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Uma nova ética ambiental através da Ecopedagogia Em 1854, “O Grande Chefe Branco”, em Washington, fez uma oferta por uma grande área de território indígena e prometeu uma “reserva” para os índios. A resposta do chefe Seattle, considerada uma das declarações mais profun- das já feitas sobre o meio ambiente, é a seguinte: Como você pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? A ideia é estranha para nós. Se nós não somos donos da frescura do ar e do brilho da água, como você pode comprá- -los? Cada parte da Terra é sagrada para o meu povo. Cada pinha brilhante, cada praia de areia, cada névoa nas florestas escuras, cada inseto transparente, zumbindo, é sagrado na memória e na experiência de meu povo. A energia que flui pelas árvores traz consigo a memória e a experiência do meu povo. [...] (CARTA, 2005) Ecopedagogia Depois da instituição da Carta da Terra, o ensino sobre a importância da na- tureza passou a ser fundamental no processo de conservação do ambiente. Como ferramenta de apoio para colocar a Carta da Terra em prática, uma nova corrente pedagógica vem sendo desenvolvida: a Ecopedagogia. Essa nova pedagogia reforça a ideia de que o planeta Terra é um organismo vivo. De acordo com ela, é através do ensino de que os seres vivos e o planeta de- pendem um do outro para coevoluírem e continuarem a existir que o ser humano conseguirá desenvolver uma sociedade planetária, que tenha responsabilidade e comprometimento perante todas as formas de vida. A Ecopedagogia foi instituída não apenas para ser aplicada nas escolas, mas também para ser praticada por todas as instituições e indivíduos que pretendem mudar a maneira atual do homem pensar, mudar o mundo. Ecopedagogia e a sociedade O crescente número de seres humanos habitando a Terra, a crença de que os recursos naturais são infinitos e o padrão de consumo de muitas regiões do pla- neta, especialmente países mais ricos, tornam a natureza insustentável. A rapidez com que consumimos os recursos naturais é insustentável, pois o ambiente não consegue repor o que foi retirado na mesma velocidade. Uma nova ética ambiental através da Ecopedagogia 150 Hoje, os conceitos de crescimento e desenvolvimento estão sendo revistos pela sociedade. Atualmente as empresas, governos e cidadãos concordam que é possível haver crescimento e desenvolvimento sem que haja necessariamente poluição. Sustentabilidade e padrão de consumo são termos que estão sendo co- locados em discussão através dos meios de comunicação e nas instituições de ensino. Na verdade, os padrões de consumo de hoje são diferentes dos de alguns anos atrás. Hoje, nosso lixo apresenta grande quantidade de materiais que podem ser reciclados. Percebeu-se que o espaço seria o problema para essa quantidade de lixo que demora a se decompor e desenvolveu-se uma maneira de aproveitar toda essa matéria-prima que estava indo para o lixo. Por meio da reciclagem, muitos materiais podem ser reaproveitados para fabricar novos objetos. Em muitos paí- ses, a reciclagem aumentou sensivelmente nos últimos anos. Além disso, a taxa de consumo de água e de energia diminuiu, talvez não em prol da natureza, mas sim por questão de economia de dinheiro. Seja qual for o motivo que promoveu a mudança no padrão de consumo da sociedade, que ela continue agindo para que o planeta caminhe para um futuro mais sustentável. A participação das pessoas e das instituições no processo de produção e divulgação do conhecimento e outras áreas relacionadas é fundamental, pois o respeito pela natureza pode ser ensinado através da mídia, literatura, cinema e teatro. Com a atuação dos educadores para a construção de um mundo ecologica- mente melhor, certamente a situação econômica e social também será melhorada. Ecopedagogia: uma nova proposta Carta da Ecopedagogia (INSTITUTO PAULO FREIRE, 1999) Nossa Mãe Terra é um organismo vivo e em evolução. O que for feito a ela repercutirá em todos os seus filhos. Ela requer de nós uma cons- ciência e uma cidadania planetárias, isto é, o reconhecimento de que somos parte da Terra e de que podemos perecer com a sua destruição ou podemos