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DESCRIÇÃO Análise do jornalismo participativo, colaborativo e opensource , com suas características de cooperação, coordenação e colaboração, em modelos comunicacionais descentralizados e de desintermediação. PROPÓSITO Refletir sobre como o jornalismo participativo faz parte de um cenário midiático cada vez mais interconectado e voltado aos processos de interação entre os polos da emissão e recepção, além de discutir aproximações e diferenças entre as formas de caracterização da participação do receptor na comunicação. Tais aspectos são muito importantes para profissionais de comunicação em geral e jornalistas em particular, mais ainda para todos aqueles interessados nos formatos web de comunicação e fluxos de informação. OBJETIVOS MÓDULO 1 Identificar os aspectos teóricos relacionados à descentralização, à transparência e à credibilidade da informação no jornalismo participativo MÓDULO 2 Reconhecer as similaridades e distinções entre jornalismo participativo, jornalismo colaborativo e jornalismo opensource INTRODUÇÃO Mais do que apenas ser um espectador passivo, que somente recebe a comunicação, ou um emissor tirano e inflexível, que não abre espaço para outras vozes, podemos ver que os polos da emissão e da recepção têm passado por mudanças complexas e significativas. Logo, na presença constante das mídias digitais, é preciso atentar, também, para o modo como a informação jornalística é construída entre os veículos produtores e os receptores dessa comunicação. Por isso, a partir de agora, nossa discussão se debruça sobre como é possível pensar nesse tipo singular de interação a partir do jornalismo participativo, do jornalismo colaborativo e do jornalismo opensource . MÓDULO 1 Identificar os aspectos teóricos relacionados à descentralização, à transparência e à credibilidade da informação no jornalismo participativo JORNALISMO PARTICIPATIVO: COOPERAÇÃO, COORDENAÇÃO E COLABORAÇÃO Pensar no cenário comunicacional, no qual o jornalismo participativo se insere, é refletir sobre como os tradicionais papéis de produção, construção, socialização, consumo e recepção da mensagem jornalística acabam por se localizar em um terreno de pouca fixidez. Em outras palavras, se antes a ideia de quem produz e de quem recebe a comunicação era muito bem estabelecida — radiojornal e ouvinte, jornal impresso e leitor, telejornal e espectador etc. —, as lógicas de produção e recepção do jornalismo participativo preveem que os fluxos informacionais não estejam integralmente limitados nem a um polo nem a outro. Logo, de acordo com a visão de autores como Bowman e Willis (2003), o jornalismo participativo diz respeito ao processo comunicacional marcado pela presença do receptor. Em outros termos, trata-se de: [...] UM ATO DE UM CIDADÃO OU GRUPO DE CIDADÃOS QUE DESEMPENHAM UM PAPEL ATIVO NO PROCESSO DE COLETAR, REPORTAR, ANALISAR E DISSEMINAR INFORMAÇÃO. A INTENÇÃO DESSA PARTICIPAÇÃO É FORNECER A INFORMAÇÃO INDEPENDENTE, CONFIÁVEL, EXATA, AMPLA E RELEVANTE QUE A DEMOCRACIA REQUER. (BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 9) Desse modo, há uma tendência à horizontalidade de papéis responsáveis pela construção noticiosa no jornalismo participativo. Porém, também é preciso compreender como a cooperação, a coordenação e a colaboração atuam de modo conjunto nesse contexto. Quando discutimos que existe um paralelo direto entre a noção de cooperação e a prática jornalística participativa, estamos nos referindo a uma processualidade construtiva, na qual as forças de trabalho se dividem. Em outras palavras, trata-se de um tipo de trabalho que é compartilhado entre duas ou mais pessoas (ou entre grupos de pessoas), cujo objetivo é obter algum tipo de informação, dado ou conhecimento para, então, divulgá-lo. QUAIS AS PECULIARIDADES DESSE PROCESSO EM COMPARAÇÃO ÀS FORMAS MAIS TRADICIONAIS DE JORNALISMO? RESPOSTA Como ressalta Rafael Alves, a conceituação de cooperação no jornalismo (passando por visões que vão do campo antropológico ao campo educacional) traz uma ideia difícil de se associar a um equilíbrio de força na produção e emissão da informação. De acordo com o autor: javascript:void(0) ENTRE TODOS OS POSICIONAMENTOS, PERCEBE-SE QUE O CONCEITO DE COOPERAÇÃO É COMPLEXO, RESTRITO, EXTREMAMENTE DIRECIONADO A UM GRUPO E COM UM CUSTO PARA QUE SE POSSA BENEFICIAR UMA OU MAIS PESSOAS. (ALVES, 2010, p. 55) Assim, há uma cooperação que pode partir do cidadão ao fornecer informação ao veículo tradicional de mídia, mas os papéis relacionados ao crédito da construção noticiosa ou os dividendos dos lucros advindos dessa informação não são equiparados entre quem coleta e quem socializa o produto da comunicação. Já quando passamos ao campo da colaboração, podemos ver que existe uma infinidade de abordagens possíveis para pensar o conceito. Todavia, no campo estrito de seu significado no jornalismo participativo, há uma relação mais palpável entre colaboração e participação: “A colaboração [...] possui uma postura de tolerância e um processo de negociação constante em busca de um produto final. Percebe-se que, na cooperação, é necessário ter ações conjuntas e coordenadas, com custos (dinheiro, tempo ou trabalho), e o processo não é visto individualmente (o conceito do conjunto prevalece sobre o esforço pessoal), enquanto na colaboração há uma interação mútua ou unilateral descentralizada. (ALVES, 2010, p. 55)”. De maneira geral, mesmo os autores que se dispõem a criar ontologias que pautem essas definições e delimitações conceituais concluem tratando os termos como correlatos ou intercambiáveis. No trecho citado, portanto, o autor acena para uma sobreposição entre colaboração e cooperação como formas que podem ser lidas de maneira próxima. EXEMPLO Na cultura de produção horizontal do jornalismo digital, os códigos ficam mais visíveis a uma comunidade