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ÉTICA GLOBAL AULA 3 Prof. Leonardo Nunes Camargo 2 CONVERSA INICIAL As mudanças tecnocientíficas influenciaram e modificaram nossa forma de ver e perceber o mundo após o século XX. Uma das consequências dessa revolução tecnológica teve impacto negativo sobre o meio ambiente. Sem dúvida, o ser humano é responsável pelo aceleramento das mudanças climáticas, à medida que apenas interesses econômicos são colocados em prática quando se pensa na natureza. Precisamos de uma ética do meio ambiente para superar essa visão de domínio e poder, para que possamos garantir nossa sobrevivência e a dos demais seres vivos. O objetivo desta aula é o de discutir a relação entre a ética e o meio ambiente. Para isso, precisamos superar nossas visões antropocêntricas, isto é, aquelas que só pensam no bem-estar do ser humano e não levam em consideração a vida de outros seres vivos. Nesse sentido, parece ser urgente pensar uma ética que altere a relação do homem com o meio ambiente. Precisamos criar meios sustentáveis que considerem a existência de toda e qualquer forma de vida, a fim de podermos deixar algo digno para as próximas gerações. TEMA 1 – POR QUE PRECISAMOS DE UMA ÉTICA PARA O MEIO AMBIENTE? A fim de entendermos a crise ambiental que enfrentamos, é necessário refletir a respeito de possíveis influências advindas de outros períodos e analisar alguns conceitos e aspectos que modificaram nossa percepção sobre a natureza ao longo dos últimos séculos. Um dos modelos de pensamento decorrente da modernidade, o cartesiano mecanicista, foi responsável por uma série de avanços científicos e tecnológicos que modificaram nossa existência a partir do século XVII. Desde esse período, houve diversas transformações, tanto temporalmente como espacialmente no planeta, todas apoiadas na ideia de progresso. No entanto, juntamente com a utópica ideia de emancipação da humanidade por meio da tecnologia e da ciência, a vida passou a ser considerada um ente que pode ser quantificado, mecanizado, medido, mensurado, calculado, objetificado e coisificado. Impreterivelmente, a natureza 3 também passou a ser vista como um ente à disposição para ser manipulado e explorado. A partir da década de 1970, houve um aumento significativo de mercadorias da indústria de consumo que também afetou diretamente a vida das pessoas. A forma como o planeta passou a consumir, principalmente nas últimas décadas, alterou a relação homem-natureza. Esta última, consequentemente, tornou-se ainda mais vulnerável e ameaçada, pois como veremos a seguir o que importa hoje é apenas o lucro. Quanto mais a natureza é vista e entendida como uma fonte de riquezas que devemos explorar, mais precisamos pensar em uma ética ambiental. Assim, tornou-se tarefa da filosofia considerar o meio ambiente em suas reflexões. Para que consigamos recuperar o valor em si da natureza como um ser de direitos, precisamos, primeiramente, superar tanto nossa visão mecanicista cartesiana como nossa concepção antropocêntrica. Nesta aula, atribuiremos a essas duas correntes a responsabilidade pela intensificação da crise ambiental que vivemos. Caso essa crise não seja atenuada e nossos hábitos alterados, as futuras gerações também sofrerão com os impactos. Fazendo um exercício histórico de como a natureza era vista e percebida desde o início da civilização, perceberemos que, para os primeiros seres humanos que habitavam a Terra, a natureza era concebida como algo infinitamente grande. Os recursos naturais disponíveis não tinham limites e o homem, mesmo com sua capacidade de criar ferramentas, não poderia jamais alterar a ordem natural das coisas. A ação humana sobre a natureza era insignificante perante sua grandeza. Portanto, nesse cenário, não havia necessidade de se pensar uma ética para o meio ambiente. Porém, com o desenvolvimento tecnológico e científico adquirido após o século XVII, a ação que o homem passou a exercer sobre a natureza deixou de ser neutra e começou a afetar diretamente a vida de todos os seres vivos. A fim de suprir suas necessidades, o ser humano passou a extrair da natureza não só recursos que garantissem sua sobrevivência, como os alimentos, mas começou a utilizá-los para suprir demandas das indústrias: extrair carvão para movimentar as primeiras máquinas e utilizar combustíveis fósseis. É nesse contexto de mudanças na esfera ambiental que a vida passou a ser ameaçada e percebeu-se a necessidade da ética. 