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1 UMA REFLEXÃO ACERCA DO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA Suzane da Rocha Vieira suzanne@vetorial.net O presente texto pretende refletir a respeito do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, contextualizando o período histórico em que o mesmo foi produzido, assim como apontando algumas das repercussões sociais e políticas provocadas pelo documento. A escolha de discorrer a respeito do Manifesto dos Pioneiros ocorreu pelo reconhecimento da importância desse documento na compreensão, discussão e análise da História da Educação do Brasil. E, compartilhando das palavras de Xavier, entende-se que: O Manifesto pode ser visto como lugar de memória da educação republicana na medida em que opera a legitimação do grupo que o assinou e promove, em nível do discurso, a validação do projeto educacional que defende, apresentando-o como o mais adequado para a reconstrução do país segundo o ideal republicano. (2002, p. 3) O lançamento do Manifesto foi em março do ano de 1932, sendo resultado da IV Conferência Nacional de Educação1 no ano de 1931, com o tema geral "As grandes diretrizes da educação popular”. O Manifesto representou um marco na renovação educacional do Brasil, os pioneiros assumiram a missão de conduzir o Brasil à Modernidade pela via da Educação. O documento revela um importante momento da história política, social, cultural e educacional do Brasil. O Manifesto ressalta o movimento renovador 1 Desde a década de 20 estavam sendo organizadas Conferências Nacionais de Educação, promovidas pela Associação Brasileira de Educação. 2 iniciado na década de 20. As transformações que agitavam o país eram fruto das contradições vividas pela sociedade brasileira onde tínhamos um país de analfabetos e estávamos iniciando um período de industrialização que exigia uma qualificação dos trabalhadores. Além disso, a presença de imigrantes bem instruídos gerou questionamentos a respeito dos sistema de educação e ensino brasileiro. Conforme lembra Lemme, “as poucas escolas públicas existentes nas cidades eram freqüentadas pelos filhos das famílias de classe média”(1984, p. 258). Assim, as transformações econômicas, políticas e sociais que vinham ocorrendo no país desde o final do século XIX provocaram um movimento de modernização da educação. O Manifesto dos Pioneiros da Educação pode ser considerado um dos documentos mais importantes nesse processo de modernização da educação brasileira na medida em que define diretrizes de uma nova política educacional de ensino. O Manifesto contou com a assinatura dos seguintes intelectuais da época: Fernando de Azevedo, Afranio Peixoto, A. de Sampaio Doria, Anisio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Lourenço Filho, Roquette Pinto, J. G. Frota Pessoa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldão Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivacqua, Francisco Venancio Filho, Paulo Maranhão, Cecilia Meirelles, Edgar Sussekind de Mendonça, Armanda Alvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nobrega da Cunha, Paschoal Lemme e Raul Gomes. Embora apresente 26 assinaturas, o Manifesto não foi resultado de uma construção coletiva, Fernando de Azevedo assumiu a autoria do documento que afirma ter feito em cinco dias2. Porém, Xavier chama atenção que existem indícios de que Azevedo utilizou na redação do Manifesto algumas idéias e sugestões de outros signatários conforme evidencia a passagem que segue: 2 Em carta enviada a Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo diz ter escrito o Manifesto em cinco dias, apesar de ter levado um mês pensando no assunto. Atc 31.12.27, doc n º 6 – Carta de Fernando de Azevedo a Anísio Teixeira (São Paulo, 14/3/1932). Arquivo Anísio Teixeira, Série Correspondência, CPDOC/FGV. 3 julgamos provável que a autoria de Fernando de Azevedo tenha comportado uma possível incorporação de idéias e sugestões de outros signatários, especialmente de Anísio Teixeira, o que não invalida a autonomia de seu autor em aceitar e selecionar as referidas sugestões. (2002, p. 23) A produção do Manifesto na IV Conferência Nacional de Educação (CNE) foi resultado de uma solicitação do governo, o qual teve ativa participação durante a Conferência. A IV Conferência Nacional de Educação conforme dito anteriormente foi organizada pela Associação Brasileira de Educação - ABE, fundada no Rio de Janeiro, em 1924. A ABE foi criada como uma