeiro e 100 para o Segundo
Outra diferença é o tempo que levaram para ser escritos.
Enquanto o Primeiro Testamento levou uns mil anos para
ser escrito, o Segundo foi escrito no período de uns cem
anos apenas. Geralmente, o processo é o seguinte: o fato
acontece, é transmitido de boca em boca por tradição oral,
espalha-se por vários grupos em lugares diversos, é
celebrado e só depois é fixado por escrito.
Esse processo, abreviado no Segundo Testamento, foi
muito longo no Primeiro. Por exemplo, a história de Abraão,
tal como a lemos na Bíblia, foi escrita vários séculos depois
de sua vida e após passar por várias etapas de redação em
épocasdiferentes. Abraão deve ter vivido mais ou menos
uns 1.500 anos antes de Cristo, e o livro do Gênesis, onde
está narrada a sua memória, teve o início de sua redação ao
redor de 950 a.C. e sua redação final por volta de 400 a.C.
No Primeiro, a maioria são livros.
No Segundo, a maioria são cartas
Outra diferença ainda é que os livros do Primeiro
Testamento podem ser considerados, de fato, como
“livros”, embora alguns sejam curtinhos, como as profecias
de Abdias (Obadias, na Bíblia Evangélica) e Ageu. No
Segundo Testamento, a maioria são cartas, algumas
muito breves, que não passam de bilhetes, como a Carta a
Filemon, de Judas, a Segunda e a Terceira Cartas de João.
Entre seus 27 livros, 21 são cartas. É verdade que algumas,
como a Carta aos Romanos, aos Efésios, aos Hebreus, a
Carta de Tiago e a Primeira Carta de João, têm
exposição doutrinária mais extensa, não parecendo cartas.
São mais longas e estão recheadas de sermões. De todas, a
que tem menos o estilo de carta é a Epístola aos Hebreus.
No original, a maior parte do Primeiro foi escrito em
hebraico. Todo o Segundo, em grego
Mais uma diferença: o Segundo Testamento foi todo escrito
em grego, enquanto a maioria dos livros do Primeiro foram
escritos em hebraico e algumas partes em aramaico. Os
que foram escritos em grego (Tobias, Judite, 1 e 2
Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc) não fazem parte
da Bíblia hebraica, adotada pelas Igrejas Evangélicas.
Quase todo o Primeiro foi escrito em Israel.
O Segundo foi escrito em vários lugares
Há também diferenças de cultura e de lugar. A maior parte
do Primeiro Testamento foi escrito em Israel. Só o livro do
profeta Ezequiel, o do 2o Isaías (capítulos 40 a 55), partes
do Pentateuco, bem como alguns Salmos foram escritos na
Babilônia. Já os livros do Segundo Testamento foram
escritos em vários lugares com situações diferentes:
Síria, Grécia, Ásia Menor, Roma.
O Segundo é uma interpretação do Primeiro à luz do evento
Jesus
Muitas pessoas acham difícil o Primeiro Testamento. Por
isso, não querem estudá-lo. Preferem ficar somente com o
Segundo Testamento. Mas é muito importante também
estudar o Primeiro Testamento, uma vez que sem ele não
podemos compreender bem o Segundo Testamento. Um é a
continuação do outro. O Segundo é como que uma
reinterpreta-ção do Primeiro à luz do evento Jesus. Quem
escreveu o Segundo supõe que a gente já conheça o
Primeiro. A todo momento há citações, referências e
alusões. Quem não conhece fica sem aproveitar bem.
Agora, pegue sua Bíblia e procure perceber que nela temos
livros mais curtos, como, por exemplo, Abdias, Naum,
Ageu, Carta a Filemon, Segunda e Terceira Cartas de João,
Carta de Judas. Há também livros muito extensos, como Jó,
Salmos, Eclesiástico, Isaías, Jeremias, Ezequiel.
Liste algumas diferenças entre o Primeiro e o Segundo
Testamentos.
5 Livros canônicos
Livros reconhecidos como inspirados para servirem
de guia para nossa caminhada
“Cânon” é uma palavra grega que quer dizer “cana”,
instrumento usado para medir. Cânon, portanto, quer dizer
“medida”, “régua”, “norma” ou “lista”. No uso da Igreja, o
termo passou a designar as normas de fé e as regras de
vida.
O cânon bíblico é a relação dos livros reconhecidos pela
Igreja como inspirados, propostos pelo magistério
eclesiástico aos fiéis como Palavra de Deus. Livros
canônicos são, pois, aqueles considerados na “medida
certa” da Palavra de Deus, isto é, aqueles que foram
reconhecidos como inspirados por Deus e formam o
conjunto da Sagrada Escritura. Por isso são a “medida”
para avaliar a fidelidade da nossa caminhada. A intenção
principal foi selecionar um conjunto de escritos que
servissem de guia à nossa caminhada de fé. Ajudam a
julgar se estamos ou não no mesmo rumo que seguiram
nossos antepassados, como você pode conferir no capítulo
11 da Carta aos Hebreus.
No Primeiro Testamento
O cânon tem uma longa história e não é o mesmo para
todas as denominações cristãs. Pelo ano 400, Jerônimo, que
coordenou a tradução da Bíblia para o latim, chamou os 7
livros que não constam na “Bíblia Evangélica” de
“deuterocanônicos”. Deutero, em grego, significa segundo.
Então, deuterocanônico significa, por assim dizer,
“canônico de segunda lista”. Note-se que alguns desses
livros, como Judite, Tobias e Eclesiástico, foram escritos
originalmente em hebraico. Quando os rabinos fixaram a
lista dos livros sagrados, nos anos 80 d.C., eles
ficaram excluídos do cânon judaico, porque só havia cópias
em grego.
Para as primeiras comunidades cristãs, não há dúvida de
que a versão grega da Bíblia dos judeus, a Septuaginta,
incluindo os 7 livros deuterocanônicos, constituía o
Primeiro Testamento da Igreja. Provavelmente, foi adotada
porque o grego era a língua mais comum nas regiões em
torno do Mar Mediterrâneo. A partir do século IV, alguns
Pais da Igreja, como Jerônimo, possivelmente por influência
de rabinos, começaram a questionar a presença dos livros
deuterocanônicos no cânon bíblico. Essa polêmica durou
pelo menos até o século XVI, quando a Reforma Protestante
adotou somente o cânon hebraico para o
Primeiro Testamento. Na ocasião, o Concilio deTrento, em
1546, definiu que os livros deuterocanônicos deveríam ser
aceitos pelos católicos “com igual devoção e reverência”.
No Segundo Testamento
A primeira definição de um cânon para o Segundo
Testamento surgiu num documento ao redor do ano 200.
Ali se omitiam as Cartas aos Hebreus, de Tiago e as duas
de Pedro.
Até o século VI, alguns Pais da Igreja continuavam
levantando dúvidas sobre as cartas aos Hebreus, de Tiago,
as duas de Pedro, a Segunda e Terceira de João, a de Judas
e sobre o Apocalipse. As razões para as dúvidas são as
seguintes: Hebreus e a Segunda Carta de Pedro têm um
estilo diferente das Cartas de Paulo e da Primeira de Pedro
respectivamente. Em Tiago e Judas, algumas questões
doutrinais pareciam suspeitas. A temática da Segunda e
Terceira Cartas de João parecia sem importância.
O Apocalipse parecia muito obscuro. Depois do século VI, a
polêmica voltou com mais intensidade na Reforma
Protestante do século XVI. Diante da polêmica com os
reformadores, a Igreja Católica reafirmou o
cânon tradicional do Segundo Testamento no Concilio de
Trento em 1546.
Os livros canônicos são “suficientes” para orientar os fiéis
na fé
Já sabemos que os livros do Primeiro Testamento escritos
ou encontrados só em grego são considerados canônicos
pela Igreja Católica Romana, mas não pelas Igrejas
Protestantes. Para cada denominação cristã, os livros por
ela canonizados são considerados normativos para SUa fé.
A canonicidade é uma declaração de “suficiência”.
Isso quer dizer que as denominações cristãs consideram os
livros canônicos suficientes para orientar a fé de seus fiéis.
São “suficientes” no que diz respeito à revelação das
verdades fundamentais da manifestação dc Deus na
história de seu povo, bem como de seu plano de vida e
liberdade para todas as pessoas.
A inspiração divina não é privilégio, exclusividade dos
livros canônicos
A canonicidade não é uma declaração de “exclusividade”.
Os livros canônicos não limitam exclusivamente a eles a
inspiração divina.
Os livros canônicos não são “exclusivos” porque não
limitam a revelação de Deus somente aos livros que
constam no cânon. Deus sempre se revelou na história da
humanidade e sempre continuará se manifestando.
Certamente você tem uma forte experiência da revelação
de Deus em sua vida. Mas os livros canônicos são textos
exemplares de revelação e projetam luzes sobre a presença
de Deus na vida do povo, das comunidades e de todas as
pessoas hoje.
Livros deuterocanônicos e apócrifos
Os sete livros chamados pelos católicos de
deuterocanônicos (Judi-te, Tobias, 1-2 Macabeus,
Sabedoria, Eclesiástico e Baruc) são chamados pelos
evangélicos de “apócrifos”.
Livros apócrifos são aqueles livros que não estão no cânon
da Bíblia. Apócrifo é uma palavra grega e quer dizer
“oculto”, “guardado”. Usa-se essa terminologia porque os
livros, embora tenham sido escritos na época bíblica, não
constam no cânon e são apresentadoscomo uma
manifestação de Deus revelada somente depois de ficar
muito tempo “oculta”. Os apócrifos do Segundo Testamento
são escritos em tempos posteriores ao primeiro século da
era cristã. Ficaram, pois, ocultos por algum tempo.
Os livros apócrifos não podiam ser usados na Liturgia e na
Catequese, isto é, na leitura pública. Serviam, porém, para
a leitura doméstica, particular.
Os livros chamados de apócrifos tanto pelos católicos
quanto pelos evangélicos conhecidos também por
pseudoepígrafos, são livros que não estão em nenhuma das
duas Bíblias. São atribuídos a alguma figura famosa do
passado. Quer dizer que os autores desses textos atribuem
a um patrono importante da história passada de seu povo a
autoria de sua obra literária.
Os livros chamados de apócrifos tanto pelos católicos
quanto pelos evangélicos podem não ter tanto valor
histórico. São úteis, porém, para reconstruir as crenças
populares do judaísmo na época de Jesus, bem como de
algumas correntes teológicas da Igreja primitiva.
Os principais livros “apócrifos” que não constam nem no
câ-non evangélico nem no católico são assim classificados:
1)    Apócrifos judaicos:
a)    Antes de Cristo: 3 Esdras, 3 e 4 Macabeus, Livro dos
Jubileus, Livro de Adão e Eva, Carta de Aristeia, Martírio
de Isaías, Livro de Henoc, Testamento dos 12 Patriarcas,
Oráculos Sibilinos, Salmos de Salomão, 4 Esdras.
b)    Depois de Cristo: Assunção de Moisés, Livros de
Baruc, Testamento de Jó, Testamento de Abraão,
Apocalipse de Abraão, Apocalipse de Moisés.
2)    Apócrifos cristãos:
•    Evangelhos: de Tiago, de Tomé, Evangelho árabe da
Infância, História de José, Evangelho de Pedro, de
Nicodemos, de Bar-tolomeu, Livro de João Evangelista, A
Assunção da Virgem.
•    Atos: Atos de João, de Paulo e Tecla, de Pedro, de
André, de Tomé, de Filipe.
•    Epístolas: de Abgar, Carta aos Laodicenses, Epístola
dos Apóstolos.
•    Apocalipses: de Pedro, de Paulo, de Tomé, de Adão,
Ascensão de Isaías.
A Bíblia faz referência a livros perdidos
Além dos livros canônicos, dos deuterocanônicos e dos
apócrifos, existem ainda outros documentos mencionados
pela Bíblia, mas dos quais não se tem mais notícias. Foram
perdidos.
No Primeiro Testamento, são citados:
•    o “Livro das Guerras de YHWH” (Livro dos Números,
capítulo 21, versículo 14);
•    o “Livro do Justo” (Livro de Josué, capítulo 10, versículo
13; Segundo Livro de Samuel, capítulo 1, versículo 18);
•    o “Livro dos Anais de Salomão” (primeiro Livro dos
Reis, capítulo 11, versículo 41);
•    o “Livro dos Anais dos Reis de Judá” (primeiro Livro dos
Reis, capítulo 14, versículo 29);
•    o “Livro dos Anais dos Reis de Israel” (primeiro Livro
dos Reis, capítulo 15, versículo 31).
No Segundo Testamento, Paulo fala de cartas suas que se
perderam e não são conhecidas por nós, como você pode
conferir na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 5,
versículo 9.
Podemos concluir esse ponto dizendo que o cânon que hoje
temos em nossas Bíblias é fruto de uma seleção. Foi preciso
optar entre deixar fora alguns livros e incluir outros. Essa
seleção foi determinada por situações de conflito na Igreja
e de debates teológicos acalorados. A intenção principal foi
selecionar um conjunto de escritos que servissem de guia à
caminhada de fé.
Leia na Segunda Carta a Timóteo, capítulo 3, os versículos
16 e 17.
Para você continuar a reflexão
1.    O que são livros canônicos?
2.    Qual a intenção principal no processo de elaboração do
cânon bíblico?
3.    O que e quais são os livros deuterocanônicos na
linguagem católica ou apócrifos na linguagem protestante?
4.    O que são livros apócrifos tanto na linguagem católica
quanto na linguagem protestante?
6 Autoria dos livros da Bíblia
Os autores costumam atribuir suas obras a
personagens importantes do passado
No Primeiro Testamento, o costume de atribuir a autoria
dos livros a personagens importantes do passado é um
costume muito frequente.
Moisés é homenageado como patrono de toda a lei
Por exemplo, os livros que se referem à Lei de Deus, o
Pentateu-co, são atribuídos a Moisés pela tradição judaica.
Mas nenhum desses livros traz informação alguma a
respeito de quem seria seu autor. Ninguém assinou como
sendo o autor do texto. Mesmo assim, ainda hoje, a
comunidade judaica atribui a Moisés a redação do
Pentateuco (veja, por exemplo, Evangelho de João, capítulo
5, versículo 46).
Mas Moisés não foi o autor desse conjunto de livros. Isso
por que os especialistas no estudo da Bíblia chegaram à
conclusão de que a redação dos primeiros escritos bíblicos
teve início na época do rei Salomão. Assim sendo, mais ou
menos 300 anos separam os fatos do êxodo da época em
que se fez uma primeira redação a respeito dos
acontecimentos ocorridos três séculos antes.
Por que então associar o Pentateuco com Moisés?
Certamente isso se deve ao fato de Moisés ter sido o
grande personagem que liderou a fuga do Egito e a
caminhada pelo deserto. Ora, a tradição antiga situa
a doação da lei no monte Sinai quando Moisés estava com o
povo no deserto. Consequentemente, a tradição posterior
passou a atribuir a Moisés tudo o que tivesse a ver com lei.
E mais ainda. Passou a atribuir a Moisés a própria autoria
de todos os escritos a respeito da lei.
Vamos exemplificar um pouco mais. Se Moisés tivesse
escrito o livro do Deuteronômio, provavelmente falaria na
primeira pessoa (“eu comecei a inculcar esta lei...”) e não
na terceira pessoa (“Moisés começou a inculcar esta lei...” -
Deuteronômio capítulo 1, versículo 5). Dificilmente Moisés
mesmo descreveria sua própria morte (capítulo 34).
Davi é homenageado como patrono da oração
Quase metade dos salmos são atribuídos a Davi, que tinha a
fama de poeta e cantor. Além disso, segundo os livros das
Crônicas, Davi foi o grande promotor do culto em
Jerusalém. Tudo isso fez de Davi uma figura intimamente
ligada à oração. Então se atribui a ele a autoria dos salmos,
possivelmente em sua homenagem.
Salomão é homenageado como patrono da sabedoria
Assim também alguns livros Sapienciais são atribuídos a
Salomão, embora só tenham sido compostos até muitos
séculos depois. Mas como Salomão era considerado o maior
sábio de todos os reis, a ele se atribui a autoria de tudo que
tem a ver com a sabedoria.
O exemplo do livro de Isaías
Típico é o caso do livro do profeta Isaías. De fato, são três
livros atribuídos ao mesmo autor, mas escritos em épocas
diferentes. Boa parte dos textos contidos nos capítulos de 1
a 39 se referem a Isaías, que viveu na segunda metade do
século VIII a.C. Já os capítulos 40 a 55 foram escritos por
discípulas e discípulos seus, durante o exílio na Babilônia
no século VI a.C. E, por fim, os capítulos 56 a 66 foram
acrescentados por discípulos do movimento profético de
Isaías. Pelo ano 500 a.C., portanto, depois da volta do
exilio.
A maioria dos livros do Segundo Testamento são
dedicados a personagens importantes do passado
No Segundo Testamento, só se tem certeza da autoria de
umas sete cartas de Paulo e talvez do Evangelho segundo
Lucas, bem como dos Atos dos Apóstolos.
