Buscar

03 - JORNALISMO PARTICIPATIVO

Prévia do material em texto

DESCRIÇÃO
Análise do jornalismo participativo, colaborativo e opensource , com suas características de
cooperação, coordenação e colaboração, em modelos comunicacionais descentralizados e de
desintermediação.
PROPÓSITO
Refletir sobre como o jornalismo participativo faz parte de um cenário midiático cada vez mais
interconectado e voltado aos processos de interação entre os polos da emissão e recepção,
além de discutir aproximações e diferenças entre as formas de caracterização da participação
do receptor na comunicação.
Tais aspectos são muito importantes para profissionais de comunicação em geral e jornalistas
em particular, mais ainda para todos aqueles interessados nos formatos web de comunicação e
fluxos de informação.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar os aspectos teóricos relacionados à descentralização, à transparência e à
credibilidade da informação no jornalismo participativo
MÓDULO 2
Reconhecer as similaridades e distinções entre jornalismo participativo, jornalismo colaborativo
e jornalismo opensource
INTRODUÇÃO
Mais do que apenas ser um espectador passivo, que somente recebe a comunicação, ou um
emissor tirano e inflexível, que não abre espaço para outras vozes, podemos ver que os polos
da emissão e da recepção têm passado por mudanças complexas e significativas.
Logo, na presença constante das mídias digitais, é preciso atentar, também, para o modo como
a informação jornalística é construída entre os veículos produtores e os receptores dessa
comunicação. Por isso, a partir de agora, nossa discussão se debruça sobre como é possível
pensar nesse tipo singular de interação a partir do jornalismo participativo, do jornalismo
colaborativo e do jornalismo opensource .
MÓDULO 1
 Identificar os aspectos teóricos relacionados à descentralização, à transparência e à
credibilidade da informação no jornalismo participativo
JORNALISMO PARTICIPATIVO:
COOPERAÇÃO, COORDENAÇÃO E
COLABORAÇÃO
Pensar no cenário comunicacional, no qual o jornalismo participativo se insere, é refletir sobre
como os tradicionais papéis de produção, construção, socialização, consumo e recepção da
mensagem jornalística acabam por se localizar em um terreno de pouca fixidez.
Em outras palavras, se antes a ideia de quem produz e de quem recebe a comunicação era
muito bem estabelecida — radiojornal e ouvinte, jornal impresso e leitor, telejornal e espectador
etc. —, as lógicas de produção e recepção do jornalismo participativo preveem que os fluxos
informacionais não estejam integralmente limitados nem a um polo nem a outro.
Logo, de acordo com a visão de autores como Bowman e Willis (2003), o jornalismo
participativo diz respeito ao processo comunicacional marcado pela presença do receptor. Em
outros termos, trata-se de:

[...] UM ATO DE UM CIDADÃO OU GRUPO DE
CIDADÃOS QUE DESEMPENHAM UM PAPEL ATIVO NO
PROCESSO DE COLETAR, REPORTAR, ANALISAR E
DISSEMINAR INFORMAÇÃO. A INTENÇÃO DESSA
PARTICIPAÇÃO É FORNECER A INFORMAÇÃO
INDEPENDENTE, CONFIÁVEL, EXATA, AMPLA E
RELEVANTE QUE A DEMOCRACIA REQUER.
(BOWMAN; WILLIS, 2003, p. 9)
Desse modo, há uma tendência à horizontalidade de papéis responsáveis pela construção
noticiosa no jornalismo participativo. Porém, também é preciso compreender como a
cooperação, a coordenação e a colaboração atuam de modo conjunto nesse contexto.
Quando discutimos que existe um paralelo direto entre a noção de cooperação e a prática
jornalística participativa, estamos nos referindo a uma processualidade construtiva, na qual as
forças de trabalho se dividem. Em outras palavras, trata-se de um tipo de trabalho que é
compartilhado entre duas ou mais pessoas (ou entre grupos de pessoas), cujo objetivo é obter
algum tipo de informação, dado ou conhecimento para, então, divulgá-lo.
QUAIS AS PECULIARIDADES DESSE PROCESSO
EM COMPARAÇÃO ÀS FORMAS MAIS
TRADICIONAIS DE JORNALISMO?
RESPOSTA
Como ressalta Rafael Alves, a conceituação de cooperação no jornalismo (passando por visões
que vão do campo antropológico ao campo educacional) traz uma ideia difícil de se associar a
um equilíbrio de força na produção e emissão da informação. De acordo com o autor:
javascript:void(0)

ENTRE TODOS OS POSICIONAMENTOS, PERCEBE-SE
QUE O CONCEITO DE COOPERAÇÃO É COMPLEXO,
RESTRITO, EXTREMAMENTE DIRECIONADO A UM
GRUPO E COM UM CUSTO PARA QUE SE POSSA
BENEFICIAR UMA OU MAIS PESSOAS.
(ALVES, 2010, p. 55)
Assim, há uma cooperação que pode partir do cidadão ao fornecer informação ao veículo
tradicional de mídia, mas os papéis relacionados ao crédito da construção noticiosa ou os
dividendos dos lucros advindos dessa informação não são equiparados entre quem coleta e
quem socializa o produto da comunicação.
Já quando passamos ao campo da colaboração, podemos ver que existe uma infinidade de
abordagens possíveis para pensar o conceito. Todavia, no campo estrito de seu significado no
jornalismo participativo, há uma relação mais palpável entre colaboração e participação: “A
colaboração [...] possui uma postura de tolerância e um processo de negociação constante em
busca de um produto final. Percebe-se que, na cooperação, é necessário ter ações conjuntas
e coordenadas, com custos (dinheiro, tempo ou trabalho), e o processo não é visto
individualmente (o conceito do conjunto prevalece sobre o esforço pessoal), enquanto na
colaboração há uma interação mútua ou unilateral descentralizada. (ALVES, 2010, p. 55)”.
De maneira geral, mesmo os autores que se dispõem a criar ontologias que pautem essas
definições e delimitações conceituais concluem tratando os termos como correlatos ou
intercambiáveis. No trecho citado, portanto, o autor acena para uma sobreposição entre
colaboração e cooperação como formas que podem ser lidas de maneira próxima.
 EXEMPLO
Na cultura de produção horizontal do jornalismo digital, os códigos ficam mais visíveis a uma
comunidade maior, o que pode possibilitar um trabalho mais amplo e profundo.