organização nacional, seus fundadores pretendiam que em cada Estado Brasileiro fossem criados núcleos iguais à do Distrito Federal. A Associação Brasileira de Educação (ABE), onde se congregaram os educadores brasileiros mais eminentes e atuantes, desde sua fundação, em 1924, assumiu a liderança de todos esses movimentos de renovação da educação e do ensino no País, apoiando-se e promovendo a realização de palestras, debates, cursos e conferências, convocando para isso autoridades e especialistas, nacionais e estrangeiros. (LEMME, 1984, p. 261) A ABE foi consolidar-se enquanto entidade nacional a partir de 1927, quando promoveu a I Conferência Nacional de Educação. Conforme aponta Carvalho, a ação local desses núcleos deveria ser integrada por Conferências Nacionais realizadas anualmente, de forma que o debate e a troca de informações pudessem constituir a Associação como órgão legitimo de opinião das classes cultas em matéria educacional. (2003, p. 39) A IV Conferência Nacional de Educação foi presidida por Fernando de Magalhães e teve a ativa participação do Ministro da Educação e Saúde Pública, 4 Francisco Campos, o qual convocou pessoalmente as delegações estaduais para participarem da IV CNE tendo em vista sua importância. Esses fatos apontam para uma estreita relação entre o Estado e a ABE, conforme argumenta Xavier, a análise documental relativa à IV Conferência Nacional de Educação demonstra que, em 1931, as fronteiras entre a ABE e o Governo Federal eram de difícil demarcação. Observando a distribuição dos personagens que ocupavam cargos na ABE e em órgãos governamentais temos um primeiro indicador da proximidade existente entre a ABE e o governo Vargas . Assim, é que, enquanto Francisco Campos ocupava o cargo de Ministro da Educação e Saúde e Belissário Penna ocupava o cargo de Presidente da ABE ocorre, em 1931, a eleição do primeiro como sócio- mantenedor da referida associação de educadores e, por seu turno, o presidente da mesma acumula, durante alguns meses, o cargo de ministro interino em substituição a Francisco Campos. (2002, p.18) Assim, verificava-se o status político alcançado pela ABE. A sessão inaugural da IV Conferência Nacional de Educação contou com a participação do Ministro Francisco Campos e do Presidente Getúlio Vargas. Ambos afirmavam a cooperação existente entre o governo e a Conferência no esforço de construção e organização do terreno educacional. Entretanto, o governo não conseguiu o apoio necessário para legitimar sua política educacional, tendo em vista que as ações3 governamentais realizadas no campo educacional desde o início da Era Vargas causaram um certo conflito entre os leigos e católicos. Desse modo, durante a IV Conferência Nacional de Educação destaca-se a atuação de Nóbrega da Cunha que foi o principal articulador da produção do Manifesto, mas que durante a conferência criou um impasse com relação à possibilidade da IV CNE definir as linhas fundamentais da política educacional do governo. Segundo Xavier, 3 Meses antes da realização da IV CNE, o governo havia realizado a reforma do ensino superior, secundário e comercial; incluído no curso primário oensino religioso; e criado o Conselho Nacional de Educação. 5 a atuação de Nóbrega da Cunha funcionou como uma estratégia que visava garantir ao grupo de educadores afinados com a renovação educacional o monopólio da interlocução com o Governo, deslocando para aquele grupo em separado, a incumbência de dar resposta à solicitação que havia sido dirigida a todos os educadores reunidos na IV Conferência Nacional de Educação. (2002, p. 21) Portanto, Nóbrega da Cunha encaminha à assembléia da IV CNE um requerimento solicitando a redação de um manifesto que servisse de base para o governo. O Presidente da Conferência Fernando Magalhães passa essa incumbência para Fernando Azevedo, “que deveria aceitá-la em nome do Governo, da imprensa e do povo” (Xavier, 2002, p. 21). Nóbrega da Cunha ainda conseguiu que o Manifesto fosse divulgado dentro do prazo de dois meses, não esperando a V Conferência. Assim, a ABE serviu de suporte institucional para o lançamento do documento. Entretanto, cabe salientar que o Manifesto representa o posicionamento de um dos grupos pertencentes à Associação Nacional de Educação em oposição ao grupo católico que até então matinha o controle da Associação4. A publicação do documento definiu as posições e intenções de seus signatários no processo de modernização do país, sendo visto como uma