Como cada livro é produção de uma determinada época, os
especialistas, analisando o jeito de falar, a linguagem, o
vocabulário usado, as idéias apresentadas, os problemas
que transparecem e outros indícios, podem concluir com
bastante probabilidade se ele é ou não do autor a quem é
atribuído.
Muitas pessoas ajudaram a escrever a Bíblia,
atribuindo seus escritos a “patronos”
Os autores aos quais são atribuídos os livros da Bíblia
devem ser considerados mais como “patronos” ou
iniciadores de uma corrente de escritos. Assim, Moisés é o
patrono de tudo o que é lei. Davi é o patrono da poesia
cultuai e Salomão dos escritos de sabedoria. Isaías, por
exemplo, é o iniciador de uma certa corrente dentro do
movimento profético. Discípulos seus continuam sua obra.
Muitas pessoas ajudaram a escrever as Escrituras. São
homens e mulheres, jovens e idosos, pais e mães de família,
sacerdotes, profetisas e profetas, agricultores e pastores,
artesãos e pescadores, justose pecadores. Algumas dessas
pessoas eram gente instruída, que sabia ler e escrever.
Outras eram pessoas simples que só sabiam contar
histórias. A sua preocupação central era ajudar na
construção de um povo irmão, em que seriam valorizados
acima de tudo a justiça, o amor, a fraternidade, a verdade e
a fidelidade a Deus. Cada qual, do seu jeito, deu sua
colaboração.
Para você continuar a reflexão
1.    O que podemos dizer a respeito da autoria dos livros
bíblicos?
2.    Por que Moisés, Davi e Salomão passaram a ser os
“patronos” da lei, oração e sabedoria respectivamente?
3.    A respeito da autoria dos livros da Bíblia, o que você
considera mais importante?
7 Bíblia, Palavra de Deus na palavra humana
Assim como Deus se tornou visível no homem Jesus,
assim também sua Palavra se encontra em meio às
palavras humanas
Nós cremos que Jesus é Deus feito homem. Em Jesus de
Nazaré, Deus se desfaz da glória de sua condição divina,
tomando sobre si a nossa condição humana e assumindo a
condição de escravo condenado à morte na cruz, como nos
diz Paulo.
Leia na Carta aos Filipenses, no capítulo 2, os versículos 6
a 8.
O Evangelho de João define muito bem esse mistério da
Encarnação quando diz que “a Palavra se fez carne e
habitou entre nós” (Evange-Ino de João, capítulo 1,
versículo 14).
Quando se fala em Deus, pensa-se logo nos seus atributos
de eternidade, de onipotência, de onisciência, de absoluta
perfeição. No entan-t(J, as pessoas que conviveram com
Jesus encontraram nele uma pessoa cúmum, com seus
limites e sua fragilidade, sobretudo porque não era
da camada alta da sociedade. Assim nos ensina a Carta aos
Hebreus: “Ele foi tentado em tudo como nós, só não caiu no
pecado” (Carta aos Hebreus, capítulo 4, versículo 15).
Assim como os contemporâneos de Jesus só podiam ter
contato com o Filho de Deus através do Filho do Homem,
nós também podemos ter contato com a Palavra de Deus
através de palavras humanas registradas na Bíblia.
Palavras que percorrem longos e sinuosos caminhos. Acima
já vimos, por exemplo, como foram atribuídas a
personagens famosos, como Moisés, Davi e Salomão,
palavras que eles nunca disseram.
O Deus da Bíblia é Emanuel, isto é, faz história com
seu povo
A Bíblia é palavra de Deus, sim, mas encarnada, na
palavra humana. E Palavra de Deus revestida
da palavra humana. E um livro divino-humano.
Para ler a Bíblia, é muito importante nunca esquecer a
forma humana da Palavra de Deus. Senão corremos o
perigo de tratar a Bíblia como uma coisa mágica, um
fetiche, isto é, um ídolo. Os exegetas procuram estudá-
la com os instrumentos que a ciência coloca à sua
disposição, tratando-a, antes de tudo, como uma produção
humana.
Devemos lê-la com a naturalidade e o respeito com que
lemos qualquer livro sério. Mas sempre com as “antenas
ligadas” para sintonizar o que Deus nos quer dizer hoje
através de sua Palavra que está na Bíblia. É que a Palavra
da Bíblia é sempre atual e exige de nós uma atitude
constante de escuta e conversão.
Poderiamos também dizer que Deus está nas palavras da
Bíblia porque Ele está presente na história de seu povo. E a
história desse povo com seu Deus está relatada nas
Escrituras. A Palavra de Deus vem, pois, misturada, ou
junto com a palavra humana. A Bíblia não é somente
a história de um povo, mas é a história de um povo que
buscou viver a fidelidade para com seu Deus, o Deus da
vida.
Não será por acaso que o profeta Isaías diz que o messias
esperado é o “Emanuel”, isto é, “Deus conosco”, que fez
história com seu povo.
Leia agora o versículo 14 do capítulo 7 de Isaías.
A Bíblia é a Palavra do Deus do povo na palavra do
povo de Deus
As Escrituras são fruto de um grande mutirão entre Deus e
seu povo, entre a ação de seu Espírito e a vontade do povo
de ser fiel a ele. A ação do Espírito de Deus é como a
chuva. Ela cai do alto e, junto com a terra cá embaixo,
ajuda a semente a germinar, de modo que se transforme
em planta, floresça e frutifique (Livro do profeta Isaías,
capítulo 55, versículos 10 e 11). A planta é, pois, fruto do
céu, isto é, da chuva, e é fruto da terra. Como a planta, a
Bíblia também é fruto da ação de Deus e do esforço das
pessoas. Ela é a Palavra do Deus do povo na palavra
do povo de Deus.
Como a própria Bíblia diz, é preciso sabedoria e
discernimento para descobrir o seu sentido (Apocalipse,
capítulo 13, versículo 18 e capítulo 17, versículo 9). E
necessário discernir, distinguir a Palavra de Deus em meio
à palavra humana. Daí a importância do estudo
das Escrituras para que não as leiamos de forma incorreta.
Igualmente importante é a abertura ao Espírito de Deus
que nos ilumina para a interpretação e percepção da
presença misteriosa de Deus não só no texto, mas também
no nosso dia-a-dia.
A Bíblia é testemunho da Palavra de Deus
Aprofundando esta reflexão, podemos dizer que a Bíblia
não é a Palavra divina caída prontinha do céu. Deus não se
revela de forma mágica, fora da história. Nem dita sua
palavra direto a alguém para que a escreva. Sua revelação
acontece na experiência de vida, no cotidiano.
Nesse sentido, podemos dizer que a Bíblia é “testemunho”
da revelação, da Palavra de Deus. E mais: ela não é o único
escrito que testemunha a presença viva de Deus em meio a
suas criaturas. E verdade que os relatos da experiência de
Deus em Israel são exemplares para nós. Mas é preciso
admitir também que a Bíblia é um dos testemunhos da
Palavra de Deus que se revela a todos os povos, nações e
tribos.
Projetos em confronto
Sendo também palavra humana, a Bíblia igualmente
contém a produção teológica e ideológica de grupos e
comunidades. É normal, então, que a Bíblia reflita também
os interesses dos grupos humanos que estão por trás da
literatura bíblica. O povo de Israel também viveu
seus dramas, seus conflitos internos. Havia projetos em
conflito. Essa tensão transparece nos escritos bíblicos. Por
isso, convém sempre olhar com atenção as duas grandes
linhas fundamentais em confronto nos textos bíblicos: a
oficial e a popular. São interesses teológicos, econômicos e
políticos distintos e que se defrontam. Eles não vêm
separados nitidamente. Não é fácil perceber com toda a
clareza quais são os interesses oficiais a partir da corte real
e quais são as reivindicações populares fruto da resistência
do povo. É preciso estudar os textos com cuidado para se
descobrir isso.
Uma Bíblia e duas leituras
Para entender melhor o que afirmamos, lembremos alguns
exemplos da história. Por um lado, veremos como a religião
e a Bíblia foram usadas para legitimar a violência praticada
contra os povos indígenas na época da conquista das terras
nas Américas. Por outro lado, veremos como a Bíblia serviu
de força libertadora em defesa da vida dos índios.
Os teólogos e juristas da corte espanhola elaboraram um
documento que chamaram de “Requerimento”. Era um
longo tratado teológico que os conquistadores deveríam ler
para os povos indígenas ates de qualquer ação militar.
Esse documento tinha sua fundamentação teológica no
livro de Gênesis. Dizia que, “apesar de toda a humanidade
descender de Adão e
Eva, só alguns eleitos por Deus tinham a sublime missão de
divulgar o verdadeiro Deus”. Naturalmente, os espanhóis e
também os portugueses diziam que os eleitos eram eles.
Que sua missão era levar a fé cristã aos pagãos mesmo com
a violência das armas.
Conhecemos as consequências desastrosas dessa teologia,
dessa ideologia:
•    roubo das terras;
•    saque das riquezas;
•    destruição de costumes, línguas, crenças;
•    imposição do modo de vida europeu;
•    escravidão;
•    abuso sexual das índias;
•    violência, massacres, mortes...
Um dos teólogos espanhóis que ajudou a elaborar essa
ideologia foi Juan de Sepúlveda. Por trás dessa ideologia
estava o projeto de conquista da corte real da Espanha.
Se, por um lado, temos os teólogos da corte, por outro,
temos também muitos missionários que tomaram a defesa
das nações indígenas, em nome do Evangelho da vida.
Entre eles, lembramos Montesinos, Valdivieso e
especialmente Bartolomeu de LasCasas.
A Bíblia é, na verdade, um intenso debate teológico.
Para fundamentar seus sermões e seus escritos,
Bartolomeu também se valeu das Escrituras. Lembrava
muito o êxodo libertador e as denúncias dos profetas contra
os reis que não cumpriam a justiça. Mas sua passagem
bíblica preferida foi do livro do Eclesiástico, que só está na
Bíblia católica. Vale a pena você conferir e se unir aos
sentimentos de Bartolomeu em defesa da vida, pois ainda
hoje ela continua sendo negada, diminuída.
Leia agora, no Eclesiástico, capítulo 34, os versículos 18 a
22 (Bíblia de Jerusalém e Bíblia Pastoral) ou 21 a 27 (Bíblia
Sagrada — Vozes e Tradução Ecumênica da Bíblia).
Os exemplos de Sepúlveda e Las Casas são uma amostra
dos conflitos teológicos presentes na época da conquista
das Américas, em toda a história da humanidade, inclusive
em nossos dias.
Na época em que 4 experiência narrada na Bíblia foi vivida,
as coisas não eram diferentes, l ambem lá havia uma
disputa de projetos. E, também, os defensores do projeto de
exclusão tinham seus teólogos para legitimar em nome de
Deus uma sociedade injusta. Essa realidade conflituosa
transparece nas Escrituras. A Bíblia é, na verdade, um
intenso debate teológico entre grupos com interesses
diferentes.
Quando nós fazemos uma interpretação bíblica ao pé da
letra, ficamos confusos ao depararmos com projetos tão
diferentes e até opostos entre si. Isso reforça a necessidade
de não pararmos de estudar, de modo que possamos ter
mais clareza quanto aos critérios de interpretação
das Escrituras. É preciso muito cuidado antes de tirar
conclusões apressadas, pois a Bíblia é como uma faca de
dois gumes. Tanto pode ser usada como instrumento de
opressão e de morte como também serve como instrumento
de promoção e defesa da vida.
O projeto oficial defende privilégios e gera exclusão
A linha oficial defende um determinado modelo de
sociedade. Inicialmente é o projeto do reinado. Reflete os
interesses dos reis, da corte, do templo, do sacerdócio
oficial e dos juizes vinculados aos reis, dos latifundiários e
dos grandes comerciantes. Visa a uma política de
escravidão, tributos, saques, trabalho forçado, exército
forte e oneroso. Depois do exílio, isto é, a partir de 539
a.C., a linha oficial é assumida pelos sacerdotes a partir do
templo reconstruído.
Essa linha oficial é excludente. Exclui, defende privilégios.
E pior: legitima-os em nome de Deus. É dela que vêm as
leis do puro e do impuro, da estrita observância da lei, da
única raça eleita, da teologia da retribuição que afirmava
que tudo é retribuição de Deus de acordo com a vida das
pessoas. Segundo essa teologia, riqueza, saúde, família
numerosa, honra, longa vida seriam bênção de Deus para
os justos. Já pobreza, doença, esterilidade, desonra, morte
prematura seriam castigo de Deus para os pecadores. No
tempo de Jesus, as autoridades, que controlavam o poder
judaico assumiam essa linha oficial. Por isso, Jesus tanto
a combateu, custando-lhe a própria vida.
O projeto popular defende uma sociedade em que a
paz será fruto da justiça
A linha popular defende outro modelo de sociedade. É a
sociedade tribal, que defende as aldeias, o uso familiar da
terra, os pequenos santuários rurais, o trabalho livre. A
linha popular representa a luta por liberdade frente aos
faraós do Egito, bem como a libertação da terra das mãos
dos reis cananeus, a organização tribal em oposição ao
reinado, a resistência profética diante dos desmandos das
autoridades.
Depois do exílio babilônico, não há mais rei em Judá, e os
judeus estão sucessivamente sob a dominação dos persas,
gregos e romanos. Nesse tempo, são os sacerdotes aqueles
que monopolizam a Palavra de Deus. Se antes, a Palavra de
Deus era mediada também pela profecia, a partir do exílio
ela passou a ser monopolizada pelos sacerdotes,
pelo templo de Jerusalém, subordinado aos persas (Leia no
livro de Esdras, no capítulo 7, o versículo 26).
Veja como o profeta Zacarias critica os profetas oficiais
ligados ao templo e que só falam mentiras (capítulo 13,
versículos 1 a 6). Essa crítica revela a amargura dos
profetas populares, desvinculados do templo e fiéis à
Aliança, contra os levitas que se faziam passar por profetas.
É que, nessa época pós-exílica, a casta sacerdotal promove
os levitas, colocando-os no lugar dos profetas. Veja como,
num livro elaborado neste período, os sacerdotes do
templo, ao narrarem novamente a renovação da Aliança do
tempo do rei Josias, colocam os levitas no lugar atribuído
aos profetas. Confira isso comparando o versículo 30 do
capítulo 34 do segundo livro das Crônicas com o versículo 2
do capítulo 23 do segundo livro dos Reis!
A linha popular continua resistindo através de profetisas e
profetas anônimos que produzem sua profecia,
acrescentando-a a livros proféticos já existentes. Este é o
caso dos capítulos 56 a 66 do livro do profeta Isaías e os
capítulos 9 a 14 do livro do profeta Zacarias. Produzem
também as novelas bíblicas, como Jó, Rute e Jonas, bem
como a literatura apocalíptica.
Jesus e as primeiras comunidades cristãs, respeitadas as
suas diferenças, se inserem nessa teologia de resistência.
Diferente da linha oficial, a popular é mais includente.
Inclui as pessoas e categorias excluídas.
Luta por vida e cidadania. Para sermos fiéis a Jesus, é
nessa teologia que nós hoje também queremos cada vez
mais nos inserir.
Alguns exemplos dos dois projetos em confronto no texto
bíblico
Citemos alguns exemplos para clarear as duas linhas
teológicas básicas em confronto nas Escrituras.
Ao ler o quadro abaixo, é importante que você confira em
sua Bíblia as citações nele indicadas.