Soma-se a isso, como ainda aponta uma pesquisa ao jornal britânico The Guardian e seu
portal, “as fontes jornalísticas também ganham mais flexibilidade para serem compartilhadas,
de acordo com as possibilidades de colaboração de um determinado grupo no processo de
apuração” (SILVA, 2013, p. 22).
Por fim, debater os processos de coordenação dentro da esfera de produção-recepção do
jornalismo participativo exige pensar em processos de gestão da informação. Em outros
termos, para além de criar conexões entre o veículo (digital ou não) e o produtor da informação,
profissionalmente à parte do veículo (espectador, ouvinte, leitor etc.), é preciso que, no
entendimento da coordenação do material recebido, algumas das forças ganhem mais
proeminência.
Aqui, como é de se imaginar, o veículo de informação inicia seu processo de maior destaque:
ele até pode receber o conteúdo de uma fonte não conectada ao espaço formal de trabalho do
jornal/TV/portal, mas, no final do processo, é esse veículo quem edita, molda e traça as linhas
editoriais do produto colocado em divulgação.
Outra forma de pensar a coordenação do jornalismo participativo pode partir do exemplo dos
Panama Papers . Com um conjunto de aproximadamente 11,5 milhões de documentos
confidenciais — oriundos de multimilionários, advogados, empresas, governantes, artistas e
outras importantes pessoas do mundo todo —, esse levantamento detalhava como mais de 214
mil empresas de paraísos fiscais offshore atuavam de modo ilegal pelo mundo.
Como lembra Mesquita (2019), algo próximo de 2,6 terabytes de dados (distribuídos entre os
anos de 1970 e o início de 2016) começaram a ser dissecados por equipes do Consórcio
Internacional de Jornalistas de Investigação, com sede em Washington.
Nesse trabalho, a coordenação dos dados foi crucial no jornalismo participativo. Foi preciso
coordenação entre as equipes que receberam o material de uma fonte anônima no jornal
alemão Süddeutsche Zeitung, em 2015, para manter a organização e o fluxo narrativo das
informações em uma linha do tempo correta etransnacionalizada.
Acima de tudo, a coordenação editorial conjunta serviu para não permitir que atos antiéticos
comprometessem o trabalho jornalístico.
Assim, em todos os casos que perpassam cooperação, colaboração e coordenação no
contexto de um jornalismo que se quer ser mais participativo, há pontos em comum: o apuro e
o direcionamento dedicados ao material coletado em parceria com o público. Cabe
relembrar:

NA HORA DE PRODUZIR A NOTÍCIA, O JORNALISTA
DEVE ESTAR MUITO MAIS CONSCIENTE DOS
ELEMENTOS E POTENCIAIS INFORMATIVOS DE CADA
MATERIAL, DISCERNINDO A MELHOR INFORMAÇÃO
DE ÚLTIMA HORA E A INFORMAÇÃO
CONTEXTUALIZADORA [DE CADA ARQUIVO
RECEBIDO].
(BAMBRILLA, 2006, p. 38)
DESINTERMEDIAÇÃO E MODELOS
DESCENTRALIZADOS DE EMISSÃO
Na essência do jornalismo participativo estão as concepções de desintermediação e
descentralização do polo emissor. Ainda que saibamos o quão forte e significativo é o poder
das narrativas centralizadas na figura mediadora do veículo de comunicação — TV, jornal,
revista, plataformas de streaming , rádio, portais de jornalismo digital etc. —, na percepção
participativa do jornalismo há outra forma de discursividade.
E o que quer dizer desintermediação no jornalismo?
A desintermediação é compreendida no cenário jornalístico como um processo de retirada
constante dos intermediários (muitas vezes, desnecessários ou substituíveis) para ganhar
agilidade na coleta, apuração, formatação e divulgação da informação. Desintermediar também
é inovar em gestão da comunicação, especialmente no que diz respeito ao jornalismo digital.
Ao colocar dentro da rotina de produção jornalística a figura do cidadão/consumidor, Silveira
(2009) explica que as narrativas jornalísticas contemporâneas no universo online passam por
uma nítida mudança, graças à arquitetura lógica da internet e das redes sociais, que é
propensa à desintermediação.
Na visão do autor essa mudança envolve:

A CAPACIDADE DE CONTINUAR INTERMEDIANDO
PROCESSOS SOCIAIS E CULTURAIS DO MESMO
MODO COMO SE FAZIA NO MUNDO
INDUSTRIALIZADO. [...] A HIPÓTESE DE TRABALHO,
AQUI, É A DE QUE ESSE AMPLO PROCESSO DE
DESINTERMEDIAÇÃO TAMBÉM ESTÁ ALTERANDO A
ESFERA PÚBLICA E A POLÍTICA EM GERAL,
PRINCIPALMENTE AS INSTITUIÇÕES DE
INTERMEDIAÇÃO DO PODER.
(SILVEIRA, 2009, p. 70)
Assim, desintermediação significa alterar os processos de construção da narrativa jornalística,
fazendo-os de nova maneira, incorporando as grandes inovações que as plataformas digitais
oferecem aos jornalistas.
E a descentralização? Conhece suas características no cenário informacional?
Por uma via similar de pensamento, a descentralização não se relaciona apenas às
transformações do lado participativo da recepção. Descentralizar também exige novas
competências por parte da emissão, por parte dos jornalistas e responsáveis pela produção
noticiosa em seu modo mais tradicional, pois há uma nova forma de articulação entre as novas
mídias, a cultura e a sociedade.
Logo, a descentralização está relacionada a uma desconstrução informacional em um modo no
qual a sociedade vive a digitalização cotidiana como algo incorporado a seus sistemas e às
estruturas sociais. Esse movimento é uma espécie de reflexo da maneira como a sociedade
digital realiza, inclusive, novas formas de diálogo e constituição da opinião pública.
Afinal, segundo Girardi Júnior (2009, p.94):

A DESCENTRALIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE
CONVERSAÇÃO TRAZ CONDIÇÕES NOVAS PARA A
PRODUÇÃO E COMPARTILHAMENTO DE OPINIÕES E
EXPERIÊNCIAS SOBRE O MUNDO DA VIDA E OS
MODOS DE INTEGRAÇÃO SISTÊMICA NO MUNDO
CONTEMPORÂNEO.
Enfim, desintermediar e descentralizar os processos de comunicação são práticas que estão
intimamente vinculadas à esfera jornalística participativa por colocarem em cena a necessidade
de uma produção noticiosa muito mais interessada em conexões e capturas de sentidos que,
possivelmente, escapam à mão dos tradicionais detentores dos meios.