bandeira revolucionária. Alguns Elementos Históricos O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova ocorre em um momento de redefinição do Estado provocado pela Revolução de 30, que dá inicio a segunda república com o Governo Vargas. Desde a Proclamação da República, no ano de 1889, o Brasil não havia constituído uma política educacional eficaz. O regime federativo que veio com a 4 No interior da ABE havia uma luta pela sua hegemonia, o ponto culminante desse conflito foi durante a IV CNE, pois até então a Associação era liderada pelo grupo conservador onde predominavam os católicos, mas com a divulgação do Manifesto o outro grupo o dos renovadores com um perfil liberal, ganhou destaque e inclusive a V CNE foi coordenada por eles. O Manifesto pode ser considerado os divisor de águas entre os liberais e os católicos que se posicionaram desfavoráveis ao documento fazendo duras criticas a ele. 6 República deu uma grande autonomia aos Estados, o que permitiu que estes tivessem um processo de institucionalização da escola primária muito particular, cada um com um ritmo em função das desigualdades de condições econômicas e culturais de cada região. Desse modo, o ritmo e a extensão do processo de escolarização instaurado foram marcados por uma concepção restrita de cidadania e pela exigüidade dos recursos materiais e humanos disponíveis para instituir a escola nos moldes então julgados necessários à formação do cidadão republicano. (Carvalho,2003, p. 143) Para compreendermos o processo político que levou a Revolução de 30, resumidamente irá se apontar alguns dos seus aspectos históricos. O Governo Republicano proclamado em 1889, teve a frente na sua transição o Marechal Floriano Peixoto. O período que segue, que vai de 1894 a 1930 foi marcado pelo governo de presidentes civis, ligados ao setor agrário. Em São Paulo e em Minas Gerais, as oligarquias estavam bem organizadas em torno de dois partidos políticos: o PRP (Partido Republicano Paulista) e o PRM (Partido Republicano Mineiro). Estes dois partidos controlavam as eleições, mantendo-se no poder de maneira alternada e contavam com o apoio da elite agrária do país. Como São Paulo era o maior produtor de café e Minas o maior produtor de leite. Daí a denominação "República do Café com Leite". A política “café com leite” era de cartas marcadas. A eleição dos representantes do povo e dos governantes era precedida de intensas consultas e negociações que selavam as alianças. O esquema era dominado pelos governadores de Minas Gerais e de São Paulo e, como no império, garantiu por quase quarenta anos a estabilidade e o imobilismo político. Saídos das elites mineiras e paulistas, os presidentes acabavam favorecendo sempre o setor agrícola, principalmente do café (paulista) e do leite (mineiro). A política do café- com-leite sofreu duras críticas de empresários ligados à indústria, que estava em expansão neste período. 7 Se por um lado à política do café-com-leite privilegiou e favoreceu o crescimento da agricultura e da pecuária5, por outro, acabou provocando um abandono das outras regiões do país. As regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste ganharam pouca atenção destes políticos e tiveram seus problemas sociais agravados. Na década de 20, as greves operárias, as revoltas dos tenentes e as denúncias programados pela Semana de Arte Moderna de 1922 diziam com todas as letras que o país precisava mudar. Em 1930 ocorreriam eleições para presidência e, de acordo com a política do café-com-leite, era a vez de assumir um político mineiro do PRM. Porém, o Partido Republicano Paulista do presidente Washington Luís indicou um político paulista, Julio Prestes, a sucessão, rompendo com o café-com-leite. Descontente, o PRM junta-se com políticos da Paraíba e do Rio Grande do Sul formando a Aliança Liberal. A Aliança Liberal, uma frente de oposição, apresenta o gaúcho Getúlio Vargas candidato a presidência, tendo o paraibano João Pessoa como vice. Entretanto, Júlio Prestes sai vencedor nas eleições de abril de 1930, deixando descontentes os políticos da Aliança Liberal, que alegam fraudes eleitorais. Em julho, João Pessoa é assassinado no Recife, por questões pessoais. A Aliança Liberal se une aos militares e inicia uma revolução (Revolução de 1930). A revolta explode no Rio Grande do Sul, Paraíba e Minas Gerais. Mas logo se alastra pelo país. O Presidente Washington Luis é deposto. O candidato eleito Júlio Prestes se refugia na Embaixada Inglesa. Assim, em novembro de 1930, Getúlio Vargas toma posse como chefe do governo provisório. A Revolução de 30 abre a participação política a setores da sociedade como a classe média, a burguesia industrial e, principalmente, a setores das oligarquias rurais que estavam fora do poder. Desse modo, terminou o monopólio do poder nacional pelos cafeicultores paulistas e iniciou a época do populismo. O Sudeste perdeu a hegemonia e o Brasil deu os primeiros passos rumo a um modelo de desenvolvimento industrial e urbano. Portanto, conforme aponta Ghiraldelli Junior, 5 Principalmente na região sudeste houve um avanço no setor agrário. 