Linha Oficial Linha Popular
Afirma que Deus é
favorável à opção pelo
reinado (primeiro livro
de Samuel, capítulo 9,
versículos 15 a 16
e capítulo 10, versículo
1)
Afirma que Deus condena a opção pelo reinado
(primeiro livro de Samuel, capítulo 8, versículos 1 a
18 e capítulo 12, versículo 19)
Exclui estrangeiros
(Deuteronômio,
capítulo 23, versículo
4. Se
quiser aprofundar, leia
Inclui estrangeiros (Rute, capítulo 1, versículos 16 e
17; Isaías, capítulo 56, versículo 3; Lucas, capítulo
10, versículos 30 a 37. Se você quiser aprofundar
mais, veja também: todo o livrinho de Jonas e Atos
dos Apóstolos, capítulos 8 e 10)
ainda: Esdras,
capítulos 9 e 10;
Neemias, capítulo 13)
E favorável ao templo
(segundo livro de
Samuel, capítulo 7,
versículos 1 a 3. Se
quiser ler mais um
texto, veja o capítulo 1
do profeta Ageu)
É crítica ao templo (Segundo Livro de Samuel,
capítulo 7, versículos 4 a 7; Isaías, capítulo 66,
versículos 1 a 2. Para aprofundar, você pode ler
ainda: Jeremias, capítulos 7 e 26; Amós, capítulo 9,
versículos 1 a 4; Miqueias, capítulo 3, versículo 12;
Marcos, capítulo 11, versículos 15 a 18 e capítulo 13,
versículos 1 e 2)
Religião centrada em
sacrifícios e ritos
externos (confira
somente os títulos que
aparecem nos capítulos
1 a 8 de Levítico)
Religião baseada na justiça e na solidariedade (Isaías,
capítulo 1, versículos 10 a 17 e capítulo 58, versículos
1 a 12. Se quiser aprofundar, pode ler ainda: Oseias,
capítulo 6, versículo 6; Amós, capítulo 5, versículos
21 a 24; Mateus, capítulo 9, versículo 13 e capítulo
12,
Linha Oficial Linha Popular
Exclui mulheres, considerando-
as impuras e inferiores
(Levítico, todo o capítulo 12 e os
versículos 19 a 30 do capítulo
15; João, capítulo 8, versículos 1
a 11)
Inclui mulheres, valorizando sua beleza, sua
sabedoria, seu corpo, sua vida (Provérbios,
capítulo 31, versículos 10 a 31. Se quiser ler
mais sobre a valorização da mulher, leia os
livros de Rute, Judite, Ester e Cântico dos
Cânticos. Também Jesus resgata a dignidade
das mulheres)
Condena pobres e doentes como
se pobreza e doença fossem
Vem em defesa dos pobres e doentes,
apontando as verdadeiras causas da pobreza
castigo de Deus por seus
pecados (no livro de Jó, seus
amigos representam a
teologia oficial, a teologia da
retribuição. Como amostra, leia
os capítulos 4 e 5)
(a figura de Jó representa a teologia popular
de resistência [leia Jó, capítulo24, versículos
1 a 12 e capítulo 31]. Jesus vem nesta
mesma corrente [Lucas, capítulo 13,
versículos 1 a 5; João, capítulo 9, versículos
1 a 3])
Obriga à observância das leis de
pureza exterior (Marcos,
capítulo 7, versículos 1 a 5)
Coloca no seu devido lugar os mandamentos
de Deus (Marcos, capítulo 7, versículos 6 a
13) e defende a pureza do coração, livre de
roubos e injustiças (Marcos, capítulo 7,
versículos 14 a 23)
Obriga à observância minuciosa
da tradição do sábado (Mateus,
capítulo 12, versículos 1 a 14)
Coloca a vida acima da lei, cuja função é
estar a serviço das pessoas, e não o
contrário (Mateus, capítulo 12, versículos 1
a 14)
Exige a circuncisão, a remoção
do prepúcio no órgão genital
masculino (Gn 17)
Exige a circuncisão do coração, isto é, a
mudança de vida (Deuteronômio, capítulo
10, versículo 16; Jeremias, capítulo 4,
versículo 4; Carta aos Romanos, capítulo 2,
versículo 29)
Exclui pessoas com deficiências
físicas (Levítico, capítulo 21,
versículos 17 a 21;
Deuteronômio, capítulo
23, versículo 2)
Inclui as pessoas com deficiências (Isaías,
capítulo 29, versículos 18 e 19; capítulo 35,
versículos 5 e 6; capítulo 56, versículos 3 a
5; Mateus, capítulo 11, versículos 4 e 5; Atos
dos Apóstolos, capítulo 8, versículos 26 a 40)
Essas duas linhas teológicas fundamentais estão
misturadas em toda a Bíblia. Às vezes, não é fácil perceber
a que linha os textos bíblicos pertencem. Por isso é
importante a oração que nos abre ao Espírito de Deus e
converte nosso coração à solidariedade com os pobres,
ajudando-nos, com sua sabedoria, no discernimento da
Palavra de Deus no meio das palavras humanas em
confronto.
Para você continuar a reflexão
1.    Qual sua reflexão sobre a afirmação: “A Bíblia é a
Palavra de Deus encarnada na palavra humana”?
2.    Quais são e como se caracterizam as duas grandes
linhas em confronto na Bíblia?
3.    Em sua comunidade de fé, como se manifestam esses
dois projetos? E na sociedade?
8 Há erros na Bíblia?
Dentro de seus objetivos, a Bíblia, como plano de Deus, não
contém nem pode conter erros. Qual o objetivo
fundamental da Bíblia? Revelar o propósito de Deus e sua
presença atuante no Universo, na História, na Vida de
todos os povos. Também o povo de Israel foi percebendo
gradativamente a revelação do projeto de vida na sua
história, de acordo com a sua cultura e a sua cosmovisão,
isto é, sua visão do universo.
[...] no que diz respeito à ciência, a dados históricos
e a costumes ou tabus daquela época, a Bíblia
contém erros. Mas quando se trata da
geração, promoção e defesa da vida e do seu
sentido mais profundo, a Bíblia não tem erro.
Ora, a compreensão de mundo que eles tinham naquele
tempo era muito diferente da nossa hoje, como você pode
conferir na figura logo adiante. Portanto, não faz sentido
comparar a visão de mundo que transparece na Bíblia com
a visão que temos hoje com o progresso da ciência.
Vejamos alguns exemplos. No livro de Josué, conta-se que,
numa batalha em Gabaon contra o rei dos amorreus, Josué
mandou o sol parar e “o sol se deteve e a lua ficou imóvel
até que o povo se vingou de seus inimigos” (Josué, capítulo
10, versículo 13). Naquela época, pensava-se que a terra
era o centro do universo e que o sol e a lua giravam no céu,
tal como aparece aos nossos olhos. Tanto que dizemos com
naturalidade que o sol nasce, o sol se põe.
Outro exemplo é o caso do coelho e da lebre. Diz o Livro do
Leví-tico que coelho e lebre são animais ruminantes
(Levítico, capítulo 11, versículos 5 e 6). Quem de nós ainda
acredita nisso? É, pois, um absurdo querer que tudo na
Bíblia esteja de acordo com os avanços da ciência moderna.
A Bíblia tem os limites do alcance da ciência do tempo em
que foi composta. Nós, hoje, podemos dizer que a Bíblia
contém erros. Mas isso não vale para o povo daquele
tempo, quando se achava que as coisas eram de fato
daquele jeito.
COSMOVISÃO DOS HEBREUS. Representação gráfica da concepção hebraica
do mundo. A morada celeste de Deus fica acima das águas superiores. Abaixo
dessas águas está o firmamento ou céu, que se assemelha a uma
tigela emborcada, sustentada por colunas. Através das aberturas (comportas)
na abóbada, as águas superiores caem sobre a terra, como chuva ou neve. A
terra é uma plataforma sustentada por colunas e rodeada de água, ou mares.
Por baixo e ao redor das colunas, estão as águas inferiores.
Nas profundezas da terra está o Xeol, a morada dos mortos, chamada
“infernos”. Esta mesma concepção pré-científica do universo também era a dos
povos vizinhos do povo hebreu.
O mesmo deve ser considerado em relação à moral e aos
costumes que variaram através dos tempos. A sociedade vai
mudando e hoje achamos intoleráveis hábitos e instituições
que eram tranquilamente aceitos no passado. Exemplos: no
passado, a Igreja aceitou e até legitimou a escravidão.
Tinha, inclusive, escravos. Também apoiava a ideia de que
a autoridade na sociedade, na Igreja, bem como na família
devia estar sob o mando ou desmando dos homens,
discriminando as mulheres.
Do nosso ponto de vista, no que diz respeito à ciência, a
dados históricos e a costumes ou tabus da época, a Bíblia
contém erros. Mas quando se trata da geração, promoção e
defesa da vida e do seu sentido mais profundo, a Bíblia não
tem erro. No 2o Concilio no Vaticano, a Igreja Católica
Romana declarou que a verdade da Bíblia diz
respeito àquilo que Deus revelou “por causa da nossa
salvação”. Só isso. Não coisas de ciência, de história, etc.
Deus comunica sua Palavra através de palavras humanas e
de textos escritos nas circunstâncias da história humana.
Só assim Deus pode se comunicar. Para isso, tem de “pagar
o preço” da forma encarnada de sua Palavra: carregar
nossas marcas e imperfeições.
Para você continuar a reflexão
1.    Qual o objetivo fundamental das Sagradas Escrituras?
2.    Em que situação “a Bíblia não contém erro”? Pode
haver enganos ou erros na Bíblia em questões de história,
de ciências, de costumes?
3.    Liste problemas de ciência ou de costumes morais que
já descobriu na Bíblia e sobre os quais tem dúvidas!
4.    Em sua comunidade, você percebe que continuamos
cometendo erros iguais ou semelhantes? Cite exemplos!
9 Historicidade dos fatos
A Bíblia não é um livro de ciências nem um livro de
história
Assim como os livros da Bíblia não são livros de ciência,
assim também não podemos lê-los simplesmente como
livros de história. A Bíblia é como um espelho em que,
através da história do povo hebreu, está refletida a história
da humanidade. Eis por que identificamos quase
espontaneamente situações que o povo de Israel viveu com
situações que estamos vivendo hoje. Assim também
identificamos personagens da Bíblia com personagens de
nosso tempo, como se Caim e Abel, Abraão e Sara, Moisés e
o Faraó, Jeremias e Amós continuassem no meio de nós.
A Bíblia é interpretação da história
Nem tudo o que está narrado nos livros históricos
aconteceu do jeito como está escrito. É que, mais do que
fazer uma descrição dos fatos como se fossem filmagem, as
Escrituras interpretam a história, a vida. Descrevem a
experiência de Deus que as pessoas e o povo fazem.
Por isso, é correto dizer que, ao estudarmos um texto
bíblico, estamos na verdade interpretando uma
interpretação.
Na Bíblia, há várias interpretações da mesma história
Dentro da própria Bíblia há diferentes interpretações a
respeito da mesma história.
Por exemplo, a história da tomada da terra narrada no livro
de Josué não é a mesma que está narrada no livro dos
Juizes. Para exemplificar, veja como em Josué se afirma que
toda a Terra Prometida já estava libertada das mãos dos
reis (Josué, capítulo 11, versículo 23 e capítulo 21,
versículos 43 e 45). Porém, logo adiante, no livro de Juizes,
se afirma que ainda faltava muito por conquistar (Juizes,
capítulo 1, versículos 21 e 27 a 35).
Para entender essas diferenças é importante termos
presente que foi um longo processo que essas histórias
percorreram até serem fixadas na forma escrita como as
temos hoje. Cada texto tem sua intenção teológica.São
interpretações diferentes e até contraditórias dos mesmos
fatos históricos, como já falamos acima, quando refletíamos
sobre as duas grandes linhas que perpassam todas as
Escrituras.
Há, inclusive, uma evolução na reflexão teológica, como se
pode perceber, por exemplo, na atribuição dos males que
vêm em prejuízo do povo.
Um caso é o recenseamento que o rei Davi fez (segundo
livro de Samuel, capítulo 24, versículos 1 a 15). No
versículo 10, nos é dito que realizar o censo é pecado.
Certamente é pecado, porque parecia querer limitar o
poder de Deus, a quem pertence o poder sobre a vida das
pessoas. Também é pecado, porque visa fornecer ao rei o
número de pessoas para poder melhor explorá-las através
dos impostos e para saber o número de homens aptos a
serem recrutados para a guerra (veja o versículo
9). Quando este texto é escrito, pensava-se ainda que Deus
era também o autor do mal. Por isso, diz no versículo 1 que
foi Deus que incitou a Davi para que fizesse o censo.
Quando, séculos mais tarde, o mesmo fato é contado
novamente, já houve uma evolução na reflexão
teológica em Israel. Agora, o mal já não vem mais de Deus,
mas vem de Satã (primeiro livro das Crônicas, capítulo 21,
versículo 1).
Na Bíblia, há sucessivas releituras da história
No Primeiro Testamento, temos sucessivas interpretações
ou releituras da história, da ação de Deus junto a seu povo
no passado. Cada releitura tem como objetivo principal
atualizar a Palavra de Deus para um novo momento. As
dificuldades já não são as mesmas do passado. Há outros
problemas a serem enfrentados. O contexto é outro.
Exige novas soluções.
Para trazer luzes sobre esses novos contextos, o povo da
Bíblia atualiza sabiamente sua memória do passado.
Percebe, assim, com mais clareza o projeto de Deus para os
dias atuais. Seria como uma lanterna em que as pilhas já
estão fracas. É preciso substituí-las. E a luz se renova. Vê-
se novamente a vida com mais clareza, com mais
esperança.
Até mesmo o Segundo Testamento é uma releitura do
Primeiro a partir da experiência da ressurreição de Jesus.
A Bíblia é uma sequência de sínteses atualizadas do
passado, adaptadas ao presente em vista do futuro. E
nossas releituras das Escrituras hoje seguem esse mesmo
processo, de modo que a Palavra de Deus continue sendo
“luz para nosso caminho”.
Um exemplo típico na Bíblia para ilustrar esse processo de
releituras ou atualizações é o caso de Abraão. Vejamos:
Em Gênesis, nos capítulos 12 a 25, temos os primeiros
escritos que fazem memória da vida de Abraão. Já esses
textos são certamente uma adaptação das tradições
populares sobre o patriarca. Durante muitos anos, a
memória sobre Abraão foi tradição oral. Lembrava a
caminhada de fé dos pastores seminômades em épocas
anteriores à formação de Israel. Viviam pobremente, longe
da opressão da cidade, em regiões semidesérticas. Os
textos de Gênesis 12 a 25, como os temos na sua redação
final, além da memória popular ainda muito viva, também
refletem os interesses da corte real no tempo de Salomão.
Já são, portanto, atualização, releitura.
Em Eclesiástico, capítulo 44, nos versículos 19 a 23, temos
uma nova releitura das tradições sobre Abraão. Uns 200
anos a.C., quando a dominação grega quer impor aos
judeus os seus ídolos, seus heróis, seu modo de viver e sua
sabedoria, os autores deste livro apresentam também os
patriarcas como modelos e “heróis” dignos de serem
imitados. Neles se revela o amor de Deus por seu povo, no
qual reside a sabedoria.
Uma terceira releitura é feita pelos autores da Carta aos
Hebreus já no Segundo Testamento. Todo o capítulo 11 é
uma reflexão sobre a história do povo de Deus à luz da fé.
Foi a fé dos heróis do passado que os tornou herdeiros da
promessa, nos servindo como modelos de fé. Abraão é
lembrado nos versículos 8 a 19. Esta atualização é feita
para servir como luz para um novo contexto, para aumentar
a fé das comunidades em Jesus ressuscitado.
A Bíblia nasceu aos poucos
Como podemos ver, a Bíblia é um livro que nasceu aos
poucos. Nasceu da vida de um povo que tentou ser fiel a
Deus presente no cotidiano.
Antes do texto escrito, vêm experiências vividas pelas mais
diferentes pessoas e em lugares variados. Todas essas
experiências foram sendo contadas, recontadas durante
muito tempo. Só então a memória virou texto.
Sobre os mesmos fatos foram surgindo diferentes tradições
de acordo com o meio onde eram narradas, recontadas e
escritas. Na cidade, nos palácios e no templo a
reelaboração era de um jeito. No campo era de outro. Cada
qual de acordo com seus condicionamentos, interesses,
limites e horizontes.
Aos poucos, as tradições foram agrupadas dentro de
narrativas ou conjuntos maiores, adquirindo um novo
colorido, fornecendo respostas novas a novas necessidades,
até o texto chegar à sua redação final como o temos hoje.
A Bíblia não quer transmitir os fatos, mas a intenção,
a mensagem a partir dos fatos
... a Bíblia nos revela o sentido profundo que está
dentro dos fatos, por trás das palavras. Revela a
presença misteriosa de Deus na vida, na
história, nos fatos, nas pessoas. Mais do que uma
história de fatos, a Bíblia contém teologias da
história, isto é, reflexões de fé sobre a história.
Além disso, a Bíblia não descreve uma história “factual”,
mas “intencional”. O mais importante não é o fato em si,
mas a intenção que o autor quer transmitir. Consequência
disso é que a pergunta certa a ser feita ao texto bíblico não
pode ser: “o fato foi ou não foi assim?”, mas sim: “qual a
intenção de quem escreveu o texto?”, ou: “o que o texto
quer dizer?”, ou ainda: “qual sua mensagem?”.
Para exemplificar o que acabamos de refletir, lembremo-
nos da estória de Caim e Abel (Gênesis, capítulo 4).
Aqueles que leem esse texto como fato histórico não
conseguem explicar de onde veio a mulher de Caim,
quando naquele momento, se lemos o texto ao pé da letra,
apenas existiam Adão, Eva e Caim. Se, no entanto, vamos
ao texto em busca da intenção do autor, do sentido do
texto, certamente encontraremos uma resposta.
A Bíblia não é fotografia nem filmagem, mas raio-X,
isto é, revela a vida por dentro
A Bíblia não apresenta fotografias ou filmagens dos
acontecimentos. Sua interpretação dos fatos vai além das
aparências, da cara, da fachada. Por isso é melhor
compará-la com um raio-X, isto é, a Bíblia nos revela o
sentido profundo que está dentro dos fatos, por trás das
palavras. Revela a presença misteriosa de Deus na vida, na
história, nas pessoas.
Mais do que uma história de fatos, a Bíblia contém
teologias da história. São diferentes maneiras de perceber
a presença de Deus nos fatos, das suas maravilhas na vida
de seu povo. O que lhe interessa é a pulsação da presença
de Deus nas veias dos acontecimentos. A comunidade
israelita faz como que “pinturas” e, às vezes, quadros
diferentes de uma mesma realidade. Assim acontece com
as duas “pinturas” da criação, logo no início do livro do
Gênesis.