Por isso, repensar como a transparência e a credibilidade são moldadas pela participação dos
cidadãos e dos jornalistas nos faz refletir acerca de como as típicas rotinas de produção
ganham novas significações sob esse novo prisma.
TRANSPARÊNCIA E CONFIABILIDADE:
CONTROLE DESCENTRALIZADO SOBRE
CREDIBILIDADE DA INFORMAÇÃO
As questões sobre transparência e confiabilidade são temáticas presentes no jornalismo como
um todo e, de modo peculiar, são ainda mais relevantes quando o campo do jornalismo
participativo entra em debate. Se estamos nos referindo a um cenário descentralizado, ou seja,
que não pressupõe a univocidade de pontos de vista ou das fontes de informação, é preciso
entender como a credibilidade é materializada em uma arena de sentidos em constante
disputa.
Pensando especificamente no cenário jornalístico, Machado aponta que “a descentralização da
produção de informações representa uma mudança paradigmática das sociedades
contemporâneas que, cada vez mais, consolida-se entre nós, porque revela diversas vantagens
aos sistemas centralizados até então existentes." (Machado, 2009). O autor lembra três pontos
essenciais para caracterizar a descentralização de narrativas e discursos que perpassam um
modo de produção não mais configurado única e exclusivamente pelo jornalista ou por um meio
de comunicação que represa o fazer jornalístico.
Contribui para a democratização das vozes e a diversificação das fontes utilizadas pelos
profissionais.
Facilita o monitoramento dos diferentes setores, cada vez mais amplos, de uma sociedade
complexa em permanente expansão.
Incorpora os representantes dos diversos setores envolvidos com os fatos publicados nos
processos jornalísticos de produção de informações, aumentando o controle da sociedade
sobre as ações desenvolvidas pelos jornalistas.
Nesse sentido, os elementos da transparência são pensados para dizer a seu público o que
você deseja que ele saiba sobre o veículo e as rotinas de produção — seus processos, seus
profissionais, sua motivação, sua ética e seus valores perante a participação da recepção.
Às vezes, por meio desses elementos são respondidas perguntas que vimos os usuários
questionarem publicamente (em um comentário, em um e-mail etc.):
Como posso saber se você foi justo ao relatar os fatos dessa matéria?
Por que você usou os dados dessa pesquisa em vez dessa outra?
Acontece, ainda, de serem adicionadas informações das quais os usuários podem não saber
que precisam, mas que realmente apreciarão justamente porque a transparência no jornalismo
participativo é essencial para o desenvolvimento de uma relação harmoniosa, na tentativa de
diminuir as assimetrias entre os polos emissores e receptores.
Vale enfatizar que o jornalismo digital participativo não pode deixar de lado a responsabilidade
pelo conteúdo noticioso que divulga (especialmente pensando nas fontes pelas quais a notícia
é constituída).
Elizabeth Saad Corrêa (2009) explica que, alinhadas às demandas do mundo das redes,
entram em cena a noção de confiança mútua e, logo, as noções de abertura de diálogo e de
transparência.
Por isso, o tema da confiabilidade é de suma importância e não pode ser separado, no
jornalismo participativo, dos processos horizontais e descentralizados. Em outras palavras, há:

[...] UM PROCESSO COLETIVO EM REDE, NO QUAL O
SISTEMA TRADICIONAL ENTRA EM UM PROCESSO DE
COMPARTILHAMENTO DE RESPONSABILIDADE COM
OS USUÁRIOS CONECTADOS.
(CORRÊA, 2009, p. 206)
Atrelada à transparência no jornalismo, a confiabilidade está relacionada à forma como as
mídias explicam ao público determinados conceitos (por vezes complexos), sobre como e por
qual motivação os subsídios de informação estão sendo produzidos, distribuídos e tratados por
profissionais de mídia, incluindo jornalistas, editores, profissionais de relações públicas,
ombudsman , porta-vozes e o próprio leitor/receptor.
Em suma, a transparência da mídia reflete a relação entre jornalistas e fontes de notícias que
coexistem no jornalismo participativo.
Consequentemente, colocar a credibilidadecomo o pano de fundo desse debate é pensar na
responsabilidade de validação das informações do jornalismo participativo para além do
indivíduo (jornalista) e da marca (empresa jornalística).
OMBUDSMAN
A palavra tem origem sueca e significa “ouvidor”: um representante dos cidadãos junto ao
poder público ou, no caso do jornalismo, representante dos leitores. A função foi criada nos
Estados Unidos, nos anos 1960, mas também foi adotada por veículos europeus, como o
espanhol El País. A Folha de S. Paulo foi o primeiro veículo latino-americano a ter um jornalista
atuando nessa função, em 1989, que avalia criticamente o noticiário, em especial o próprio
veículo, além de acompanhar as demandas dos leitores.
javascript:void(0)
Vamos entender um pouco mais a discussão sobre confiabilidade no jornalismo participativo?
JORNALISMO COLABORATIVO,
JORNALISMO PARTICIPATIVO E
JORNALISMO OPENSOURCE
Os termos colaborativo, participativo e opensource são lidos, não raras vezes, como
sinônimos. Ainda que existam visões que postulem um consenso possível sobre o assunto, há
outras posições que preveem similaridades, mas também diferenças conceituais mínimas entre
as nomenclaturas.
Mais do que se ater somente ao processo de diferenciação entre os termos, é preciso
considerar de que modo o uso de determinada palavra explicita a visão de interação que se
tem entre receptores e emissores na construção noticiosa (como anteriormente explicitado na
discussão sobre cooperação, colaboração e coordenação).
Dessa forma, acerca do jornalismo colaborativo, é possível ver que, em uma indústria em que a
competição entre organizações e jornalistas individuais sempre foi a pedra angular do campo,
trabalhar além dessas fronteiras é, certamente, um desafio para muitos.
No entanto, o fato é que o jornalismo está evoluindo rapidamente, e os tempos mudaram.
Projetos e parcerias colaborativas têm demonstrado cada vez mais melhorar o jornalismo e seu
alcance.
 EXEMPLO
Existem inúmeros exemplos atuais, em todo o mundo, de colaborações bem-sucedidas, desde
a cobertura das eleições na Europa e nos Estados Unidos até os Panama Papers . Este,
inclusive, é o maior projeto de reportagem colaborativa da história, que envolveu mais de 100
parceiros da mídia trabalhando em 25 idiomas em quase 80 países. Projetos desse tipo
também estão sendo reconhecidos pelo setor.