4 O projeto baconiano (considera-se que ele não foi criado por Bacon), amparado na máxima “saber é poder”, de acordo com Hans Jonas, carrega consigo um “descontrole sobre si mesmo”, ou seja, há uma ameaça apocalíptica em seu interior, pois seu desejo utópico de melhorar o mundo e adquirir sempre mais conhecimento não protege a natureza e leva ao risco de extinção da vida. O poder técnico, ao tornar-se autônomo, transformou-se em ameaça e risco à civilização. Portanto, uma das principais causas da crise ambiental são os avanços tecnológicos sem controle e rigor ético. Obviamente, não se trata de excluir os avanços tecnológicos, e sim de limitá-los e refletir sobre alguns procedimentos eticamente. (Jonas, 2006, p. 236) Por meio desses elementos, apontamos a ideia de progresso, os avanços tecnológicos e científicos, o desejo de dominação e controle do homem. Faz-se necessário enxergar a crise ambiental como um problema ético. No entanto, para despertar a dimensão ética no ser humano em relação à natureza, este precisa, primeiramente, compreender que faz parte do meio ambiente e reconhecer que é um ser da natureza, capaz de provocar mudanças positivas e negativas, no sentido de que, por um lado, pode salvar espécies e, por outro, provocar o esgotamento de recursos naturais e a degradação de ecossistemas inteiros. Sob uma perspectiva natural, o homem é um ser assim como qualquer outra espécie, que mantém uma inter-relação e uma interdependência com os recursos naturais. Essas duas características são essenciais para a manutenção e a preservação da vida. TEMA 2 – PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS DE UMA ÉTICA DO MEIO AMBIENTE Neste tema, queremos analisar dois tipos de ética voltados ao meio ambiente: a superficial e a profunda. Uma ética ambiental superficial tem como principal ideia que devemos preservar o meio ambiente em favor dos interesses humanos, ou seja, é um tipo de ética totalmente antropocêntrica. Nesse tipo de ética, a natureza não é o elemento principal a ser considerado, ela é entendida apenas do ponto de vista instrumental, deve apenas fornecer suprimentos aos interesses do homem. Não existe preocupação quanto aos impactos que uma produção pode causar. Há o emprego de certas técnicas a fim de minimizar as consequências 5 que os impactos de um tipo de produção podem provocar, desde que não diminua os lucros e a produção. Neste tipo de ética, a preocupação não reside em preservar o valor da natureza. O meio ambiente não passa de um produto, uma mercadoria à disposição do homem para o seu consumo. Os que defendem esse tipo de ética não consideram uma mudança na forma de produção e exploração da natureza. Não se prevê, portanto, uma mudança de postura e de atitude. A outra forma de se pensar a ética ambiental é a do tipo profunda. Esse tipo de ética reconhece que a natureza tem valores intrínsecos. Todos os seres vivos, humanos ou não, possuem um valor absoluto em si. Podemos encontrar na literatura vários tipos de ética que tem como foco de preocupação a vida de todos os seres vivos. Uma dessas formas de ética ambiental profunda que destacamos é o biocentrismo, corrente de pensamento segundo o qual todas as formas de vida têm valor em si mesmas e tudo o que faz parte da vida e se envolve com elas também possui. Nessa perspectiva, a própria morte também tem um valor,pois faz parte do processo natural da vida. Nesse sentido, a corrente do biocentrismo afirma que devemos proteger a natureza porque ela possui valores em si e não porque é bom, desejável e conveniente para o homem. Segundo Kässmayer (2008, p. 140), “dado à naturalidade um valor em si, a natureza é passível de valoração própria, independente de interesses econômicos, estéticos ou científicos”. Destacamos a seguir quatro premissas básicas nas quais o biocentrismo se fundamenta. • Todos os seres vivos, humanos ou não, pertencem à mesma comunidade terrestre, isto é, partilham do mesmo princípio: a vida. • Todos os organismos vivos vivem de forma integrada e são interdependentes, de forma que, para que cada ser vivo sobreviva na natureza, além da sua capacidade física e dos nutrientes disponíveis no meio ambiente, é essencial a capacidade de relacionar-se com outras espécies. • Todos os organismos vivos são seres que têm um fim em si mesmos. • Não existe uma espécie superior em relação às outras, pois todas pertencem a uma comunidade e possuem valor e importância para a natureza. 