8 a Revolução de 30 promoveu um rearranjo na sociedade política possibilitando o assento de setores sociais marginalizados do poder, durante a Primeira República, em diversos níveis da máquina governamental. De fato, a República Velha se caracterizou por uma paulatina modernização do país às custas da reorganização capitalista da cafeicultura. Industria, crescimento urbano, melhoria de transporte, proletarização etc. apareceram subjugados à política do café-com-leite, pela qual os fazendeiros de São Paulo se alternavam com os mineiros no comando do país, dirigindo os intelectuais da importação do café como se fossem os exclusivos interesses da nação. O regime instaurado em 1930, aos poucos, modificou e, em certo sentido, inverteu essa situação. (1994, p. 40) Nesse sentido, a partir de 30 Vargas redefiniu o quadro político e deu espaço para as manifestações dos setores sociais. No campo educacional, o governo Vargas esforçou-se em controlar as duas linhas6 de pensamento educacional que emergiram nos anos 20. As vanguardas da educação no Brasil vinham desde o final da década de 20 reunindo-se nas Conferências Nacionais de Educação, organizadas pela ABE. Assim, no ano de 1931 foi realizada a IV Conferência Nacional de Educação onde o governo se fez presentenas figuras do próprio Presidente Vargas e do Ministro da Educação e Saúde Francisco Campos. Assim, a partir dessa Conferência se constrói o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova dedicado ao governo e a nação, no qual são apontados os caminhos que a educação deve tomar para o país chegar à modernidade. Aspectos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova O Manifesto dos Pioneiros veio legitimar um grupo de intelectuais da educação que visavam salvar o país do seu atraso e levá-lo a modernização por meio da educação, sendo eles os agentes ou heróis dessa mudança. 6 De um lado estava o grupo dos conservadores, reacionários e católicos e de outro lado encontravam-se os liberais. 9 O lançamento do manifesto causou um certo impacto na sociedade e ao lançar idéias novas estimulou o debate educacional que fundamentou algumas correntes de pensamento e anulou outras correntes. O texto do Manifesto foi produzido em um clima de insatisfação da intelectualidade brasileira que buscava apontar soluções para os impasses nacionais. O documento traz uma reflexão a respeito do período histórico vivido e segundo aponta Xavier, o enquadramento da memória operada no Manifesto se dá pela ordenação do tempo histórico estabelecendo uma hierarquia temporal na qual o passado é avaliado com base na idéia de ausência, o presente é interpretado como um hiato, uma transição – porque um momento de crise que evidencia a necessidade de intervenção das elites intelectuais – e, finalmente, o futuro, projetado com base no programa de renovação educacional, aponta para a construção do Brasil moderno. (2002, p. 39) Assim a idéia que está presente em todo o texto é o contraste entre o passado (velho) e o futuro (novo). Como fica claro na seguinte passagem do Manifesto: “a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida”(1932). O documento faz uma crítica às reformas educacionais anteriores que sempre são dissociadas das reformas econômicas, além de serem propostas fragmentárias e desarticuladas com a realidade. Os pioneiros apontam que o aparelho escolar brasileiro está em estado de inorganização, pela total falta de planos e iniciativas que solucionassem os problemas da educação. Um dos pontos de maior discussão apresentados no Manifesto diz respeito a laicidade do ensino. Esse aspecto representava um elemento fundamental, na medida em que colocava em prática os princípios democráticos de liberdade de pensamento e credo. E neutralizava a atuação da igreja católica que exercia influência no campo educacional. O Estado é