Assim, em certo sentido, todo jornalismo é colaborativo. Geralmente, há pelo menos um
repórter e um editor e, talvez, um fotógrafo, cinegrafista ou especialista em dados visuais. Além
disso, a colaboração entre repórteres ou entre redações tem sido praticada de diferentes
formas há mais de 100 anos.
De modo local, as redes de jornais têm “colaborado” há séculos: pequenos semanários
suburbanos compartilhavam conteúdo com o grande jornal metropolitano e vice-versa, além de
pequenos panfletários e autores anônimos ainda no século XVIII, nos Estados Unidos.
 VOCÊ SABIA
“O nascimento da indústria de serviços de notícias como a que conhecemos ocorreu em 1846,
quando seis jornais diários de Nova York se juntaram para formar a Associated Press”
(SHMANSKE, 1986, p. 61). O objetivo desse sindicato era cooperar no recebimento de
notícias, ou seja, compartilhar todas as notícias que chegavam e dividir as despesas de
maneira justa.
No entanto, há uma diferença qualitativa na consciência e na intencionalidade com que as
colaborações estão sendo realizadas hoje sob o império digital.
Historicamente, vale lembrar que o entusiasmo atual sobre o jornalismo colaborativo
começou em meados dos anos 2000, quando editores, acadêmicos de jornalismo e fundações
começaram a olhar para as oportunidades possibilitadas pelas redes digitais (BENKLER, 2006;
STONBELY, 2017). Já o jornalismo participativo pode ser visto como uma expressão fácil e,
contraditoriamente, “escorregadia” de definição.
TODO MUNDO SABE O QUE SIGNIFICA
PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO, MAS COMO ISSO
SE TRADUZ EM JORNALISMO?
VERIFICAR
Não há uma resposta simples para essa pergunta. Por exemplo, quando os cidadãos
contribuem com fotos, vídeos e atualizações de notícias para os principais meios de
javascript:void(0)
comunicação, muitos argumentam que essas pessoas estão fazendo jornalismo.
Entretanto, quando os blogueiros comentam e criam links para notícias já prontas, isso é
sempre um exercício de jornalismo? Normalmente não, mas depende do contexto da produção
e das rotinas que estão colocadas em jogo.
As mesmas questões são levantadas quando as organizações de notícias abrem os canais de
interatividade com seus públicos. Votar em uma pesquisa online certamente não é jornalismo,
mas relatar em primeira mão suas percepções sobre um golpe militar que ocorre em real time
em um país estrangeiro, onde esse espectador mora, pode ser entendido como uma prática de
jornalismo participativo.
Qualquer que seja o parâmetro usado — uma definição estrita, que afirma que o jornalismo
deve envolver reportagem original e um filtro editorial, ou uma mais ampla, que considere fotos
amadoras, comentários de opinião e jornalismo de análise —, é certo que a participação do
público na equação das notícias está em ascensão.
É provável que as formas de participação do público acabem por tornar-se ainda mais
difundidas, justamente porque os dispositivos móveis, como telefones habilitados para vídeo —
que permitem transmissão de texto, fotos e vídeo diretamente pelo telefone — tornaram-se
parte da vida comum de milhares de pessoas que não necessariamente têm formação em
Jornalismo.
Nesse sentido, o jornalismo participativo geralmente enquadra-se nestas três categorias
amplas, que, de acordo com Franco (2012), podem ser vistas também sob a alcunha de
“#cooperiodismo” (#jornalismo_de_cooperação ou #coo-jornalismo):
INTELIGÊNCIA COLETIVA
Para além da competição entre os meios de comunicação e entre jornalistas e cidadãos, a
participação deve ser o fator que nos leva a evoluir da “Sociedade da Informação” para a
“Sociedade da Conversação”. Em outros termos, a inteligência coletiva que conecta milhares
de sujeitos ao redor do globo deve ser utilizada com ética, para que a rede de produções das
práticas jornalísticas se abasteça com mais rapidez, precisão e pluralidade informacional.
COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÃO
O poder não está mais na informação, mas em como a compartilhamos. Em outras palavras, é
preciso refletir sobre como o jornalismo participativo pressupõe que pensemos em quais canais
e meios a mensagem é redistribuída para além de seu próprio conteúdo (logo, as ritualidades
de compartilhamento também são relevantes).
QUALIDADE DAS FONTES DE INFORMAÇÃO
A participação deve ser um valor que se ressalta para que tenhamos maior contraste entre a
diversidade de fontes de informação e a melhoria dos conteúdos. Não pode ser um álibi para
evitar a responsabilidade por possíveis erros factuais (basta lembrar o que vimos há pouco
sobre responsabilidade compartilhada como forma de manter credibilidade, confiabilidade e
transparência como ativos de qualidade na produção do jornalismo). A ética jornalística deve
continuar a ser a marca de excelência nesse novo cenário.
O jornalismo opensource (também grafado como open source ou open-source ) significa
um tipo de “jornalismo de código aberto”. (Não é de todo errado afirmar que ele pode ser visto
sob a ótica de um parentesco próximo ao jornalismo colaborativo e participativo).
O termo opensource foi usado no título de um artigo escrito por Leonard (1999) ao portal
estadunidense Salon. Embora o termo não tenha sido realmente usado no corpo do artigo, a
manchete já explicitava o teor construído em uma colaboração entre usuários do portal sobre
tecnologia da internet, chamado Slashdot, e um redator da Jane's Intelligence Review.
O escritor Johan J. Ingles-le Nobel solicitou feedback sobre uma história acerca do
ciberterrorismo aos leitores do Slashdot (que funciona na lógica do gatewatching ) e, em
seguida, reescreveu sua históriacom base nesse feedback, creditando os usuários do portal,
cujas informações e palavras ele usou.
GATEWATCHING
javascript:void(0)
Processo de avaliação, edição, curadoria das notícias com intensa participação do público
sobretudo no mundo digital. O gatewatching é uma espécie de função editorial partilhada por
jornalista e audiência, produzindo seu próprio processo de curadoria informacional nas redes
sociais e por toda a internet. Uma das definições mais reconhecidas do termo gatewatcher é
dada pelo pesquisador australiano Axel Bruns, propondo que essas são todas as pessoas,
inclusive os jornalistas, que no espaço online, observam e avaliam o material disponível e sua
relevância, canalizando esse material em reportagens estruturadas.
Mais uma vez, a ideia fundamental por trás do jornalismo opensource diz respeito à interação
e à participação realmente efetiva do público na construção da notícia.