Compare a primeira narrativa da criação (Gênesis, capítulo
1, versículo 1 até capítulo 2, versículo 4) com a segunda
(Gênesis, capítulo 2, versículos 4 a 25) e perceba como o
povo da Bíblia pinta dois quadros muito diferentes para
revelar o sentido profundo da vida. A primeira reflete a
situação de sofrimento do povo no exílio da Babilônia ao
redor de 550 a.C. A segunda, ao relatar o plano de Deus
para a criação e a humanidade, retrata como o povo
alimentava sua esperança na época da opressão do rei
Salomão ao redor de 950 a.C.
A Bíblia nos quer revelar a presença amorosa de Deus
na vida
Continuando a usar imagens para comparar as Escrituras,
poderiamos dizer ainda que a Bíblia é como um binóculo.
Quando ficamos olhando para ele, nós só enxergamos ele
mesmo, o binóculo. Porém, quando olhamos através dele,
vemos o horizonte de outro jeito, com outra perspectiva.
Assim também é a Sagrada Escritura. Olhando à distância,
ela parece um livro qualquer. Mas se olhamos através dela,
aquilo que está por trás das palavras, atrás da lente desse
“binóculo”, então percebemos sua intenção, que é revelara
presença amorosa de Deus na vida, nos acontecimentos.
Deus se manifestou no passado e continua se
manifestando no presente
Uma coisa que nos deixa com um pé atrás em relação à
Bíblia é a facilidade e frequência com que se diz que Deus
apareceu e falou com alguns personagens como Noé,
Abraão e Sara, Agar e Jacó, Rebeca e Moisés, Elias e tantos
outros. Será que apareceu cara a cara e falou com sua voz?
Ora, sabemos que Deus não tem cara e sua voz não vibra
no ar.
Mas também sabemos que, para comunicar nossas
experiências mais profundas, temos que usar imagens. Nós,
que temos fé, sabemos que Deus está invisivelmente
presente em nossa vida, conhecemos os traços do seu rosto
e escutamos sua voz, sobretudo em momentos decisivos.
Numa ocasião, uma freira perguntou ao e frei Carlos
Mesters: “Por que Deus aparecia e falava tanto na época
bíblica e deixou de aparecer e de falar hoje? ”. Frei Carlos
perguntou-lhe, à queima roupa: “Por que você resolveu ser
freira? ”. E ela respondeu: “Porque Deus me chamou!”. Ela
tinha percebido a “voz” de Deus nos acontecimentos de sua
vida.
O povo tem razão quando diz: “Deus te ouça! ”, “Deus te
guarde! ” “Vai com Deus! ” e outras expressões que
manifestam a presença atuante de Deus em todos os nossos
passos. Só podemos falar de Deus através de imagens e
figuras.
Para você continuar a reflexão
1.    O que significa afirmar que “a Bíblia não é uma
história ‘factual’, mas ‘intencional’”, que “não é fotografia,
mas raio-X da realidade”?
2.    Como as pessoas de sua comunidade leem a Bíblia? É
parecido com o jeito que você viu aqui? Como é?
3.    O que acha mais importante sobre a “historicidade dos
fatos” neste capítulo?
10 Linguagem bíblica
Nosso jeito de pensar e falar é muito diferente do
jeito de pensar e falar da época bíblica
Nosso jeito de falar, nesta virada para o terceiro milênio, é
muito diferente da linguagem usada por povos de dois ou
três milênios atrás em uma realidade e cultura muito
distintas da nossa. Se o povo de Israel da época de Salomão
lesse algum romance de Jorge Amado, certamente teria
dificuldades para entender os costumes, as culturas e a
linguagem do povo no Nordeste brasileiro. Já para um
brasileiro, certamente não haverá tantas dificuldades.
A mesma coisa acontece com a linguagem bíblica. Ela era
entendida pelo povo daquela época. Para nós, porém, ela é
mais difícil. Além disso, convém lembrar que não só a
linguagem, mas também o conteúdo, muitas vezes, nos
parece estranho. Essa dificuldade é real, porque
os conteúdos bíblicos refletem outra realidade, outra visão
de mundo, outra cultura, outro contexto, outro lugar. Tudo
isso é muito distante de nós, isto é, de dois a três mil anos,
bem como a milhares de quilômetros.
A linguagem bíblica se vale de muitos símbolos,
imagens e comparações
A Bíblia usa muitos símbolos, imagens e comparações. Por
exemplo, os números, na Bíblia, na maioria das vezes são
simbólicos. Nem sempre podem ser lidos como se fossem
um valor quantitativo, mas qualitativo. O número sete, por
exemplo, significa plenitude, totalidade, perfeição. Tal
como nós hoje, o povo da época bíblica também
usava símbolos para falar, por exemplo, de Deus. Compara-
o com um oleiro (Gênesis, capítulo 2, versículo 7). São
muitas as imagens e comparações na Bíblia.
Leia o capítulo 13 de Mateus e perceba como Jesus
compara o Reino de Deus com uma semente, o trigo, o grão
de mostarda, a rede, a pérola, o talento!
Há muitos tipos de linguagem nas Escrituras
Entre nós, há muitos tipos de linguagem. Por exemplo, no
direito, quando o assunto é a lei, a linguagem é clara e
concisa. Já a poesia usa metáforas, símbolos. Uma crônica é
diferente de uma carta. Uma carta comercial não é igual a
uma carta familiar. Uma fábula é diferente de um relato
histórico. O narrador de um jogo de futebol não usa a
mesma linguagem do contador de piadas.
Assim há também muitos tipos de linguagem nas
Escrituras. Nelas encontramos histórias, estórias, poesias,
romances, parábolas, alegorias ou comparações,
provérbios, orações, cantos, profecias, apocalipses,
narrativas de milagres, de vocações. Só isso já nos ensina
que não podemos ler a Bíblia ao pé da letra, tal qual dizem
as palavras que lemos. É preciso interpretar cada texto
conforme a linguagem com que é expresso. A Bíblia tem até
fábulas, como aquela das árvores que falam e resolvem
eleger um rei (leia Juizes, capítulo 9, versículos 7 a 15).
Prosa e poesia: as duas formas básicas de linguagem
na Bíblia:
Fundamentalmente, são duas as formas literárias na Bíblia:
prosa e poesia.
•    A prosa é uma narrativa, uma descrição em forma
linear, tal como falamos normalmente.
•    Já a poesia é uma forma imaginativa de falar e
escrever. E a arte de falar em versos e por imagens.
Algumas formas literárias em prosa são:
•    listas de nomes ou genealogias (Gênesis, capítulo 10;
Mateus, capítulo 1, versículos 1 a 16);
•    listas de leis (Deuteronômio, capítulo 5, versículos 6 a
21);
•    crônicas, isto é, narrações históricas cronológicas
(primeiro livro de Reis, capítulo 16, versículos 8 a 14);
•    diários de viagens (Atos dos Apóstolos, capítulo 15,
versículo 40 até capítulo 16, versículo 5);
•    novelas (Rute e Jonas);
•    fábulas (Juizes, capítulo 9, versículos 7 a 15);
•    parábolas (Mateus, capítulo 13);
•    narrativas de vocação (Gênesis, capítulo 12, versículos
1 a 9; Êxodo, capítulo 3; Primeiro Livro de Samuel, capítulo
3);
•    narrativas de milagres (Mateus, capítulos 8 a 9);
•    discursos (Deuteronômio, capítulo 1; Mateus, capítulos
5 a 7);
•    visões (Amós, capítulo 7, versículos 1 a 9);
•    testamentos (Gênesis, capítulo 49);
•    cartas (Jeremias, capítulo 29, versículos 1 a 14);
•    biografias (Amós, capítulo 7, versículos 10 a 17);
•    alegorias (provérbios, capítulo 1, versículos 20 a 33);
•    contratos (primeiros Livro de Reis, capítulo 5, versículos
15a 26);
•    lendas etiológicas.
Etiologias são estórias populares para explicar, num
passado distante, a causa de uma situação que os autores
vivem em seu tempo. Exemplos:
•    Gênesis, capítulo 3, versículo 14: a razão por que as
serpentes se arrastam em vez de caminhar;
•    Gênesis, capítulo 25, versículos 19 a 34: a causa da
inimizade entre Israel e os edomitas;
•    Gênesis, capítulo 19, versículos 30 a 38: a rivalidade
entre os israelitas e os povos de Amon e Moab.
A poesia também se apresenta de muitas formas:
•    provérbios (provérbios, capítulo 25; Eclesiástico,
capítulo 24);
•    Salmos (Salmos 41 e 105);
•    cânticos de vitória (Êxodo, capítulo 15, versículos 1 a
21; Juizes, capítulo 5);
•    cânticos de amor (Cântico dos Cânticos);
•    lamentações (segundo livro de Samuel, capítulo 1,
versículos 19 a 27; livro das Lamentações).
Formas de linguagem na literatura profética
A literatura profética tem
Prosa:
•    vocações: Isaías, capítulo 6; Jeremias, capítulo 1;
•    narrativas biográficas: Amós, capítulo 7, versículos 10 a
17;
•    visões: Amós, capítulo 7, versículos 1 a 9; Zacarias,
capítulo 1 a 6;
•    gestos simbólicos: Jeremias, capítulo 28, versículos 1 a
14;
•    parábolas: Isaías, capítulo 5, versículos 1 a 7.
Poesia:
•    oráculos de ameaça: Amós, capítulo 4, versículos 2 a 3;
•    oráculos de acusação: Amós, capítulo 5, versículo 18;
•    oráculos de salvação: Isaías, capítulo 41, versículos 17 a
20;
•    oráculos de proteção: Isaías, capítulo 41, versículos 8 a
13.
Como você pode ver nestes exemplos, é grande a riqueza
das formas literárias que aparecem nos escritos bíblicos.
Fala-se, assim, de diversas formas, estilos ou gêneros
literários.
Antes de seguir adiante, faça agora um exercício. Leia pelo
menos alguns dos textos bíblicos em prosa e poesia, citados
acima e procure perceber as características próprias de
cada uma dessas formas literárias.
Para você continuar a reflexão
1.    O que lhe chamou mais a atenção a respeito da
linguagem bíblica?
2.    Quais são as principais formas de linguagem usadas no
nosso dia-a-dia?
11 Traduçõesda Bíblia
A tradução é o único meio para fazer com que uma coisa
escrita em uma língua possa ser lida e entendida por quem
não fala aquela língua. Para que as pessoas que não
falavam as línguas originais em que a Bíblia foi escrita
pudessem entendê-la, também as Escrituras tiveram que
ser traduzidas.
Os manuscritos em papiro e pergaminho
Quando os livros da Bíblia foram escritos, a arte de
escrever era ainda muito primitiva. Todos os livros bíblicos
são “manuscrito”, isto é, escritos à mão. O material usado
era o “papiro”, uma espécie de junco que crescia às
margens do Rio Nilo, no Egito, e também na Galileia até
o início do século XX. Suas hastes eram compactadas numa
tela.
Outro material usado para a escrita era o “pergaminho”,
feito com peles de ovelhas ou de cabras. O nome vem da
cidade de Pérgamo, na Ásia Menor, atual Turquia. Lá se
preparava esse material.
Depois de escrito o texto, o papiro ou o pergaminho era
enrolado e guardado em urnas. A palavra “Pentateuco”
quer dizer cinco urnas ou estojos, onde se guardavam os
rolos da lei. No uso comum, o termo passou a significar
também cinco rolos ou volumes.
A primeira tradução da Bíblia hebraica foi para o grego
A primeira tradução das Escrituras foi a tradução do
hebraico para o grego. Essa tradução veio dar resposta a
uma necessidade sentida pelos judeus, quando se
espalharam pelo Egito e outros países. Por lá se fixaram e
seus descendentes já não entendiam mais o hebraico, pois
ali a língua era o grego. Era necessário traduzir o texto
hebraico para o grego, pois, no culto das sinagogas, o
centro eram as Sagradas Escrituras. Toda a vida do povo
judeu sempre foi marcada pela Bíblia, o coração de
sua história. A tradução das Escrituras para o grego ficou
famosa e se chama “Septuaginta” ou “Tradução dos
Setenta”, porque, segundo a tradição, ela foi feita por 70
sábios judeus a partir do século III a.C.
A segunda tradução da Bíblia foi para o latim
Com a chegada do Cristianismo às regiões do Império
Romano onde não se falava o grego, como o Norte da
África, Oeste e Norte da Europa, foi necessário traduzir a
Bíblia grega para o latim.
As versões latinas da Bíblia foram surgindo, a partir do
final do século II. Várias versões surgiram. Eram traduções
feitas a partir da Septuaginta, versão grega das Escrituras.
Os tradutores dominavam pouco o latim e menos ainda o
grego, traduzindo, muitas vezes, ao pé da letra.
Jerônimo e a “Vulgata”
O aparecimento dessas versões latinas, com problemas de
tradução, preocupou as autoridades da Igreja. Por isso, o
papa Dâmaso, em 382, confiou a Jerônimo a revisão dos
Evangelhos, tarefa que concluiu em 384. Depois disso, foi à
Palestina, estabelecendo-se em Belém. Lá, num primeiro
momento, traduziu para o latim vários livros do
Primeiro Testamento a partir da versão grega. Mas
abandonou esse projeto e passou a traduzi-los diretamente
do texto hebraico. Essa tarefa foi realizada entre 390 e 405.
A tradução feita por Jerônimo ficou conhecida pelo nome de
“Vulgata” que, em latim, significa “comum”, “usual”.
Na verdade, é bom lembrar que Jerônimo não traduziu
sozinho a Bíblia. Ele coordenou uma equipe de tradução,
formada especialmente por mulheres. Entre elas se
destacava Paula.
Certamente, por influência de rabinos, com quem se
aperfeiçoou no hebraico e a quem consultava em casos de
dúvidas na tradução, Jerô-nimo tinha restrições em relação
aos livros que não constavam na Bíblia hebraica. Por isso,
os chamou de deuterocanônicos.
A Vulgata teve grande aceitação. Durante muitos séculos,
não houve quem produzisse obra de semelhante
envergadura. Houve sucessivas reproduções com revisões
da tradução de Jerônimo. No final do século XVI, fez-se uma
edição revisada da Vulgata. Uma nova revisão crítica foi
feita no início do século XIX. E atualmente há um
mosteiro em Roma onde os monges se dedicam a fazer
nova revisão da tradução de Jerônimo.
A primeira Bíblia impressa
A “imprensa” só foi inventada por Gutenberg em 1450, e o
primeiro livro impresso foi a Bíblia, no ano de 1455.
Depois dos textos hebraico, grego e latino, veio o
alemão
Uns 1.100 anos depois de Jerônimo, na época da invasão
das Américas pelos europeus, Lutero traduziu a Bíblia para
o alemão, a língua do seu povo. Ele dizia que “o povo tem
que poder ler a Bíblia com sua cabeça e os seus olhos”. No
Primeiro Testamento, incluiu somente o texto hebraico,
deixando fora os livros que Jerônimo chamara de
“deuterocanônicos”. Como já dizíamos acima, a situação
conflitiva e polêmica influenciou Lutero, que defendeu a
ideia de que era preciso voltar à Bíblia hebraica, pois era o
mais antigo texto da Bíblia. Embora não incluísse em sua
tradução os livros deuterocanônicos, Lutero recomendou
sua leitura. Ele se baseou na opinião de Jerônimo: “Esses
livros são proveitosos para alimentar a fé. A Igreja os acata
e os lê. Mas não se deve usá-los como fundamento para
estabelecer doutrinas”.
As traduções da Bíblia para o português
A primeira tradução da Bíblia para a língua portuguesa foi
feita em 1681 por João Ferreira de Almeida, que era
evangélico, e publicada em um só volume sob o título de “A
Bíblia Sagrada”. Em 1821, com o título de “Santa Bíblia”,
foi publicada a tradução católica portuguesa do padre
Antonio Pereira Figueiredo.
Nos últimos 50 anos, foram editadas várias traduções da
Bíblia, como a “Bíblia de Jerusalém” (Edições Paulinas), a
“Bíblia Sagrada” (Editora Vozes), “A Bíblia Sagrada -
Edição Pastoral” (Editora Paulus), “Tradução Ecumênica da
Bíblia” (Edições Loyola), “A Bíblia na Linguagem de Hoje”
(Sociedade Bíblica do Brasil), “Bíblia do
Peregrino” (Editora Paulus), entre outras.
A Bíblia já foi traduzida para centenas de línguas e é
o livro mais divulgado no mundo. Isso já é
um testemunho do valor que lhe é conferido.
Os estudos da Bíblia avançaram muito nos últimos tempos.
Milhares de “exegetas”, que quer dizer intérpretes
e pesquisadores que nos ajudam no entendimento e na
interpretação das Escrituras, dedicam-se ao estudo da
Bíblia. Eis por que estão sempre aparecendo
novas traduções mais aperfeiçoadas.
Traduzir não é uma tarefa fácil, principalmente por causa
da diferença das línguas, das culturas. Frei Gil Gomes, um
missionário indigenista, resolveu traduzir o “Pai-
Nosso” para a língua dos índios, com os quais morava.
Quando chegou no “perdoa-nos as nossas dívidas”,
empacou porque na língua deles não havia palavra
correspondente a “perdoar”. Então um índio sugeriu
assim: “Coloca nossas faltas para trás de tuas costas”. Nas
nossas Bíblias, por exemplo, achamos muitas vezes o verbo
“converter-se” ou “arrepender-se” para traduzir a ideia que
a Bíblia hebraica expressa com o verbo “voltar a Deus”.