viver com ela em harmonia, participando do seu devir. A mudança do paradigma economicista é condição necessária para estabelecer um desenvolvimento com justiça e equidade. Para ser sustentável, o desenvolvimento precisa ser economicamente factível, ecologicamente apropriado, socialmente justo, includente, cultural- mente equitativo, respeitoso e sem discriminação. O bem-estar não pode ser só social; deve ser também sociocósmico. A sustentabilidade econômica e a preservação do meio ambien- te dependem também de uma consciência ecológica e esta da educação. A sustentabilidade deve ser um princípio interdisci- plinar reorientador da educação, do planejamento escolar, dos sistemas de ensino e dos projetos político pedagógicos da es- Uma nova ética ambiental através da Ecopedagogia 151 cola. Os objetivos e conteúdos curriculares devem ser significa- tivos para o(a) educando(a) e também para a saúde do planeta. A Ecopedagogia, fundada na consciência de que pertencemos a uma única comunidade da vida, desenvolve a solidariedade e a cidada- nia planetárias. A cidadania planetária supõe o reconhecimento e a prática da planetaridade, isto é, tratar o planeta como um ser vivo e inteligente. A planetaridade deve levar-nos a sentir e viver nossa co- tidianidade em conexão com o universo e em relação harmônica con- sigo, com os outros seres do planeta e com a natureza, considerando seus elementos e dinâmica. Trata-se de uma opção de vida por uma relação saudável e equilibrada com o contexto, consigo mesmo, com os outros, com o ambiente mais próximo e com os demais ambientes. A partir da problemática ambiental vivida cotidianamente pelas pessoas nos grupos e espaços de convivência e na busca humana da felicidade, processa-se a consciência ecológica e opera-se a mudança de mentalida- de. A vida cotidiana é o lugar do sentido da pedagogia pois a condição humana passa inexoravelmente por ela. A Ecopedagogia implica uma mudança radical de mentalidade em relação à qualidade de vida e ao meio ambiente, que está diretamente ligada ao tipo de convivência que mantemos com nós mesmos, com os outros e com a natureza. A Ecopedagogia não se dirige apenas aos educadores, mas a todos os cidadãos do planeta. Ela está ligada ao projeto utópico de mudança nas relações humanas, sociais e ambientais, promovendo a educação sus- tentável (ecoeducação) e ambiental com base no pensamento crítico e inovador, em seus modos formal, não formal e informal, tendo como propósito a formação de cidadãos com consciência local e planetária que valorizem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações. As exigências da sociedade planetária devem ser trabalhadas peda- gogicamente a partir da vida cotidiana, da subjetividade, isto é, a partir das necessidades e interesses das pessoas. Educar para a cida- dania planetária supõe o desenvolvimento de novas capacidades, tais como: sentir, intuir, vibrar emocionalmente; imaginar, inventar, criar e recriar; relacionar e interconectar-se, auto-organizar-se; informar- -se, comunicar-se, expressar-se; localizar, processar e utilizar a imen- sa informação da aldeia global; buscar causas e prever consequências; criticar, avaliar, sistematizar e tomar decisões. Essas capacidades de- vem levar as pessoas a pensar e agir processualmente, em totalidade e transdisciplinarmente. A Ecopedagogia tem por finalidade reeducar o olhar das pessoas, isto é, desenvolver a atitude de observar e evitar a presença de agressões ao meio ambiente e aos viventes e o desperdício, a poluição sonora, visual, a poluição da água e do ar etc. para intervir no mundo no Uma nova ética ambiental através da Ecopedagogia 152 sentido de reeducar o habitante do planeta e reverter a cultura do descartável. Experiências cotidianas aparentemente insignificantes, como uma corrente de ar, um sopro de respiração,a água da manhã na face, fundamentam as relações consigo mesmo e com o mundo. A tomada de consciência dessa realidade é profundamente formadora. O meio ambiente forma tanto quanto ele é formado ou deformado. Precisamos de uma ecoformação para recuperarmos a consciência dessas experiências cotidianas. Na ânsia de dominar o