Nesse contexto, Bambrilla (2006, p. 69-70) afirma que:

É IMPORTANTE QUE SE DESTAQUE QUE O
JORNALISMO ONLINE, ASSIM COMO O JORNALISMO
OPENSOURCE , NÃO VEM SUBSTITUIR O
JORNALISMO TRADICIONAL, IMPRESSO EM PAPEL
OU VEICULADO POR MEIOS ELETRÔNICOS. FAZ-SE
QUESTÃO DE SALIENTAR, AQUI, A IDEIA DE
REMEDIAÇÃO, JAMAIS DE SUBSTITUIÇÃO.
REMEDIAÇÃO
Como explica Canavilhas (2012, p. 9):
“Por remediação (remediation ) entende-se o processo de renovação de velhos conteúdos
efetuado pelos novos meios”. Em outras palavras, trata-se de um processo de incorporação de
um meio pelo outro, sem a completa absorção do segundo.
Desse modo, não podemos deixar de lado a questão da luta contra a precarização do trabalho
jornalístico dentro da lógica opensource . Aprofundando um pouco o assunto, é preciso pensar
que o estreitamento das redações não é desculpa para nos lançarmos ao jornalismo
opensource como alternativa à ausência de profissionais formados, com experiência e bem
qualificados (isto é, não se pode confundir desintermediação com precarização laboral).
Afinal, sem profissionais, não há meios nem coerência comunicativa para que se estabeleçam
conexões entre a redação e o público.
Como rememora Franco (2012), sem jornalistas não há participação coerente (e, antes de tudo,
não há curadoria de conteúdo no processo editorial que apura a informação recebida dos
ouvintes, leitores e espectadores). Os receptores não podem tornar-se os novos jornalistas
como formas de substituição desses profissionais.
O jornalismo opensource evoluiu para a participação do público no sentido de colocar
emissores e receptores em terrenos compartilhados, não excludentes. Nesse sentido, há a
necessidade de “se pensar o jornalismo online e o jornalismo opensource a partir de valores
diferenciados, oriundos do jornalismo tradicional, mas adaptados às particularidades que
javascript:void(0)
caracterizam cada modelo de se fazer e veicular notícia” (BAMBRILLA, 2006, p. 69-70). São
valores e elementos como o hipertexto, a convergência, uma nova temporalidade e a
interferência direta dos diferentes públicos na produção do noticiário.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
 Reconhecer as similaridades e distinções entre jornalismo participativo, jornalismo
colaborativo e jornalismo opensource
MODELO OPENSOURCE
Com o avanço de novas formas de convergência midiática que não estão restritas ao polo da
emissão, o jornalismo também precisa olhar para como os receptores fazem uso dessas
tecnologias e, de forma singular, como é possível interconectar as ferramentas que já estão na
mão dos usuários, telespectadores, ouvintes, leitores etc. e a rotina de produção jornalística
contemporânea.
 RELEMBRANDO
Como já discutimos, o jornalismo opensource recebe essa nomenclatura justamente pela
ideia de se produzir material jornalístico de código aberto, isto é, de uso livre.
Vamos, então, entrar um pouco mais na compreensão do opensource .
Há uma tradição voltada ao entendimento da programação que envolve versões beta de
software criticadas e testadas pelo público antes que a peça final do software seja lançada.
Os pragmáticos do código aberto mantêm-se fiéis à ideia de que um software melhor será
criado a partir do escrutínio (avaliação minuciosa) do público inerente ao processo colaborativo.
Isto é:
VERSÕES BETA
Aquelas ainda em desenvolvimento.
Quanto mais ativa e significativa for a participação do público na construção de um jornalismo
que explicita seus códigos produtivos e os abre à participação externa, mais valiosa, plural,
precisa e apurada é a informação final que se divulga.
O modelo de jornalismo opensource aborda e convida o público de maneira muito flexível,
requisitando dele informações vivas com as quais se engaja e, acima de tudo, creditando ao
público o material solicitado. Nas formas tradicionais de jornalismo, uma “fonte” era um
indivíduo que fornecia informações para uma história e, geralmente, sua identidade era
protegida se as informações fossem confidenciais.
O jornalismo opensource , por sua vez, continua a respeitar suas fontes e a segurança delas,
porém, diferentemente do tradicional, tende a não apenas dar visibilidade às fontes que procura
(com consentimento), como também as coloca em equilíbrio de importância nos quesitos de
legitimidade e autoridade informativas.
Nesse modelo, o público pode ser uma ferramenta eficaz de coleta de notícias ou um meio de
gerar uma crítica externa a qualquer item que, porventura, já tenha sido noticiado. O público
está agregando sua experiência e idealmente ajudando o jornalista a obter um produto o mais
bem feito possível.
javascript:void(0)
Isso pode ser alcançado por meio de comentários públicos, diferentes modos de colaboração,
oferecendo ideias externas e verificação de dados que combinam o profissionalismo do
jornalismo ao rigor do olhar do público, como destacam Simelio et al . (2017).
O jornalismo opensource está intimamente relacionado, também, ao jornalismo cidadão,
posto que ambos compreendem (desde suas distinções e similaridades) a presença do
conteúdo criado pelo usuário como algo necessário. Mais que isso, preponderante ao
desenvolvimento de boas, éticas e transparentes práticas de construção noticiosa na esfera
pública.
É preciso pensar o modelo do jornalismo opensource não como uma ameaça ao controle dos
jornalistas sobre a informação, mas como uma relação compartilhada de poder, legitimidade e
autoridade.
Os jornalistas não são os únicos especialistas do mundo sobre determinados assuntos ou
sobre a forma de exposição desses conteúdos ao público. Todavia, mesmo no modelo
opensource , é vital que o jornalista, os editores e todos os responsáveis pela lisura
(integridade) da informação sejam atentos com o crivo de análise sobre veracidade e
factualidade (ainda mais em tempos nos quais as chamadas fake news também navegam
livremente pelas telas desintermediadas e descentralizadas da comunicação diária).
Logo, ter uma autoridade conjunta (emissor e receptor) também pressupõe uma
responsabilidade maior e mais rigorosa na busca pela verdade da informação compartilhada e
noticiada (CORRÊA, 2009).
Além disso, é preciso atenção às nuances envolvidas na constituição do modelo opensource
quando olhamos, por exemplo, o caso dos blogs . Podemos vê-los como plataformas
significativas para a cultura de código aberto nas redes. Sites como o WordPress.com abrem
seus softwares ao público para que sejam usados e modificados de acordo com o gosto do
usuário.