Para você continuar a reflexão
1.    O que é a Bíblia conhecida como “Septuaginta”?
Quando e por que surgiu?
2.    O que é a Bíblia conhecida como “Vulgata”?
12 Citações da Bíblia
A divisão em capítulos e versículos
Nos manuscritos antigos não havia títulos nem a divisão em
capítulos e versículos, como temos hoje. A divisão em
capítulos é atribuída a Estêvão Langton, arcebispo de
Cantuária na Inglaterra a partir de 1214. A divisão em
versículos do Primeiro Testamento foi feita pelo frade
dominicano Santes Pagnini em 1527. A do Segundo
Testamento foi feita pelo tipógrafo francês Roberto Etienne
em 1551. Robert Stephens foi quem imprimiu a primeira
Bíblia com essas divisões. Foi a edição da “Vulgata” em
latim, publicada em 1555.
A partir da separação em capítulos e versículos, tudo ficou
mais fácil. Hoje, a gente abre uma Bíblia e encontra tudo
muito bem organizado: vem o título do livro, depois o título
do capítulo e, em muitos capítulos, os subtítulos dos
assuntos, com a numeração dos versículos.
Note-se que os títulos e subtítulos dos capítulos variam de
tradução para tradução. Isso se deve ao fato de não
fazerem parte dos textos originais da Bíblia, mas serem
obra de quem faz a tradução. Nos diferentes títulos,
podemos perceber várias tendências. É que nenhuma
tradução é neutra, e a diferença entre títulos para um
mesmotexto reflete a interpretação do texto por cada
tradutor a partir de seus condicionamentos e opções. De
fato, traduzir um texto é mais do que uma
simples tradução. Também é uma interpretação.
Pegue duas ou mais Bíblias de traduções diferentes e
perceba como mudam os títulos para os mesmos textos!
Abreviaturas dos livros bíblicos
Para facilitar as citações de textos bíblicos, foi estabelecida
uma abreviatura para cada livro das Escrituras, com duas
ou três letras, como você pode conferir no quadro a seguir
ou nas primeiras páginas de sua Bíblia, onde poderá
encontrar a lista completa dos livros bíblicos, bem como a
abreviação de cada um. Daqui em diante, usaremos
somente as abreviaturas nas citações bíblicas, conforme
quadro abaixo.
Gênesis Gn
Êxodo Ex
Levítico Lv
Números Nm
Deuteronômio Dt
Josué Js
Juizes Jz
Rute Rt
Samuel ISm, 2Sm
Reis lRs, 2Rs
Crônicas lCr, 2Cr
Esdras Esd
Neemias Ne
Tobias Tb
Judite Jt
Ester Est
Macabeus lMc, 2Mc
Jó Jó
Salmos SI
Provérbios Pr
Eclesiastes (Coélet) Ecl
Cântico dos Cânticos Ct
Sabedoria Sb
Eclesiástico (Sirácida) Eclo
Isaías Is
Jeremias Jr
Lamentações Lm
Baruc Br
Ezequiel Ez
Daniel Dn
Oseias Os
Joel J1
Amós Am
Abdias Ab
Jonas Jn
Miqueias Mq
Naum Na
Habacuc Hab
Sofonias Sf
Ageu Ag
Zacarias Zc
Malaquias Ml
Mateus Mt
Marcos Mc
Lucas Lc
João Jo
Atos dos Apóstolos At
Romanos Rm
Coríntios ICor, 2Cor
Gálatas G1
Efésios Ef
Filipenses FI
Colossenses Cl
Tessalonicenses lTs, 2Ts
Timóteo lTm, 2Tm
Tiro Tt
Filemon Fm
Hebreus Hb
Epístola de Tiago Tg
Epístolas de Pedra lPd, 2Pd
Epístolas de João ljo, 2Jo, 3Jo
Epístola de Judas Jd
Apocalipse Ap
Observação: Na Bíblia traduzida por João Ferreira de
Almeida, os seguintes livros têm outra abreviatura:
Primeiro Testamento: Esdras (Ed), Ester (Et), Eclesiastes
(Ec), Abdias ou Obadias (Ob) e Habacuc (Hc). Segundo
Testamento: Primeira e Segunda Cartas aos Coríntios (1
e 2Co), Filipenses (Fp), Primeira e Segunda Cartas de
Pedro (1 e 2Pe).
Para interpretar uma citação, como por exemplo Mt 3,15b;
6,l-2.33s, precisamos saber o significado da vírgula, do “b”,
do ponto e vírgula, do hífen, do ponto e do “s”. Vamos por
partes.
•    A vírgula separa capítulo de versículo. Exemplo: A
citação Cm 3,1 é lida da seguinte maneira: livro do Gênesis,
capítulo 3, versículo 1.
Observação; No lugar da vírgula para separar capítulo de
versículos, a versão de João Ferreira de Almeida e a
literatura evangélica usam o ponto. Exemplo: Mt 3.15.
•    O ponto e vírgula separa capítulos e livros. As citações
Gn 5,1-7; 6,8; Ex 2,3 se leem assim: livro do Gênesis,
capítulo 5, versículos de 1 até 7; capítulo 6, versículo 8;
livro do Êxodo, capítulo 2, versículo 3.
•    O ponto separa versículo de outro versículo, quando não
seguidos. A citação Lc 6,20.30-36é assim interpretada:
Evangelho de Lucas, capítulo 6, versículo 20 e versículos
30 a 36. O ponto significa “e”.
Observação: A versão de João Ferreira de Almeida e a
literatura evangélica, no lugar do ponto, usam a vírgula.
Exemplo: Lc 6.20,30-36.
•    O hífen indica sequência de capítulos ou de versículos.
As citações Jo 3-5; 2Tm 2,1-6; Mt 1,5-12, 9 se leem da
seguinte forma: Evangelho de João, capítulos de 3 a 5;
Segunda Carta a Timóteo, capítulo 2, versículos de 1 até 6;
Evangelho de Mateus, capítulo 1, versículo 5 até capítulo
12, versículo 9. O hiren significa a , ao ou ate .
•    As letras “s” ou ainda “ss” são usadas para o versículo
“seguinte” ou “seguintes”. Pode acontecer que você
encontre uma citação bíblica sob a seguinte forma: Lv
25,23s; 26,44ss. Nesse caso, assim será a interpretação da
primeira citação: livro do Levítico, capítulo 25, versículo 23
e seguinte. A segunda cita-
ção deve ser lida da seguinte forma: livro do Levítico,
capítulo 26, versículo 44 e seguintes, isto é, até o final do
capítulo.
• Pode ainda acontecer que você encontre citações como
esta: Gn 1,1-2,4a. O que significam as letras “a”, “b” ou
ainda “c”? Essa citação quer dizer o seguinte: livro do
Gênesis, capítulo 1, versículo 1 até capítulo 2, versículo 4
“primeira parte”. A segunda parte do versículo 4 não faz
parte desta citação bíblica. Quando aparece a letra “b”
quer dizer a segunda parte. Às vezes, aparece o “c”. Nesse
caso, o versículo foi dividido em três partes, sendo que a
terceira parte corresponde ao “c”.
Para exercitar e memorizar o que estudamos neste item,
propomos que você localize e leia em sua Bíblia todas as
citações elencadas acima.
13 Universalidade da revelação
A missão do povo eleito
Eleição divina não é privilégio. E compromisso.
A missão do povo que tem consciência de ser
escolhido por Deuséser "luz dos povos."
Por um lado, o Primeiro Testamento se refere com muita
frequência ao povo israelita como “Povo de Deus” ou “Povo
Eleito”. Por outro lado, insiste também que esse povo
tem uma missão universal.
A promessa feita a Abraão de ser uma bênção para todos os
povos deve estender-se a todas as nações da terra (Gn
12,3; 18,18; 22,18;
26,4; 28,14). Conforme a profecia contida no livro de
Isaías, Israel deve ser “a luz dos povos”
(Is 42,6; 49,6; 60,3). Nas Escrituras, eleição não é
privilégio, mas missão, responsabilidade.
Deus se revela a todos os povos e a todas as culturas
Deus está presente e atuante na história de todos os povos,
na história do povo brasileiro também. Não é verdade que
ele é o criador de todas as coisas e de todos os povos?
Veja, por exemplo, o que diz o apóstolo Paulo em Atos dos
Apóstolos (At 17,22-28)!
O profeta Amós já tinha dito que Deus não cuidava só de
Israel: “Por acaso, israelitas, para mim vocês são diferentes
dos etíopes? Eu não tirei Israel da terra do Egito? Mas
também não tirei os filisteus de Cáftor?Enão fiz os arameus
saírem de Quir?” (Am 9,7).
A mensagem do livro de Jonas vai na mesma direção.
À experiência israelita de Deus é uma revelação na
história do povo
"[...] Eu ocupo uma morada sublime e santa, mas
também moro com os oprimidos e humilhados,
dando nova vida aos humilhados e coragem aos
oprimidos."
(Is 57,15)
Para revelar, para manifestar essa sua presença e atuação,
Deus se revelou na história do povo, tornando-a exemplar.
É exemplar porque serve de exemplo, de modelo a ser
olhado com atenção. É uma experiência típica da presença
ele Deus na vida do povo em meio a um processo libertador
das forças de opressão. Daí a importância da
história israelita. Ela nos deve ajudar para perceber, na
história dos outros povos, como Deus está se revelando no
mundo todo.
Deus não quis se revelar em palácios, mas junto a
oprimidos
Uma das características marcantes da Bíblia é que, em sua
maior parte, ela é a história interpretada a partir do povo
que sofre, que luta, que labuta e não tanto a partir dos
“senhores do mundo”, dos dominadores, dos governantes.
A história dos “senhores do mundo” está registrada na
“literatura oficial”, ensinada nas escolas, celebrada nas
datas oficiais, gravada nos monumentos, lembrada nos
nomes de praças e de ruas.
Deus não quis revelar-se nos palácios nem mesmo nos
templos. Mas optou por se manifestar na vida de um povo
que foi escravo no Egito, vagou pelo deserto e enfrentou
grandes dificuldades para se organizar na terra de Canaã.
Depois de uma bela convivência na época das tribos,
passou pela fracassada experiência da monarquia e do
exílio babi-lônico, foi dominado e oprimido sucessivamente
por vários impérios. E foi justamente nessa experiência que
o filho de Deus se encarnou.
E nesse sentido que Jesus ora: “Eu te louvo, Pai, Senhor do
céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e
inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai,
porque assim foi do teu agrado” (Mt ll,25s.).
A revelação de Deus é universal
Pode-se dizer que a Bíblia relata uma experiência universal
porque está estreitamente ligada com a vida. E a vida é o
que há de mais universal. Onde a vida se manifesta, aí o
próprio Deus está se revelando.
Não foi fácil para os estudiosos fazerem uma “cronologia”
bíblica, isto é, situar os acontecimentosnarrados na Bíblia
no calendário da “história oficial”. Por exemplo, as histórias
de Moisés e do Êxodo são fatos importantes da história do
povo de Israel. Apesar disso, não estão registrados nos
arquivos do Império Egípcio. E o Egito já tinha um grau
relativamente elevado de civilização e uma burocracia
muito bem montada. Os encontros de Moisés com o faraó,
cujo nome a Bíblia omite, parecem encontros extraoficiais,
sem nenhum protocolo que as audiências com os chefes de
estado sempre exigiram.
Tudo isso é indício de uma universalidade que faz com que
os fatos, as pessoas, as situações, embora bem concretos,
recebam uma carga simbólica muito grande. Dessa forma,
ultrapassam os limites da experiência particular, isto é,
adquirem certa transcendência. São projetados para além
de suas fronteiras históricas e geográficas. É como se
Moisés, o faraó, a opressão do Egito, o clamor do povo, o
sonho de libertação se reproduzissem na nossa realidade
de hoje no Brasil, bem como de todos os povos em todos os
tempos.
A revelação de Deus é universal e versátil
De certo modo, a revelação na Bíblia é não só universal,
mas também “versátil”. Deus se revela a todos os povos,
revelando-se a cada cultura, a cada novo contexto. É a
inculturação de Deus em todos os povos. Sua versatilidade,
isto é, sua manifestação de acordo com a cultura de
cada povo, permite que percebamos o mesmo Deus se
revelando nas diversas culturas por mais que sejam
diferentes da tradição bíblica.
Para você continuar a reflexão
1.    A partir de Is 42,1 -9 e 49,1 -7, qual a missão do “povo
de Israel”?
2.    Como você explica que a revelação de Deus aos
israelitas é exemplar?
3.    O que você pensa sobre o culto ao mesmo Deus que
tantos e tão diferentes povos prestam sob formas tão
distintas?
4.    O que você considera mais importante neste capítulo
sobre a universalidade da revelação?
14 A Bíblia, uma obra em mutirão
A Bíblia é uma obra elaborada num grande mutirão. Muita
gente participou dele. Pessoas de várias gerações
acreditaram na presença de Deus em sua vida e
descreveram sua caminhada junto com esse Deus.
Como obra em mutirão, a Bíblia é um livro que tem sua
origem no povo. É do povo. O povo é seu autor. Ele é
também o destinatário privilegiado das Escrituras.
A Bíblia é do povo
A origem da Bíblia está no povo. Em sua maior parte, tanto
o Primeiro como o Segundo Testamentos tratam realmente
de uma história do povo. Mas não do povo enquanto uma
determinada nação ou uma etnia, uma cultura particular. E
sim um povo que foi formado por gente simples, na mistura
de várias tribos e clãs, que, na sua diversidade étnica e
cultural, organizaram-se originalmente de forma fraterna,
tribal. Um povo que não se impôs como um império
poderoso na Antiguidade, mas quase sempre viveu à
margem dos impérios, muitas vezes por eles dominado e
ameaçado de destruição.
A Bíblia é o registro da fala de muitas categorias da
sociedade. Tem fala de mulher e de homem, de crianças e
de jovens, de gente adulta e idosa, de rei e de sábio, de
sacerdote e de agricultor, de pastor e de dona de casa,
enfim de todo tipo de gente. E tem os tons de todos os
sentimentos, dando ênfase especial ao clamor dos pobres e
dos oprimidos.
Se a Bíblia é do povo, por que as autoridades eclesiásticas
a mantiveram tanto tempo fora de seu alcance? Nesse
sentido, foi importante a reforma do século XVI. Lutero, por
exemplo, logo traduziu a Bíblia para o alemão. Desse modo,
os fiéis que não sabiam o latim tinham acesso direto às
Escrituras.
Nos últimos 40 anos do século XX, houve, também no
mundo católico, um grande interesse por parte das
comunidades em ler e estudar a Bíblia. Especialmente nas
comunidades eclesiais de base, o povo se reapropriou
novamente desse livro sagrado que sempre lhe pertenceu.
A Bíblia foi feita pelo povo
Geralmente, os escritos populares mergulham no
anonimato. De muitas canções não se sabe o nome do
autor. É como se os autores populares, na convicção de que
apenas estão traduzindo os sentimentos comuns,
retirassem o seu nome e renunciassem aos direitos
autorais.
Assim é a Bíblia. A homenagem prestada a figuras
importantes do passado, atribuindo a elas a autoria de
livros bíblicos, é um modo de disfarçar o anonimato típico
da produção literária popular. A Bíblia é realmente uma
obra popular. Isso não significa que seja sem valor
histórico.
Há também livros na Bíblia que são alta literatura e saíram
da pena de verdadeiros gênios. O sonho do grande poeta
Murilo Mendes era traduzir o livro do Cântico dos Cânticos,
por ele considerado como a obra-prima da literatura de
todos os tempos. O livro de Jó é uma verdadeira joia
literária. Assim também as profecias de Isaías e a maior
parte dos salmos. Seus autores, porém, estão identificados
com o povo. O conteúdo de suas obras está na perspectiva
popular, em defesa da vida do povo oprimido.
Já vimos que há fundamentalmente dois projetos em
confronto na Bíblia. Por um lado, o popular e, por outro, o
oficial. Por trás do projeto oficial estão os interesses do
pessoal da corte e do templo. Mas esse grupo não
conseguiu impedir e excluir a literatura popular que
constitui o eixo central das Escrituras. E justamente nela
que podemos perceber a presença misteriosa de Deus que
faz história com seu povo. Portanto, em seu eixo
fundamental, a Bíblia é uma obra produzida pelo povo.
Não é correto imaginar que os autores bíblicos tenham sido
pessoas que se isolaram em seus “escritórios” e, diante dos
seus “computadores”, redigiram seus livros. Talvez assim
aconteça com nossos romancistas hoje.
Mas com os escritos da Bíblia não foi assim. Os textos
bíblicos, antes de serem escritos, foram memória oral
durante muito tempo. Uns mais e outros menos. Antes de
virar texto, a experiência de Deus era contada, celebrada,
atualizada para novos tempos. Aos poucos, essa memória
oral foi sendo colocada por escrito. Nesse processo todo,
muitas pessoas, até gerações inteiras, deram sua
contribuição. De fato, a Bíblia é um livro que é fruto de um
grande mutirão.
O povo é o destinatário privilegiado das Escrituras
O destinatário privilegiado da Bíblia é simplesmente o
povo. O povo do mundo inteiro, de ontem e de hoje.