6 Assim como a revolução copernicana retirou o homem do centro do universo, o biocentrismo procura reafirmar a ideia que o homem é apenas um ser vivo que faz parte da natureza, é apenas uma parte que a integra. A fim de combater o antropocentrismo, precisamos de uma ética ambiental que seja capaz de resgatar a sacralidade da natureza, devolvendo sua dignidade retraída pela modernidade e colocando o homem como um ser que participa do meio ambiente. Para que o ser humano viva em um ambiente saudável e com uma boa qualidade de vida, é preciso criar um ambiente harmonioso e equilibrado, e a preservação do meio ambiente é um dos caminhos para alcançar esse objetivo. Para se chegar a um equilíbrio no meio ambiente, é necessário entender que a natureza tem certas tensões e contradições. Feito isso, poderemos contemplar a vida como um sistema inter-relacionado e interconectado. Para ampliar nossa discussão sobre como entender o meio ambiente como um sistema inter-relacionado, precisamos analisar o conceito de ecologia, pois “a ética como sensibilidade não é apenas uma disciplina, ela é o coração de todas as disciplinas; em ecologia e na vida fica evidente que a visão de interdependência (teia) é crucial. É preciso despertar para ver.” (Pelizzoli, 2013, p. 32, grifo do original). O termo ecologia foi utilizado pela primeira vez por Ernst Haeckel1, em 1866. De acordo com Leonardo Boff: Ecologia é relação, inter-ação e dialogação de todas as coisas existentes (viventes ou não) entre si e com tudo o que existe, real ou potencial. A ecologia não tem a ver apenas com a natureza (ecologia natural), mas principalmente com a sociedade e a cultura (ecologia humana, social etc.). Numa visão ecológica, tudo o que existe coexiste. Tudo o que coexiste preexiste. E tudo o que coexiste e preexiste subsiste através de uma teia infinita de relações omnicompreensivas. Nada existe fora da relação. (Boff, 1993, p. 15, grifo nosso). A partir disso, vemos que a ecologia é a interdependência e a interação que todos os seres vivos têm com o ambiente natural. Assim, a interdependência torna-se um elemento indispensável para uma ética ambiental na qual todos os seres vivos devem ser levados em conta. O termo ecologia relaciona-se com éthos, palavra de origem grega que significa habitar 1 Ernest Haeckel foi um biólogo, médico e zoólogo alemão. Nasceu em 1834, na cidade de Potsdam, e morreu em 1919. Foi um teórico do darwinismo, elaborou novas noções acerca da evolução e da descendência humana e é um dos grandes expoentes do cientificismo positivista. Publicou diversas obras, entre elas. Os enigmas do universo (1876). 7 ou morada e remete a um equilíbrio da vida no ambiente. Pelizzoli utiliza o termo homeostase para referir-se ao equilíbrio e à harmonia que se deve ter com o meio ambiente. Segundo o autor, “homeostase é um termo biológico para falar de sistemas naturais, ecossistemas, em dinâmica de equilíbrio. Homeostase é estar em harmonia (cosmos) dentro de um sistema, dentro de um habitat.” (Pelizzoli, 2013, p. 33, grifos do original). Portanto, a ética ambiental deve ser holística e interconectada. TEMA 3 – O QUE É ECOLOGIA PROFUNDA? O discurso sobre sustentabilidade e cuidado com o meio ambiente se tornou comum atualmente, principalmente em ambientes empresariais que passaram a utilizar esses mecanismos a fim de prospectar mais clientes e dar legitimidade aos negócios, que nem sempre são sustentáveis. No entanto, a preocupação dessas empresas não consiste em primeiramente mudar os modelos paradigmáticos existentes que degradam a natureza, trata-se apenas de um discurso vazio que deve atender a lógica do mercado. Desse modo, podemos dizer que uma das críticas que teóricos da ecologia profunda explicitam é a noção de progresso ilimitado e o desenvolvimento político e econômico por meio da ciência e da tecnologia (indústria). A ecologia profunda como novo paradigma emergente da sociedade propõe que a vida seja entendida com base em uma visão integradora, portanto, holística. Essa nova visão de mundo acredita na possibilidade de religação do homem e da natureza. Capra propõe que o mundo deve ser visto numa perspectiva sistêmica. A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração. Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às de unidades menores. Em vez de se concentrar nos elementos ou substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização. Os exemplos de sistemas são abundantes na natureza. Todo e qualquer organismo – desde a menor bactéria até os seres humanos, passando pela imensa variedade de plantas e animais – é uma totalidade integrada e, portanto, um sistema vivo. (Capra, 2007, p. 260) Os seres humanos nesse novo ambiente precisam ser entendidos como seres vivos que fazem parte de uma grande comunidade ou rede. Tanto que até os problemas ambientais que enfrentamos também não podem ser vistos de maneira isolada, e sim integrados em sua totalidade. 8 De acordo com o pensamento da ecologia profunda, os seres vivos, incluindo os seres humanos, formam uma rede de fenômenos que vivem interligados e são interdependentes. Cada ser vivo tem um valor intrínseco em si e é parte de um fio de relações na teia da vida. Nesse sentido, podemos dizer que a ecologia profunda quebra o paradigma antropocêntrico, sugerindo uma nova concepção, a do biocentrismo. Fugindo de uma concepção materialista e mecanicista, a ecologia profunda entende a natureza como um ser que possui recursos limitados, ou seja, contrariando o pensamento antigo, nossas reservas um dia acabarão. Desse modo, precisamos mudar nossas atitudes e pensar em modelos sustentáveis, pois a sobrevivência de qualquer parte depende do bem-estar do todo. De acordo com Leonardo Boff, “somos um momento no imenso processo de interação universal”, ou seja, todos os seres vivos possuem laços que os unem desde as estruturas orgânicas mais simples até os seres vivos mais complexos. Quando o ser humano for capaz de se perceber como um elemento dentro de um grande sistema planetário e cósmico, seremos capazes de admirar e contemplar as maravilhas da natureza. (Boff, 1995, p. 29) A partir disso, o autor brasileiro propõe uma religação do universo com o ser humano, uma mudança de paradigma que leve em consideração o todo, e não somente as partes. “Assim, cada célula constitui parte de um órgão de cada órgão, parte do corpo, assim cada ser vivo é parte de um ecossistema como este é parte do sistema global-Terra” (Boff, 1995, p. 39). Assim como o nosso corpo, toda a existência humana necessita manter relações. Como disse Hans Jonas: somos seresque necessitamos manter relações, sejam elas sociais ou ambientais, a fim de manter nossa sobrevivência. Portanto, nossa posição deve ser ética na medida em que baseado nela possamos traçar novos “imperativos para que o homem possa realizar-se na sua humanidade. A ecologia e a ética encontram-se diante de um mesmo e gigantesco desafio: o que fazer para possibilitar a continuidade da vida no planeta?” (Campos, 2008, p. 39). TEMA 4 – ÉTICA AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE É possível afirmar que a ética é a capacidade de assumirmos nossa responsabilidade infinita por tudo que vive, existe e existirá. Portanto, nos 9 tornamos éticos à medida que somos responsáveis pelo outro, pela vida do diferente e pela manutenção desta. Não podemos deixar de mencionar a obra de Hans Jonas, intitulada O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica, publicada em 1979. De acordo com Jelson Oliveira, tal obra tem como desafio enfrentar um dos problemas contemporâneos que mais assolam a sociedade: a questão ambiental. De acordo com Hans Jonas, tanto a vida como a natureza se tornaram objeto da racionalidade instrumental tecnológica e científica nas mãos dos seres humanos. Se analisarmos a história do ser humano desde as primeiras civilizações, a natureza nunca havia sido causa de debate ético nos assuntos humanos. Hoje, mais do que nunca, é necessário refletir sobre o papel que o meio ambiente representa para a manutenção da vida como um todo, tanto para as gerações do presente como para as do futuro. Desde as civilizações da Grécia Antiga, a natureza era vista como um ser capaz de cuidar de si mesma, isto é, perante sua grandiosidade e força as ações humanas não provocavam nenhuma mudança significativa em sua condição. Por mais elaboradas