Para criar esses blogs não é preciso nenhum entendimento aprofundado de design ou
codificação. No entanto, dada a tradição legal de direitos autorais, os blogs não são
automaticamente representantes do jornalismo opensource em relação ao conteúdo que
publicam.
Assim como qualquer artigo acadêmico, um internauta está proibido de pegar as palavras de
um blogueiro ou comentários de usuários e reciclá-los de outra forma sem reconhecer/citar os
direitos autorais do autor. No entanto, na produção de postagens em blogs , nas fasesde
redação e pesquisa, eles são capazes de abrir o código de seu material para o público.
De igual forma, prestar atenção às plataformas do tipo wiki é outro ponto de interesse na
constituição de modelos de jornalismo opensource que se abrem à participação e à
configuração do público (ALVES, 2010, p. 64).
WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO
Na esteira de um pensamento focado no desenvolvimento constante de novas tecnologias e
práticas profissionais, podemos ver o webjornalismo (também entendido como ciberjornalismo,
jornalismo digital ou jornalismo online) como um elemento exemplar a ilustrar as
transformações e adaptações entre modos de produção tradicionais e modos de produção
inovadores.
No caso do webjornalismo participativo, chegamos a um terreno que explicita como hoje em dia
as inter-relações entre os polos de comunicação estão cada vez mais intercambiáveis.
O primeiro ponto a se pensar na relação de especificidade entre o webjornalismo e os
movimentos participativos em direção à recepção é a credibilidade. Assim como no jornalismo
online de modo geral, a rápida redação e publicação de notícias no webjornalismo é alcançada
à custa de precisão e de edição completa entre editores profissionais (PRIMO; TRÄESEL,
2006).
Agora, acrescente a essa árdua tarefa de produção jornalística a presença do webjornalismo
participativo, isto é, coletas informativas feitas e enviadas por pessoas não treinadas
propriamente em jornalismo ou padrões do setor.
A responsabilidade de acertar (na coleta, apuração e socialização da notícia) torna-se ainda
mais difícil de ser executada, uma vez que surgem questões como:
O material é verificável?
É preciso levantar questões sobre quem o escreveu e o porquê de tê-lo feito?
Qual é a qualidade aceitável para produções como vídeos ou fotos enviadas pelo público?
Como diferenciar uma notícia de teor factual de uma pseudoinformação que tenta se espalhar
ao ritmo da pós-verdade contemporânea?
Invariavelmente, essas perguntas passam pelas rotinas de produção de um webjornalismo
voltado à participação popular.
Outro ponto a se pensar na relação entre a participação e a lógica produtiva do webjornalismo
diz respeito à transparência (NGUYEN, 2006).
 ATENÇÃO
Em reportagens insuficientes ou imprecisas, obtidas por meio de canais como WhatsApp ou
plataformas específicas de envio de informações, a transparência e a honestidade da imprensa
tornam-se mais difíceis de serem mantidas.
Esse é um ponto importante justamente porque o ambiente em que há vários colaboradores a
construir uma matéria é predisposto a criar ruídos ou, ainda pior, imprecisões.
Por essa via de análise, não é possível que o entendimento da informação como mercadoria
abstenha-se do jogo relacional entre emissores e receptores. Afinal: “a abertura de sites
noticiosos à construção participativa de notícias e ao seu debate levanta novas questões não
apenas sobre o webjornalismo, mas também exige renovados debates em torno do sistema
produtivo e dos próprios ideais jornalísticos” (PRIMO; TRÄSEL, 2006, p. 2).
Em outras palavras, mesmo que a internet já tenha se tornado um tesouro de fatos, histórias e
citações, quase “dispensando” os jornalistas da necessidade de realizar suas pesquisas, ainda
assim, o produto da reportagem é moldado pelo jornalista que vê essa informação como uma
mercadoria (real e simbólica). Por isso:

OUTRO FATOR QUE MOTIVA O DESENVOLVIMENTO
DO WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO É A
VULGARIZAÇÃO DE MÁQUINAS DE FOTOGRAFIA
DIGITAL E CELULARES QUE PODEM CAPTAR FOTOS
OU VÍDEOS E ENVIAR MENSAGENS MULTIMÍDIA.
ESSAS TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO MÓVEL
FACILITAM O REGISTRO E [A] DIVULGAÇÃO DE
FATOS NO MOMENTO EM QUE ELES OCORREM. AS
EMPRESAS JORNALÍSTICAS PASSARAM A CONTAR
COM A PULVERIZAÇÃO DE FONTES DE IMAGENS E
INFORMAÇÕES, MESMO ONDE NÃO HAJA QUALQUER
JORNALISTA OU REPÓRTER-FOTOGRÁFICO.
(PRIMO; TRÄSEL, 2006, p. 4)
Por fim, a ideia do webjornalismo participativo como um espaço plural e polifônico é uma
imagem atraente e coerente com as discussões que temos empreendido até aqui. No entanto,
é necessário entender que, do ponto de vista financeiro, há uma relação assimétrica entre
quem fornece as informações por meio de participações populares e quem finaliza e distribui a
informação pelos moldes, pelas práticas e pelos princípios já preestabelecidos pelo setor de
notícias (BAMBRILLA, 2006).
CASES : DO JORNALISMO DIGITAL AO
COLABORATIVO
Discutiremos agora três cases que representaram — e ainda representam —como o jornalismo
digital e o jornalismo colaborativo se veem entrelaçados em seus processos de construção da
notícia e de participação do público, ao longo das últimas décadas. Dois exemplos estrangeiros
(OhmyNews, da Coreia do Sul, e iReporter , dos Estados Unidos) e um exemplo brasileiro
atual (VC no G1 ) são trazidos ao debate como forma de ilustrar o desenrolar das inter-
relações tão fortes entre a informação e o emissor/receptor no universo online.
CASE 1 - OHMYNEWS
O portal de jornalismo colaborativo digital OhmyNews foi criado em 2000 por Oh Yeon-ho,
jornalista sul-coreano interessado em dar espaço às vozes de cidadãos que não eram ouvidos
nos processos prévios e posteriores à publicação das notícias.
Conforme explica Bambrilla (2006), o lema do OhmyNews é: “Todo cidadão é um repórter. ”
“A ideia inicial era fazer com que o conteúdo deste noticiário fosse produzido por qualquer
cidadão sul-coreano. Este objetivo foi alcançado em pouco tempo, devido à adesão de 40 mil
colaboradores. De acordo com a visão de Yeon-ho, o conceito de cidadão está associado a um
comportamento proativo diante dos problemas sociais e se aproxima intimamente da ideia de
comunidade. Para o jornalista, ao cidadão não basta saber a respeito de problemáticas sociais,
mas deve buscar resolvê-las” (BAMBRILLA, 2006, p. 8).