maior, o que pode possibilitar um trabalho mais amplo e profundo. Soma-se a isso, como ainda aponta uma pesquisa ao jornal britânico The Guardian e seu portal, “as fontes jornalísticas também ganham mais flexibilidade para serem compartilhadas, de acordo com as possibilidades de colaboração de um determinado grupo no processo de apuração” (SILVA, 2013, p. 22). Por fim, debater os processos de coordenação dentro da esfera de produção-recepção do jornalismo participativo exige pensar em processos de gestão da informação. Em outros termos, para além de criar conexões entre o veículo (digital ou não) e o produtor da informação, profissionalmente à parte do veículo (espectador, ouvinte, leitor etc.), é preciso que, no entendimento da coordenação do material recebido, algumas das forças ganhem mais proeminência. Aqui, como é de se imaginar, o veículo de informação inicia seu processo de maior destaque: ele até pode receber o conteúdo de uma fonte não conectada ao espaço formal de trabalho do jornal/TV/portal, mas, no final do processo, é esse veículo quem edita, molda e traça as linhas editoriais do produto colocado em divulgação. Outra forma de pensar a coordenação do jornalismo participativo pode partir do exemplo dos Panama Papers . Com um conjunto de aproximadamente 11,5 milhões de documentos confidenciais — oriundos de multimilionários, advogados, empresas, governantes, artistas e outras importantes pessoas do mundo todo —, esse levantamento detalhava como mais de 214 mil empresas de paraísos fiscais offshore atuavam de modo ilegal pelo mundo. Como lembra Mesquita (2019), algo próximo de 2,6 terabytes de dados (distribuídos entre os anos de 1970 e o início de 2016) começaram a ser dissecados por equipes do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, com sede em Washington. Nesse trabalho, a coordenação dos dados foi crucial no jornalismo participativo. Foi preciso coordenação entre as equipes que receberam o material de uma fonte anônima no jornal alemão Süddeutsche Zeitung, em 2015, para manter a organização e o fluxo narrativo das informações em uma linha do tempo correta etransnacionalizada. Acima de tudo, a coordenação editorial conjunta serviu para não permitir que atos antiéticos comprometessem o trabalho jornalístico. Assim, em todos os casos que perpassam cooperação, colaboração e coordenação no contexto de um jornalismo que se quer ser mais participativo, há pontos em comum: o apuro e o direcionamento dedicados ao material coletado em parceria com o público. Cabe relembrar: NA HORA DE PRODUZIR A NOTÍCIA, O JORNALISTA DEVE ESTAR MUITO MAIS CONSCIENTE DOS ELEMENTOS E POTENCIAIS INFORMATIVOS DE CADA MATERIAL, DISCERNINDO A MELHOR INFORMAÇÃO DE ÚLTIMA HORA E A INFORMAÇÃO CONTEXTUALIZADORA [DE CADA ARQUIVO RECEBIDO]. (BAMBRILLA, 2006, p. 38) DESINTERMEDIAÇÃO E MODELOS DESCENTRALIZADOS DE EMISSÃO Na essência do jornalismo participativo estão as concepções de desintermediação e descentralização do polo emissor. Ainda que saibamos o quão forte e significativo é o poder das narrativas centralizadas na figura mediadora do veículo de comunicação — TV, jornal, revista, plataformas de streaming , rádio, portais de jornalismo digital etc. —, na percepção participativa do jornalismo há outra forma de discursividade. E o que quer dizer desintermediação no jornalismo? A desintermediação é compreendida no cenário jornalístico como um processo de retirada constante dos intermediários (muitas vezes, desnecessários ou substituíveis) para ganhar agilidade na coleta, apuração, formatação e divulgação da informação. Desintermediar também é inovar em gestão da comunicação, especialmente no que diz respeito ao jornalismo digital. Ao colocar dentro da rotina de produção jornalística a figura do cidadão/consumidor, Silveira (2009) explica que as narrativas jornalísticas contemporâneas no universo online passam por uma nítida mudança, graças à arquitetura lógica da internet e das redes sociais, que é propensa à desintermediação. Na visão do autor essa mudança envolve: A CAPACIDADE DE CONTINUAR INTERMEDIANDO PROCESSOS SOCIAIS E CULTURAIS DO MESMO MODO COMO SE FAZIA NO MUNDO INDUSTRIALIZADO. [...] A HIPÓTESE DE TRABALHO, AQUI, É A DE QUE ESSE AMPLO PROCESSO DE DESINTERMEDIAÇÃO TAMBÉM ESTÁ ALTERANDO A ESFERA PÚBLICA E A POLÍTICA EM GERAL, PRINCIPALMENTE AS INSTITUIÇÕES DE INTERMEDIAÇÃO DO PODER. (SILVEIRA, 2009, p. 70) Assim, desintermediação significa alterar os processos de construção da narrativa jornalística, fazendo-os de nova maneira, incorporando as grandes inovações que as plataformas digitais oferecem aos jornalistas. E a descentralização? Conhece suas características no cenário informacional? Por uma via similar de pensamento, a descentralização não se relaciona apenas às transformações do lado participativo da recepção. Descentralizar também exige novas competências por parte da emissão, por parte dos jornalistas e responsáveis pela produção noticiosa em seu modo mais tradicional, pois há uma nova forma de articulação entre as novas mídias, a cultura e a sociedade. Logo, a descentralização está relacionada a uma desconstrução informacional em um modo no qual a sociedade vive a digitalização cotidiana como algo incorporado a seus sistemas e às estruturas sociais. Esse movimento é uma espécie de reflexo da maneira como a sociedade digital realiza, inclusive, novas formas de diálogo e constituição da opinião pública. Afinal, segundo Girardi Júnior (2009, p.94): A DESCENTRALIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE CONVERSAÇÃO TRAZ CONDIÇÕES NOVAS PARA A PRODUÇÃO E COMPARTILHAMENTO DE OPINIÕES E EXPERIÊNCIAS SOBRE O MUNDO DA VIDA E OS MODOS DE INTEGRAÇÃO SISTÊMICA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO. Enfim, desintermediar e descentralizar os processos de comunicação são práticas que estão intimamente vinculadas à esfera jornalística participativa por