e sofisticadas técnicas de manuseio que o homem realizava com a natureza, esta ainda permanecia soberana, intocável e inviolável. No entanto, essa visão sobre a natureza começa a mudar a partir do momento que os avanços tecnológicos e científicos alteram nossa maneira de se relacionar com o meio ambiente, ou seja, se antes para os povos antigos havia certo respeito e se creditava uma dignidade à natureza, a partir dos séculos XVI e XVII, a natureza passa a ser entendida, principalmente após a máxima de Francis Bacon “saber é poder”, como um objeto que devemos explorar e dominar. Com base disso, podemos dizer que a técnica moderna adquiriu um poder autônomo de modo que suas ações não encontram nenhum empecilho do ponto de vista ético. Portanto, não há impedimentos para a tecnologia ousar explorar a natureza. O que vemos, principalmente no final do século XX, é um aceleramento da destruição ambiental e uma diminuição significativa de recursos naturais provocados pela ausência de responsabilidade em relação à natureza. O Papa Francisco, em sua encíclica Laudato Si, destaca a urgência de mudança no comportamento ético para que a destruição da natureza não se 10 torne uma ameaça à sua própria existência, “os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento ecológico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem” (Papa Francisco, 2015, p. 10). É notório que os progressos tecnológicos e científicos ainda são essenciais para o desenvolvimento do homem como espécie, mas o problema (ético e ambiental) surge quando acreditamos que a própria tecnologia pode enfrentar problemas sistêmicos e globalizantes, como a questão ambiental, e resolvê-los. No entanto, o que podemos notar é que as respostas tecnológicas são fracas e parciais em relação às soluções urgentes e complexas que a sociedade precisar dar em relação à degradação ambiental. Segundo o Papa Francisco, “deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático” (Papa Francisco, 2015, p. 71). Nesse sentido, é urgente aliarmos as propostas de Francisco com a responsabilidade, contudo, não aquela do tipo que se espera algo em troca, ou seja, baseada em uma reciprocidade, mas uma que coloque a vida acima de todos os interesses e desejos, uma ética da responsabilidade pautada no respeito e na prudência. Ora, se a vida por si só é teimosa, pois vive em constante luta contra a negação (a morte), questiona e procura sempre se afirmar; precisamos agora repensá-la, assim como Jonas propõe, num plano ontológico, ou seja, se partimos da premissa que o ser é melhor e mais desejável que o nada, então porque não preferir a vida (o ser) antes de negá-la – o não ser. A partir disso, se na perspectiva jonasiana, a vida é recolocada num âmbito metafísico; a natureza, no contexto contemporâneo, como ser vivo (gaia) que é também precisa recuperar sua dignidade e seu valor, como foi outrora na Antiguidade. TEMA 5 – CAPITALISMO E SUA INFLUÊNCIA NA CRISE AMBIENTAL Além do mau uso que fazemos da tecnologia, existe outro fator tão responsável pela crise ambiental que se alastrou pelo planeta: o capitalismo. Os interesses econômicos e o lucro são colocados acima de todos os problemas que vivemos. Desse modo, se quisermos analisar as influências do 11 capitalismo na crise ambiental, devemos, impreterivelmente, considerar a tecnologia como corresponsável. Na sociedade capitalista atual tornou-se praticamente impossível pensar e desenvolver certas atividades humanas sem o uso do capital, tornamo-nos dependentes do dinheiro. Resta saber se o dinheiro é uma necessidade que a espécie humana precisa para sobreviver e evoluir ou se trata de uma necessidade perigosa. Quando aliamos o capital e as demandas das indústrias com a natureza e a necessidade de matéria-prima, vemos uma discrepância de velocidade, isto é, enquanto que as indústrias crescem em ritmo acelerado e surpreendente (principalmente no final do século XX), a natureza se regenera em ciclos e demoram anos para se restabelecer. A partir disso, o que temos é uma exploração e destruição acelerada do meio ambiente. Umas das características que impulsionam o capitalismo é o consumo. Em vez de ele atender as necessidades básicas do ser humano, como alimentação, vestuário, medicamentos, segurança, o capitalismo vincula a ideia de que o ser humano é mais