mundo, elas correm o risco de desaparecer do nosso campo de consciência, se a relação que nos liga a ele for apenas uma relação de uso. Uma educação para a cidadania planetária tem por finalidade a cons- trução de uma cultura da sustentabilidade, isto é, uma biocultura, uma cultura da vida, da convivência harmônica entre os seres hu- manos e entre estes e a natureza. A cultura da sustentabilidade deve nos levar a saber selecionar o que é realmente sustentável em nossas vidas, em contato com a vida dos outros. Só assim seremos cúmpli- ces nos processos de promoção da vida e caminharemos com sentido. Caminhar com sentido significa dar sentido ao que fazemos, compar- tilhar sentidos, impregnar de sentido as práticas da vida cotidiana e compreender o sem sentido de muitas outras práticas que aberta ou solapadamente tratam de impor-se e sobrepor-se a nossas vidas coti- dianamente. A Ecopedagogia propõe uma nova forma de governabilidade diante da ingovernabilidade do gigantismo dos sistemas de ensino, propondo a descentralização e uma racionalidade baseadas na ação comunica- tiva, na gestão democrática, na autonomia, na participação, na ética e na diversidade cultural. Entendida dessa forma, a Ecopedagogia se apresenta como uma nova pedagogia dos direitos que associa direitos humanos – econômicos, culturais, políticos e ambientais – e direitos planetários, impulsionando o resgate da cultura e da sabedoria popular. Ela desenvolve a capacidade de deslumbramento e de reverência dian- te da complexidade do mundo e a vinculação amorosa com a Terra. A inclusão da Educação Ambiental entre os temas transversais na Lei de Diretrizes e Bases da Educação é uma porta que se abre para discutir o assunto em sala de aula. Tornar o ambiente natural mais real para crianças que vivem em cidades também é muito importante, pois muitas delas não conseguem nem sequer imaginar como é o ambiente sem asfalto, sem poluição do ar, pois já nas- ceram em um local assim. Promover a mudança de comportamento de uma sociedade que há muitos anos já age como sendo o centro do universo não é um processo fácil e levará muito tempo. O pontapé inicial já foi dado. Percebe-se que empresas que primei- ramente não se preocupavam em jogar seus rejeitos sem tratamento no ambiente, passaram a se preocupar com o tratamento desses rejeitos e, hoje, a preocupação é Uma nova ética ambiental através da Ecopedagogia 153 a não produção de rejeitos, levando-se em consideração todo o processo fabril da empresa (desde a matéria-prima até seu aproveitamento na reciclagem). Coloque- -se aqui o papel fundamental do consumidor, que é o verdadeiro responsável pelo sucesso dos produtos ambientalmente corretos. No setor educacional, é importante ressaltar que a Educação Ambiental não deve ficar apenas na teoria. O que é ensinado sobre a importância da água, da energia, do solo, entre outros, deve ser praticado no dia a dia da criança e dos professores e demais funcionários da escola. As políticas públicas precisam ser formatadas com base na participação de todos os setores da sociedade. Dessa maneira, elas atenderão realmente as neces- sidades da população. Desafios para a Ecopedagogia O principal desafio atual em relação à forma como o homem vem se rela- cionando com o planeta é fazer com que ele mude sua maneira de pensar e agir na sociedade. A abordagem ecopedagógica propõe o ensinamento de valores de família, cidadania e ambiente, na tentativa de construção de uma nova visão de mundo e de relacionamento do homem com a natureza. Os diversos movimentos, correntes e organizações ambientalistas muitas vezes dão o alerta, propõem as ações, fazem o alarde, articulam soluções, porém o homem ainda tem muito a pro- gredir no sentido de entender a importância e a necessidade de proteger a natureza e todas as suas formas de vida, como forma de garantir sua própria sobrevivência em médio prazo na Terra. A construção de uma visão consciente e, sobretudo cidadã, sobre a nature- za é um trabalho que deve utilizar-se de todos os meios, não só para difundir os ideais, valores e princípios que a sustentam, como para fazer dos ambientes de convivência espaços de