A mensagem da Bíblia se dirige a todas as pessoas, mas
não de uma maneira neutra. Por um lado, o Deus que se
revela na Bíblia cobra, acima de tudo, a justiça nas relações
humanas. Por outro, toma decididamente partido por quem
é injustiçado. É o Deus que está sempre disposto a ouvir o
clamor dos oprimidos.
Leia agora Ex 3,7-10!
Quando falamos que também o povo hoje é destinatário das
Escrituras, referimo-nos a todas as pessoas de boa vontade
e que acreditam e lutam por um mundo de paz baseado na
justiça. Mas referimo-nos de modo especial à multidão de
pessoas marginalizadas e excluídas cada vez mais
no sistema neocolonial. No capitalismo selvagem em que
vivemos, o grande ídolo é o lucro no mercado competitivo,
sem freios nem limites, arena em que as feras brutais do
capital desenfreado estraçalham as vítimas que parecem
não ter direito à vida por não serem produtoras ou
consumidoras. E são elas os destinatários privilegiados da
Bíblia.
Para você continuar a reflexão
1.    Comente a afirmação: “A Bíblia é uma obra elaborada
num grande mutirão”.
2.    O que lhe chamou mais a atenção no exposto acima
sobre a Bíblia como obra de mutirão?
3.    Você conhece alguma obra literária de hoje que é fruto
de um mutirão popular? Qual?
15 Onde viveu o povo da Bíblia
A Tem de Israel é uma região muito pequena
A história do povo da Bíblia teve como palco principal uma
área que não passa de uma pequena região em relação ao
tamanho do nosso planeta e mesmo em relação ao tamanho
do Brasil. E mais ou menos o pequenino Estado de Sergipe.
Veja os números:
•    O planeta terra tem 148 milhões, 905 mil e 400
quilômetros quadrados de superfície.
•    O Brasil tem 8 milhões, 516 mil e 37 quilômetros
quadrados.
•    A Palestina tem apenas 25 mil quilômetros quadrados.
•    Isso quer dizer que a Palestina é 340 vezesmenor que o
Brasil.
No conjunto do planeta, não passa de uma pequena porção
de terra espremida entre o Mar Mediterrâneo e o Deserto
Siro-Arábico.
Confira nos mapas a seguir!
O quadro em destaque no mapa acima nos situa na região
do Oriente Médio dentro do mundo e corresponde no mapa
ao lado.
Os nomes dados à Terra de Israel no decorrer da
história
Antes de seguirmos, convém lembrar algumas informações
sobre os nomes dados a essa terra no decorrer da história:
•    Antes da formação do povo de Israel, isto é, mais ou
menos até 1250 a.C., essa terra era chamada Terra de
Canaã. Aí viviam os povos cananeus.
•    A partir da organização das tribos israelitas, passou a
ser chamada Terra de Israel, Terra Prometida ou ainda
Terra Santa.
•    Em 931 a.C, após a morte do rei Salomão, houve a
divisão do reinado. A parte Norte ficou conhecida como
Reino de Israel. E a parte Sul foi chamada de Reino de
Judá.
•    No tempo de Jesus, os romanos passaram a chamar toda
a região de Palestina.
•    As três províncias mais lembradas no Segundo
Testamento são: Judeia ao sul, Samaria o centro e Galileia
ao norte.
•    Hoje em dia, existem três estados nessa região: um é o
Estado Árabe da Jordânia (parte ocupada por Israel desde
1967). O outro é o Estado de Israel, formado por judeus e
árabes. O terceiro é o Estado Árabe da Palestina, previsto
pela ONU (Organização das Nações Unidas) desde 1948 e
que está sendo implantado com muitas dificuldades desde
1996.
ORIENTE MÉDIO
(em 2000)
A Terra de Israel ocupa lugar estratégico
Mas esse pequeno pedaço de terra está localizado num
lugar estratégico muito importante, porque liga três
grandes continentes, a saber: África, Ásia e Europa. A
Europa do lado oeste, onde está o Mar Mediterrâneo, a
Ásia do lado leste e a África do lado sudoeste. São como
três grandes cordas que dão um nó na Palestina.
Tendo uma localização estratégica, era passagem
obrigatória, tanto para o comércio como para a guerra,
entre os povos desses três continentes. Era a porta para os
europeus que vinham pelo mar e a ligação terrestre entre o
Egito e a Mesopotâmia, que foram o berço das mais antigas
civilizações. Qualquer desequilíbrio ou conflito entre essas
grandes civilizações repercutia necessariamente na Terra
de Israel, com consequências muitas vezes trágicas.
Nos primórdios do povo da Bíblia, na época de Abraão,
havift um grande fluxo migratório entre a Mesopotâmia e o
Egito. A fitnÚit de Abraão foi uma família de retirantes,
como acontece tanto entri 0 Nordeste e Sudeste do Brasil.
Como o Nordeste brasileiro, também a Terra Prometida era
uma terra sujeito à seca. Essa realidade transparece na
história de Jacó, que foi obrigado a migrar com toda a
família para o Egito, conforme as bonitas histórias da Bíblia
(Gn 42ss).
O sentido religioso da Terra Prometida
Para o povo de Israel, a Terra Santa tem um profundo
sentido religioso.
•    É a herança que Deus tinha prometido a Abraão (Leia
Gn 12,7; se quiser conferir mais citações, veja ainda 13,15;
15,18; 17,8; 26,3-5).
•    É herança que não se pode vender (leia lRs 21,1-16,
especialmente os versículos 1 a 3. Confira ainda Nm 36,7).
•    É doação de Deus (confira Js 24,2-13).
•    É terra partilhada (leiajs 13,6s).
•    Se é de Deus, então todos têm direito à terra. Porém,
direito de uso e não de propriedade, pois a terra pertence
somente a Deus (veja Lv 25,23).
A Terra de Israel se divide em quatro faixas
Quanto ao aspecto físico do relevo, podemos distinguir
quatro faixas de oeste a leste, isto é, desde o Mar
Mediterrâneo até o deserto: a planície litorânea, o planalto
central, a depressão do Rio Jordão e o planalto
transjordânico.
Ao mesmo tempo em que você vai lendo cada item que
segue, confira as informações nos mapas que seguem ou
nos mapas de sua Bíblia. Vamos por partes.
a) A planície litorânea
É uma região agrícola por excelência. Ao norte, é
interrompida pelo monte Carmelo, que abre a grande
planície fértil de Esdrelon ou Jezrael em direção ao Mar da
Galileia. A parte sul desta planície é fértil. Nela estavam as
principais cidades dos filisteus. Mais ao centro, temos
a planície do Saron ao longo da costa marítima e a Sefela,
região entre a planície de Saron e as montanhas de Judá.
Ao longo dessa faixa litorânea, passava uma das estradas
que ligava o Egito com a Mesopotâmia.
b)    O planalto central
O planalto central é também chamado de montanhas da
Cisjor-dânia. Cisjordânia quer dizer “antes, aquém do
Jordão”, naturalmente para quem se posiciona no lado
oeste do rio, onde se encontra a cidade de Jerusalém.
Estende-se pela região montanhosa do interior.
De norte a sul, temos:
•    as montanhas de Neftali e a planície de Esdrelon ou
Jezrael ao norte;
•    as montanhas da Samaria ou de Efraim ao centro;
•    mais ao sul, as montanhas de Judá, mais tarde Judeia,
isto é, a partir da dominação dos persas (539-333 a.C.).
No planalto central, encontram-se as cidades bíblicas mais
importantes: Samaria, Siquém, Silo, Jerusalém, Belém,
Hebron e outras.
Os montes que se destacam são: Meron, de 1208 m de
altitude, Tabor, de 588 m, Garizim, de 880 m, Ebal, de 940
m, Sião, sobre o qual estava Jerusalém, de 770 m de
altitude.
No declive leste da serra de Judá, a leste e sudeste de
Jerusalém, descendo até o Rio Jordão e o Mar Morto, se
encontra o deserto de Judá. As regiões desérticas se
ampliam em torno do Mar Morto, na metade sul do vale do
Jordão e no Negueb ao sul.
c)    A depressão do Rio Jordão:
A depressão do rio Jordão é a mais profunda do planeta.
Nela se encontram:
•    o leito do Rio Jordão;
•    o Mar Morto;
•    o vale de Arabá
•    e, mais ao sul, o golfo de Ácaba.
Ao norte, está o Mar da Galileia, também chamado de lago
de Genezaré, Tiberíades ou Quineret. É rico em peixes e
cercado de aldeias de pescadores. Dele falam muito os
Evangelhos, pois é a região onde Jesus morou.
Pelo lago passa o Rio Jordão, que tem suas nascentes no
alto das montanhas do Líbano. Entre o lago de Genezaré e
o Mar Morto, o vale do Jordão é uma região desértica. Aí
existem alguns oásis, como Jerico. Depois de numerosas
curvas, o Rio Jordão desemboca no Mar Morto.
O Mar Morto, que tem 76 quilômetros de comprimento por
17 de largura, fica a 392 metros abaixo do nível do mar.
Chama-se Morto porque não oferece condições para a vida,
pois sua água é seis vezes mais salgada do que a água dos
oceanos.
d) O planalto transjordânico
O planalto transjordânico também é conhecido como
montanhas da Transjordânia. Transjordânica significa
“além do Jordão”. Ergue-se do lado leste do Rio Jordão e
vai, pouco a pouco, baixando de nível até confundir-se com
o Deserto Siro-Arábico. O Monte Nebo aí se destaca
(802m).
Tanto na Cis como na Transjordânia, a maioria dos rios e
córregos secam no verão, tendo água somente próximo às
suas desembocaduras no Jordão. Na Transjordânia, os rios
perenes são: Jarmuc, ao norte, Jaboc, ao centro, Arnon e
Zered, a leste do Mar Morto.
Leia as seguintes citações bíblicas e localize nos mapas de
sua Bíblia as localidades que aí aparecem!
Gn 22,19    Gn 32,11
Gn 32,23    Gn35,l
Gn 37,12    Js 6,2
Jz 16,1    2Sm 15,10
lRs 18,19    lRs 21,1
Is 65,10
Para você continuar a reflexão
1.    Apesar de ser um território pequeno, por que essa
terra ocupa um lugar estratégico na região?
2.    Para o povo de Israel, a terra prometida tem um
profundo sentido religioso. Comente essa questão a partir
de Lv 25,23; Js 24,2-13; SI 24,1-2; Is 66,1-2.
RELEVO DA TERRA DE ISRAEL Corte Leste-Oeste    Jurusalém Qunrã
RELEVO DA TERRA DE ISRAEL    Corte Norte-Sul
16 Distintas épocas estão por trás da Bíblia
Os textos bíblicos refletem o contexto da época
Todas as pessoas são condicionadas pelo meio em que
vivem. Daí certa dificuldade de entender as atitudes, os
hábitos, o comportamento de quem vive em outro
ambiente. Por exemplo, a vida no campo é bem diferente da
vida na cidade. Ou ainda, os costumes dos povos
indígenas ou africanos são muito diferentes dos hábitos
europeus.
Assim também acontececom as Escrituras bíblicas. Para
entender o conteúdo da Bíblia, é preciso fazer um esforço
de análise da realidade, isto é, a situação econômica,
política, social e cultural-religiosa do período em que o
texto foi escrito. Ou ainda do período a que o texto se
refere, uma vez que quase todos os textos bíblicos foram
escritos depois de as experiências terem sido transmitidas
pela tradição oral durante muito tempo. É bom sempre ter
presente, por exemplo, que os acontecimentos descritos no
Pentateuco vêm separados por um longo período de
tempo da sua fixação por escrito, tal como os temos na
Bíblia. Mas, se bem notarmos, tudo isso transparece no
próprio texto.
A sociedade israelita é patriarcal
A família e a sociedade israelitas são de tipo patriarcal.
Toda a Bíblia é produzida em ambiente acentuadamente
patriarcal. O poder de decisão está centrado no homem. A
mulher é relegada a um segundo plano, vive à margem da
sociedade, confinada à casa e aos afazeres domésticos.
Daí a importância da “leitura feminista da Bíblia”, que
procura resgatar a dignidade e a presença da mulher nos
textos. Procura também valorizar textos bíblicos, como o
Cântico dos Cânticos, Ester, Rute, Ju-dite e textos do
Segundo Testamento, como literatura crítica à cultura
patriarcal presente naquele tempo. A leitura feminista não
só valoriza certos textos, mas faz uma leitura crítica de
toda a literatura bíblica, questionando especialmente a
linguagem patriarcal centrada no homem.
É bom, porém, não esquecer que a casa não era só lugar de
consumo, mas também de produção: era roça, oficina e
pequena “indústria” doméstica (pão, queijo, calçado, roupa,
vinho, óleo, etc.). E aí a mulher tinha papel muito
importante.
*Leia Pr 31,10-31! Embora escrito numa perspectiva
machista, fala dessa realidade da administração da casa
pela mulher.
A história do povo bíblico é uma sucessão de
dominações
Excluindo a época das tribos, a situação predominante em
que o povo de Israel viveu durante quase toda a história foi
a condição de opressão, de dependência. Inicialmente, por
parte de seus próprios reis e depois por sucessivas
dominações estrangeiras. Desse modo, é
possível compreendermos por que a Bíblia é tão forte na
sua crítica a qualquer sistema de dominação.
Diferentes períodos da história bíblica
Assim como geograficamente o povo da Bíblia ocupa uma
parcela muito pequena do nosso planeta, assim também,
historicamente, ocupa um período muito curto de tempo.
A história do povo de Israel começa com Moisés e os
acontecimentos do Êxodo. As narrativas sobre Abraão e os
patriarcas pertencem a uma época quando o povo como tal
ainda não estava formado. Fala-se só das famílias dos
patriarcas que andavam vagando por aquelas terras.
Ora, a época de Moisés foi durante a 19a dinastia do Egito,
que foi do ano 1304 ao ano 1184 a.C. Isso quer dizer que,
quando começou a história do povo de Israel, a história da
humanidade já tinha avançado muito. Já existiam a
agricultura e a pecuária. A metalurgia já tinha começado. A
escrita já tinha sido inventada. Havia grandes cidades e
o Egito era um império poderoso. Em termos de história, a
Bíblia “pegou carona no meio da viagem”.
Podemos dividir a história do povo de Israel nos
seguintes períodos:
•    época da pré-história de Israel: patriarcas (anterior a
1250 a.C.);
•    êxodo e organização das tribos (1250 a 1040 a.C.);
•    reino unido (1040 a 931 a.C.);
•    reino dividido (931 a 586 a.C.): Israel (931 a 722 a.C.) e
Judá (931 a 586 a.C.);
•    exílio na Babilônia (586 a 539 a.C.);
•    reconstrução sob os persas (539 a 332 a.C.);
•    dominação grega (332 a 142 a.C.);
•    um período de autonomia (142 a 63 a.C.);
•    e dominação romana (63 a.C. em diante).
Agora, daremos uma rápida olhada em cada uma dessas
épocas.
A época dos pais e das mães em Israel (anterior a 1250
a.C.)
O que é conhecido por período dos patriarcas chamamos
aqui de epoca dos pais e maes .
As histórias dos pais e das mães do povo são
anteriores à formação de Israel, pois ele ainda
não se formara enquanto povo, o que
ocorrerá somente a partir do êxodo.
É o período anterior a 1250 a.C., isto é, desde os tempos de
Abraão, Isaac e Jacó, bem como das grandes mães do povo,
como Sara, Rebeca, Raquel, até o tempo de Moisés.
Em nossa Bíblia, as histórias dos pais e das mães do povo
aparecem como uma árvore genealógica, tendo como
tronco Abraão e Sara. Certamente foram fundidas em uma
só história as várias histórias de clãs migrantes, iguais ao
de Abraão e Sara. São grupos independentes e
contemporâneos que se fixaram em Canaã na época da
formação das tribos, quando antes viviam com autonomia
como seminômades na região. São anteriores à formação
de Israel, pois ele ainda não se formara enquanto povo, o
que ocorrerá somente a partir do êxodo.
Naquela época, os reis cananeus viviam especialmente nas
planícies. Estavam dependentes do Egito, que controlava a
região. Para pagar tributos ao faraó, os reis de Canaã
oprimiam ainda mais os camponeses que viviam em aldeias
ao redor de suas cidades. Para fugir da tributação, muitos
agricultores fazem seu êxodo e vão sobreviver como
pastores seminômades nas estepes, longe do fisco dos reis.
Ali, também outros grupos seminômades vivem do
pastoreio de gado pequeno, vindos de regiões longínquas.
São os grupos dos patriarcas que creem no Deus dos
pais que promete terra e família.
Êxodo e organização das tribos (1250 a 1040 a.C.)
Inicia ao redor de 1250 a.C. e vai mais ou menos até o ano
1040 a.C. A fixação de grupos semitas no vale do Rio Nilo
no Egito, sua influência na administração egípcia (história
de José, Gn 37-50), sua es-cravização e fugas esporádicas
são atestadas pela história da época. É
A experiência com o Deus libertador no êxodo e na
época das tribos tornou-se o eixo fundamental
de toda a Bíblia.
provável que nas histórias do grupo capitaneado por
Moisés estejam também incorporadas histórias de
libertação de vários outros grupos.