colocarem em cena a necessidade de uma produção noticiosa muito mais interessada em conexões e capturas de sentidos que, possivelmente, escapam à mão dos tradicionais detentores dos meios. Por isso, repensar como a transparência e a credibilidade são moldadas pela participação dos cidadãos e dos jornalistas nos faz refletir acerca de como as típicas rotinas de produção ganham novas significações sob esse novo prisma. TRANSPARÊNCIA E CONFIABILIDADE: CONTROLE DESCENTRALIZADO SOBRE CREDIBILIDADE DA INFORMAÇÃO As questões sobre transparência e confiabilidade são temáticas presentes no jornalismo como um todo e, de modo peculiar, são ainda mais relevantes quando o campo do jornalismo participativo entra em debate. Se estamos nos referindo a um cenário descentralizado, ou seja, que não pressupõe a univocidade de pontos de vista ou das fontes de informação, é preciso entender como a credibilidade é materializada em uma arena de sentidos em constante disputa. Pensando especificamente no cenário jornalístico, Machado aponta que “a descentralização da produção de informações representa uma mudança paradigmática das sociedades contemporâneas que, cada vez mais, consolida-se entre nós, porque revela diversas vantagens aos sistemas centralizados até então existentes." (Machado, 2009). O autor lembra três pontos essenciais para caracterizar a descentralização de narrativas e discursos que perpassam um modo de produção não mais configurado única e exclusivamente pelo jornalista ou por um meio de comunicação que represa o fazer jornalístico. Contribui para a democratização das vozes e a diversificação das fontes utilizadas pelos profissionais. Facilita o monitoramento dos diferentes setores, cada vez mais amplos, de uma sociedade complexa em permanente expansão. Incorpora os representantes dos diversos setores envolvidos com os fatos publicados nos processos jornalísticos de produção de informações, aumentando o controle da sociedade sobre as ações desenvolvidas pelos jornalistas. Nesse sentido, os elementos da transparência são pensados para dizer a seu público o que você deseja que ele saiba sobre o veículo e as rotinas de produção — seus processos, seus profissionais, sua motivação, sua ética e seus valores perante a participação da recepção. Às vezes, por meio desses elementos são respondidas perguntas que vimos os usuários questionarem publicamente (em um comentário, em um e-mail etc.): Como posso saber se você foi justo ao relatar os fatos dessa matéria? Por que você usou os dados dessa pesquisa em vez dessa outra? Acontece, ainda, de serem adicionadas informações das quais os usuários podem não saber que precisam, mas que realmente apreciarão justamente porque a transparência no jornalismo participativo é essencial para o desenvolvimento de uma relação harmoniosa, na tentativa de diminuir as assimetrias entre os polos emissores e receptores. Vale enfatizar que o jornalismo digital participativo não pode deixar de lado a responsabilidade pelo conteúdo noticioso que divulga (especialmente pensando nas fontes pelas quais a notícia é constituída). Elizabeth Saad Corrêa (2009) explica que, alinhadas às demandas do mundo das redes, entram em cena a noção de confiança mútua e, logo, as noções de abertura de diálogo e de transparência. Por isso, o tema da confiabilidade é de suma importância e não pode ser separado, no jornalismo participativo, dos processos horizontais e descentralizados. Em outras palavras, há: [...] UM PROCESSO COLETIVO EM REDE, NO QUAL O SISTEMA TRADICIONAL ENTRA EM UM PROCESSO DE COMPARTILHAMENTO DE RESPONSABILIDADE COM OS USUÁRIOS CONECTADOS. (CORRÊA, 2009, p. 206) Atrelada à transparência no jornalismo, a confiabilidade está relacionada à forma como as mídias explicam ao público determinados conceitos (por vezes complexos), sobre como e por qual motivação os subsídios de informação estão sendo produzidos, distribuídos e tratados por profissionais de mídia, incluindo jornalistas, editores, profissionais de relações públicas, ombudsman , porta-vozes e o próprio leitor/receptor. Em suma, a transparência da mídia reflete a relação entre jornalistas e fontes de notícias que coexistem no jornalismo participativo. Consequentemente, colocar a credibilidadecomo o pano de fundo desse debate é pensar na responsabilidade de validação das informações do jornalismo participativo para além do indivíduo (jornalista) e da marca (empresa jornalística). OMBUDSMAN A palavra tem origem sueca e significa “ouvidor”: um representante dos cidadãos junto ao poder público ou, no caso do jornalismo, representante dos leitores. A função foi criada nos Estados Unidos, nos anos 1960, mas também foi adotada por veículos europeus, como o espanhol El País. A Folha de S. Paulo foi o primeiro veículo latino-americano a ter um jornalista atuando nessa função, em 1989, que avalia criticamente o noticiário, em especial o próprio veículo, além de acompanhar as demandas dos leitores. javascript:void(0) Vamos entender um pouco mais a discussão sobre confiabilidade no jornalismo participativo? JORNALISMO COLABORATIVO, JORNALISMO PARTICIPATIVO E JORNALISMO OPENSOURCE Os termos colaborativo, participativo e opensource são lidos, não raras vezes, como sinônimos. Ainda que existam visões que postulem um consenso possível sobre o assunto, há outras posições que preveem similaridades, mas também diferenças conceituais mínimas entre as nomenclaturas. Mais do que se ater somente ao processo de diferenciação entre os termos, é preciso considerar de que modo o uso de determinada palavra explicita a visão de interação que se tem entre receptores e emissores na construção noticiosa (como anteriormente explicitado na discussão sobre cooperação, colaboração e coordenação). Dessa forma, acerca do jornalismo colaborativo, é possível ver que, em uma indústria em que a competição entre organizações e jornalistas individuais sempre