visto com um fundamental papel no projeto do Manifesto, ele seria a instância superior capaz de dar a educação um caráter social, obrigatório 10 público. Assim, a educação sendo pública seria estendida a todos os indivíduos, ou seja, se implantaria a universalização da educação. E o Estado passaria a ter uma responsabilidade com a educação nacional. O Manifesto discute que a obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem em relação ao primário, e se deve estender progressivamente até a idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18, é mais necessária ainda “na sociedade moderna em que industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem”, cuja educação é freqüentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas (1932). Dessa maneira, afirma a importância e a necessidade da obrigatoriedade do ensino e a sua gratuidade, que está imbricada na obrigatoriedade, pois o “Estado não pode tornar o ensino obrigatório sem torná-lo público” (Manifesto, 1932). Além disso, há o entendimento que a gratuidade e obrigatoriedade fazem parte do principio igualitário7 da educação. Outro aspecto presente no Manifesto diz respeito a co-educação, na qual a escola seria unificada8, ou seja não haveria separação dos alunos por sexo, classe ou outra característica, salvo os alunos com problemas psicológicos. Com a co-educação todos os alunos estariam em pé de igualdade, sendo envolvidos no processo educacional. As idéias contidas no Manifesto foram influenciadas pelas idéias da Escola Nova de Dewey, ficando clara essa influência em vários trechos do documento, conforme no fragmento que segue: a educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre os princípios da escola com meio social, tem o seu ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação.(1932) 7 O principio igualitário seria que todos o cidadãos tivessem acesso a educação. 8 A escola unificada pressupõe multiplicidade. 11 A nova política educacional proposta no Manifesto tinha bases científicas. Os pioneiros enxergavam a ciência como a chave para o progresso da humanidade. Defendiam a defesa de mentalidade da população através da transformação das instituições de ensino com a introdução de critérios científicos. Assim, a “educação é encarada como um instrumento e a Ciência como um elo unificador. Desse binômio, extraía-se o perfil do educador, a estrutura da instituição escolar, a identidade do grupo pioneiro, enfim, a própria identidade da nação”. ( Xavier, 2002, p. 59) Dessa maneira, conforme argumenta Xavier, resumidamente a proposta dos pioneiros apresentada no Manifesto seria: um conjunto de medidas práticas pelas quais se pretendia fundar um novo sistema educacional – único, de base científica e sob a responsabilidade do Estado. O plano de reconstrução educacional previa ainda a laicização do ensino e a co-educação, introduzindo, dessa forma, valores realmente inéditos na estrutura educacional da época. (2002. p.48) Nesse sentido, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova traz uma visão moderna de educação. A Educação Nova proposta pelos pioneiros vem pautada em princípios de ética nas relações sociais, com valores de autonomia, respeito à diversidade, igualdade, liberdade e solidariedade. De fato, sua proposta educacional causou grandes repercussões na sociedade, sendo lembradas ainda hoje. O Manifesto dos Pioneiros além de ser divulgado em março de 1932 pela imprensa diária não especializada, foi publicado pela Companhia Editora Nacional, em junho do mesmo ano em São Paulo. A publicação foi precedida de uma introdução de Fernando de Azevedo e seguida de algumas apreciações críticas de vários comentaristas e de um esboço de um programa educacional extraído do Manifesto contendo dez itens. (LEMME, 1984) 12 Considerações Finais O Manifesto representa um grande momento na História da Educação do nosso país. É expressão de um grupo de intelectuais preocupados com a modernização do Brasil, alinhados no debate político, econômico e social do país e engajados na luta pela implantação da escola pública, laica e gratuita. Não se pode esquecer que o documento defende explicitamente a necessidade da Educação ser entendida como um problema prioritário e de responsabilidade do Estado. Não podemos esquecer que a IV Conferência Nacional de Educação levou a ruptura entre católicos e liberais na tentativa de influenciar as diretrizes governamentais. As idéias defendidas no Manifesto pelo grupo liberal da