Toda aquela caminhada foi sentida e contada como uma
única e fantástica libertação conduzida por Deus. As leis,
as festas e as experiências religiosas receberam um novo
significado. Por exemplo, a Páscoa, que era uma antiga
festa dos pastores, e naquela ocasião pode ter coincidido
com a época do êxodo, passa a comemorar a saída do Egito
(Ex 12).
Quanto à ocupação da terra, há uma opinião bastante
fundamentada de que havia toda uma efervescência de
revolta popular contra a tirania e opressão das cidades-
estado dos reis cananeus. O grupo de Moisés fugiu do rei
do Egito e, agora sob a liderança de Josué, conseguiu unir
todos os grupos descontentes, sob a bandeira da fé no Deus
libertador, derrotando aqueles que oprimiam camponeses e
pastores.
Durante uns duzentos anos, já constituído como povo e
organizado por famílias, clãs e tribos, implantaram uma
sociedade solidária, o oposto do regime do faraó e dos reis
de Canaã. Nessa nova sociedade, não havia rei. Só Deus
era o rei do povo (confira Jz 8,22s). A experiência com o
Deus libertador no êxodo e na época das tribos tornou-se o
eixo fundamental de toda a Bíblia.
Nas tribos, não havia rei nem templo. Seu poder e culto
eram descentralizados. Organizavam-se em forma de
famílias e clãs. Não havia exército profissional e
permanente. Para se defender de ameaças externas, os
camponeses se articulavam num exército popular
momentâneo e de defesa. Não havia cobrança de impostos
nem trabalho forçado. Viviam de forma solidária. Foi
certamente o período mais bonito de toda a história de
Israel.
Reino unido (1040 a 931 a.C.)
A rica experiência das tribos foi, aos poucos, sendo
suplantada pela monarquia, isto é, por um poder
centralizado nas mãos de um soberano. A passagem para o
reinado não foi tão pacifica assim. Houve muita resistência,
personificada na figura profética de Samuel, o último
juiz (veja ISm 8,1-18!).
Para o movimento de resistência contra a instalação da
monarquia em Israel, liderado pelo profeta Samuel, optar
por um rei foi cometer um grande pecado (leia ISm 12,19!).O reinado se impôs à custa de pesados impostos, à
custa de opressão e de empobrecimento do
povo. Para o movimento de resistência contra
a instalação da monarquia em Israel, liderado
pelo profeta Samuel, optar por um rei foi cometer
um grande pecado aos olhos de Deus.
Fundamentalmente, foram três os fatores que levaram à
implantação da monarquia:
•    A organização das tribos, aos poucos, vai se tornando
desigual. Isso se deve à corrupção interna e porque alguns
grupos vão ficando mais ricos e poderosos, precisando de
um poder centralizado na cidade.
•    O contato com os povos vizinhos que tinham um
sistema monárquico, aos poucos, foi contagiando setores
das tribos.
•    A necessidade de manter uma defesa permanente
contra as ameaças externas, especialmente dos filisteus.
Depois de uma fase de transição, Saul foi aclamado rei de
“algumas” tribos na região central da terra de Israel, ao
redor de 1040 a.C. (leia ISm 11,12-13!).
O primeiro rei de “todas” as tribos foi, de fato, Davi.
Inicialmente foi rei das tribos de Judá e Simeão no Sul.
Mais tarde, dominou as tribos do Norte de Israel,
conquistou Jerusalém, fazendo dela sua capital, e or-
ganizou a administração. Davi dominou os filisteus e outros
povos vizinhos, construindo um verdadeiro império.
Sucedeu-o seu filho Salomão, que deu grande impulso ao
reino, construiu o suntuoso templo de Jerusalém,
aperfeiçoou a administração, incentivou o comércio e a
cultura, aumentou a idolatria e viveu no esplendor. Mas
tudo isso à custa de pesados impostos, da opressão e
do empobrecimento do povo.
Principais mudanças na vida do povo com a imposição
do reinado
Grande transformação na vida do povo significou o
processo de passagem da organização tribal para a
monarquia. Mudou. Mas mudou para pior.
Na verdade, a introdução do sistema monárquico
na Terra Prometida foi uma verdadeira volta à
"casa da escravidão". E esta é a principal razão para
que, nessa época, se erguesse com vigor a voz
profética: "Ai dos que decretam leis injustas e
editam escritos de opressão, para afastar os pobres
do julgamento e privar do direito os oprimidos do
meu povo, para fazer das viúvas suas presas e
roubar os órfãos". (Is 10,1-2)
As principais mudanças foram:
•    centralização do poder nas mãos do rei;
•    organização de toda uma burocracia estatal;
•    o exército, que era de defesa, passou a ser de conquista;
•    cobrança de pesados impostos dos camponeses que
passaram a trabalhar dobrado;
•    o rei exigia trabalho forçado para as obras públicas;
•    construção do templo;
•    centralização do culto e do sacerdócio em Jerusalém;
•    aumento da distância entre pobres e ricos, acentuando
a estratificação em classes;
•    desarticulação da vida das famílias e dos clãs.
Sob o ponto de vista religioso, a construção do templo por
Salomão em Jerusalém, ao redor de 950 a.C., mudou muito
a fé no Deus libertador. É que, a partir da centralização do
culto e do “aprisionamento” de Deus no templo, a fé em
Deus passa a ser controlada pelo rei e seus sacerdotes. O
Deus do povo passou a ser manipulado pela corte, a serviço
da opressão.
Mais tarde, durante a reforma do rei Josias iniciada em 622
a.C., a centralização do culto foi radicalizada. Foi proibido
o culto nos santuários espalhados pelo território para onde
o povo acorria em peregrinações e respirava um clima de
mais liberdade em suas práticas religiosas.
Reino dividido
O descontentamento das tribos do Norte explodiu depois da
morte de Salomão (931 a.C.). Numa revolta liderada por
Jeroboão, libertaram-se do jugo salomônico. E o reino se
dividiu em dois: Israel no Norte e Judá no Sul.
Leia sobre a libertação das tribos do Norte em lRs 12!
Reino de Israel (931 a 722 a.C.)
O Reino de Israel foi uma monarquia não dinástica, isto é,
poucas
O profeta Amós, que profetiza no Reino de Israel em
meados do século VIII a.C., assim se pronuncia sobre
a monarquia israelita: "Eis que os olhos do Senhor
Deus estão sobre o reino pecador. Vou suprimi-lo da
face da terra. Contudo não vou suprimir totalmente a
casa de Jacó, oráculo do Senhor!"
(Am 9,8)
_
famílias conseguiram se manter no poder por mais
gerações. Os contínuos golpes de estado garantiam mais
rotatividade no poder e, até certo ponto, mais democracia.
A capital definitiva foi a cidade de Samaria, construída pelo
rei Amri em 879 a.C.
O culto era feito especialmente nos santuários de Betei e
Dã. Alguns reis promoveram o culto a Baal. Contra eles,
insurgiram-se os profetas Elias e Eliseu.
O território de Israel era mais extenso que o de Judá. Era
mais fértil que o do Reino do Sul.
Israel era um país mais aberto a relações internacionais,
tornando-se mais vulnerável aos interesses dos impérios
estrangeiros. Caiu
sob a dominação da Assíria em 722 a.C., de quem se tornou
província. Um grupo foi deportado para a Assíria, de onde
nunca mais voltou (2Rs 17,6). Outros povos foram trazidos
pelos assírios para se instalarem em cidades de Israel,
dando origem aos samaritanos (2Rs 17,24).
Cansado de confiar em reis, o profeta Isaías anuncia
a luta por uma sociedade tal como era a experiência
tribal: "Quando cessar a opressão, terminar a
devastação e desaparecer do país o opressor, o trono
será firmado no amor e, na tenda de Davi, sobre ele
se sentará com fidelidade um juiz, que procurará o
direito e zelará pela justiça". (Is 16,4b-5)
Diferentemente de Israel, o Reino de Judá foi uma
monarquia dinástica. Durante seus quase quatrocentos
anos de existência, esteve sempre sob o domínio de alguém
da família de Davi, isto é, dos descendentes de Davi,
formando uma dinastia.
Durante um século, o Reino do Sul teve que pagar pesados
tributos aos assírios (732 a mais ou menos 622 a.C.).
Damasco* ABE HERMOH SÍRIA
Apartir do rei Josias (640-609 a.C.), o culto a Deus foi
centralizado em Jerusalém, proibindo-se o povo de celebrar
seus cultos nos santuários do interior.
Judá conseguiu se manter até 586 a.C. Nesse ano, a capital
Jerusalém foi destruída pelos babilônios. E boa parte das
elites, que não tinha sido morta na guerra, foi levada para o
exílio babilônico.
O exílio babilônico (586 a 539 a.C.)
Antes de seguir o seu estudo, leia sobre as deportações
para a Babilônia em 2Rs 24,10-16 e 25,1 ls.
Sem dúvida, o período do exílio (586-539 a.C.) foi a época
em que o povo israelita, especialmente a elite expatriada,
viveu sua mais profunda crise.
Essa crise de fé mexeu profundamente com a maneira de
conceber a Deus, de compreender a sua ação na vida do
povo. O exílio babilônico significou o total desmoronamento
de todos os pontos de apoio: o templo, a arca da aliança, o
altar dos sacrifícios, os sacrifícios, os sacerdotes, o trono
real, a cidade de Jerusalém. Todas as instituições e a
própria fé em Deus ficaram abaladas.
O exílio babilônico significou o total
desmoronamento de todos os pontos de apoio:
o templo, a arca da aliança, o altar dos sacrifícios,
os sacrifícios, os sacerdotes, o trono real, a cidade
de Jerusalém. Todas as instituições e a própria fé
em Deus ficaram abaladas.
Em 586 a.C., a capital Jerusalém foi destruída pelos
babilônios, sob o comando do rei Nabucodonosor. É o fim
da dinastia de Davi em Judá, que passa a ser apenas uma
província, primeiro dos babilônios, depois dos persas e dos
gregos.
Parte das elites foi levada para o desterro, onde já
estava um grupo que fora deportado por Nabucodonosor
em 597 a.C.
Junto aos rios da Babilônia, teve que trabalhar para seus
algozes durante cinquenta anos. Adoravam a Deus em meio
a seguidores de outras divindades. Cultuavam as tradições,
esperando um dia retornar.
Veja a situação dos expatriados no SI 137!
Judá não passava de uma província da Babilônia. Em Judá
ficou a maioria dos camponeses empobrecidos (leia de novo
2Rs 24,14 e 25,12). O comandante do exército de
Nabuconosor até fez uma reforma agrária, repartindo as
terras das elites desterradas para os pobres
e despossuídos.
Confira Jr 39,8-10!
Além do grupo deportado para a Babilônia e da maioria queficou em Judá, outros grupos escaparam para regiões
diferentes, principalmente para o Egito. Houve uma grande
dispersão do povo em toda a redondeza. E a diáspora.
Sem dúvida, foi na época do exílio e no período
imediatamente posterior que o povo de Israel mais
produziu literatura bíblica, fazendo as grandes releituras
de sua história. Era um novo momento, um novo contexto.
Os novos problemas que haviam surgido exigiam novas
respostas. E os escritos do passado precisavam ser
atualizados para dar essas respostas, para jogar luzes
sobre a realidade presente a partir da experiência de Deus
na história passada do povo.
Os babilônicos vieram como um furacão
O exílio babilônico desarticulou tudo. Foi como um furacão
que ameaçou varrer o povo judeu da face da terra. A fé em
Deus entrou em crise aguda. Parecia que suas promessas
tinham ido água abaixo. A terra prometida tinha ido para
mãos estranhas. A “cidade santa” de Jerusalém estava em
ruínas. O templo, a “casa de Deus”, desmoronara. Foi
extinto o trono de Davi, cuja perpetuidade tinha sido
anunciada pelo profeta Natã. Muita gente morreu na
guerra. As elites foram deportadas (2Rs 24,13-17; 25,8-11).
Os camponeses pobres ficaram na terra (2Rs 25,12).
•    A descrição da total desolação você pode conferir no
livro das Lamentações. Leia pelo menos 1 capítulo!
Era como se o povo se sentisse em pleno caos, em um
abismo de trevas, na ânsia do afogamento, desamparado e
no deserto, com a vitória das divindades dos babilônios,
identificadas com o sol, a lua e as estrelas. Tal situação
transparece na organização do primeiro relato da criação.
A primeira narrativa da criação foi escrita no exílio
Quanto aos escritos bíblicos,
0    exílio foi muito fecundo. Está presente nas
profecias de Jeremias, Ezequiel, Isaías
40-55, no livro das Lamentações, em
numerosos salmos, nas releituras dos livros
proféticos, da história dos israelitas descrita
no Pentateuco, em Josué, Juizes,
1    e 2 Samuel, 1 e 2 Reis. Influenciou também todos
os
escritos pós-exílicos.
*Você já leu uma vez. Mas antes de continuar seu estudo,
leia mais uma vez o primeiro relato da criação em sua
Bíblia (Gn 1,1 -2,4a), que é dessa época, e procure
descobrir os aspectos que revelam a realidade de
sofrimento e esperança dos exilados na Babilônia expressos
no texto, como segue:
•    Deus, contra as trevas, cria a luz.
•    Contra a sensação de afogamento, doma as águas.
•    Contra o deserto, enche a terra de vegetação.
•    Contra o culto idolátrico às divindades astrais, é ele
quem povoa o firmamento com luzeiros.
•    A função do sol e da lua não é ser divindades, mas
apenas presidir o ritmo do tempo, isto é, dia e noite.
•    Povoa também os mares de peixes e os ares de
pássaros.
•    Critica a ideia de que só os reis são “filhos” e “imagem”
dos deuses, anunciando que todas as pessoas têm
dignidade divina. Mulheres e homens são igualmente
imagem e semelhança de Deus, isto é, têm a mesma
dignidade.
•    Por fim, contra o trabalho forçado dos desterrados e
sem espaço para descanso, Deus coroa sua obra com o
descanso no sétimo dia, reivindicando, assim, descanso
também para seu povo de sete em sete dias.
As elites deportadas foram reassentadas na Babilônia junto
a canais de água (SI 137,1), onde trabalhavam na produção
agrícola. Viviam juntos. Desse modo, podiam preservar sua
língua, seus ritos, seus costumes, sua religião, sua
identidade. No lugar do sacrifício do templo, agora
destruído, o culto da Palavra, especialmente da profecia,
passou a desempenhar papel central. É a origem das
sinagogas. A opressão babi-lônica consistia no recolhimento
de parte da produção e na cobrança de taxas. Além disso,
os deportados não tinham a liberdade de sair de
seus núcleos de assentamento. Eram controlados pela
guarda babilônica.
A maioria do povo não foi deportada
A maioria da população pobre não foi levada para o
cativeiro. São os remanescentes que permaneceram em
Judá. O profeta Jeremias optou por ficar com eles, apoiando
sua reorganização. Os babilônios até favoreceram esses
pobres, fazendo uma espécie de reforma agrária, como já
vimos acima. As terras passaram a ser controladas pelos
lavradores mais pobres. Certamente reviveram os costumes
da época das tribos. Como o templo não existia mais, o
culto daqueles que ficaram em Judá não era mais
centralizado.
A reconstrução sob os persas (539 a 332 a.C.)
O exílio babilônico durou até 539 a.C. Nesse ano, Ciro, o rei
da Pérsia, conquistou a Babilônia, permitindo que os judeus
voltassem para sua terra e refizessem sua vida social e
religiosa. Estava começando a reconstrução nacional a
partir da observância rigorosa da lei descrita nos livros de
Esdras e Neemias.
Vários foram os projetos de reconstrução.
Diferentemente daqueles que propunham refazer
a vida do povo a partir do templo, dos sacrifícios e
da lei, os discípulos do profeta Isaías defendiam
outro projeto. Era a partir dos pobres. Assim
profetizaram: "O Espírito do Senhor repousa sobre
mim, porque ele me ungiu. Enviou-me para anunciar
uma boa-nova aos pobres, para curar os corações
feridos, para proclamar a libertação dos escravos e
pôr em liberdade os prisioneiros, para promulgar o
ano da graça do Senhor [...]". (Is 61,1-2a)
Reconstruíram-se o altar dos sacrifícios, casas e o templo, o
qual foi inaugurado em 515 a.C. Foram Zoro-babel e Josué
que comandaram a reconstrução do templo.
Mais tarde, a cidade voltou a ter novamente muralhas,
erguidas sob o comando de Neemias. Esdras comandou a
aplicação da observância rigorosa da lei da circuncisão,
do puro e do impuro, tornando a observância da lei
obrigatória para todos.
Surgiram conflitos entre os que voltaram do desterro e os
que permaneceram na terra. Mais tarde, também houve
conflitos com os samaritanos.
O que era a província babilônica de Judá passou a ser a
província persa da Judeia. Apenas trocou de dono.
Como não havia mais rei, uma vez que o poder sobre o povo
estava nas mãos dos persas, quem assumiu a liderança
local dos judeus e com apoio persa foram os sacerdotes a
partir do templo.