foi a pedra angular do campo, trabalhar além dessas fronteiras é, certamente, um desafio para muitos. No entanto, o fato é que o jornalismo está evoluindo rapidamente, e os tempos mudaram. Projetos e parcerias colaborativas têm demonstrado cada vez mais melhorar o jornalismo e seu alcance. EXEMPLO Existem inúmeros exemplos atuais, em todo o mundo, de colaborações bem-sucedidas, desde a cobertura das eleições na Europa e nos Estados Unidos até os Panama Papers . Este, inclusive, é o maior projeto de reportagem colaborativa da história, que envolveu mais de 100 parceiros da mídia trabalhando em 25 idiomas em quase 80 países. Projetos desse tipo também estão sendo reconhecidos pelo setor. Assim, em certo sentido, todo jornalismo é colaborativo. Geralmente, há pelo menos um repórter e um editor e, talvez, um fotógrafo, cinegrafista ou especialista em dados visuais. Além disso, a colaboração entre repórteres ou entre redações tem sido praticada de diferentes formas há mais de 100 anos. De modo local, as redes de jornais têm “colaborado” há séculos: pequenos semanários suburbanos compartilhavam conteúdo com o grande jornal metropolitano e vice-versa, além de pequenos panfletários e autores anônimos ainda no século XVIII, nos Estados Unidos. VOCÊ SABIA “O nascimento da indústria de serviços de notícias como a que conhecemos ocorreu em 1846, quando seis jornais diários de Nova York se juntaram para formar a Associated Press” (SHMANSKE, 1986, p. 61). O objetivo desse sindicato era cooperar no recebimento de notícias, ou seja, compartilhar todas as notícias que chegavam e dividir as despesas de maneira justa. No entanto, há uma diferença qualitativa na consciência e na intencionalidade com que as colaborações estão sendo realizadas hoje sob o império digital. Historicamente, vale lembrar que o entusiasmo atual sobre o jornalismo colaborativo começou em meados dos anos 2000, quando editores, acadêmicos de jornalismo e fundações começaram a olhar para as oportunidades possibilitadas pelas redes digitais (BENKLER, 2006; STONBELY, 2017). Já o jornalismo participativo pode ser visto como uma expressão fácil e, contraditoriamente, “escorregadia” de definição. TODO MUNDO SABE O QUE SIGNIFICA PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO, MAS COMO ISSO SE TRADUZ EM JORNALISMO? VERIFICAR Não há uma resposta simples para essa pergunta. Por exemplo, quando os cidadãos contribuem com fotos, vídeos e atualizações de notícias para os principais meios de javascript:void(0) comunicação, muitos argumentam que essas pessoas estão fazendo jornalismo. Entretanto, quando os blogueiros comentam e criam links para notícias já prontas, isso é sempre um exercício de jornalismo? Normalmente não, mas depende do contexto da produção e das rotinas que estão colocadas em jogo. As mesmas questões são levantadas quando as organizações de notícias abrem os canais de interatividade com seus públicos. Votar em uma pesquisa online certamente não é jornalismo, mas relatar em primeira mão suas percepções sobre um golpe militar que ocorre em real time em um país estrangeiro, onde esse espectador mora, pode ser entendido como uma prática de jornalismo participativo. Qualquer que seja o parâmetro usado — uma definição estrita, que afirma que o jornalismo deve envolver reportagem original e um filtro editorial, ou uma mais ampla, que considere fotos amadoras, comentários de opinião e jornalismo de análise —, é certo que a participação do público na equação das notícias está em ascensão. É provável que as formas de participação do público acabem por tornar-se ainda mais difundidas, justamente porque os dispositivos móveis, como telefones habilitados para vídeo — que permitem transmissão de texto, fotos e vídeo diretamente pelo telefone — tornaram-se parte da vida comum de milhares de pessoas que não necessariamente têm formação em Jornalismo. Nesse sentido, o jornalismo participativo geralmente enquadra-se nestas três categorias amplas, que, de acordo com Franco (2012), podem ser vistas também sob a alcunha de “#cooperiodismo” (#jornalismo_de_cooperação ou #coo-jornalismo): INTELIGÊNCIA COLETIVA Para além da competição entre os meios de comunicação e entre jornalistas e cidadãos, a participação deve ser o fator que nos leva a evoluir da “Sociedade da Informação” para a “Sociedade da Conversação”. Em outros termos, a inteligência coletiva que conecta milhares de sujeitos ao redor do globo deve ser utilizada com ética, para que a rede de produções das práticas jornalísticas se abasteça com mais rapidez, precisão e pluralidade informacional. COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÃO O poder não está mais na informação, mas em como a compartilhamos. Em outras palavras, é preciso refletir sobre como o jornalismo participativo pressupõe que pensemos em quais canais e meios a mensagem é redistribuída para além de seu próprio conteúdo (logo, as ritualidades de compartilhamento também são relevantes). QUALIDADE DAS FONTES DE INFORMAÇÃO A participação deve ser um valor que se ressalta para que tenhamos maior contraste entre a diversidade de fontes de informação e a melhoria dos conteúdos. Não pode ser um álibi para evitar a responsabilidade por possíveis erros factuais (basta lembrar o que vimos há pouco sobre responsabilidade compartilhada como forma de manter credibilidade, confiabilidade e transparência como ativos de qualidade na produção do jornalismo). A ética jornalística deve continuar a ser a marca de excelência nesse novo cenário. O jornalismo opensource (também grafado como open source ou open-source ) significa um tipo de “jornalismo de código aberto”. (Não é de todo errado afirmar que ele pode ser visto sob a ótica de um parentesco próximo ao jornalismo colaborativo e participativo). O termo opensource foi usado no título de um artigo escrito por Leonard (1999) ao portal estadunidense Salon. Embora