feliz quando está consumindo. Desse modo, o que podemos observar é que uma pequena parcela da população consome recursos naturais e bens produzidos muito além do que temos disponível em relação ao meio ambiente. Algumas cúpulas e conferências que aconteceram sobre o meio ambiente desde Estocolmo, em 1972, passando pela ECO 92, Agenda 21, entre outras têm como propósito promover formas alternativas que levem em consideração o consumo sustentável. Mas para isso é necessário o comprometimento e a responsabilidade de empresas e dos consumidores visando dar condições básicas que sustentem as próximas gerações. Em outras palavras, é necessário mudar os padrões de produção e consumo. Diante dessas breves considerações acerca do capital, podemos afirmar que ele se tornou perigoso para a saúde do planeta, pois a lucratividade almejada pelo sistema capitalista não leva em consideração a possibilidade de desenvolvimento sustentável. O capitalismo, à medida que pensa apenas no lucro, coloca em risco a vida de todo o planeta e ameaça não apenas a extinção da espécie humana, mas de todas as formas de vida. A cada momento que esperamos para agir a vida é mais ameaçada, se não mudarmos nossos hábitos e frearmos nossos impulsos tecnológicos que destroem e 12 aceleram os desequilíbrios do planeta, tanto que desastres ambientais são cada vez mais frequentes, corremos o risco de não deixar um planeta saudável para as próximas gerações. Nesse sentido,podemos afirmar que os problemas ambientais que enfrentamos talvez sejam os únicos que comprometem todas as nações, pois deles derivam a possibilidade de existência ou não da humanidade. NA PRÁTICA Para aprofundar os conhecimentos adquiridos nesta aula, sugerimos a leitura da obra: CAPRA, F. A teia da vida. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. 16. ed. São Paulo: Cultrix, 2010. Depois de lido, elabore um artigo sobre a obra. Nele, procure discutir os principais pontos que sugerem uma mudança de paradigma. Lembre que em seu texto deve conter: a definição de ecologia profunda, quais os elementos que permitem pensar uma mudança de paradigma e procure mostrar a relevância do tema sobre o meio ambiente no cenário contemporâneo. FINALIZANDO Ao longo desta aula, procuramos discutir e mostrar as relações entre a ética e o meio ambiente. Vimos que na contemporaneidade se faz necessário superarmos o antropocentrismo, ou seja, não podemos mais pensar a relação da natureza com o homem, levando em consideração apenas os interesses humanos. Precisamos mudar nossa visão de mundo, abandonar o paradigma mecanicista materialista e adotar uma concepção holística de mundo. Isso quer dizer que precisamos pensar nossos problemas, sejam eles sociais, econômicos, políticos, religiosos, ambientais etc., de maneira integrada e interdependente. Assim que implantarmos esse novo paradigma, poderemos criar ambientes sustentáveis que levem em consideração a vida de todos os seres vivos e que garantam sua sobrevivência nas próximas gerações. Os assuntos que discutimos ao longo dessa aula corroboram para quiçá promover um ambiente de respeito e saudável para com a natureza. 13 REFERÊNCIAS BOFF, L. Ecologia, mundialização e espiritualidade. São Paulo: Ática, 1993. BOFF, L. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995. CAMPOS, P. C. O pressuposto da ética na preservação do meio ambiente. Breve história sobre origens e conceitos do movimento ambientalista. Revista Alceu, v. 8, n. 16, p. 19-51, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/alceu_n16_campos.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2019. CAPRA, F. A teia da vida. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. 16. ed. São Paulo: Cultrix, 2010. _____. O ponto de mutação. 28 ed. São Paulo: Cultrix, 2007. FRANCISCO, Papa. Encíclica apostólica Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Loyola/Paulus, 2015. HANS, J. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto (PUC-Rio), 2006. KÄSSMAYER, K. Apontamentos sobre a ética ambiental como fundamento do direito ambiental. EOS: revista jurídica da faculdade de Direito. Faculdade Dom Bosco, Curitiba, v. 1, n. 4, p. 128-146, jul./dez. 2008. PELIZZOLI, M. L. Ética e meio ambiente: para uma sociedade sustentável. Petrópolis: Vozes, 2013.
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