A defesa da identidade gerou exclusão
A reconstrução se fez em torno do templo e na dependência
dos persas (confira Esd 7,11-26!). Não foi fácil. Muitos
judeus conseguiram prosperar na Babilônia e por lá
ficaram. Os que voltaram encontraram uma situação muito
delicada.
Houve conflitos entre os que voltaram do exílio e os que
moravam e trabalhavam nas terras. Aos poucos, foram
reconstruídos o altar, o templo, a cidade e as muralhas. A
observância rigorosa da lei da circuncisão, do puro e do
impuro tornou-se obrigatória.
Para proteger a identidade do povo judeu, houve
radicalizações. O radicalismo não teve somente a boa
intenção de vir em defesa da identidade do povo judeu.
Estavam também outros interesses em jogo. Destacamos
aqui somente três aspectos e que saltam aos olhos de
qualquer leitor atento da literatura bíblica desse período.
São eles: a exclusão de estrangeiros, das mulheres e dos
pobres. Cada vez mais, os estrangeiros, as mulheres e os
camponeses pobres são excluídos, colocados à
margem como impuros e ignorantes. Mas vamos por
partes.
Ideologia da pureza étnica
Para iniciar, falemos da discriminação contra a mistura
com os estrangeiros.
*Dê novamente uma olhada em Esd 9-10 e Ne 13!
Os principais motivos dessa exclusão terão sido os
interesses de quem voltou do exílio. Seus antepassados,
antes de serem levados como prisioneiros de guerra para a
Babilônia, eram proprietários de terra. Na sua ausência,
essas terras foram distribuídas aos pobres. Esses
camponeses empobrecidos haviam inclusive contraído
matrimônio com mulheres estrangeiras.
Na volta para Judá, os filhos ou netos dos antigos
proprietários queriam reaver as suas terras. Como
concretizaram seu projeto? Um dos caminhos foi a
ideologia da “raça pura”. Para ter direito à terra e à
pertença ao povo de Israel, era necessário ter pureza de
raça. Consequência disso foi a expulsão das mulheres
estrangeiras com seus filhos.
Rute é estrangeirae diz a Noemi, sua sogra, que
é judia: "Não me instes para que te deixe e me
obrigue a não seguir-te, porque, aonde quer que
fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei
eu. O teu povo, meu povo e o teu Deus, o meu Deus."
(Rt 1,16)
Mas os camponeses, especialmente os estrangeiros que já
estavam integrados na vida do povo, não aceitaram essa
discriminação e resistiram. A resistência a esse dogmatis-
mo se espelha, por exemplo, no livro de Rute.
Também o livro de Jonas defende a tese de que todas as
nações são povo de Deus e não apenas os judeus. Defende
também a ideia de que o Deus cultuado pelos judeus é Deus
de todos os povos e não é refém de nenhuma nação.
As mulheres resistem
Também as mulheres resistiram. A discriminação das
mulheres aumentou nesse período. A imposição da lei do
puro e do impuro a partir do templo reconstruído
discriminava as mulheres como impuras. Veja, por
exemplo, que a lei de pureza já considerava impuras as
mulheres pelo simples fato de serem geradoras de vida.
Você já leu, mas convém dar mais uma olhada em Lv 12.
A resistência contra a exclusão das mulheres se espelha,
por exemplo, nas novelas bíblicas, onde elas têm papéis de
destaque (Rt, Est, Jt, Ct). Aí se ressaltam suas qualidades,
sua liderança, sua beleza, sua inteligência,
sua solidariedade, sua defesa dos pobres e dos
estrangeiros, sua valentia e sua ternura.
Também os pobres resistem
Outro grupo marginalizado pelos que voltaram do exílio foi
o dos pobres. Como desconheciam a lei e não tinham
condições práticas para observá-la, eram colocados à
margem e considerados impuros e ignorantes.
*Leia agora Ne 5,1-5! Por um lado, o texto mostra a
situação dos camponeses empobrecidos na época persa.
Por outro, o texto nos diz que os pobres não ficaram de
braços cruzados. Resistiram. Também o livro de Jó é
resistência contra aquela teologia que acusava os pobres
e doentes de serem causadores de sua própria desgraça, de
serem merecedores do castigo divino. Igualmente o livrinho
de Rute defende o direito dos pobres.
A dominação grega (332 a 142 a.C.)
O Império Grego venceu os persas em 331 a.C. com
Alexandre, o Grande. A cultura grega se expandiu com
muita força. A opressão e escravidão se abateram sobre
todos os territórios dominados.
Nesse contexto de extremo sofrimento, renovaram-
se as esperanças na vinda de um messias
libertador. Em oposição aos que anunciam
um messias que libertaria o povo a partir do templo,
das elites, o profeta Zacarias tem outra perspectiva.
Ele acredita nos pobres como agentes de sua própria
libertação. Senão vejamos: "Dance de alegria,
cidade de Sião. Grite de alegria, cidade
de Jerusalém, pois agora o seu rei está chegando,
justo e vitorioso. Ele é pobre e vem montado num
jumento, num jumentinho, filho de uma jumenta." {Zc
9,9)
Depois da morte de Alexandre, o império foi dividido entre
seus generais. O Egito ficou com Ptolomeu (Lagi), enquanto
a Síria e a Babilônia ficaram com o general Se-leuco I. A
Palestina ficou sob o fogo cruzado das guerras entre os
Ptolomeus, no Egito, e os Seleucidas, na Síria.
Muitos judeus emigraram, reforçando a diás-pora que já
começara no exílio babilônico, quando nem todos voltaram
para a
Judeia. Diáspora é a dispersão e a organização de colônias
judaicas fora da Palestina.
A dominação dos Ptolomeus sobre a Palestina foi de 323 a
198 a.C. Já os Sélêucidas dominaram a partir de 198 a.C. A
opressão brutal do rei Antíoco Epífanes impôs a cultura
grega a ferro e fogo, reprimindo violentamente os costumes
judaicos. Decretou, em 167 a.C., a proibição do culto
judaico e dedicou o templo de Jerusalém a Zeus Olímpico.
Tudo isso provocou a revolta dos Macabeus, que, a partir
de 166 a.C., organizaram, armaram e lideraram as forças
do povo. Depois de uma guerra violenta, finalmente
conseguiram, em 142 a.C., a autonomia da Judeia.
Os relatos sobre a resistência contra a opressão selêucida
estão nos dois livros dos Macabeus, que estão na “Bíblia
católica”.
Com os gregos, o que há de novo debaixo do sol?
Vencidos os persas pelos gregos, estes implantaram seus
métodos de organização e administração.
Os gregos introduziram o escravagismo na região. A
pobreza aumentou. A escravidão repercutiu profundamente
na vida, no dia-a-dia. Para o povo judeu, era inconcebível
voltar a ser escravo como no Egito. O escravo não trabalha
para si, mas para o dono. A produção não fica para quem
produz. Vai para o dono. Ele come, bebe, goza do bem-
estar à custa do trabalho alheio.
E o povo reage. O livro de Eclesiastes reflete essa
resistência. É uma crítica à dominação grega e propõe a
volta a uma sociedade em que se possa viver feliz,
comendo, bebendo e gozando o bem-estar, fruto do próprio
trabalho e não do suor dos escravos.
*Leia as citações que seguem e perceba como os autores do
Eclesiastes insistem num novo tipo de convivência, numa
vida feliz com liberdade: Ecl 2,24; 3,12-14.22; 5,17; 8,15;
9,7-10.
Os gregos também impõem a cultura da Grécia. Ela
valoriza o corpo, os jogos olímpicos, os grandes heróis, a
vida urbana, o trabalho intelectual. Os judeus piedosos
fazem frente à imposição cultural. Veja, por exemplo, como
o livro do Eclesiástico, que só está na “Bíblia católica”,
apresenta “heróis” de sua história em oposição aos heróis
gregos (Eclo 42-50).
Um período de autonomia (142 a 63 a.C.)
Depois de séculos de dominação estrangeira, a Judeia
chegou a ter independência, com a restauração das leis e
instituições judaicas. Essa autonomia, que teve lugar
durante o governo da dinastia dos Has-moneus, da família
dos Macabeus, durou até o ano 63 a.C.
Houve muita corrupção e politicagem no governo
hasmoneu, que convidou os romanos para intervirem na
região. Em 63 a.C., Pom-peu, general do exército romano,
se apoderou de Jerusalém.
A dominação romana (63 a.C. em diante)
A partir da conquista de Jerusalém por Pompeu e do
controle dos romanos, toda a região passa a ser chamada
de Palestina. São vários séculos de história com
expropriação de pesados tributos, com muita violência e
com grandes guerras.
Herodes, o Grande, reina em toda a Palestina de 37 a 4 a.C.
Foi no reinado dele, pelo ano 6 antes do ano 1 da era cristã,
que Jesus nasceu.
Movimentos rebeldes pipocavam por toda parte, sobretudo
na Galileia, terra de Jesus. Desde o período de sua infância,
os movimentos rebeldes tinham se intensificado.
\
Quando Jesus é executado pelo ano 30 d.C., Pôncio Pilatos
é procurador romano na Judeia e na Samaria.
A primeira grande guerra com Roma aconteceu de 66 a 73
d.C. Entre os rebeldes, o movimento dos zelotas era o mais
importante. Chegaram a governar em Jerusalém de 67 a 70
d.C., quando foram vencidos pelo general Tito, que destruiu
a cidade e com ela o templo. Era o fim do estado judeu. Em
73 d.C., foi vencida a última resistência dos judeus com a
queda da fortaleza de Massada próximo ao Mar Morto.
A segunda grande guerra com Roma foi de 132 a 135 d.C.
Com a derrota para os romanos, o povo judeu passa a
existir apenas como nação e comunidade religiosa
espalhada pelo mundo, na díáspora, e não mais como
estado politicamente organizado.
Diferentemente dos gregos, os romanos usaram outra
estratégia. Aceitaram como “licita”, isto é, legal, permitida,
a religião dos judeus. Deram-lhes certa liberdade de seguir
seus costumes e suas tradições.
No entanto, reprimiram brutalmente qualquer movimento
de rebeldia. Cobraram pesados impostos, aumentando
ainda mais a pobreza. O ponto alto da dominação romana
foi a total destruição de Jerusalém no ano 70 d.C.
Para nós hoje é admirável que o povo judeu, com tudo o
que so freu e privado de seu território, tenha conseguido
sobreviver como “na çao”, mesmo espalhado por muitos
países do mundo.
Para você continuar a reflexão
1.    Em que períodos podemos dividir a história do povo de
Israel?
2.    Destaque algumas diferenças entre Israel no Norte e
Judá nc Sul!
3.    O que lhe chamou mais a atenção na época do exílio?
4.    Quais os aspectos da vida do povo hoje que são
semelhantes £ vida do povode Israel?
5.    “A experiência com o Deus do êxodo tornou-se o eixo
fundamental de toda a Bíblia”. E quais as características
principais da experiência de Deus em nossas comunidades
hoje?
17 História da redação dos livros da Bíblia
Para concluir este primeiro volume desta série,
apresentaremos um quadro em que situamos o surgimento
dos livros do Primeiro e Segundo Testamentos dentro da
época histórica em que provavelmente foram escritos.
Podemos, assim, ter uma visão de conjunto do
aparecimento da literatura bíblica antes de Jesus. O quadro
pode parecer ainda muito vago. Mas, no decorrer da série,
iremos aprofundando o surgimento da literatura bíblica
época por época.
Época
histórica
Livros do
Pentateuco
Livros
Históricos
Livros
Sapienciais
Livros
Proféticos
Pais e
Mães
Tradições
orais Tradições sobre os
Tradições
das Religiosidade
Êxodo
sobre as
famílias
Juizes. famílias. popular.
Tribalismo e a história Tradições sobre Sabedoria Os videntes
(até 1040
a.C.)
a Arca (ISm 4-7) popular (ISm 9,9)
Reino Ia redação Anais da corte. Alguns Confrarias
Unido sob das
Davi e
Salomão
tradições
dos Ia redação da história Salmos proféticas
(1040 a
931 a.C.)
patriarcas,
do êxodo e
das tribos
“História da ascensão de Davi” (ISm
16,1 até 2Sm 5). História da
sucessão de Davi (2Sm 9-20; lRs 1-2)
Alguns
Provérbios Pr
22,17-24,22
de Samuel (ISm
10,5-6)
Reino de
Israel
2 a redação
das
Anais da corte.
Alguns
Salmos
Irmandade de
no Norte
antigas
tradições 2 a redação: Elias e Eliseu
(931 a 722
a.C.)
Dt 12-26
ciclo de Elias e Eliseu (ISm 13-15; lRs
17-2Rs 12)
Alguns
Provérbios
(2Rs 2,1-18) Am e
Os
Reino de
Judá
(últimas
décadas Anais da Corte.
Alguns
Salmos. Is 1-39 e Mq
no Sul
da
monarquia) Ia redação da Obra Coleções de
(931 a 586
a.C.)
Dt 4,44-
11,32;
28,lss
Histórica Deuterono-mista sob a
reforma de Josias
Provérbios:
Pr 10,1-
22,16; Pr 25-
Sfjr, Na,Hab
29
Sob a
dominação
3 a redação
das Redação final da
Alguns
Salmos. Ez, Is 40-55, Ab
Babilônica
(586 a 539
a.C.)
antigas
tradições.
“Obra Histórica Deuteronomista” Alguns
Lm
Lv 17-25 Dt
1,1-4,43;
29s
(Js, Jz, l-2Sm; l-2Rs) Provérbios
Releitura da
profecia
Sob os
Persas
Redação
final Obra Histórica Jó.Ct Ag, Zc 1-8,
(539 a 332
a.C.)
do
Pentateuco Cronista (l-2Cr,
Compilação
do Is 56-66, Ml, Jl.
(Gn, Ex, Lv, Esd, Ne).
livro dos
Salmos Releitura da profe-
Nm, Dt) Rt
e dos
Provérbios.
cia. Jn, Is 32-35
Sob os
Gregos
Est, Tb, Jt, l-2Mc Ecl, Eclo, Sb
Sb
Zc 9-14, Dn, Br
Apocalíptica: Dn,
(332 a 142
a.C.)
Is 24-27 Ez 38-39
Época
Cartas de
Paulo
Cartas atribuídas
a Paulo
Evangelhos e
Atos
Cartas
universais
Apocalipse
06 a.C.
VIDA, ANÚNCIO E MOVIMENTO DE JESUS
30 d.C.
TRADIÇÕES ORAIS NAS PRIMEIRAS COMUNIDADES
SURGEM AS PRIMEIRAS COLEÇÕES ESCRITAS (morte-ressurreição, parabolas, milagres,
discussões de Jesus)
50 1 1 1 1 i
lTs - F1 l-2Cor Gl-
Rm Fm
60 Ap 4-11
70 Me
80 2Ts Mt- Lc/Ar
90 Cl-Ef Tg-Jd-lPd
100 Hb j° l-3Jo Ap
110 l-2Tm - Tr
120 2Pd
Obs.: As setas indicam que o processo de transmissão das
tradições orais e das coleções escritas tinham continuidade
nos anos seguintes.
Conclusão
Neste volume, analisamos algumas questões importantes
que podem nos orientar na caminhada pela Bíblia. Servem
de critérios para discernirmos por qual caminho seguir.
Como vimos no caminho percorrido por Israel, houve
muitas encruzilhadas, muitos desvios e atalhos. As questões
introdutórias querem servir como sinalização no caminho.
No próximo volume, tentaremos refazer a caminhada de
Israel na época de sua formação como povo, na luta por
uma nova forma de viver em sociedade.
Para orar e aprofundar
Leia os seguintes textos e medite sobre eles: *S1 1; 23; 37;
72; 78; 104; 106;
*    ISm 3;
*    Jn 1-4;
*    Mt 25,31-46;
*    Mc 3,1-6;
*Jo 1,1-18;
*    At 10;
*Hb 11.
Sugestão de leitura
CARDOSO, Nancy; MESTERS, Carlos. Leitura Popular da Bíblia. CEBI:
São Leopoldo.
DREHER, Carlos. A caminho de Emaús. CEBI: São Leopoldo.
MESTERS, Carlos. Por Trás das Palavras. Petrópolis: Vozes.
MESTERS. Carlos. Flor sem defesa. Petrópolis: Vozes.
PIXLEY, Jorge. História de Israel a partir dos pobres. Petrópolis:
Vozes.
	Indice
	Sumário
	Introdução
	Para início de conversa
	1 A Bíblia é “luz” para nosso caminhar
	2 Bíblia, um volume com muitos livros
	Bíblia significa livros
	3 A Bíblia é como uma colcha de retalhos
	4 Algumas diferenças entre o Primeiro e o Segundo Testamentos
	5 Livros canônicos
	6 Autoria dos livros da Bíblia
	7 Bíblia, Palavra de Deus na palavra humana
	8 Há erros na Bíblia?
	9 Historicidade dos fatos
	10 Linguagem bíblica
	11 Traduções da Bíblia
	12 Citações da Bíblia
	13 Universalidade da revelação
	14 A Bíblia, uma obra em mutirão
	15 Onde viveu o povo da Bíblia
	16 Distintas épocas estão por trás da Bíblia
	17 História da redação dos livros da Bíblia
	Conclusão
	Para orar e aprofundar
	Sugestão de leitura

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