o termo não tenha sido realmente usado no corpo do artigo, a manchete já explicitava o teor construído em uma colaboração entre usuários do portal sobre tecnologia da internet, chamado Slashdot, e um redator da Jane's Intelligence Review. O escritor Johan J. Ingles-le Nobel solicitou feedback sobre uma história acerca do ciberterrorismo aos leitores do Slashdot (que funciona na lógica do gatewatching ) e, em seguida, reescreveu sua históriacom base nesse feedback, creditando os usuários do portal, cujas informações e palavras ele usou. GATEWATCHING javascript:void(0) Processo de avaliação, edição, curadoria das notícias com intensa participação do público sobretudo no mundo digital. O gatewatching é uma espécie de função editorial partilhada por jornalista e audiência, produzindo seu próprio processo de curadoria informacional nas redes sociais e por toda a internet. Uma das definições mais reconhecidas do termo gatewatcher é dada pelo pesquisador australiano Axel Bruns, propondo que essas são todas as pessoas, inclusive os jornalistas, que no espaço online, observam e avaliam o material disponível e sua relevância, canalizando esse material em reportagens estruturadas. Mais uma vez, a ideia fundamental por trás do jornalismo opensource diz respeito à interação e à participação realmente efetiva do público na construção da notícia. Nesse contexto, Bambrilla (2006, p. 69-70) afirma que: É IMPORTANTE QUE SE DESTAQUE QUE O JORNALISMO ONLINE, ASSIM COMO O JORNALISMO OPENSOURCE , NÃO VEM SUBSTITUIR O JORNALISMO TRADICIONAL, IMPRESSO EM PAPEL OU VEICULADO POR MEIOS ELETRÔNICOS. FAZ-SE QUESTÃO DE SALIENTAR, AQUI, A IDEIA DE REMEDIAÇÃO, JAMAIS DE SUBSTITUIÇÃO. REMEDIAÇÃO Como explica Canavilhas (2012, p. 9): “Por remediação (remediation ) entende-se o processo de renovação de velhos conteúdos efetuado pelos novos meios”. Em outras palavras, trata-se de um processo de incorporação de um meio pelo outro, sem a completa absorção do segundo. Desse modo, não podemos deixar de lado a questão da luta contra a precarização do trabalho jornalístico dentro da lógica opensource . Aprofundando um pouco o assunto, é preciso pensar que o estreitamento das redações não é desculpa para nos lançarmos ao jornalismo opensource como alternativa à ausência de profissionais formados, com experiência e bem qualificados (isto é, não se pode confundir desintermediação com precarização laboral). Afinal, sem profissionais, não há meios nem coerência comunicativa para que se estabeleçam conexões entre a redação e o público. Como rememora Franco (2012), sem jornalistas não há participação coerente (e, antes de tudo, não há curadoria de conteúdo no processo editorial que apura a informação recebida dos ouvintes, leitores e espectadores). Os receptores não podem tornar-se os novos jornalistas como formas de substituição desses profissionais. O jornalismo opensource evoluiu para a participação do público no sentido de colocar emissores e receptores em terrenos compartilhados, não excludentes. Nesse sentido, há a necessidade de “se pensar o jornalismo online e o jornalismo opensource a partir de valores diferenciados, oriundos do jornalismo tradicional, mas adaptados às particularidades que javascript:void(0) caracterizam cada modelo de se fazer e veicular notícia” (BAMBRILLA, 2006, p. 69-70). São valores e elementos como o hipertexto, a convergência, uma nova temporalidade e a interferência direta dos diferentes públicos na produção do noticiário. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Reconhecer as similaridades e distinções entre jornalismo participativo, jornalismo colaborativo e jornalismo opensource MODELO OPENSOURCE Com o avanço de novas formas de convergência midiática que não estão restritas ao polo da emissão, o jornalismo também precisa olhar para como os receptores fazem uso dessas tecnologias e, de forma singular, como é possível interconectar as ferramentas que já estão na mão dos usuários, telespectadores, ouvintes, leitores etc. e a rotina de produção jornalística contemporânea. RELEMBRANDO Como já discutimos, o jornalismo opensource recebe essa nomenclatura justamente pela ideia de se produzir material jornalístico de código aberto, isto é, de uso livre. Vamos, então, entrar um pouco mais na compreensão do opensource . Há uma tradição voltada ao entendimento da programação que envolve versões beta de software criticadas e testadas pelo público antes que a peça final do software seja lançada. Os pragmáticos do código aberto mantêm-se fiéis à ideia de que um software melhor será criado a partir do escrutínio (avaliação minuciosa) do público inerente ao processo colaborativo. Isto é: VERSÕES BETA Aquelas ainda em desenvolvimento. Quanto mais ativa e significativa for a participação do público na construção de um jornalismo que explicita seus códigos produtivos e os abre à participação externa, mais valiosa, plural, precisa e apurada é a informação final que se divulga. O modelo de jornalismo opensource aborda e convida o público de maneira muito flexível, requisitando dele informações vivas com as quais se engaja e, acima de tudo, creditando ao público o material solicitado. Nas formas tradicionais de jornalismo, uma “fonte” era um indivíduo que fornecia informações para uma história e, geralmente, sua identidade era protegida se as informações fossem confidenciais. O jornalismo opensource , por sua vez, continua a respeitar suas fontes e a segurança delas, porém, diferentemente do tradicional, tende a não apenas dar visibilidade às fontes que procura (com consentimento), como também as coloca em equilíbrio de importância nos quesitos de legitimidade e autoridade informativas. Nesse modelo, o público pode ser uma ferramenta eficaz de coleta de notícias ou um meio de gerar uma crítica externa a qualquer item que, porventura, já tenha sido noticiado. O público está agregando sua experiência