Uma característica sui generis do OhmyNews é que ele não apenas credita, como também
paga seus colaboradores provenientes do público: “Diferentemente de outros projetos
participativos, as notícias são editadas por uma equipe de jornalistas profissionais. Cada
colaborador recebe um valor simbólico, caso a notícia que submeteu seja publicada. Os leitores
têm um espaço para comentários e podem enviar e-mails diretamente aos autores” (PRIMO;
TRÄSEL, 2006, p. 12).
O portal segue na ativa e com desdobramentos para o mundo ocidental (com o portal em
língua inglesa OhmyNews International) e expansões pela Ásia (com o portal OhmyNews
Japan).
CASE 2 - IREPORTER
O iReporter foi um projeto de jornalismo colaborativo digital oriundo da rede de televisão
estadunidense CNN. Traçando suas origens a partir de 2006 por meio do exitoso programa
CNN’s Fan Zone na Copa do Mundo daquele ano, o projeto do iReporter ganhou força
somente a partir de 2008.
Além disso, como um user-generated site (site gerado pelo usuário), ele tinha o objetivo de
ter uma interface o mais simples possível para que os cidadãos pudessem se sentir cômodos e
interessados em enviar conteúdos ao veículo.
E ESSE ENVIO ACONTECIA DE FORMA MUITO
SIMPLES...
CONFIRA
Alves (2010) relembra o assunto comentando que, para ser um “iReporter ”, não havia
necessidade de cadastro complexo, mas apenas de fornecimento de nome, e-mail e cadastro
de senha. Havia necessidade, ainda, de aceitar três termos de uso: os termos de uso padrão e
de política de privacidade da CNN e o termo específico para os cidadãos-repórteres do
iReporter . Uma vez confirmado o cadastro pelo próprio usuário, o acesso era feito por um
canal destinado a produções de conteúdo colaborativo.
Diferentemente do OhmyNews, que era um empreendimento nativo digital, o iReporter
também funcionava no ambiente online, mas dependia do status de credibilidade e legitimação
jornalística já criados pela CNN. Todavia, como a antecipar o avanço descontrolado das fake
news que vemos hoje, já naquele período a CNN explicitava:

javascript:void(0)
[...] A IDEIA DE QUE SEU CANAL COLABORATIVO NA
INTERNET É UM SITE ÀPARTE, SEM EDIÇÃO ALGUMA
E TOTALMENTE PRODUZIDO POR CIDADÃOS-
REPÓRTERES, CARACTERÍSTICAS QUE ISENTAM A
REDE DE TELEVISÃO NORTE-AMERICANA DE
QUALQUER INFORMAÇÃO FALSA DISSEMINADA EM
REDE.
(ALVES, 2010, p. 101)
De certa forma, ainda que reconheçamos a dificuldade em saber filtrar e apurar a veracidade
da informação recebida por meio de projetos colaborativos digitais como o exemplificado, a
atitude da emissora também demonstrava uma ausência de responsabilidade compartilhada
justamente por se omitir na moderação, com o objetivo de não colocar em jogo sua
credibilidade conquistada na TV. O projeto teve sucesso até o ano de 2015.
CASE 3 – VC NO G1
Finalmente, o exemplo contemporâneo brasileiro de jornalismo digital colaborativo pode ser
visto na plataforma VC no G1 ligada diretamente ao portal de webjornalismo G1, do Grupo
Globo. Criado em 2007 como uma versão em testes, o VC no G1 já destacava ser um portal
voltado ao jornalismo colaborativo.
Metalinguisticamente, em sua página de lançamento, o projeto explicava ao leitor o que era sua
proposta em termos de jornalismo colaborativo:
JORNALISMO COLABORATIVO, SEGUNDO O G1.
“A velocidade da informação na internet permite cada vez mais que o cidadão seja um
personagem atuante na divulgação de notícias por todo o mundo, deixando de ser apenas um
leitor ou espectador para se tornar um colaborador da produção do material veiculado.
‘Jornalismo colaborativo’, também chamado de ‘jornalismo cidadão’ ou ‘jornalismo participativo’,
é a produção de conteúdo jornalístico feita pelos cidadãos em colaboração com jornalistas
profissionais” (G1, 2007).
Fonte: Shutterstock.com
Em seus estudos sobre o VC no G1 , Corrêa e Madureira (2010, p. 173) afirmam que uma
característica muito presente nesse tipo de jornalismo digital colaborativo é a presença da
figura do cidadão como um jornalista “instanteneísta”.
Fazendo uso de um vocábulo cunhado por Ignacio Ramonet, Corrêa e Madureira (2010)
explicam que a configuração do público como um repórter “instanteneísta” se vê refletida no
número significativo de produções enviadas ao VC no G1 , que são caracterizadas como
flagrantes e, posteriormente, republicadas nos veículos do Grupo Globo como tal.
IGNACIO RAMONET
Jornalista e sociólogo espanhol, nascido no Marrocos, Ignacio Ramonet é ainda um importante
teórico da comunicação. Fez seu curso superior na França, doutorando-se em Semiologia pela
prestigiosa École des Hautes Études en Sciences Sociales. Na década de 1970, entrou para Le
Monde Diplomatique, tornando-se duas décadas depois seu diretor de redação. Também
colaborou com a mítica Cahiers du Cinema e com o jornal Libération. Ramonet dirige hoje a
edição espanhola do Le Monde Diplomatique.
javascript:void(0)
CONFIRA MAIS DETALHES SOBRE O VC NO G1
É importante, ainda, destacar que o VC no G1 é comumente usado em grandes programas da
TV Globo (como Jornal Nacional e Jornal Hoje ) e exibido em variadas situações no G1 em 1
Minuto (também exibido na emissora brasileira), quando há registros relacionados a tragédias
ambientais, flagrantes de crimes ou mesmo curiosidades próximas ao fait divers (isto é,
assuntos corriqueiros, engraçados ou peculiares que suscitam o interesse do público
justamente pela banalidade do acontecimento).
Fonte: Shutterstock.com
A forma de participação é simples, basta enviar fotos e vídeos ao site do G1 (e para as
produções que podem potencialmente ser usadas por todos os veículos pertencentes ao Grupo
Globo, por extensão).
Vamos saber mais sobre a relação do jornalismo colaborativo com o cidadão?