Associação Brasileira de Educadores foram suficientes para gerar “raiva” dos católicos. Segundo eles, as idéias9 contidas no Manifesto retiravam a educação das mãos da família e destruía assim os princípios de liberdade do ensino, além de criar um AbsolutismoPedagógico. Sendo o Manifesto um marco da história da educação suas idéias influenciaram a postura de muitos educadores e de alguns governantes. Alguns intelectuais da educação defendem a atualidade do manifesto e ressaltam que as idéias contidas no documento são ainda hoje lembradas nas discussões a respeito da escola pública obrigatória, da laicidade da educação e da responsabilidade do Estado com a educação nacional. Entretanto, mesmo reconhecendo a importância do documento não é possível deixar de fazer algumas considerações mais críticas com relação ao conteúdo do Manifesto. A proposta educacional almejada pelos pioneiros estava pautada no pragmatismo da escola nova e trouxe a escola como espaço de mudança social, que busca formar um sujeito perfeito, moldado para ser o cidadão republicano. Assim, objetivando a construção de uma sociedade nova e progressista. 9 As idéias da escola pública obrigatória, gratuita e laica eram combatidas pelos católicos. 13 Este progresso viria segundo os pioneiros na medida em que o campo político desse forma aos princípios solicitados pelo regime Republicano. O meio mais rápido de fazer isto, era pela defesa da escola pública e da pedagogia escolanovista. Porém, se analisarmos mais a fundo as idéias defendidas pelos pioneiros, perceberemos que as mudanças impostas pela República e a defesa de uma nova filosofia da educação estavam sendo pensadas pelas idéias liberais. Foi a partir da universalização das idéias liberais e sua aceitação no país, pelos Intelectuais- Educadores, o que os leva à defesa de que a educação precisa ser mudada para atender às novas necessidades. Nesse horizonte, a defesa dos Pioneiros sobre o direito natural à educação como efetivação da igualdade (eqüidade social) entre os homens não nega, de um lado, a liberdade e o individualismo que marca a lógica liberal e, de outro, acredita estar superando, na universalização da educação, as diferenças de classe no desenvolvimento humano, embora não as negue como lógica natural da sociedade voltada para a indústria e para o mercado. Laicidade, gratuidade, obrigatoriedade de educação e a não diferença na aprendizagem entre os sexos são expressões já traduzidas pela filosofia clássica burguesa que tem, no direito natural e na liberdade, o seu eixo central. A filosofia dos “liberais” ficou expressa no Manifesto dos Pioneiros.(Mazzuco e Tullio, 2003, p.4) Portanto, não se pode fazer uma leitura ingênua do Manifesto, dando aos seus autores o papel de heróis da educação nacional. A defesa da educação feita pelos pioneiros visava à superação da organização social da época, por meio da incorporação dos valores liberais. Para isso, pregavam a eliminação do ensino religioso nas escolas para poderem reforçar, por intermédio do ideário liberal, a difusão da idéia de amor à pátria, a valorização do indivíduo como homem voltado para as coisas públicas e para o nacionalismo altruísta. Além disso, a eqüidade social defendida pelos pioneiros não tinha a intenção de superar a sociedade de classes, mas era ideologicamente, o resultado do esforço e da solidariedade de todos na organização da riqueza nacional. 14 Referências: ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação. 2ed. São Paulo: Moderna, 1996. AKKARI. A. J. Desigualdades educativas estruturais no Brasil: entre Estado, privatização e descentralização. In: Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001. AZEVEDO, Fernando et al. O manifesto dos pioneiros da educação nova. São Paulo: Nacional, 1932. CARVALHO, Marta Maria Chagas. A Escola e a República e outros Ensaios. Bragança Paulista: EDUSF, 2003. GUIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História da Educação. São Paulo: Cortez, 1994. LEMME, Paschoal. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas repercussões na realidade educacional brasileira. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, maio/agosto 1984. MAZZUCO, Neiva e TULLIO, Guaraciaba. O Manifesto de 1932 e a educação pública ensino moram: a preocupação com o nacionalismo e o homem cidadão. 2003. Mimeo. XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Bragança Paulista: EDUSF, 2002.
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