aprendizagem contínua. Esse é o desafio. Consciência ambiental e desenvolvimento sustentável (SCHWARTZMAN, 1999) Na sua forma mais simples, a Educação Ambiental tem por objetivo mostrar aos alunos, e sobretudo às crianças, a importância do ambiente em que vivemos, que deve ser preservado como um tesouro que temos a responsabilidade de guardar, e que não devemos destruir nem desperdi- çar. Cuidar do meio ambiente pode ser entendido como mais um dos princípios morais e éticos que também são objeto de preocupação dos educadores – as crianças devem aprender a ser res- ponsáveis, cumprir suas obrigações, respeitar os mais velhos, tratar bem a seus semelhantes, não se comportar de modo agressivo. Uma nova ética ambiental através da Ecopedagogia 154 Como dar formação ética e moral na escola, em relação ao meio ambiente como em relação a outros valores? A pior forma é fazer da formação moral objeto de um discurso retórico desvinculado da vida dos estudantes, assim como da própria realidade dos professores. Esse tipo de retórica, no melhor dos casos, não consegue interessar e motivar os estudantes, e, em situações mais extremas, acaba por indispô-los contra as ideias apresentadas nas aulas, que são vistas como abstratas, desligadas da realidade da experiência diária das pessoas, quando não diretamente hipócritas. A melhor forma de educação moral é aquela que é dada pela prática quotidiana dos professores e dirigentes escolares. Os estudantes tendem a tomar seus pais e professores como modelos de vida, a serem copiados e emulados, e adotarão as formas de comporta- mento e os princípios morais de seus modelos. Uma família e uma escola que adotem, no dia a dia, práticas de cuidado com o meio ambiente, transmitirão naturalmente essa prática a seus filhos e alunos, mesmo que ela não seja objeto de aulas e preleções formais. Isso não significa, no entanto, que os professores não devam refletir e en- tender os princípios éticos que praticam, e trabalhá-los com seus estudantes, para que eles entendam o que estão fazendo, e tenham condições, sobretudo, de identificar os difíceis dilemas e opções que são inevitáveis quando busca- mos nos comportar, na prática, de acordo com princípios éticos e morais que possuímos. É fácil compreender que o verdadeiro comportamento ético não reside na repetição de enunciados gerais e abstratos – ame o próximo, não seja violento, respeite os mais velhos, proteja a natureza – e sim na capacidade de enfrentar os dilemas diários que se colocam no relacionamento entre pessoas e destas com o mundo em que vivem, em condições de recursos precários, necessidades prementes e pouca informação. Ser contra a violência pode as- sumir diferentes formas, desde o pacifismo extremo da resistência passiva e de oferecer a outra face aos que nos ofendem, ao apoio a políticas públicas de repressão intensa e exemplar a todas as formas de violência ilegítima. A ética ambiental também pode adquirir aspectos muito distintos, desde a defesa in- transigente de todas as formas e manifestação da natureza – cada árvore, cada inseto, cada pedaço de solo – até a busca de formas de intervenção muitas ve- zes drásticas no ambiente natural, para torná-lo mais adequado ao uso humano e a sua preservação através do tempo. Os especialistas que têm se dedicado ao estudo dos temas ambientais distinguem diferentes correntes, orientações e ideologias ambientalistas, que muitas vezes se confundem. Uma maneira de entender essasdiferentes corren- tes ou ideologias é pensar em uma linha ou contínuo que vai de um extremo que poderíamos chamar de “geocêntrico” a um outro que pode ser chamado de “antropocêntrico”1. A corrente geocêntrica parte da ideia de que o homem deve se adaptar e integrar à natureza, e não a natureza ao homem. Nessa perspectiva, os sis- temas ecológicos, formados por florestas, rios, mares e campos, assim como as espécies vegetais e animais, são frágeis e insubstituíveis, e estão ameaça- dos pelo crescimento da indústria, da tecnologia e da ocupação dos espaços 1 Essa análise é feita na introdução ao livro The Politics of Sustainable Deve- lopment: Theory, Policy and Practice Within the Europe- an Union (Londres e New York: Routledge, 1997), edi- tado or Susan Baker, Maria Kousis, Dick Richardson e Stephen Young. Uma nova ética ambiental através da Ecopedagogia 155 pelos homens. Os interesses das pessoas devem se subordinar à necessidade de preservação das espécies e dos ambientes naturais. Para isso, a sociedade deveria ser organizada para atender no máximo às necessidades das pessoas, e não a seus desejos. As tecnologias usadas na agricultura e na indústria deveriam ser as mais simples, fazendo uso intensivo de mão de obra, e poupando ao máximo o uso de recursos naturais, como a água e os minerais. O ambientalismo geocêntrico é uma forma extrema de ambientalismo, na medida em que exige, para se realizar, de uma profunda transformação na maneira pela qual as sociedades estão organizadas. A visão oposta, também extrema, é a visão antropocêntrica, para a qual a natureza existe para servir ao homem, e não haveria limites éticos ao uso de recursos naturais e à intervenção e transformação dos ambientes naturais para servir aos interesses humanos. Essa noção faz parte do pensamento moderno que surgiu com a Revolução Industrial no século XVIII, que supõe que os recursos da natureza seriam infinitos, e que a capacidade humana de encontrar soluções para seus problemas, necessidades e ambições, através da ciência, da tecnologia e pela organização de grandes sistemas administrativos e produtivos, seriam também ilimitados. O antropocentrismo é também uma visão extrema, na medida em que não coloca limites à ação de indivíduos ou firmas, vê com ceticismo todas as tentativas de proteger e regular o uso dos ambientes e dos recursos na- turais, sem atentar para os evidentes problemas que a expansão descontrolada do uso dos recursos naturais vem criando. Na sua forma extrema, a visão antropocêntrica se opõe às tentativas de governos e organizações internacionais de limitar a ação de indivíduos e firmas como contrárias ao progresso, e acredita na capacidade dos mercados de irem corrigindo, por si mesmos, os desa- justes gerados pela espoliação dos ambientes e dos recursos naturais. É entre esses dois extremos que surge o que se denomina, hoje, de “desenvolvimento sustentá- vel”. Esse termo foi consagrado e passou a ser adotado por instituições internacionais, governos e organizações comunitárias em todo o mundo, a partir do já famoso relatório de 1987 da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento denominado Our Common Future, Nosso Futuro Comum, que ficou conhecido como o Relatório Brundtland, o nome de sua presidente. A perspectiva do desenvolvimento sustentável é uma perspectiva claramente antropocêntrica, no sentido de que seus documentos expressam a preocupação com o futuro das pessoas, e não com a natureza enquanto tal. No entanto, ao contrário das formas extremas do modernismo, o desenvol- vimento sustentável supõe que a natureza tem limites, que o progresso humano não pode conti- nuar de forma ilimitada e incontrolável, e que deve haver uma responsabilidade coletiva pelo uso dos recursos naturais. O valor fundamental expresso pelo Relatório Brundtland não é o primado da natureza, nem o primado da liberdade individual, mas a responsabilidade intergeneracional: a ideia de que é necessário atender às necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de atender a suas próprias necessidades. Tanto quanto as demais perspectivas, o desenvolvimento sustentável é uma ideologia, um valor, uma ética. Sua vantagem sobre as outras perspectivas é que busca incorporar os conheci- mentos que vêm se acumulando nos últimos anos sobre os problemas ambientais trazidos pelo pro- gresso descontrolado, e busca encontrar um espaço para o atendimento das necessidades humanas que seja compatível com o equacionamento desses problemas. Esse espaço deve ser conquistado tomando em consideração dois elementos essenciais: as necessidades das pessoas, que incluem o direito a uma vida digna, mas não os abusos do consumismo descontrolado; e a ideia de limites ao que é possível fazer com os recursos naturais e ambientais disponíveis. Essas noções definem uma atitude, uma preocupação, que não trazem em si a solução