e idealmente ajudando o jornalista a obter um produto o mais bem feito possível. javascript:void(0) Isso pode ser alcançado por meio de comentários públicos, diferentes modos de colaboração, oferecendo ideias externas e verificação de dados que combinam o profissionalismo do jornalismo ao rigor do olhar do público, como destacam Simelio et al . (2017). O jornalismo opensource está intimamente relacionado, também, ao jornalismo cidadão, posto que ambos compreendem (desde suas distinções e similaridades) a presença do conteúdo criado pelo usuário como algo necessário. Mais que isso, preponderante ao desenvolvimento de boas, éticas e transparentes práticas de construção noticiosa na esfera pública. É preciso pensar o modelo do jornalismo opensource não como uma ameaça ao controle dos jornalistas sobre a informação, mas como uma relação compartilhada de poder, legitimidade e autoridade. Os jornalistas não são os únicos especialistas do mundo sobre determinados assuntos ou sobre a forma de exposição desses conteúdos ao público. Todavia, mesmo no modelo opensource , é vital que o jornalista, os editores e todos os responsáveis pela lisura (integridade) da informação sejam atentos com o crivo de análise sobre veracidade e factualidade (ainda mais em tempos nos quais as chamadas fake news também navegam livremente pelas telas desintermediadas e descentralizadas da comunicação diária). Logo, ter uma autoridade conjunta (emissor e receptor) também pressupõe uma responsabilidade maior e mais rigorosa na busca pela verdade da informação compartilhada e noticiada (CORRÊA, 2009). Além disso, é preciso atenção às nuances envolvidas na constituição do modelo opensource quando olhamos, por exemplo, o caso dos blogs . Podemos vê-los como plataformas significativas para a cultura de código aberto nas redes. Sites como o WordPress.com abrem seus softwares ao público para que sejam usados e modificados de acordo com o gosto do usuário. Para criar esses blogs não é preciso nenhum entendimento aprofundado de design ou codificação. No entanto, dada a tradição legal de direitos autorais, os blogs não são automaticamente representantes do jornalismo opensource em relação ao conteúdo que publicam. Assim como qualquer artigo acadêmico, um internauta está proibido de pegar as palavras de um blogueiro ou comentários de usuários e reciclá-los de outra forma sem reconhecer/citar os direitos autorais do autor. No entanto, na produção de postagens em blogs , nas fasesde redação e pesquisa, eles são capazes de abrir o código de seu material para o público. De igual forma, prestar atenção às plataformas do tipo wiki é outro ponto de interesse na constituição de modelos de jornalismo opensource que se abrem à participação e à configuração do público (ALVES, 2010, p. 64). WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO Na esteira de um pensamento focado no desenvolvimento constante de novas tecnologias e práticas profissionais, podemos ver o webjornalismo (também entendido como ciberjornalismo, jornalismo digital ou jornalismo online) como um elemento exemplar a ilustrar as transformações e adaptações entre modos de produção tradicionais e modos de produção inovadores. No caso do webjornalismo participativo, chegamos a um terreno que explicita como hoje em dia as inter-relações entre os polos de comunicação estão cada vez mais intercambiáveis. O primeiro ponto a se pensar na relação de especificidade entre o webjornalismo e os movimentos participativos em direção à recepção é a credibilidade. Assim como no jornalismo online de modo geral, a rápida redação e publicação de notícias no webjornalismo é alcançada à custa de precisão e de edição completa entre editores profissionais (PRIMO; TRÄESEL, 2006). Agora, acrescente a essa árdua tarefa de produção jornalística a presença do webjornalismo participativo, isto é, coletas informativas feitas e enviadas por pessoas não treinadas propriamente em jornalismo ou padrões do setor. A responsabilidade de acertar (na coleta, apuração e socialização da notícia) torna-se ainda mais difícil de ser executada, uma vez que surgem questões como: O material é verificável? É preciso levantar questões sobre quem o escreveu e o porquê de tê-lo feito? Qual é a qualidade aceitável para produções como vídeos ou fotos enviadas pelo público? Como diferenciar uma notícia de teor factual de uma pseudoinformação que tenta se espalhar ao ritmo da pós-verdade contemporânea? Invariavelmente, essas perguntas passam pelas rotinas de produção de um webjornalismo voltado à participação popular. Outro ponto a se pensar na relação entre a participação e a lógica produtiva do webjornalismo diz respeito à transparência (NGUYEN, 2006). ATENÇÃO Em reportagens insuficientes ou imprecisas, obtidas por meio de canais como WhatsApp ou plataformas específicas de envio de informações, a transparência e a honestidade da imprensa tornam-se mais difíceis de serem mantidas. Esse é um ponto importante justamente porque o ambiente em que há vários colaboradores a construir uma matéria é predisposto a criar ruídos ou, ainda pior, imprecisões. Por essa via de análise, não é possível que o entendimento da informação como mercadoria abstenha-se do jogo relacional entre emissores e receptores. Afinal: “a abertura de sites noticiosos à construção participativa de notícias e ao seu debate levanta novas questões não apenas sobre o webjornalismo, mas também exige renovados debates em torno do sistema produtivo e dos próprios ideais jornalísticos” (PRIMO; TRÄSEL, 2006, p. 2). Em outras palavras, mesmo que a internet já tenha se tornado um tesouro de fatos, histórias e citações, quase “dispensando” os jornalistas da necessidade de realizar suas pesquisas, ainda assim, o produto da reportagem é moldado pelo jornalista que vê essa informação como uma mercadoria (real e simbólica). Por isso: OUTRO FATOR QUE MOTIVA O