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atuação do jornalista no universo de mudanças recorrentes e ininterruptas que acontecem no
campo midiático e das linguagens comunicacionais, de forma indiscutível, começa também a
ser desafiada (no melhor dos sentidos) pelo avanço da participação do público nas rotinas de
produção jornalística.
Assim, o jornalismo participativo, o jornalismo colaborativo e o jornalismo opensource
postulam que o olhar sobre o polo da recepção é um olhar dinâmico, que vê espectadores e
sujeitos comuns como potenciais forças produtoras de comunicação e, acima de tudo, entende
o processo comunicacional como algo não estanque ou unívoco.
Desse modo, foi possível entender que, mesmo que existam mutações consideráveis em
relação aos papéis exercidos por emissores e receptores no jornalismo participativo, algumas
temáticas muito caras à produção jornalística, como credibilidade, confiabilidade e
transparência não se deixam ser esquecidas.
Em outros termos, mesmo com uma reconfiguração cada vez maior em termos de
desintermediação e descentralização das formas produtivas, tanto o jornalista quanto seu
público ainda precisam prezar pela qualidade das coletas, apurações e divulgação das
informações de interesse público.
 PODCAST
Escute o podcast com o professor Anderson Lopes da Silva recuperando os temas tratados em
Jornalismo Participativo.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ALVES, R. S. S. Compreensão da construção do cidadão-repórter por intermédio dos
modelos de colaboração em ambientes jornalísticos estruturados por tecnologias
digitais conectadas. 2010. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade Cásper
Líbero, São Paulo, 2010.
BAMBRILLA, A. M. Jornalismo open source : discussão e experimentação do OhmyNews
International. 2006. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Informação) – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
BENKLER, Y. The wealth of networks: how social production transforms markets and freedom.
Londres: Yale University Press, 2006.
BOWMAN, S.; WILLIS, C. We media: how audiences are shaping the future of news and
information. Reston: The Media Center at the American Press Institute, 2003.
CANAVILHAS, J. Da remediação à convergência: um olhar sobre os media portugueses.
In : Brazilian Journalism Research, v. 8, n. 1, 2012.
CORRÊA, E. S. As mídias sociais e o ciberjornalismo: reconfigurações de vozes. In :
MARQUES, A. et al . Esfera pública, redes e jornalismo. Rio de Janeiro: E-papers, 2009.
CORRÊA, E. S; MADUREIRA, F. Jornalista cidadão ou fonte de informação: estudo
exploratório do papel do público no jornalismo participativo dos grandes portais brasileiros. In :
Estudos em Comunicação, n. 7, v. 1, 157-184, maio/2010.
FRANCO, M. Periodismo participativo o la construcción del #Cooperiodismo, 2012.
Consultado em meio eletrônico em: 11 nov. 2020.
G1. Agora você pode publicar sua notícia no G1, 2007. Consultado em meio eletrônico em:
10 nov. 2020.
GIRARDI JÚNIOR, L. Trocas simbólicos nos ciberespaços e os processos de construção
de esferas públicas interconectadas. In : MARQUES, A. et al . Esfera pública, redes e
jornalismo. Rio de Janeiro: E-papers, 2009.
LEONARD, A. Open-source journalism: Slashdot members' vicious response to a
cyberterrorism story spurs a rewrite — and questions about geek-influenced journalism, 1999.
Consultado em meio eletrônico em: 11 nov. 2020.
MACHADO, E. Os desafios da produção descentralizada. Observatório da Imprensa, 2009.
Consultado em meio eletrônico em: 11 out. 2020.
MACHADO, J. Visibilidade dos campos sociais: a disputa pela legitimidade no contexto
midiático. Rizoma, Santa Cruz do Sul, v. 7, n. 2, p. 26, dez./2019.
MESQUITA, L. M. O impacto do Jornalismo Colaborativo no exercício da profissão na
atualidade: Análise comparada das plataformas ICIJ, Investigate Europe e Connectas.
Dissertação (Mestrado em Comunicação Social). Universidade de Lisboa, Lisboa, 2019.
NGUYEN, A. Journalism in the wake of participatory Publishing. In : Australian Journalism
Review, v. 28, n. 1, p. 47-59, 2006.
PRIMO, A.; TRÄSEL, M. R. Webjornalismo participativo e a produção aberta de notícias.
VIII Congresso Latino-americano de Pesquisadores da Comunicação, 2006, São Leopoldo.
Anais [...]. 2006.
SHMANSKE, S. News as a public good: cooperative ownership, price commitments, and the
success of the associatedpress. In : The Business History Review, v. 60, n. 1, p. 55-80, 1986.
SILVA, E. L.; LOPES, M. I. A internet, a mediação e a desintermediação da informação. In :
DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação - v.12 n.2 abr., 2011.
SILVA, M. H. S. C. O que é jornalismo colaborativo? Um estudo de caso: The Guardian
(2013). Monografia (Graduação em Comunicação Social – Jornalismo). Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
SILVEIRA, S. A. Esfera pública interconectada, blogosfera e redes sociais. In :
MARQUES, A. et al . Esfera pública, redes e jornalismo. Rio de Janeiro: E-papers, 2009.
SIMELIO, N. et al . Journalism, transparency and citizen participation: a methodological
tool to evaluate information published on municipal websites. In : Information, Communication
& Society, 2017.
STONBELY, S. Comparing models of collaborative journalism. Center for Cooperative
Media. Nova Jersey: Montclair State University, 2017.
EXPLORE+
Visite a plataforma de jornalismo participativo VC no G1 e reflita sobre quais são as formas de
comunicação pretendidas pelo portal de jornalismo online ao se dirigir aos espectadores.
Qual é o tipo de linguagem utilizada?
Como são feitos os protocolos de participação?
Que tipo de material é pedido pela plataforma?
Pondere, inclusive, sobre a importância desses portais noticiosos no processo de comunicação
entre si a partir da retroalimentação da informação fornecida pelo receptor ao emissor.
Para saber mais sobre a temática teórica relacionado ao jornalismo colaborativo, sugerimos a
leitura do detalhado trabalho de Daiane Lara Nora (2017), intitulado O Mapa do Jornalismo
Colaborativo e produzido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Para aprofundar-se mais no assunto, a dica é visitar o site do Projeto #Colabora, criado em
2015 por Agostinho Vieira, cujo modelo é baseado em redes de jornalistas e em criação de
conteúdo personalizado para sustentar a produção jornalística.
CONTEUDISTA
Anderson Lopes
 CURRÍCULO LATTES
javascript:void(0);
javascript:void(0);

Continue navegando