dos problemas. Quais são as ne- cessidades a serem atendidas, como limitar o consumo excessivo sem paralisar a economia e criar Uma nova ética ambiental através da Ecopedagogia 156 desemprego, quais os verdadeiros limites no uso dos recursos naturais, qual a capacidade da natureza de se regenerar, qual a capacidade das pessoas e das sociedades de se adaptarem a novas condições ambientais e ao uso de novos produtos, tudo isso é matéria de pesquisa, discussão e experimentos. Existem pelo menos duas versões do desenvolvimento sustentável. Uma é mais pragmática e menos radical, que procura não se antecipar aos problemas, e tratar de resolvê-los um a um, na crença, típica do modernismo, na grande capacidade das pessoas e sociedades em encontrar soluções para os problemas que vão surgindo; enquanto a outra é mais radical, teme mais pelas consequên- cias catastróficas do desenvolvimento controlado, desconfia dos poderes da iniciativa As diferentes perspectivas sobre a questão ambiental e o desenvolvimen- to sustentável estão permeadas por uma outra questão, que é a do papel dos governos e das organizações da sociedade para levar à frente políticas am- bientalmente corretas e adequadas. Existem os que defendem a necessidade de grandes sistemas de poder e estruturas complexas de planejamento dentro dos países como internacionalmente; outros acreditam muito mais na força das organizações comunitárias e do poder local; outros, finalmente, colocam suas esperanças na criatividade e eficiência da iniciativa privada. A relação entre essas perspectivas políticas e os valores ambientais não é óbvia, e afeta ques- tões como a natureza do regime democrático e o funcionamento de sistemas federativos como o brasileiro: em nome de uma perspectiva geocêntrica, há quem defenda o fortalecimento do poder dos governos centrais e a criação de sistemas internacionais com grande capacidade de controle e intervenção, en- quanto que outros defendem a descentralização política e a ação comunitária. Todas essas perspectivas são, em maior ou menor grau, combinações de conhecimentos, avaliações e valores que as pessoas possuem a respeito da natureza, da vida humana e da sociedade. Quanto mais conheçamos a respeito do que vem ocorrendo na natureza e na sociedade, mais teremos condições de levar à frente e fortalecer nossos valores. Existe hoje um grande esforço de conhecer melhor o sentido ambiental da atividade humana, inclusive por parte de agências governamentais internacionais e nacionais, como o IBGE, que precisa ser aperfeiçoado e ampliado2. O nosso papel, na Educação Ambiental, não deve e nem pode se limitar à difusão retórica de nossos valores. Além de dar o exemplo, temos que mostrar aos estudantes as diferentes alternativas e visões sobre o tema ambiental, e sobretudo transmitir conhecimentos que possam aumentar sua capacidade de entender e avaliar os possíveis sentidos e alcances das diferentes opções. 2Veja a respeito na obra de Ismail Serageldin, Sus- tainability and the Wealth of Nations: First Steps in an On- going Journey.World Bank, Environmentally Sustainable Development Studies and Monographs Series. n.º 5, 7 jan. 1996. Uma nova ética ambiental através da Ecopedagogia 157 1. Analise a Carta de Ecopedagogia. Anote os pontos que você considera como os mais importan- tes. 3. Desenvolva uma proposta de ensino baseada na Ecopedagogia e ações para implantá-la. Não esqueça de indicar o público-alvo. Site do Fórum Educação: <www.forumeducacao.hpg.ig.com.br>. O Fórum Educação resultou de uma iniciativa dos alunos de Pedagogia da Faculdade de Educa- ção da Universidade de São Paulo. A ideia de uma lista de discussão transformou-se no site, que traz informações e artigos de opinião em várias áreas da pedagogia. GUTIERREZ, Francisco; PRADO, Cruz R. Ecopedagogia e Cidadania Planetária. São Pau- lo: Cortez, 1999. 128p. O livro fala sobre a Ecopedagogia no ensino da Cidadania Planetária, ou seja, uma pedagogia que promove a aprendizagem significativa, atribuindo sentido a ações cotidianas, sendo usada para desenvolver uma visão unificadora do planeta e da sociedade.
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