DESENVOLVIMENTO DO WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO É A VULGARIZAÇÃO DE MÁQUINAS DE FOTOGRAFIA DIGITAL E CELULARES QUE PODEM CAPTAR FOTOS OU VÍDEOS E ENVIAR MENSAGENS MULTIMÍDIA. ESSAS TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO MÓVEL FACILITAM O REGISTRO E [A] DIVULGAÇÃO DE FATOS NO MOMENTO EM QUE ELES OCORREM. AS EMPRESAS JORNALÍSTICAS PASSARAM A CONTAR COM A PULVERIZAÇÃO DE FONTES DE IMAGENS E INFORMAÇÕES, MESMO ONDE NÃO HAJA QUALQUER JORNALISTA OU REPÓRTER-FOTOGRÁFICO. (PRIMO; TRÄSEL, 2006, p. 4) Por fim, a ideia do webjornalismo participativo como um espaço plural e polifônico é uma imagem atraente e coerente com as discussões que temos empreendido até aqui. No entanto, é necessário entender que, do ponto de vista financeiro, há uma relação assimétrica entre quem fornece as informações por meio de participações populares e quem finaliza e distribui a informação pelos moldes, pelas práticas e pelos princípios já preestabelecidos pelo setor de notícias (BAMBRILLA, 2006). CASES : DO JORNALISMO DIGITAL AO COLABORATIVO Discutiremos agora três cases que representaram — e ainda representam —como o jornalismo digital e o jornalismo colaborativo se veem entrelaçados em seus processos de construção da notícia e de participação do público, ao longo das últimas décadas. Dois exemplos estrangeiros (OhmyNews, da Coreia do Sul, e iReporter , dos Estados Unidos) e um exemplo brasileiro atual (VC no G1 ) são trazidos ao debate como forma de ilustrar o desenrolar das inter- relações tão fortes entre a informação e o emissor/receptor no universo online. CASE 1 - OHMYNEWS O portal de jornalismo colaborativo digital OhmyNews foi criado em 2000 por Oh Yeon-ho, jornalista sul-coreano interessado em dar espaço às vozes de cidadãos que não eram ouvidos nos processos prévios e posteriores à publicação das notícias. Conforme explica Bambrilla (2006), o lema do OhmyNews é: “Todo cidadão é um repórter. ” “A ideia inicial era fazer com que o conteúdo deste noticiário fosse produzido por qualquer cidadão sul-coreano. Este objetivo foi alcançado em pouco tempo, devido à adesão de 40 mil colaboradores. De acordo com a visão de Yeon-ho, o conceito de cidadão está associado a um comportamento proativo diante dos problemas sociais e se aproxima intimamente da ideia de comunidade. Para o jornalista, ao cidadão não basta saber a respeito de problemáticas sociais, mas deve buscar resolvê-las” (BAMBRILLA, 2006, p. 8). Uma característica sui generis do OhmyNews é que ele não apenas credita, como também paga seus colaboradores provenientes do público: “Diferentemente de outros projetos participativos, as notícias são editadas por uma equipe de jornalistas profissionais. Cada colaborador recebe um valor simbólico, caso a notícia que submeteu seja publicada. Os leitores têm um espaço para comentários e podem enviar e-mails diretamente aos autores” (PRIMO; TRÄSEL, 2006, p. 12). O portal segue na ativa e com desdobramentos para o mundo ocidental (com o portal em língua inglesa OhmyNews International) e expansões pela Ásia (com o portal OhmyNews Japan). CASE 2 - IREPORTER O iReporter foi um projeto de jornalismo colaborativo digital oriundo da rede de televisão estadunidense CNN. Traçando suas origens a partir de 2006 por meio do exitoso programa CNN’s Fan Zone na Copa do Mundo daquele ano, o projeto do iReporter ganhou força somente a partir de 2008. Além disso, como um user-generated site (site gerado pelo usuário), ele tinha o objetivo de ter uma interface o mais simples possível para que os cidadãos pudessem se sentir cômodos e interessados em enviar conteúdos ao veículo. E ESSE ENVIO ACONTECIA DE FORMA MUITO SIMPLES... CONFIRA Alves (2010) relembra o assunto comentando que, para ser um “iReporter ”, não havia necessidade de cadastro complexo, mas apenas de fornecimento de nome, e-mail e cadastro de senha. Havia necessidade, ainda, de aceitar três termos de uso: os termos de uso padrão e de política de privacidade da CNN e o termo específico para os cidadãos-repórteres do iReporter . Uma vez confirmado o cadastro pelo próprio usuário, o acesso era feito por um canal destinado a produções de conteúdo colaborativo. Diferentemente do OhmyNews, que era um empreendimento nativo digital, o iReporter também funcionava no ambiente online, mas dependia do status de credibilidade e legitimação jornalística já criados pela CNN. Todavia, como a antecipar o avanço descontrolado das fake news que vemos hoje, já naquele período a CNN explicitava: javascript:void(0) [...] A IDEIA DE QUE SEU CANAL COLABORATIVO NA INTERNET É UM SITE ÀPARTE, SEM EDIÇÃO ALGUMA E TOTALMENTE PRODUZIDO POR CIDADÃOS- REPÓRTERES, CARACTERÍSTICAS QUE ISENTAM A REDE DE TELEVISÃO NORTE-AMERICANA DE QUALQUER INFORMAÇÃO FALSA DISSEMINADA EM REDE. (ALVES, 2010, p. 101) De certa forma, ainda que reconheçamos a dificuldade em saber filtrar e apurar a veracidade da informação recebida por meio de projetos colaborativos digitais como o exemplificado, a atitude da emissora também demonstrava uma ausência de responsabilidade compartilhada justamente por se omitir na moderação, com o objetivo de não colocar em jogo sua credibilidade conquistada na TV. O projeto teve sucesso até o ano de 2015. CASE 3 – VC NO G1 Finalmente, o exemplo contemporâneo brasileiro de jornalismo digital colaborativo pode ser visto na plataforma VC no G1 ligada diretamente ao portal de webjornalismo G1, do Grupo Globo. Criado em 2007 como uma versão em testes, o VC no G1 já destacava ser um portal voltado ao jornalismo colaborativo. Metalinguisticamente, em sua página de lançamento, o projeto explicava ao leitor o que era sua proposta em termos de jornalismo colaborativo: JORNALISMO COLABORATIVO, SEGUNDO O G1. “A velocidade da informação na internet permite cada vez mais que o cidadão seja um personagem atuante na divulgação de notícias por todo o mundo, deixando de ser apenas um leitor ou espectador para se tornar um colaborador da produção do material veiculado. ‘Jornalismo colaborativo’, também chamado de ‘jornalismo cidadão’ ou ‘jornalismo participativo’, é a produção de conteúdo jornalístico feita pelos cidadãos em colaboração com jornalistas profissionais” (G1, 2007). Fonte: Shutterstock.com Em seus estudos sobre o VC no G1 , Corrêa e Madureira (2010, p. 173) afirmam que uma característica muito presente nesse tipo de jornalismo digital colaborativo é a presença da figura do cidadão como um jornalista “instanteneísta”. Fazendo uso de um vocábulo cunhado por Ignacio Ramonet, Corrêa e Madureira (2010) explicam que a configuração do público como um repórter “instanteneísta” se vê refletida no número significativo de produções enviadas ao VC no G1 , que são caracterizadas como flagrantes e, posteriormente, republicadas nos veículos do Grupo Globo como tal. IGNACIO RAMONET Jornalista e sociólogo espanhol, nascido no Marrocos, Ignacio Ramonet é ainda um importante teórico da comunicação. Fez seu curso superior na França, doutorando-se em Semiologia pela prestigiosa École des Hautes Études en Sciences Sociales. Na década de 1970, entrou para Le Monde Diplomatique, tornando-se duas décadas depois seu diretor de redação. Também colaborou com a mítica Cahiers du Cinema e com o jornal Libération. Ramonet dirige hoje a edição espanhola do Le Monde Diplomatique. javascript:void(0) CONFIRA MAIS DETALHES SOBRE O VC NO G1 É importante, ainda, destacar que o VC no G1 é comumente usado em grandes programas da TV Globo (como Jornal Nacional e Jornal Hoje ) e exibido em variadas situações no G1 em 1 Minuto (também exibido na emissora brasileira), quando há registros relacionados a tragédias ambientais, flagrantes de crimes ou mesmo curiosidades próximas ao fait divers (isto é, assuntos corriqueiros, engraçados ou peculiares que suscitam o interesse do público justamente pela banalidade do acontecimento). Fonte: Shutterstock.com A forma de participação é simples, basta enviar fotos e vídeos ao site do G1 (e para as produções que podem potencialmente ser usadas por todos os veículos pertencentes ao Grupo Globo, por extensão). Vamos saber mais sobre a relação do jornalismo colaborativo com o cidadão? VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS A atuação do jornalista no universo de mudanças recorrentes e ininterruptas que acontecem no campo midiático e das linguagens comunicacionais, de forma indiscutível, começa também a ser desafiada (no melhor dos sentidos) pelo avanço da participação do público nas rotinas de produção jornalística. Assim, o jornalismo participativo, o jornalismo colaborativo e o jornalismo opensource postulam que o olhar sobre o polo da recepção é um olhar dinâmico, que vê espectadores e sujeitos comuns como potenciais forças produtoras de comunicação e, acima de tudo, entende o processo comunicacional como algo não estanque ou unívoco. Desse modo, foi possível entender que, mesmo que existam mutações consideráveis em relação aos papéis exercidos por emissores e receptores no jornalismo participativo, algumas temáticas muito caras à produção jornalística, como credibilidade, confiabilidade e transparência não se deixam ser esquecidas. Em outros termos, mesmo com uma reconfiguração cada vez maior em termos de desintermediação e descentralização das formas produtivas, tanto o jornalista quanto seu público ainda precisam prezar pela qualidade das coletas, apurações e divulgação das informações de interesse público. PODCAST Escute o podcast com o professor Anderson Lopes da Silva recuperando os temas tratados em Jornalismo Participativo. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ALVES, R. S. S. Compreensão da construção do cidadão-repórter por intermédio dos modelos de colaboração em ambientes jornalísticos estruturados por tecnologias digitais conectadas. 2010. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2010. BAMBRILLA, A. M. Jornalismo open source : discussão e experimentação do OhmyNews International. 2006. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Informação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. BENKLER, Y. The wealth of networks: how social production transforms markets and freedom. Londres: Yale University Press, 2006. BOWMAN, S.; WILLIS, C. We media: how audiences are shaping the future of news and information. Reston: The Media Center at the American Press Institute, 2003. CANAVILHAS, J. Da remediação à convergência: um olhar sobre os media portugueses. In : Brazilian Journalism Research, v. 8, n. 1, 2012. CORRÊA, E. S. As mídias sociais e o ciberjornalismo: reconfigurações de vozes. In : MARQUES, A. et al . Esfera pública, redes e jornalismo. Rio de Janeiro: E-papers, 2009. CORRÊA, E. S; MADUREIRA, F. Jornalista cidadão ou fonte de informação: estudo exploratório do papel do público no jornalismo participativo dos grandes portais brasileiros. In : Estudos em Comunicação, n. 7, v. 1, 157-184, maio/2010. FRANCO, M. Periodismo participativo o la construcción del #Cooperiodismo, 2012. Consultado em meio eletrônico em: 11 nov. 2020. G1. Agora você pode publicar sua notícia no G1, 2007. 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Para saber mais sobre a temática teórica relacionado ao jornalismo colaborativo, sugerimos a leitura do detalhado trabalho de Daiane Lara Nora (2017), intitulado O Mapa do Jornalismo Colaborativo e produzido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Para aprofundar-se mais no assunto, a dica é visitar o site do Projeto #Colabora, criado em 2015 por Agostinho Vieira, cujo modelo é baseado em redes de jornalistas e em criação de conteúdo personalizado para sustentar a produção jornalística. CONTEUDISTA Anderson Lopes CURRÍCULO LATTES javascript:void(0); javascript:void(0);
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